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research

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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este texto busca identificar a possível relação entre a legislação urbanística vigente no município de Betim e as diretrizes e instrumentos urbanísticos trazidos pelo Estatuto da Cidade, aprovado em 2001.

english
This essay seeks to identify the possible relationship between the current planning legislation of Betim City and the guidelines and urbanistic instruments brought by the Estatuto da Cidade, adopted in 2001.


how to quote

RODRIGUES, Lessandro Lessa. Município de Betim. Legislação urbanística e sua aderência ao Estatuto da Cidade. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 197.08, Vitruvius, out. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.197/6260>.

O objetivo deste artigo é fazer uma discussão relativa à legislação urbanística vigente em Betim, município integrante da Região Metropolitana de Belo Horizonte, e sua aderência às diretrizes e instrumentos urbanísticos disponibilizados pelo Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001.

Para tanto será apresentada uma retrospectiva acerca da formação da malha urbana do município. Tal análise não pode dispensar a relação existente entre a atual malha consolidada e o processo de metropolização de Belo Horizonte. Fruto de uma política que buscava a inserção da capital mineira no processo de industrialização do país, a cidade de Betim começa a ser integrada à capital de Minas Gerais a partir da criação da Cidade Industrial Juventino Dias, em Contagem. Inaugurada em 1946, a Cidade Industrial acabou por criar um vetor de atividades industriais no sentido Belo Horizonte – São Paulo, às margens da BR-381, o que impactou diretamente o território betinense.

Feita a análise da formação da malha urbana municipal e sua relação com o processo de consolidação da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o artigo passa a discutir as demandas e possibilidades trazidas pelo Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001, para a política urbana nacional. É fato que desde sua aprovação o Estatuto tem sido visto como um importante avanço na transformação positiva do espaço urbano nacional. Infelizmente, a observação da realidade dos fatos após quase quinze anos de sua aprovação é da sua pouca efetividade na grande maioria das cidades brasileiras (1).

Após a discussão sobre o Estatuto da Cidade e sua validade, o artigo entra na análise da legislação vigente no município de Betim. O objetivo é tentar verificar a existência, ou não, de uma relação entre os diversos instrumentos legais recentemente criados no município com o Estatuto da Cidade. Desde o ano de 1996, Betim tem procurado modernizar e adequar sua legislação urbanística ao processo de inserção metropolitana pelo qual passa. Este trabalho de adequação do marco legal não parou em 1996, mas continua em curso até os dias de hoje.

Mais recentemente, com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, o município foi demandado a adequar seu plano diretor, o que foi feito em 2007; criou a legislação complementar a ele e; regulamentou alguns dos instrumentos urbanísticos nele previstos. As leis da Transferência do Direito de Construir e da Outorga Onerosa do Direito de Construir deram início a este processo e foram seguidas pelo Código Obras; pela Lei de Parcelamento do Solo; pela Lei da Operação Urbana Consorciada e; finalmente, pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, aprovada em 2012. Este artigo pretende fazer uma rápida análise da efetiva aplicação das leis aprovadas e verificar se as mesmas acabaram por atender às expectativas que se tinha sobre elas no Estatuto da Cidade

Betim na Região Metropolitana de Belo Horizonte

A Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH foi constituída na década de 1970 pela Associação de 14 municípios: Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. Desde então a região tem sido modificada com o acréscimo de novos municípios à sua área de abrangência. Hoje são 34 os que fazem parte, alguns, como Itaguara, a uma distância considerável da capital, neste caso mais de 100 quilômetros pela BR-381. (2)

Além da distância física existente entre os diversos núcleos urbanos dos municípios inseridos na RMBH, a região também é conformada por municípios que se distanciam em relação à sua dinâmica urbana, demográfica, cultural, social e econômica. Os poucos quilômetros que separam Betim de Florestal, por exemplo, não correspondem à disparidade existente entre duas realidades econômicas e demográficas tão díspares. Da mesma forma, outros tantos municípios inseridos na RMBH com suas distintas características econômicas, sociais e urbanas, não permitem dizer que a região fica estabelecida como uma mancha homogênea de ocupação urbana (3).

Desde o momento de sua criação até os dias de hoje o que se percebe é a formação de um espaço heterogêneo. Nele a centralidade exercida pela capital fez com que grande parte dos moradores, das atividades econômicas e da infraestrutura social fosse ali instalada. O desafio imposto, passados mais de quarenta anos desde sua criação, é pela descentralização e reorganização deste espaço de forma a reforçar outras centralidades e, por consequência, tornando-o menos desigual em termos de oferta de serviços, oportunidades e qualidade de vida urbana (4).

Vista de satélite da RMBH com Betim em destaque
Imagem tratada pelo geógrafo Fabiano Milagres [Google Earth, 2016]

Este pensamento é expresso no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH – PDDI/RMBH, que prevê a consolidação de novas centralidades metropolitanas, dentre as quais a de Betim. Essa seria natural pela sua própria integração ao processo de formação da RMBH. O município de Betim pode ser compreendido como resultado da expansão da capital conformando uma região urbana. Neste processo ele foi transformado já a partir do início da industrialização do Estado de Minas Gerais, ainda no Governo Juscelino Kubitschek (5).

A criação da Cidade Industrial Juventino Dias, em Contagem, nos anos 1940, assim como a abertura da BR-381 ligando Belo Horizonte a São Paulo anos mais tarde, foram ações importantes que fortaleceram o vetor oeste da hoje estabelecida RMBH. Estas duas ações serviram para viabilizar o início do processo de industrialização do Estado e deram impulso à ocupação do território betinense. A instalação da Refinaria Gabriel Passos - REGAP e da FIAT Automóveis, em território betinense, anos depois, nas décadas de 1960 e 1970, respectivamente, deram início a uma nova lógica de ocupação do território municipal (6).

Antes, porém, ainda nos anos 1950 e como consequência da instalação da Cidade Industrial em Contagem, o município já via seu território ser parcelado em novos loteamentos. Esses, estrategicamente projetados às margens da BR-381 no sentido Belo Horizonte - São Paulo, formaram a base para a ocupação dos migrantes que chegaram maciçamente no município a partir dos anos 1970. Infelizmente, em decorrência da não exigência legal pela implantação daqueles loteamentos no momento da sua aprovação, muitos foram executados posteriormente, à revelia do previsto em papel e sem a infraestrutura urbana adequada.

Esta situação levou à ocupação informal de grandes extensões de terra, principalmente em frente ao primeiro polo industrial de Betim, conformado pela REGAP e FIAT. As regiões de Teresópolis, Imbiruçu, Alterosas e PTB, quatro das oito regiões administrativas do município, foram as que mais profundamente experimentaram este processo. Hoje, já completamente ocupadas por atividades residenciais e econômicas importantes para o município, acabaram por conformar uma mancha urbana conurbada com os municípios de Contagem e Belo Horizonte, assim como com o próprio núcleo de ocupação inicial do município (7).

Desde então, além daquela ocupação industrial inicial, Betim tem recebido outros polos de atividades econômicas respeitáveis. Alguns implantados pelo Estado de Minas Gerais, como os Distritos Industriais Paulo Camilo I, II e III; pelo município, como o DI Bandeirinhas e; mais recentemente, pela iniciativa privada, como o Parque Torino, ao lado da REGAP e o Parque Industrial de Betim, às margens da BR-262. Todos estes acabaram por fazer de Betim o principal polo industrial da RMBH e do próprio Estado de Minas Gerais, ultrapassando, inclusive, o município de Contagem, berço da industrialização mineira (8).

Desta forma, a organização do espaço metropolitano, do momento da sua criação aos dias atuais, não pode ser compreendido sem a visão do papel protagonista do município de Betim. Em um primeiro momento por ter viabilizado a modernização da atividade industrial no Estado com a vinda da REGAP e da FIAT Automóveis. Mas, atualmente, também pela sua capacidade de ofertar aquilo que antes somente Belo Horizonte ofertava, ou seja: serviços; mercadorias; postos de trabalho; e espaços qualificados para a moradia de um número expressivo de cidadãos metropolitanos.

A localização geográfica estratégica, na confluência das BRs 262 e 381, da MG 050 e da Via Expressa Leste-Oeste, que liga o centro da capital a Betim passando por Contagem, fortalece sua consolidação como núcleo capaz de dar suporte à política de descentralização da região. O potencial para reter em seu território aqueles cidadãos vindos das regiões sul e oeste do Estado em busca de produtos e serviços especializados, até então somente ofertados na capital, fizeram com que Betim tivesse suas características transformadas. Hoje, além da atividade industrial, a cidade também se apresenta como prestadora de serviços nas áreas de saúde e educação.

Mapa de Betim com destaque para as regionais, FIAT, REGAP, Rodovias
Imagem divulgação

Da mesma forma, as atividades comerciais têm vivenciado novo impulso com a instalação de dois importantes centros de compras. Estes foram planejados para atender uma população residente não somente em Betim, mas também em cidades vizinhas, como Divinópolis, Itaúna, Pará de Minas, Mateus Leme, Florestal, Juatuba, Itaguara, Itatiaiuçu, Igarapé, Brumadinho, Sarzedo, Mário Campos e São Joaquim de Bicas. Estratégia esta que faz com que Betim trabalhe como um filtro para aqueles que buscam atendimento no comércio varejista metropolitano.

E, por fim, mas não menos importante, percebe-se nos agentes do mercado imobiliário uma movimentação no sentido de ofertar moradia de melhor qualidade para todas as faixas sociais. Desta forma o município teria condição de atrair novos moradores vindos das cidades vizinhas. Muitos deles trabalhadores nos diversos setores econômicos baseados em Betim, mas que ainda moram na vizinhança onde encontram melhor oferta de moradia em preço e qualidade.

Essa nova tendência tem por consequência natural o atendimento à diretriz do planejamento metropolitano de descentralizar a região. A oferta de serviços, produtos, assim como, espaços qualificados de moradia acabarão por consolidar Betim como uma centralidade metropolitana. Centralidade essa, importante analisar, fruto de um processo natural decorrente das forças de mercado atuantes na região, mas também de uma ação de planejamento estatal, seja ela da união, do estado, ou do próprio município.

A propósito, cabe aqui destacar o esforço pioneiro feito pelo Estado de Minas Gerais no sentido de implantar o planejamento metropolitano mesmo antes da recente aprovação do Estatuto da Metrópole, Lei Federal 13.089/2015. Ainda em 2006, com a aprovação da Lei Complementar Estadual 88, de 12/01/2006, o Estado passou a criar a legislação e estrutura administrativa que tem dado suporte às ações de planejamento metropolitano. Atualmente, após a aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH pela Assembleia Metropolitana da RMBH, em 2011, os esforços têm sido concentrados na formulação e aprovação do Macrozoneamento Metropolitano. Este último, importante frisar, mais um instrumento de planejamento territorial que considera o protagonismo de Betim dentro da lógica de desenvolvimento da RMBH e confere à cidade o status de centralidade metropolitana.

Estatuto da Cidade

Aprovado em 2001, através da Lei Federal 10.257, o Estatuto da Cidade representou uma boa nova para a política urbana nacional. Isto por ser compreendido como uma possibilidade para a modificação positiva da realidade das cidades brasileiras. Fruto do trabalho intenso do movimento pela reforma urbana no Brasil, o Estatuto tornou legal uma série de instrumentos urbanísticos e, diretrizes de desenvolvimento urbano capazes de modificar a realidade urbana nacional (9).

A sua elaboração e aprovação no Congresso Nacional aparecem como uma resposta à realidade das cidades brasileiras dos anos 1970 para cá. Fruto de uma lógica excludente de planejamento e produção, o Brasil urbano do fim do século passado materializava em seu espaço uma série de desigualdades encontradas em nossa sociedade. As ocupações espontâneas esparramadas pelo território nacional em áreas ambientalmente inadequadas; ocupadas de forma precária e; onde a posse é o instrumento de permanência dos seus moradores; continuam sendo os exemplos deste modelo que relegou as sobras àqueles que ajudaram a construir as cidades e sua riqueza (10).

Foi através das mudanças trazidas pela Constituição de 1988 e posteriormente pelo Estatuto da Cidade que se vislumbrou a reversão dos processos negativos já consolidados no Brasil urbano. Infelizmente, passados quase quinze anos desde sua aprovação, o que se percebe é a subutilização do Estatuto pelas cidades brasileiras. Antes pelo contrário, o que ainda se vê é o acirramento das desigualdades no espaço urbano brasileiro e a consolidação de um quadro contra o qual se pretendia opor. Isso, apesar dos esforços empreendidos por alguns município no sentido de implementar as diretrizes e instrumentos trazidos pelo Estatuto da Cidade (11).

O problema estaria na forma como a divisão das atribuições urbanas entre os entes federados foi estabelecida. O processo concentrado de formação da rede urbana brasileira não permite tratar o desenvolvimento urbano como uma questão exclusivamente municipal. Aliada a esta lógica também deve haver uma organização que comporte modos associados de planejar considerando as regiões metropolitanas e os consórcios municipais, algo incipiente no Brasil. (12).

Outra questão a se considerar é a oportunidade até então perdida com os novos planos urbanísticos elaborados a reboque do Estatuto da Cidade. Quantitativamente eles atenderam às expectativas, como demonstram dados do Min. das Cidades. Do ponto de vista qualitativo, entretanto, a questão não foi resolvida, pois os novos planos não trataram a questão da propriedade da terra; continuam excludentes pela complexidade do seu conteúdo; não são autoaplicáveis; exigem regulamentações difíceis de serem levadas a cabo; e não interferem na forma como atuam os gestores municipais (13).

Pode-se também argumentar que as dificuldades para a implantação do Estatuto nas cidades brasileiras estão divididas em duas dimensões: exógena e endógena. Na primeira estaria colocada a disputa entre modos de entender a terra urbana pelo seu valor de uso, ou pelo seu valor de troca. Intrínseca a essa discussão fica aquela relativa à validade da propriedade particular da terra urbana e sua relação negativa com as necessárias transformações do espaço urbanizado (14).

A segunda dimensão diz respeito às dificuldades enfrentadas pelo grau de complexidade dos planos diretores. Estes, é importante ressaltar aqui mesmo que tardiamente, com a aprovação do Estatuto da Cidade passam a ser compreendidos como o principal instrumento da política urbana municipal. A tradução para a realidade local/municipal das diretrizes de desenvolvimento urbano previstas no Estatuto, assim como a adequada designação de instrumentos passíveis de uso pelos municípios, deve estar presente nos planos diretores. Apesar dos esforços e de extensivamente aplicados, os planos não conseguiram atingir seu objetivo maior de fazer valer a função social da propriedade urbana e da cidade (15).

Outras análises relativas ao Estatuto e seus resultados, passados quase quinze anos da sua aprovação, foram feitas. Existe o debate de que esteja nos projetos de reforma urbana em disputa no Brasil o centro da questão. Seriam três momentos distintos desde os anos 1980 e cada um com sua importância e interesse.

Primeiro as forças populares tentando pautar o processo de redemocratização do país, o que acabou levando à aprovação de uma nova Constituição Federal e do próprio Estatuto da Cidade. Depois as forças neoliberais, marcadamente atuantes no país durante os anos 1990, tentando inserir a economia nacional na nova lógica global de produção econômica e consequentemente do espaço urbano. E, por fim, as mudanças recentes no cenário político e econômico brasileiro, pós-eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. A forte mobilização impulsionada pela criação e pelas ações iniciais do Ministério das Cidades e pelo dinamismo econômico dos anos Lula acabou intensificando o confronto entre os interesses da base do movimento pela reforma urbana com aqueles dos agentes do mercado imobiliário e do próprio mercado financeiro.

A argumentação, novamente, leva à compreensão de que houve uma oportunidade perdida. A lógica corporativista e patrimonialista de gestão das cidades brasileiras tem vencido a batalha. Isto tem abafado as históricas reivindicações do movimento pela reforma urbana e levado à cristalização das desigualdades sociais também no espaço urbano (16).

Por fim a conclusão de que o atual estágio de organização, ou desorganização, das cidades brasileiras seja a causa das recentes demonstrações públicas de descontentamento ocorridas em 2013. Pode-se dizer que os avanços econômicos, legais e institucionais verificados nos últimos anos no país, em especial com a aprovação do Estatuto da Cidade, não foram suficientes para amenizar as desigualdades urbanas ainda presentes no espaço urbano brasileiro. Este raciocínio permite dizer que as cidades brasileiras foram produzidas para gerar lucros para as pessoas jurídicas e não para acomodar a vida das pessoas físicas, o que seria uma completa transgressão daquilo preconizado pelo Estatuto da Cidade e por aqueles que discutem a questão do direito à cidade (17).

Cabe aqui um parágrafo. A falha dos planos em fazer valer a função social da propriedade urbana e mesmo da cidade, muitas das vezes decorre de suas próprias deficiências, como já mencionado. A imprecisão de planos diretores genéricos, desprovidos de detalhamentos básicos relacionados aos parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, transforma-os em peças interessantes de se ler, mas de impossível aplicação prática nas cidades (18).

Mas, nem tudo está perdido. Apesar das inúmeras questões acima relatadas não se pode deixar de considerar algumas exceções. Essas, como não poderia deixar de ser, têm ocorrido com maior frequência em cidades que têm acúmulo popular nas discussões que envolvem a política urbana. Da mesma forma, em geral as poucas exceções estão onde existem gestores públicos comprometidos com a diminuição das desigualdades encontradas em seu espaço territorial e não com a força do capital se impondo no espaço urbano. Os casos de Belo Horizonte, São Paulo, Recife, São Bernardo do Campo, Betim e Santo André são alguns dos que podem ser citados como incomuns (19).

Nestes municípios instrumentos urbanísticos os mais variados têm sido aplicados e com relativo sucesso, como a Transferência do Direito de Construir em Belo Horizonte, que deu suporte à política local de proteção do patrimônio histórico e cultural. A viabilização das Zonas de Especial Interesse Social e do IPTU Progressivo no Tempo previstos nos novos planos diretores de São Paulo e São Bernardo do Campo. As questionadas Operações Urbanas Consorciadas em curso nos municípios de São Paulo e Belo Horizonte. A Outorga Onerosa do Direito de Construir em uso em Betim e que será discutida ainda neste artigo. Por fim os instrumentos de democratrização da gestão municipal, como os Orçamentos Participativos, os diversos Conselhos de Política Urbana e os Estudos de Impacto de Vizinhança, que por anos permitem a oxigenação das administrações públicas, com destaque a de Belo Horizonte.

Infelizmente, pode-se argumentar, esses exemplos ainda são as exceções. Atualmente o universo total de municípios brasileiros com planos diretores elaborados ultrapassa os 2.300. No momento da aprovação do Estatuto, no ano de 2001, este universo não chegava a 600 municípios. Destes, pode-se contar nos dedos aqueles que conseguiram, ou estão em vias de conseguir, aplicar diretrizes e instrumentos urbanísticos trazidos pelo Estatuto levando assim à validade da função social da cidade e da propriedade urbana (20).

Assim, o que se tem percebido é que o Estatuto, apesar de inovador em conteúdo e no processo que culminou com sua aprovação, não tem sido capaz de dar as respostas para as questões inicialmente colocadas. As cidades brasileiras, mesmo com os avanços urbanísticos legais trazidos pelo Estatuto, não têm sido transformadas para melhor como esperado. Por trás deste parcial fracasso estariam questões as mais diversas, dentre as quais caberia destacar a força do capital e de seu impacto sobre o espaço urbano; a fragilidade técnica e falta de compromisso político de gestores públicos com a reversão de processos de exclusão sócio-territorial no espaço urbano; a cultura patrimonialista presente no arcabouço legal brasileiro, que atrapalharia o cumprimento das funções sociais das propriedades urbanas e das cidades; a complexidade das legislações urbanísticas e dos procedimentos locais de licenciamento urbanístico; a lógica do planejamento local presente na Constituição Federal, em detrimento do regional mais afeito à característica adensada da rede urbana nacional; a fragilidade dos processos de participação social na gestão dos planos; dentre outras.

A legislação urbanística no município de Betim

Betim, foco de atenção deste artigo, não pode ser vista como uma cidade onde as questões levantadas no item anterior sejam irrelevantes. Antes pelo contrário, o que se observa é uma estrita relação entre o até então argumentado e a realidade local. Infelizmente, apesar dos constantes esforços demonstrados pelo poder público municipal com a elaboração de todo o arcabouço legal, Betim não conseguiu melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes e usuários.

Os fatos indicam a existência de uma cidade partida, onde espaços de exclusão persistem décadas após décadas de ocupação. Esta realidade decorre de muitos fatores. Pode-se falar da existência de uma legislação urbanística complexa que, apesar dos esforços recentes pela simplificação, muitas vezes não é aplicada pela falta de compreensão dos interessados. Da mesma forma pode-se falar também dos procedimentos de licenciamento tortuosos, os quais acabam mais confundindo do que ajudando a aplicação do conteúdo da legislação urbanística. Por fim pode-se dizer da incapacidade, ou mesmo da falta de interesse, dos gestores locais em enfrentar a força do capital atuante no território municipal.

Bairro na Região de Teresópolis, Betim, 2016 [Acervo próprio]

A cidade vive em um modelo excludente de produção do espaço urbano. Nele, assim como nas grandes cidades, os mais ricos caminham para os condomínios fechados e os mais pobres permanecem em espaços de pouca, ou desqualificada, infraestrutura urbana.  Desta forma, quando deparados com a realidade, percebe-se que o arcabouço legal existente não têm sido capaz de apresentar respostas concretas aos problemas do cotidiano.

Condomínio Montsserat, Betim, 2016 [Acervo próprio]

A começar pela lei de estruturação geral do território municipal, ou seja, seu plano diretor. Um primeiro plano foi elaborado ainda na década de 1960, havendo depois um novo instrumento aprovado em 1996 e outro mais recente, em 2007, já considerando a aprovação do Estatuto da Cidade. Depois disso, em 2011 e 2014, ele acabou sofrendo adequações pontuais.

Cabe frisar que aqui, o plano elaborado através de consultoria prestada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, ainda na década de 1960, não será analisado. Da mesma forma, não será dado destaque às alterações mais recentes do plano, 2011 e 2014, pelo fato de serem adequações pontuais. Os esforços aqui ficarão concentrados nos planos de 1996 e 2007, os quais foram elaborados sob a influência do Estatuto da Cidade, ou mesmo pelos ares democráticos trazidos pelo movimento de reforma urbana, na década de 1990. Esses já trazem em seu conteúdo o DNA das alterações propostas pelo Estatuto.

Desde 1996, Betim conta com planos diretores elaborados com a visão de cidade desenvolvida pelo movimento de reforma urbana. Mesmo que ainda anterior à aprovação do Estatuto da Cidade, que viria a ocorrer em 2001, o plano diretor aprovado pela Câmara Municipal de Betim, através da Lei 2.963/1996, já trazia em seu conteúdo temas até então não formalmente tratados na legislação urbanística nacional. O exemplo maior fica reservado ao Título IV daquele plano, que trata de instrumentos do plano diretor.

Dentre os diversos apresentados, o plano coloca à disposição do município alguns que teriam a capacidade de fazer valer a função social da propriedade. O instrumento do parcelamento e edificação compulsória, por exemplo, deveria ter possibilitado a ocupação de vazios urbanos responsáveis pelo encarecimento da manutenção da cidade e oferta de infraestrutura. Passadas quase duas décadas desde sua aprovação, o instrumento não só não foi aplicado, como também não foi regulamentado pelo município. Pior ainda, devido à disputa política local, a partir de 2001 o município deixou de contar com a cobrança de IPTU de considerável contingente populacional, com a aprovação de lei municipal que isentava a cobrança do imposto.

Este é um exemplo isolado da não transformação em ações daquilo que foi aprovado em discurso. A lista de exemplos como este é extensa e se repete não somente naquilo que se refere aos instrumentos do plano diretor. Da mesma forma que instrumentos não foram utilizados, também políticas setoriais diversas, obras de infraestrutura e melhoria de prestação de serviços, não foram transformadas em realidade.

Esta não foi uma característica exclusiva do plano de 1996, que poderia então ser chamado de plano discurso. O plano que o substituiu, já elaborado sob os preceitos do Estatuto da Cidade foi aprovado através da Lei 4574/2007. Este, assim como o anterior, também tratou a questão do desenvolvimento urbano de uma forma ampliada. Infelizmente, assim como o plano de 1996, o de 2007 também previu instrumentos que não foram aplicados e regulamentados. Da mesma forma, diretrizes de política setorial e intervenções em infraestrutura que não foram executadas (21).

O que o plano de 1996 trouxe de positivo foi uma proposta de estruturação do território, a qual foi mantida no plano de 2007. Ela foi pensada de forma estratégica pela equipe que o desenvolveu e fez com que a cidade hoje seja mais integrada e articulada. Integração essa, importante ressaltar, tanto interna entre suas diversas regiões, assim como regional com os municípios da RMBH. Para isso, algumas obras de infraestrutura viária foram primordiais, dentre as quais cabe destacar a Alça à Rodovia BR-381; a Av. Marco Túlio Isaac e a Via Expressa Leste-Oeste.

Vista de satélite com destaque para as intervenções viárias
Imagem tratada pelo geógrafo Fabiano Milagres [Google Earth, 2016]

A primeira, além de conectar a porção sul do território ao resto da malha urbana, proporcionou a criação de um novo vetor de expansão urbana e de um novo polo industrial, conhecido como DI Bandeirinhas. A segunda, também conhecida como Av. Riacho das Areias, corta a cidade de leste a oeste e alinhavou regiões antes isoladas dentro do território municipal, como Imbiruçu, Teresópolis, Alterosas e PTB. Por fim a Via Expressa Leste-Oeste, que sai do centro de Belo Horizonte, passa por Contagem e chega a Betim no entroncamento da BR-381/262 com sua alça de contorno e a Av. Marco Túlio Isaac, servindo de alternativa à articulação do município com a RMBH.

Um dos motivos pelos quais o plano de 1996 não foi levado a cabo se relaciona com a falta de regulamentação de muitos dos instrumentos urbanísticos nele previstos. Esse mesmo equívoco aconteceu com o plano de 2007, que somente teve parte dos seus instrumentos regulamentados entre os anos 2010 e 2012. Neste período o município elaborou e aprovou várias leis regulamentando instrumentos complementares ao plano.

Os primeiro foram a Transferência do Direito de Construir e a Outorga Onerosa do Direito de Construir, aprovados através das leis municipais 5035 e 5034 de 2010, respectivamente. Estes instrumentos foram criados com o objetivo de viabilizar políticas locais de proteção do patrimônio histórico, cultural e ambiental, assim como de viabilizar a implantação de sistema viário. Infelizmente, pode-se argumentar que tais políticas e ações não sofreram impacto positivo decorrente da aplicação dos instrumentos.

Desde sua aprovação não foi solicitada à prefeitura nenhuma transferência de potencial que ajudasse a proteger o patrimônio edificado, ou mesmo o natural. Por consequência, não foi verificado o uso da outorga advinda da compra de potencial transferido. O que tem sido consideravelmente utilizado é a outorga, através da compra direta de potencial junto ao executivo municipal. Esta modalidade, propiciada pela Lei da Outorga Onerosa do Direito de Construir, é também conhecida como solo criado e tem atendido aos interesses produtivos do mercado imobiliário, que busca potencializar o resultado dos terrenos que desenvolvem.

A outorga em Betim tem sido usada em sua plenitude, não havendo registro de compradores de parte do permitido. O plano diretor definiu os coeficientes de aproveitamento básicos, que variam de 1 a 2 de acordo com a região, e permitiu, com o pagamento da outorga, elevar em 20% até o máximo. O uso da outorga tem sido concentrado nas áreas centrais, com a compra dos possíveis 20% de acréscimo ao básico permitido.

Vista aérea da Região Centro, Betim, 2016 [Acervo próprio]

A transferência do direito de construir, por sua vez, não tem sido utilizada. A política local de proteção do patrimônio não absorveu a lógica do instrumento, assim como a de proteção ambiental. O impedimento de transferência entre regiões administrativas acaba inibindo o uso da transferência. Em resumo pode-se dizer que nas regiões em que há áreas passíveis de proteção ambiental, não há demanda por coeficiente excedente de construção. Por outro lado, os imóveis particulares tombados pelo patrimônio histórico e cultural são inexistentes, o que leva à falência do instrumento como elemento de fortalecimento das políticas locais de proteção ambiental e histórica.

Mapa do Plano Diretor com destaque para as áreas verdes
Imagem divulgação

Passada a regulamentação destes dois instrumentos de desenvolvimento urbano, a prefeitura enviou para a Câmara Municipal e teve aprovado seu novo Código de Obras, através da Lei 5.116/2011. Este foi fruto da necessidade de adequação da legislação aos novos tempos considerando que o anterior datava de 1969 e alterações posteriores. Impensável uma cidade com a dinâmica urbana de Betim ter de lidar com um regramento construtivo da década de 1960 em pleno ano de 2010.

O grande desafio do novo Código de Obras foi pela simplificação das regras de aprovação e pela inclusão de dispositivos de regularização de edificações. Estes dois princípios fazem parte daqueles apresentados pelo Estatuto. Apesar das diversas tentativas vindas dos servidores públicos municipais no sentido de manter a lógica anterior, venceu a lógica da simplificação e divisão de responsabilidades entre técnicos da prefeitura, responsáveis técnicos pelos projetos e proprietários de obras em aprovação.

Assim, processos que antes demoravam meses para aprovação tiveram análise simplificada e, consequentemente, tempo de aprovação reduzido. Da mesma forma, aberrações decorrentes de irregularidades edilícias e que impediam a regularização documental de diversos imóveis foram sanadas. Desta forma, pode-se considerar que, diferentemente do plano diretor, e dos instrumentos citados anteriormente, o Código de Obras ajudou o município a avançar no sentido de atender aos preceitos do Estatuto da Cidade.

Seguindo a mesma lógica de simplificação de procedimentos e análise para melhor atendimento das necessidades dos cidadãos, a Lei de Parcelamento do Solo foi elaborada e aprovada como Lei 5.169/2011. Seu grande trunfo foi estabelecer de forma clara as diversas modalidades de parcelamento; as diretrizes para regularização de parcelamentos irregulares; assim como permitir novos procedimentos de análise. Importante ressaltar que os parcelamentos irregulares existentes no município são inúmeros e muitos deles, inclusive, resultantes da complexidade dos processos de aprovação.

A nova Lei de Parcelamento do Solo, assim como o Código de Obras, substituiu instrumento aprovado ainda na década de 1960. Neste caso, diferentemente do anterior, havia um regramento nacional, a Lei 6766/1979, que deu suporte para as análises feitas no município. Como resultado positivo da nova lei municipal, vale ressaltar a regularização fundiária do Bairro Vila Cristina, que já havia sido urbanizado e completamente habitado, desde a década de 1990 e que, por falta de suporte legal, não podia ser regularizado com percentuais de áreas verdes e institucional inferiores daqueles previstos na Lei Federal 6766/1979 para novos parcelamentos. Mesmo considerando que estes percentuais não eram atingidos devido a desapropriação de áreas do loteamento utilizadas para a implantação da Via Expressa Leste-Oeste.

Vista de satélite do Bairro Vila Cristina
Imagem tratada pelo geógrafo Fabiano Milagres [Google Earth, 2016]

Assim como no caso do novo Código de Obras, outro resultado positivo foi a simplificação dos procedimentos de análise. A responsabilização dos técnicos pela elaboração de projetos em acordo com as normas técnicas vigentes no país, assim como dos proprietários pela correta execução dos mesmos, facilitou a análise de projetos de parcelamento do solo. Tal prática administrativa permitiu a aprovação de cinco novos loteamentos no município entre 2011 e 2012, algo improvável com as regras e procedimentos anteriores.

No ano seguinte, 2012, o município regulamentou o instrumento da Operação Urbana Consorciada. Através da Lei Municipal 5.245/2012, Betim passou a ter a possibilidade de usar um instrumento capaz de fazer alterações significativas na sua malha urbana. E estas têm sido feitas através de duas operações já aprovadas e em fase de implantação.

A primeira, conhecida como Operação Urbana Consorciada do Córrego Santo Antônio, Lei Municipal 5.254/2012, tem por objetivo principal regularizar fundiariamente o Distrito Industrial de Bandeirinhas, na região sul do território municipal. A segunda, conhecida como Operação Urbana Consorciada das Aroeiras, Lei Municipal 5.255/2012, tem por objetivo a implantação de conjunto viário capaz de integrar a Região de Citrolândia ao núcleo de ocupação inicial do município; a implantação de parques e; a implantação de espaço para a instalação de atividades econômicas de impacto capazes de duplicar a arrecadação de ICMS pelo município. Ambas têm apelo para o desenvolvimento econômico municipal por agregarem novas áreas para a instalação de atividades industriais, comércio varejista e atacadista, assim como de prestação de serviços capazes de impactar a malha urbana existente.

Importante salientar que, conforme solicitado pelo Estatuto da Cidade, o uso do instrumento da operação urbana consorciada somente seria possível com o prévio estudo de impacto de vizinhança e ambiental. Estes, no caso de Betim, foram feitos em acordo com a legislação federal, devido à inexistência naquele momento de regramento local para a elaboração de EIV. O processo, conforme diretriz federal, foi acompanhado da devida participação da comunidade diretamente afetada pelas operações.

Vista de satélite do Parque Industrial de Betim - PIB
Imagem tratada pelo geógrafo Fabiano Milagres [Google Earth, 2016]

Por fim a Lei de Uso e Ocupação do Solo de Betim, Lei Municipal 5.386/2012, que substituiu a anterior, datada da década de 1980. Assim como as demais, esta também tem um papel importante na organização do território municipal. Infelizmente, pela falta de publicação de decreto pelo executivo estabelecendo a relação dos usos com o sistema viário, este instrumento não tem sido usado em todo seu potencial.

Similar aos outros instrumentos, este também se preocupou com a regularização. Neste caso o foco foram as atividades em curso no território municipal sem a devida regulamentação. Essa situação resultava do fato da lei anterior não cobrir todo o território municipal. Betim, município com número considerável de estabelecimentos econômicos, funcionava com regras de uso e ocupação voltadas somente para seu núcleo de ocupação histórica. Hoje, mesmo com a possibilidade do estabelecimento de regras claras por todo o território, continua a funcionar com diretrizes genéricas presentes no seu plano diretor, o que se pode considerar fruto da falta de interesse dos atuais gestores em consolidar o regramento legal aprovado.

O que se percebe, após essa rápida análise sobre os diversos instrumentos urbanísticos em uso na cidade de Betim é que houve por parte do município, em determinados momentos históricos e intensidades, uma preocupação em adequar sua legislação ao marco legal federal. A busca pelo atendimento ao que é apresentado pelo Estatuto da Cidade é verificada em discurso, que está impresso nos textos legais. Da mesma forma, pode ser observado em diversas ações levadas adiante pelo município, como, por exemplo, aquelas de simplificação do texto legal e de sua aplicação, assim como da regularização de espaços parcelado, ocupados, utilizados e construídos de forma espontânea pela população.

Entretanto, assim como a crítica feita de forma recorrente ao próprio Estatuto da Cidade, a legislação urbanística de Betim também não tem servido para melhorar de forma significativa a vida das pessoas que habitam e usam seu território. Todos os esforços para o estabelecimento de um novo regramento urbano ainda não propiciou a construção de uma cidade mais igual e menos partida. Talvez, pode-se pensar de forma positiva, pelo pouco tempo existente desde a aprovação dos instrumentos indicados e o tempo presente, ou de forma negativa, pela falta de interesse e força dos gestores municipais em sua esperada luta contra as desigualdades ainda existentes no espaço territorial do município.

Conclusão

O artigo procurou verificar a existência, ou não, de relação entre a legislação urbanística do município de Betim e o conteúdo de propostas do Estatuto da Cidade. Ao final, pode-se dizer que esta relação existe em discurso e em ação. Os diversos instrumentos urbanísticos legais vigentes em Betim procuram adequar à realidade municipal aquilo proposto para todos os municípios do país através do Estatuto da Cidade.

Infelizmente, deve-se aqui considerar, esta adequação não tem trazido resultados efetivos para a população moradora e usuária da cidade. Assim como observado anteriormente neste artigo, também o próprio Estatuto é questionado quanto à sua efetividade e aplicabilidade nos muitos municípios brasileiros. As causas para sua pouca efetividade, parecem ser as mesmas para a pouca efetividade dos instrumentos legais vigentes em Betim.

Os instrumentos já regulamentados em Betim são resultantes de um modelo de planejamento que não tem sido capaz de atuar de forma efetiva nas principais questões que fazem perpetuar as desigualdades presentes no espaço urbano brasileiro. Mesmo com alguns avanços percebidos na simplificação das leis; na aplicação das mesmas; assim como na regularização de parcelamentos, edificações e atividades; a vida das pessoas ainda não melhorou o tanto que se esperava. A pergunta que se faz é: estaria este modelo de planejamento morto, antes mesmo de atingir sua idade adulta?

Uma possível resposta poderia estar no formato, que privilegia o local, em detrimento do regional. E Betim é uma cidade completamente inserida na lógica metropolitana. O artigo apresentou uma cidade que se desenvolveu com a RMBH. Seus problemas, consequentemente, não podem estar muito distantes daqueles observados na região e decorrentes da sua consolidação. Sendo assim, uma alternativa seria envidar esforços para fortalecer os vínculos entre o plano local e o regional, conforme solicitado pela recente legislação metropolitana de planejamento e pelo próprio Estatuto da Metrópole.

Mesmo assim, há que se ter paciência, pois o plano regional começa agora a ser regulamentado. Por outro lado o Estatuto da Metrópole, que apesar de necessário ainda é uma novidade. Assim, entre a regulamentação e a efetiva implementação dos instrumentos citados anos devem passar. Neste caso, a situação é um tanto mais complexa, pois as desigualdades existentes entre os diversos municípios que conformam a região são muitas.

Betim, sendo assim, parece permanecer no ponto em que sempre esteve. Não deixa de ser um importante ator no desenvolvimento da região, mas continua observando seus reflexos e pouco agindo sobre eles. Internamente também não parece haver grandes avanços, já que apesar de toda a adequação da legislação urbanística municipal as pessoas continuam vivendo em um espaço de desigualdade.

Como deixar de considerar a importância dos gestores e da participação popular? Gestores comprometidos com a diminuição histórica das desigualdades presentes no espaço urbano betinense podem ajudar a mudar a realidade. Mas, certamente, esta luta não será vencida sem a constante, aguerrida e qualificada participação dos diversos setores sociais.

Até então o que se percebe é a articulada e bem fundamentada participação dos setores produtivos neste processo. Assim, instrumentos e ações têm sido implementadas no sentido de atender aos seus interesses. Por outro lado, infelizmente, as camadas populares têm ficado de fora deste debate, já que não têm conseguido fazer valer sua voz e interesses, seja pela sua desarticulação, pela sua falta de foco, ou mesmo pela falta de espaço a elas garantido.

notas

1
FERNANDES, Edésio. Reforma urbana e reforma jurídica no Brasil: duas questões para reflexão. In: COSTA, Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes de (org.). Planejamento urbano no Brasil: trajetória, avanços e perspectivas. Belo Horizontes, Editora C/Artes, 2008.

2
MONTE-MÓR, Roberto L. M.; PAULA, João Antônio de. Formação histórica: três momentos da história de Belo Horizonte. Relatório de pesquisa. Belo Horizonte, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, s/d <www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/pbh/arquivos/Mod1.pdf>.

3
AUGUSTO, Hélder; BRITO, Fausto. Migrações em Minas Gerais: tendências recentes a partir da análise de suas microrregiões. In: Anais: XII Seminário sobre a Economia Mineira. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2006. (CD-ROM).

4
CAMARGOS, Elisangela. Movimentos migratórios e pendulares na RMBH: o caso de Betim no final do século XX. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Cedeplar/FACE/UFMG, 2006.

5
MONTE-MÓR, Roberto L. M.; PAULA, João Antônio de. Op. cit.

6
COSTA, Geraldo Magela. Consequências socioespaciais de grandes projetos industriais: o caso da FIAT Automóveis, Betim/Região Metropolitana de Belo Horizonte. In: GONÇALVES, Maria Flora; BRANDÃO, Carlos Antonio; GALVÃO, Antônio Carlos (org.) Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo, Edunesp/Anpur, 2003.

7
COSTA, Geraldo Magela; FLORES, Carlos Eduardo. A expressão sócio-econômica e espacial da dinâmica ocupacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH. Relatório de pesquisa. Belo Horizonte, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, s/d <www.abep.nepo.unicamp.br/docs/eventos/transdisciplinar/trab_costa.pdf>.

8
CAMARGOS, Elisangela. Op. cit.

9
ROLNIK, Raquel. Dez anos do Estatuto da Cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa do Mundo. In: RIBEIRO, Ana Clara Torres; VAZ, Lilian Fessler; SILVA, Maria Lais Pereira. (Org). Leituras da cidade. Rio de Janeiro, Letra Capital/Anpur, 2012.

10
MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: Otília Arantes, Carlos Vainer, Ermínia Maricato. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Rio de Janeiro, Vozes, 2000.

11
ARANTES, Pedro Fiori. Da (anti) reforma urbana brasileira a um novo ciclo de lutas nas cidades. Correio da Cidadania, São Caetano do Sul, 8 nov. 2013 <www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9047%3Asubmanchete091113&catid=72%3Aimagens-rolantes&>; MONTANDON, Daniel Todtmann; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos (orgs.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto das Cidades: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro, LetraCapital/Observatório das Cidades/IPPUR UFRJ, 2011.

12
FERNANDES, Edésio. Op. cit.

13
Idem, ibidem.

14
ALMEIDA, Luiz Felype Gomes de. O Estatuto da Cidade e o cumprimento da função social da propriedade: o que ficou, para onde vai? In: Anais XVI Enanpur. Belo Horizonte, 2015.

15
Idem, ibidem; FERNANDES, Edésio. Op. cit.

16
ROLNIK, Raquel. Op. cit.

17
ARANTES, Pedro Fiori. Op. cit.; HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume, 2006; LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo, Centauro, 2001.

18
MARICATO, Ermínia. Op. cit.

19
HARVEY, David. Op. cit.; LEFEBVRE, Henri. Op. cit.

20
MONTANDON, Daniel Todtmann; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos (orgs.). Op. cit.

21
MARICATO, Ermínia. Op. cit.

sobre o autor

Lessandro Lessa Rodrigues é arquiteto e urbanista e especialista em urbanismo (UFMG, 1996; 1998), MA in Contemporary Urban Renaissance (Liverpool Hope University/University of Liverpool, 2003), doutorando em arquitetura e urbanismo na Escola de Arquitetura da UFMG. Professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de Itaúna/MG, desde 2003. Secretário municipal em Itaúna, Belo Horizonte e Betim entre os anos de 2005 e 2012 em áreas correlatas à política urbana.

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