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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Esse texto analisa a ‘Estela da Torre de Babel’, com base no artigo do Prof. Andrew George da Universidade de Londres, e reflete sobre as características desta peça arqueológica e a originalidade de sua representação gráfica no âmbito da arquitetura.

english
This paper inspect the 'Tower of Babel’s Stele', based on the article of Prof. Andrew George from the University of London, and studies the attributes of this archaeological artifact and the originality of its architectural graphic representation.

español
Este texto analiza la 'Estela de la Torre de Babel’, a partir de un artículo del Prof. Andrew George de Londres, y reflexiona sobre las características de esta pieza arqueológica y la originalidad de su representación gráfica de la arquitectura


how to quote

ROZESTRATEN, Artur Simões. Imagens da Torre de Babel. Representações e aspectos da história do desenho de arquitetura na Babilônia. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 197.03, Vitruvius, out. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.197/6255>.

. Desenho de Andrew George baseado em imagem fotográfica frontal da estela de Nabucodonosor II, detalhe invertido [University of London/SOAS Research Online]

As vozes de Babel, cidade-torre, metáfora de toda ação construtiva humana, seguem assombrando edifícios e cidades. Simultaneamente arcaicas e contemporâneas, continuamente atualizadas – como foram recentemente por Cildo Meireles (Babel, 2001) e Alejandro González Iñárritu (Babel, 2006) – essas vozes persistem no imaginário ocidental e ecoam literalmente na perpétua disputa entre arranha-céus vertiginosos como Burj Khalifa (2010) em Dubai, nos Emirados Árabes: a mais alta estrutura construída sobre a Terra até os dias de hoje com seus 828 metros.

As relações entre o mito de Babel e prováveis vestígios arqueológicos também se constitui em um campo de sobreposição de fantasia e abordagens científicas que ganha formas variadas no imaginário contemporâneo mesclando escavações, arqueólogos, saqueadores, mercado negro, falsificações, colecionadores, museus e imprensa.

No dia 02 de janeiro de 2012, o jornal Folha de S.Paulo publicou como matéria de capa de seu caderno Ciência, a seguinte notícia:

“Para pesquisador, inscrição é projeto da Torre de Babel”, na qual, o editor de “Ciência e Saúde” afirmava: “Britânico especialista na antiga Babilônia defendeu ideia em livro, após análise de texto e desenho em pedra” (1)

O pesquisador britânico é o Prof. Andrew R. George, do Departamento de Línguas e Culturas do Oriente Próximo e Médio, da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e a inscrição mencionada é um conjunto de incisões e relevos sobre uma peça babilônica em basalto negro polido, conhecida como a “Estela da Torre de Babel” (604-562 a.C.), pertencente à Coleção privada da família norueguesa Schoyen, atualmente sob a responsabilidade do herdeiro Martin Schoyen, em Oslo.

A relevância cultural do fato, no âmbito das representações da arquitetura, da história do projeto, e especificamente do desenho arquitetônico estimulou uma análise das fontes científicas da notícia (2) e gerou as considerações que aqui se apresentam.

No artigo “A Stele of Nebuchadnezzar II”, publicado em 2011, Andrew George descreve, contextualiza e interpreta a peça e esse estudo merece atenção pelas seguintes razões:

  • o tema da Torre de Babel é seminal no imaginário arquitetônico ocidental, continua a incitar desdobramentos, e a estela pode ser uma fonte iconográfica primordial;
  • a estela de Nabucodonosor II é um objeto ainda muito pouco conhecido e estudado no âmbito das representações da arquitetura, e sua iconografia traz novas contribuições a esse campo de conhecimento;
  • a suposição de que se trata não apenas de uma representação, mas do projeto de Babel demanda uma verificação criteriosa;
  • do ponto de vista metodológico, o artigo em foco também é expressivo de uma tradição descritiva da arqueologia que merece ser revalorizada, e considerada como referencial para o estudo de objetos e edifícios no campo da arquitetura, do urbanismo e do design.

A descrição das inscrições

Andrew George inicia suas reflexões ressaltando o papel da fotografia como principal difusor da estela no meio científico. Afinal, foi uma imagem fotográfica que a partir de 2003 apresentou aos pesquisadores esse monumento monolítico feito em pedra com 47 cm de altura por 25 de largura e amparou as primeiras especulações e análises a seu respeito. Por se tratar de um objeto esculpido em basalto escuro com desenhos e inscrições em alto e baixo-relevo bastante desgastados e realizados com linhas finas, a fotografia não permitia, no entanto, uma apreensão detalhada das inscrições. Foi necessária a produção complementar de desenhos concentrados apenas nos elementos gráficos principais (texto e figuras), minimizando a interferência de outras incisões, desníveis e sombreamentos existentes na superfície da pedra para que os estudos pudessem ser levados adiante.

Imagem fotográfica frontal da estela de Nabucodonosor II, na qual se pode perceber os danos causados à pedra, as partes faltantes, e as interferências do relevo na compreensão dos desenhos e demais inscrições [University of London/SOAS Research Online]

Com base no objeto original e em suas representações gráficas e fotográficas o pesquisador se dedica então a descrevê-lo. Do lado direito, um homem em pé, e à esquerda, a elevação de um zigurate, sobre a qual há um desenho em planta. Mais à esquerda do topo do zigurate, uma inscrição cuneiforme que o nomeia como E-temen-anki, o zigurate da Babilônia, dedicado ao deus Marduk. Abaixo de tais desenhos, três colunas de texto ocupam a base da peça.

A partir dessa exposição preliminar, o autor faz descrições mais detalhadas e considerações específicas sobre os seguintes elementos: o homem, a elevação do zigurate e as inscrições textuais.

Desenho de Andrew George baseado em imagem fotográfica frontal da estela de Nabucodonosor II [University of London/SOAS Research Online]

O homem

O homem, por sua indumentária, pelos objetos que porta, e pelo detalhamento dos entalhes de feições e ornamentos, alinha-se à tradição iconográfica dos reis babilônicos, por semelhança com outros relevos datados entre os séculos 9 e 7 a.C. O texto da estela identifica esse homem em pé, cuja altura ultrapassa a da própria torre, como Nabucodonosor II, governante da Babilônia entre 604 e 562 a.C. Feita essa identificação preliminar, o que seria o objeto pontiagudo que o rei sustenta na mão direita? Seria um cinzel? Um instrumento de desenho, que permitiria o risco do projeto, o delineamento da arquitetura?

Considerando a tradição babilônica de definição da arquitetura a partir de instruções textuais, como a tabuleta E-Sangil, que define em linguagem matemática as áreas dos templos de culto ao deus Marduk, e registra as dimensões do edifício em três diferentes escalas (3), o instrumento na mão do rei é muito provavelmente um estilo (derivado do grego stylos):

“ponteiro ou haste de metal, osso etc., usado pelos antigos para escrever sobre tábuas cobertas de cera, dispondo de uma extremidade pontiaguda, a que imprime os caracteres, e outra achatada, para apagar os erros” (4).

A grafia real sobre a superfície da estela registraria, em texto e desenhos, a conformação da arquitetura do templo de acordo com os cânones divinos pré-definidos para o zigurate, e conhecidos por todos os iniciados. Ao empunhar o estilo, o rei estaria “designando a peculiaridade que apresentaram as obras de arte que eram produzidas segundo certos princípios, numa determinada época, por determinado povo, segundo determinadas técnicas” (5).

E o que tem o rei na mão esquerda? Esse objeto não é investigado no texto de George mas merece atenção. Essa vara é bem mais longa do que um cajado de apoio a caminhadas, e não possui uma ponta afilada como a que há nas armas dos lanceiros da porta de Ishtar, por exemplo (c.575 a.C.).

Poderia ser um objeto simbólico, um atributo de realeza ou mesmo um emblema do deus Marduk, sendo as duas possibilidades referenciadas em outros relevos babilônicos. Cabe ainda considerar a hipótese desse objeto ser uma virga, uma vara referencial de medida, o que dentro do contexto seria cabível, ainda mais associada ao stylos. Feitas essas considerações introdutórias sobre a figura do homem cabe descrever a arquitetura em cena.

O zigurate

O desenho em elevação apresenta um templo-torre com sete andares, sendo o primeiro e o último mais altos que os intermediários, e a base possui duas linhas inclinadas que indicariam escadarias de acesso. A partir de dados metrológicos registrados em outras fontes cuneiformes, como a já mencionada tabuleta de E-sangil, George considera que a torre deve ter cerca de 90 metros de base, por igual dimensão em altura (o equivalente a um edifício de 30 andares).

As origens imprecisas dessa torre monumental – que certamente se destacava à distância na planície mesopotâmica –, estariam no primeiro milênio. Tal arquitetura havia sido parcialmente destruída em 689 a.C., e sua reconstrução teria sido completada por Nabucodonosor II em 590 a.C. Nesse contexto, a estela seria um monumento comemorativo de tal feito, como registra, aliás, o texto na parte inferior da face da pedra, transliterado e traduzido pelo autor.

O desenho da elevação dos seis primeiros andares indicaria ainda, por meio da sequência de retângulos que apresenta, o emprego do recurso construtivo de “nicho e projeção”, com reentrâncias e pilastras no alinhamento da alvenaria, que seriam elemento característico das edificações religiosas babilônicas. A mesma solução se apresentaria também no desenho em planta.

Conforme o autor, ainda que em escala diferente, mas disposto exatamente sobre a elevação, e com a coincidência de portas, o desenho em planta corresponderia “incontestavelmente” ao templo localizado no último andar do zigurate, ao E-temen-anki, propriamente.

Entretanto, o desenho em planta mostra dois nichos, um de cada lado da porta, e estes elementos estão ausentes no desenho em elevação. Além disso, todas as demais paredes que delimitam o espaço do tempo apresentam quatro nichos em planta, o que também não se percebe na elevação do templo, nem tampouco corresponde a um andar inferior da torre.

Seria mesmo incontestável a correspondência entre planta e elevação? Estariam os dois desenhos, independentemente, ilustrando ideais arquitetônicos, cânones e referências metrológicas, sem uma necessária correspondência com a solução construtiva particular de tais elementos no zigurate de Babel?

Sobre a relação das inscrições que ocupam a parte inferior da estela com os desenhos citados, George ressalta que no texto há menção a dois zigurates: o da Babilônia e o de Borsippa (E-ur-me-imin-anki); ambos reconstruídos por Nabucodonosor II. A menção específica ao zigurate da Babilônia, na inscrição na face da pedra, junto do último andar da torre, leva o autor a especular que talvez houvesse uma outra estela referente a Borsippa, da qual não há registro até o momento.

In loco

Conforme a tradição mesopotâmica, o artefato com inscrições deve ter sido depositado nas fundações da torre, como bauopfer (oferenda de fundação), provavelmente em um rito propiciatório. No caso, uma re-fundação, visto que se trata de uma reconstrução do monumento original.

Por estarem enterradas junto das fundações, estelas desse tipo deveriam ter vindo à luz no último quartel do século 19, quando se intensificaram as escavações exploratórias na região da Babilônia, conformando, a partir de então, um movimentado mercado local de antiguidades com inscrições cuneiformes. No entanto, surpreendentemente, não há nenhum registro dessa estela nos estudos realizados até o final do século 20, nem mesmo nos vários ensaios de reconstituição da torre de Babel, como os conduzidos, dentre outros, pelo arquiteto e arqueólogo autodidata alemão Robert Koldewey (1855-1925). A ausência de tais registros levou o Prof. George a supor que a estela pode ter sido removida de seu sítio original ainda na Antiguidade, durante o período de ocupação persa, mais precisamente em 484 a.C., quando Xerxes reprimiu revoltas babilônicas danificando seriamente o zigurate, podendo o ter saqueando. A retirada do artefato como despojo de guerra explicaria ainda, segundo o autor, os danos feitos ao objeto que, considerando a crença dos babilônicos nas maldições decorrentes de tal ato, só poderiam ter sido praticados por estrangeiros.

Desenhos

Como visto, os desenhos na estela relacionam-se diretamente à celebração e memória das obras de reconstrução do zigurate da Babilônia conduzidas por Nabucodonosor II. Se o artefato foi de fato enterrado junto às fundações haveria uma precedência do desenho com relação às obras o que reforçaria a interpretação dos desenhos como  projeto de reconstrução da torre, ainda que tal projeto tenha um caráter mais propriamente simbólico do que pragmático, sem ter sido usado como referência prática para as obras.

A não correspondência entre planta e elevação amplia a margem de incerteza sobre a relação de tais desenhos com as obras de reconstrução da torre de Babel, sem comprometer, contudo, sua função como oferenda de fundação.

“O verbo acadio que significa ‘desenhar’ ou ‘fazer um desenho’ (eseru) tem também, em sua forma dupla (ussuru), o sentido de ‘estabelecer as regras’. Esse duplo significado sublinha que o estabelecimento de um plano preliminar antes de qualquer criação arquitetônica é uma necessidade técnica, mas, para a mentalidade mesopotâmica, é uma garantia de que se levará a cabo um ato perfeito de acordo com as leis fixadas pelo mundo divino” (6).

Ainda que em escalas distintas, e sem uma correspondência absoluta, a interação gerada pela presença conjunta e próxima de planta e elevação é um fato inédito e original, sem precedentes na história do desenho de arquitetura até a produção renascentista.

Desenhos em planta são conhecidos na Mesopotâmia ao menos desde o Terceiro Milênio, como a estátua de Gudea datada em c. 2120 a.C., atualmente no Museu do Louvre. Desenhos em elevação, por sua vez, também são conhecidos na cultura egípcia, desde meados do Segundo Milênio, como a pintura mural da tumba de Nebamun em Tebas (1570-1314 a.C.), cuja cópia realizada por Charles K. Wilkinson encontra-se no The Metropolitan Museu of Art em Nova York (7). A apresentação simultânea de elementos em vista frontal (elevação) e em vista superior (planta), no mesmo desenho, também é característica da representação arquitetônica do antigo Egito. O que não se registra no mundo antigo, nem no acervo de desenhos arquitetônicos medievais, é a apresentação conjugada de planta e elevação, compondo um conjunto.

Historicamente a apresentação conjunta desses dois desenhos não é comum nos vestígios gráficos do fim da Idade Média, como o caderno de Villard de Honnecourt (c.1200-c.1250) da primeira metade do século 13 e se mostra com suposta originalidade nas gravuras da edição De Lucio Vitruvio Pollione de Architectura, de Cesare Cesariano (1476/78-1543), publicada em Como, na Itália, em 1521, tendo se difundido na produção arquitetônica europeia a partir de meados do século 16, como por exemplo nas gravuras da edição de I quattro libri dell’architettura de Andrea Palladio (1508-1580), publicado em Veneza, em 1570, que acrescentam ainda a noção de corte aos desenhos em elevação (8).

Outro aspecto que merece atenção especial no desenho em elevação é a solução gráfica utilizada para o templo, no último andar da torre. Ao analisar diferentes propostas de reconstituição do zigurate de Babel (9), verifica-se que os autores exploram os deslocamentos de “nicho e projeção” para um volume com teto plano, sem sugerir significativas diferenças de altura entre os elementos do templo.

O desenho inscrito na estela, por sua vez, pode ser interpretado de duas maneiras distintas: a primeira com uma projeção ortogonal rigorosa de laterais escalonadas, o que configuraria uma solução bastante rara, mas presente, por exemplo, nas laterais das torres da porta de Ishtar; e a segunda, como um artifício de perspectiva, buscando conferir profundidade ao desenho, de modo que os elementos recuados do plano da porta também estariam sucessivamente mais baixos, como se houvesse dois pontos de fuga na linha do horizonte. Se for esse o caso, estaríamos frente a uma perspectiva frontal pioneira, que antecipa em cerca de 200 anos as soluções de perspectiva conhecidas nas pinturas sobre as superfícies convexas dos vasos gregos.

Maquete de reconstituição do trecho envoltório da porta de Ishtar na Babilônia. Pergamon Museum, Berlim, Alemanha
Foto Gryffindor [Wikimedia Commons]

Considerações finais

Do ponto de vista dos estudos sobre a história e a técnica dos processos projetuais e das representações da arquitetura na Antiguidade na Bacia do Mediterrâneo e no Oriente Próximo, a estela de Nabucodonosor II, da coleção Schoyen, sendo comprovadamente verdadeira e original, é a peça mais relevante divulgada pela arqueologia desde a maquete de Niha, publicada em 1971, por Haroutune Kalayan (10).

A coexistência de desenhos em planta e elevação na mesma superfície, lado a lado, é inédita, e introduz no corpus de objetos conhecidos até então novas possibilidades de leitura, interpretação e entendimento das interações complementares entre diferentes tipos de desenho, assim como dos recursos de escala e necessidades de correspondência. A figuração do rei-arquiteto na estela, com os instrumentos da profissão, também tem uma posição fundamental na iconografia desse motivo artístico específico que ganhará várias expressões no mundo medieval. A presença de prováveis instrumentos de desenho e amparo à construção em cena, como emblemas do arquiteto, é absolutamente original no contexto da Antiguidade.

Certamente o estudo dos dados arqueológicos sobre a escavação do zigurate da Babilônia ganha novo impulso com a presença desse objeto.

Considerando a extensa iconografia de Babel posterior ao século 16, o escasso acervo de imagens da torre no mundo medieval, e a quase inexistência de figurações dessa arquitetura mítica na Antiguidade, o artefato também adquire uma relevância artística e cultural singular. Cabe notar ainda que na estela Babel é essencialmente torre, a cidade não se faz visível. Trata-se, muito provavelmente, de uma imagem seminal no profícuo imaginário da Torre de Babel, ainda que não seja o ‘projeto’ da Torre original, mas de sua reconstrução, que aliás, muito provavelmente, foi feita com o máximo de fidelidade ao monumento anterior. Frente a esse novo fato, a história de sua difusão como motivo iconográfico no mundo antigo e medieval coloca-se como um desafio inadiável.

Quanto aos aspectos relacionados ao projeto arquitetônico, a peça não traz contribuições distintas ao entendimento tradicional da origem transcendental do projeto, ou seja, a concepção projetual é divina e Nabucodonosor II é o interlocutor desses desígnios. Tal fundamento sustenta também interpretações semelhantes de outros objetos canônicos como o Modelo do Rei Sety I, no Egito (c.1290-1279 a.C.).

Contudo, na medida em que registra em planta e elevação o recurso de “nicho e projeção” como solução técnica precisa – com o mesmo número de nichos em três lados, encaixe centralizado da porta com reforços laterais, e alargamento das quinas –, e tal configuração, de fato, reduz o peso próprio das alvenarias e melhora seu desempenho estrutural, estreitam-se os vínculos entre representação e canteiro de obras, aproximam-se os universos da figuração imaginária da arquitetura e do domínio construtivo prático. Essa correspondência entre técnica construtiva e representação confere dimensão tecnológica à estela, aproxima-a de um “saber fazer” tradicional, que não está registrado nas inscrições cuneiformes das tabuletas e cilindros ditados pelas divindades, mas que estava posto no modo de construir da época e hoje é evidente nos vestígios arqueológicos. Em outras palavras, a integração entre representação e construção, confere ao desenho e à técnica um caráter artificial, caracterizando-os como campo de reflexões e ações eminentemente humanas. Frente aos desafios materiais e imaginários posto no universo simbólico da cultura babilônica esta técnica integrada de imaginar e empreender, planejar e construir conforme o planejado possibilitou erguer arquiteturas monumentais dentre as quais a Torre de Babel.

notas

1
LOPES, Reinaldo José. Inscrição em pedra é projeto da torre de Babel, diz pesquisador. Folha de S.Paulo, São Paulo, 02 jan. 2012 <http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2012/01/1028819-inscricao-em-pedra-e-projeto-da-torre-de-babel-diz-pesquisador.shtml>.

2
University of London/SOAS Research Online <http://eprints.soas.ac.uk/12831>.

3
GEORGE, Andrew. A stele of Nebuchadnezzar II [Tower of Babel stele]. In: GEORGE, Andrew (org.), Cuneiform Royal Inscriptions and Related Texts in the Schøyen Collection. Bethesda, Md.: CDL Press, pp. 153-169. (Cornell University Studies in Assyriology and Sumerology 17; Manuscripts in the Schøyen Collection, Cuneiform Texts 6), 2011.

4
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Instituto Antônio Houaiss. Ed. Objetiva, 2001.

5
CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo, Editora e Distribuidora Companhia das Artes, 1998.

6
ANDRÉ-SALVINI, Béatrice. La representación arquitectónica en Mesopotamia según los textos cuneiformes. In: Catálogo da exposição “Las casas del alma (5.500 a.C. – 300 d.C.) do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 1997.

7
AZARA, Pedro (org.) Las casas del alma (5.500 a.C. – 300 d.C.). Catálogo de exposição no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Barcelona, Fundación Caja de Arquitectos, 1997.

8
LAMERS-SCHÜTZE, Petra (org.). Teoria da arquitetura. Lisboa, Taschen, 2003.

9
VICARI, Jacques; BRÜSCHWEILER, Françoise. Les Ziggurats de Tchogha-Zanbil (Dur-Untash) et de Babylone. In: Le Dessin D’Architecture dans les Sociétés Antiques. Actes du Colloque de Strasbourg, 26-28 janvier, 1984. Centre de Recherche sur le Proche Orient et la Grèce Antiques, Strasbourg, 1985.

10
KALAYAN, H. Notes on assembly marks, drawings and models concerning the Roman period monuments in Lebanon, Annales Archéologiques Arabes Syriennes AAAS. Revue d’Archéologie et d’Histoire, 21, p. 269-273, 1971.

sobre o autor

Artur Rozestraten é arquiteto e urbanista, professor doutor junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

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