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architexts ISSN 1809-6298


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Laura Sobral discute o caráter público dos espaços livres da cidade e as modalidades de apropriação por parte da comunidade, trazendo referências contemporâneas e da história das cidades.


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SOBRAL, Laura. A cidade de amanhã. Mobilização, ocupação e apropriação do espaço público. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 207.00, Vitruvius, ago. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.207/6658>.

“Estudar a vida cotidiana será um empreendimento perfeitamente ridículo, e inicialmente condenado a não compreender seu objeto, se não nos propomos a estudar a vida cotidiana com o fim de a transformar”.
Perspectives de modifications conscientes dans la vie quotidienne, Internacional Situacionista (1)

Não é de hoje que este mundo está grávido de outro: em contraponto ao sistema tradicional ocidental hierárquico, opressor, controlado, há a busca pela horizontalidade e pela coletividade. Vivemos em cidades hierarquizadas e segregadas, seus espaços sendo produzidos sem a participação de grande parte da população.

As decisões sobre nossas vidas e nossas cidades são tomadas por representantes que, muitas vezes, não defendem o interesse público. Para analisar a esfera pública que temos no Brasil, recorro ao professor de arquitetura e urbanismo Guilherme Wisnik, que explica que o Brasil é um país fortemente marcado por práticas sociais patrimonialistas, “isto é, pelo costume de se tratar os interesses públicos como se fossem privados, segundo relações pessoais, de favor, que não raro redundam em tráfico de influência e corrupção” (2).

Desde que o território foi invadido pelos colonizadores, principalmente nos quatro primeiros séculos, a ideia do país Brasil se desenvolveu sem uma participação efetiva no cotidiano da população que sempre esteve atrelada ao domínio e favores do poder público. Essa prática gerou uma restrição ao espírito comunitário cuja herança carregamos até os dias de hoje.

A crítica radical a esse modelo e a proposta de transformação no modo de produção e apropriação do espaço vem de longe. Autogestão é um termo relativamente novo, tendo sido incluído nos dicionários franceses na década de 1960, quando, reagindo ao ordenamento funcional moderno e às consequentes injustiças sociais promovidas pela cultura do consumo na Europa do pós-guerra, nasce a Internacional Situacionista – IS. A IS elaborou uma poética da cidade com novas formas de representação e de cartografia dos espaços urbanos e formas de agitação e ações coletivas, destinadas a promover o uso livre e a livre transformação do meio urbano. Com seu projeto vanguardista de fusão entre arte e vida, criou situações definidas como “momentos da vida concretamente e deliberadamente contruídos por uma organização coletiva de uma ambiência unitária e um jogo de eventos” (3).

Conferência da Internacional Situacionista em Gotemburgo em 1961
Foto divulgação [Bibliothèque Nationale de France]

Ser livre

Quais são os modos de organização coletivos que têm como resultado uma vida cotidiana livre?

E o que seria essa vida cotidiana livre?

Em arquitetura e urbanismo nos referimos aos tais “sistemas de espaços livres” das cidades. Espaços livres, por definição técnica, são espaços livres de edifícios: ruas, praças... Como seria se esses espaços fossem realmente livres? E se pensássemos esses espaços como públicos, comuns, autogestionados, livres?

Como seria essa cidade-livre?

Para a IS, ser livre também é poder ser improdutivo. O espaço-tempo autogerido pode ser improdutivo, pode ser o lugar do lazer. Um lazer ativo, do fazer lúdico, experimental, do prazer antissistêmico.

Essa liberdade se refere à produção de espaços mais justos e à tranformação do trabalho – hoje em dia motor do nosso cotidiano – em atividade livre e criativa, de cidadania ativa. O seu espaço político é a rua, são os espaços públicos das cidades.

Não à toa foram eles os ocupados na virada dos 1960 para os 1970 em Paris e são eles os disputados hoje nas grandes cidades do mundo.

Cidades outras

O exercício de sonhar essa cidade-livre é necessário e urgente, também como o de traçarmos e retraçarmos caminhos para chegarmos até ela. As utopias são norte para o palpável. A utopia é típica da cultura ocidental. É a capacidade de imaginar o futuro.

Uma bela compilação de cidades imaginadas está no livro As cidades invisíveis  (4), de 1972, onde Italo Calvino narra um conjunto de pequenas histórias a partir de um contexto ficcionado: Marco Polo descreve ao imperador mongol Kublai Khan as cidades que visitou, nas suas longas viagens. O desejo do imperador é montar o império perfeito a partir dos relatos que ouve do seu jovem amigo e emissário. São mais de cinquenta cidades descritas, dentre elas Zoé:

“Quem viaja sem saber o que esperar da cidade que encontrará no final do caminho, pergunta-se como será o palácio real, a caserna, o moinho, o teatro, o bazar. Em cada cidade do império, os edifícios são diferentes e dispostos de maneiras diversas: mas, assim que o estrangeiro chega à cidade desconhecida e lança o olhar em meio às cúpulas de pagode e clarabóias e celeiros, seguindo o traçado de canais hortos depósitos de lixo, logo distingue quais são os palácios dos príncipes, quais são os templos dos grandes sacerdotes, a taberna, a prisão, a zona. Assim – dizem alguns – confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares.

Não é o que acontece em Zoé. Em todos os pontos da cidade, alternadamente, pode-se dormir, fabricar ferramentas, cozinhar, acumular moedas de outro, despir-se, reinar, vendar, consultar oráculos. Qualquer teto em forma de pirâmide pode abrigar tanto o lazareto dos leprosos quanto as termas das odaliscas” (5).

Quando penso em cidade-livre, penso em algo entre a cidade formal e a cidade informal. Com poucas regras estabelecidas por todos. Nessa cidade-livre, os espaços seriam avaliados pelo seu uso, não por quanto valem em dinheiro, não haveria especulação. Nessa cidade livre, o pedestre seria prioridade, e então os trilhos, os barcos… Automóveis seriam utilizados só em caso de emergência.

Os direitos humanos seriam garantidos, e pessoas mais e menos vulneráveis morariam lado a lado, em um tecido urbano misto. A cidade-livre é uma cidade plural, diversa.

Nessa cidade-livre, os moradores produzem eles mesmos, coletivamente e com baixo impacto, a maioria do que precisam.

A educação, de forma múltipla e cultural, cívica e ampla, seria geral nessa cidade-livre. Todos os seus usuários saberiam que produzem a cidade todos os dias, e cuidariam da cidade como sua grande casa, com senso de pertencimento total.

A cidade livre seria uma cidade de códigos abertos e nela não haveria propriedade, mas direito de uso de seus espaços. A cidade toda seria pública, e mais que pública, comum.

Como escreveu Cornelius Castoriadis – filósofo, economista e psicanalista francês, de origem grega, defensor do conceito de autonomia política – “uma sociedade autônoma implica indivíduos autônomos – e reciprocamente. Sociedade autônoma, indivíduos autônomos: sociedade livre, indivíduos livres. Não se tratando de liberdade interior, mas da liberdade efetiva, social, concreta” (6). Na cidade-livre se combinaria a atividade produtiva à participação política, sem perder de vista a ludicidade própria da vida social.

Para os Situacionistas, cidade-livre é cidade-jogo: “O caráter de espaço social será determinado pela forma como a energia liberada é investida. De qualquer forma este espaço irá formar o cenário de jogo, para a invenção e criação de um ambiente de vida. As normas utilitárias que se aplicam à cidade funcional deverão dar lugar à norma da criatividade. No futuro não será mais a utilidade, mas o jogo que determinará a forma de viver do homem”, conforme se lê no texto Novo urbanismo, escrito em em 1966 por Constant, membro da IS (7).

Hoje se pode ver um pouco da cidade-livre nos espaços públicos. Espaços que, em teoria, acolhem a todos e permitem certa liberdade de uso. Por materializarem a possibilidade do vir-a-ser coletivo e diverso, são eles que borbulham quando os habitantes da cidade sonham uma cidade melhor.

Emergência

Em uma entrevista de 2013, a filósofa Otília Arantes disparou “Em primeiro lugar, do que se está falando ao reivindicar um espaço público? Qual o sentido hoje de tal expressão? Pode-se ainda imaginar algo como uma vida pública nas nossas cidades segregadas, muradas, vigiadas? [...] não acho sequer que se possa falar em ideologia, tal a falsidade de um tal conceito de ‘espaço público’, quando todo o espaço é avaliado simplesmente pelo seu potencial de produção de mais-valia. Mas, ao mesmo tempo, não se pode ignorar o fato de que ocorre hoje uma série de experiências de apropriação do espaço urbano que nos faz perguntar: será que é só isso, será que esses espaços não recomeçam a ganhar um alto sentido social e político?” (8).

Diante do cenário de um capitalismo selvagem onde os mecanismos de decisão estão completamente a mercê dos interesses do mercado, 99% da população sofre com os privilégios do 1%. Também táticas e estratégias de resistência e transformação em prol do bem comum são cooptadas e manipuladas de maneira a fortalecer o consumismo vigente. O papel do Estado se corrompe, como descreve Henri Lefebvre no seu livro Espaço e política, “o estadista – curiosamente batizado de “social” ou “coletivo” – se opõe ao “individual”ou “privado”, hoje a balança pendendo nitidamente para o lado do individual, da iniciativa privada e dos capitais, cujo objetivo é inscrever completamente a terra e o habitat na troca e no mercado” (9).

Desde 2008 o mundo tem visto uma série de movimentos nas ruas pelos bens comuns urbanos e justiça socioespacial. São ocupações pontuais, permanentes, manifestações, intervenções artísticas, que tomam o espaço público e o reclamam para o povo.

Nesses movimentos de resistência que hoje se esforçam para ir contra as forças econômicas mundiais responsáveis pela degradação geral das cidades se pode ver a influência política e o eco da IS. Como o Reclaim the Streets, que se descreve como “grupo dotado de uma organização aberta mas sem hierarquia nem chefe” (10), ou os Occupy recentes que seguem essa mesma linha. “Roda por todos os lados e retorna a si mesmo por longos circuitos. Todas as revoluções entram na História, e História não se sacia. Os rios das revoluções voltam para onde saíram, para fluir novamente” (11) escreve Debord, da IS, no livro Panégyrique, de 1993.

El Campo de Cebada, em Madri, é um desses espaços "entre". Um centro poliesportivo público  esteve com suas obras paradas por causa da crise e se transformou em um espaço comum. Com horta coletiva, mobiliarios autoconstruídos feitos com material reciclado, atividades culturais frequentes, é um lugar de troca e voz das pessoas do bairro La Latina.  

As nossas

No Brasil, as manifestações e intervenções de rua ganharam novos adeptos e uma nova e mais ampla abordagem midiática, especialmente depois de 2013, quando multidões tomaram as ruas de diferentes cidades demonstrando insatisfação com o sistema vigente e suas repressões. O disparador da tomada das ruas foi o aumento de 20 centavos na passagem do transporte público. Então o MPL – Movimento Passe Livre convocou a população às ruas pela agenda mais ampla do direito à cidade nele incluso os direitos ao acesso e à mobilidade. Brutalmente reprimida a manifestação, se fez notar o firme controle das ruas pela “manutenção da ordem”, o que fez com que as manifestações diárias subsequentes fossem cada vez maiores e polifônicas. “Não é pelos 20 centavos” diziam os cartazes nas ruas.

Pichação em muro do MPL – Movimento Passe Livre, São Paulo
Foto Abilio Guerra

Hoje pelo país todo são muitos os Praias do Capibaribe, Parques Augustas, Ocupe Estelitas, Resiste Isidoras, Praias da Estação, Movimentos Boa Praça, OcupaPL que, de forma semelhante à A Batata Precisa de Você, em São Paulo, movimento do qual faço parte, ocupam espaços públicos e buscam pela hierarquia não entre pessoas, mas de prioridades.

Muitos desses movimentos têm bandeiras de causas pontuais, mas, realmente, militam pela expansão de possibilidades da vida comum. São Zonas Autônomas Temporárias. Criada em 1990 pelo escritor anarquista Hakim Bey (12), a expressão designa uma área “de terra, tempo ou imaginação” liberada, em que a recusa da ordem política imposta se converte em formas positivas de experimentação – que propõem espaços de imaginação, de experimentação, laboratórios de gestão da participação total e inclusiva. Zonas Autônomas Temporárias, ou ZAT, são uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizadas podem maximizar a liberdade por eles mesmos numa sociedade atual. Uma organização para o desenvolvimento de atividades comuns, sem controle de hierarquias opressivas.

Muitos movimentos atuais são ensaios de autogestão que tem como norte que cada agente influencie as decisões proporcionalmente ao quanto ele é afetado, todos tendo fácil acesso às avaliações relevantes dos resultados esperados. Se persegue que cada agente do processo tenha conhecimento geral e segurança intelectual suficientes para entender as avaliações e desenvolver suas preferências sob sua luz. A organização da sociedade autogerida idealmente deve garantir que as fontes das análises, que tenham relação com a tomada de decisão, sejam imparciais, diversas e bem testadas.

O movimento A Batata Precisa de Você (13) tem algumas táticas interessantes. Em seus três anos de ocupação e zeladoria regulares no Largo da Batata, o movimento tem poucas diretrizes. Uma delas é que no seu espaço público virtual – grupo aberto no Facebook – tudo pode ser discutido, mas para algo ser decidido é necessário que os interessados no tema encontrem-se no espaço público real – Largo da Batata – e decidam sobre o que foi apresentado. Outra tática da Batata é a construção de experimentos, de protótipos, de estruturas que permitam testes imediatos de uso, como mobiliário urbano, cisterna e estruturas de sombreamento.  É o uso da precariedade e temporalidade como provocação: amplia-se o vocabulário urbano dos usos possíveis da cidade, com base na gambiarra como “manifestação da permanente criatividade humana e tática social capaz de manobrar a ordem tradicional de mercado baseada na perspectiva de um consumo passivo”, como descrito na tese de doutorado de Rodrigo Boufleur, de 2013, “Fundamentos da gambiarra: a improvisação utilitária contemporânea e seu contexto socioeconômico” – FAU USP (14).

Mobiliário urbano construído pela sociedade civil, Largo da Batata, São Paulo
Foto Abilio Guerra

É uma experimentação social onde se aprende constantemente, afinal a horizontalidade e abertura à participação são elementos raros, seja na cultura política, seja nas relações de trabalho ou no lazer.

Assim como o Largo da Batata em São Paulo, cidades de dentro e fora do Brasil abrigam espaços onde a simetria entre Estado e cidadãos é maior e, por consequência, há mais liberdade e possibilidades de teste de outros sistemas organizacionais, diversas formas de gestão e de autogestão. Será possivel regulamentá-los para o reconhecimento desses processos e de uma maior liberdade, ou a liberdade é o não-previsto, a transgressão? Há algo possível entre as normas, a burocracia exagerada e a informalidade?

Bordas

Propor a apropriação dos espaços públicos da cidade não é tarefa fácil, mas é sim mais fácil para os que não vivem nas bordas. Nas periferias qualquer direito à cidade que persista nas cidades é esmagado pela invisibilidade do cidadão perfiférico frente à Justiça.

Apesar das dificuldades, ou até incentivadas por elas, se multiplicam cada vez mais experiências inovadoras de gestão nos espaços públicos das periferias, muitas vezes não ganhando suficiente repercussão ou suporte.

O olho midiático está focado no centro, e é imprescindível que iniciativas que recebem mais repercussão se articulem com iniciativas das bordas, empenhando-se em identificar suas causas comuns para fortalecer-se enquanto rede.

Em uma mesa que participei em 2016, “Gestão e ocupação do espaço livre na cidade”, do Seminário Internacional: Espaço livre na cidade , depois de muita conversa sobre a liberdade nos espaços livres, sua gestão e a situação política no País, falou Ermínia Maricato “o ordenamento atual da cidade é insuficiente para as demandas de hoje em dia”, e, ainda, a respeito das manifestações sobre o cenário político e situação das cidades no que estamos vivendo nesse turbulento 2016: “eu sinto falta do Mano Brown.” Para descrever o Mano Brown , do Racionais Mc’s, pego emprestadas palavras da Ermínia, “é o herói de tantos jovens que moram nos esquecidos depósitos de trabalhadores que são as periferias metropolitanas”. Suas letras de rap e suas falas se referem às ruas das bordas de São Paulo, a sua precariedade e a resistência diária dos seus moradores por sobrevivência. Nelas se faz clara a emergência de uma nova organização social e territorial.

Fim de semana no parque – Racionais Mc’s

“Chegou fim de semana todos querem diversão
Só alegria nós estamos no verão,
mês de Janeiro São Paulo Zona Sul
Todo mundo a vontade calor céu azul
[...]

Automaticamente eu imagino A molecada lá da área como é que tá
Provalvelmente correndo pra lá e pra cá
Jogando bola descalços nas ruas de terra
É, brincam do jeito que dá

[...]

Vamos passear no Parque Deixa o menino brincar Fim de Semana no parque Vou
rezar pra esse domingo não chover

[...]

A número número 1 em baixa-renda da cidade Comunidade Zona Sul é dignidade
Tem um corpo no escadão a tiazinha desse o morro
Polícia a morte, polícia socorro
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo
Pra molecada frequentar nenhum incentivo
O investimento no lazer é muito escasso
O centro comunitário é um fracasso
Mas aí se quiser se destruir está no lugar certo
Tem bebida e cocaína sempre por perto”.

Amanhã

Nos ultimos anos a juventude conectada está mostrando como a relacoes entre sistemas livres e autogeridos pode se fortalecer, unindo centros e bordas de cidades de todo o país, inclusive com repercussão em outras cidades Latinoamericanas.

Os estudantes secundaristas se mobilizaram contra a proposta de “reorganização do ensino”, apresentada pelo Governo de São Paulo em 2015, que pretendia fechar 92 escolas e transferir mais de 300 mil alunos da rede pública sob o argumento de que era necessária uma separação em ciclos únicos (Fundamentais I e II e Médio) para melhorar o desempenho escolar. Os jovens ocuparam gradualmente cerca de 200 escolas estaduais, se posicionando fortemente contra a proposta e, principalmente, à falta de diálogo sobre sua educação imposta pelas autoridades públicas.

O movimento ocupou não só escolas, mas também as ruas de diversas cidades do estado e se espalhou pelo Brasil: por exemplo em Goiás, secundaristas também tomaram suas escolas para barrar a privatização do ensino público. Após um mês de mobilização intensa, em que os estudantes conquistaram o apoio público de diversos segmentos da sociedade civil e descobriram uma nova escola – onde eles podem construir sua própria educação, livre das amarras de um projeto pedagógico conservador e alienante – o governador Geraldo Alckmin se viu obrigado a revogar o decreto da reorganização.

Imagens de como os estudantes estavam autogerindo suas escolas de maneira coletiva e promovendo melhoras em sua infraestrutura colaboraram para que a opinião pública pesasse a favor das ocupações.  Para a articulação entre unidades e divulgação em tempo real do que acontecia nas escolas o acesso à internet e a mídia livre foram imprescíndíveis.

Porém, mesmo após o compromisso firmado pelo Governo, a “reorganização” continuou por debaixo dos panos, muitas salas foram fechadas em várias escola. Somou-se a isso a fraude da merenda, onde muitas escolas ficaram sem dar merenda para seus alunos enquanto documentos que provavam desvio de verba da merenda por alguns do Governo do Estado foram encontrados. Novamente as escolas foram ocupadas.

O movimento dos secundaristas é um interessante fenômeno contemporâneo que evidencia o quanto a autogestão pode ser mais efetiva e justa que o status quo. O seu trabalho em rede e uso dos mecanismos digitais pode inspirar o fortalecimento de todos os movimentos existentes hoje que aspirem a cidades-livres, a ZATs.

O ganho de escala nas articulação entre autonomias é central nesse momento, sempre pensando na sua reprodutibilidade, diversidade e polifonia. É urgente uma nova organização e a possibilidade que cada indivíduo possua meios de tornar suas vontades conhecidas. As experiências que têm como objetivo as cidades-livres e sistemas mais justos, precisam ser democratizadas, ampliadas, inclusivas, pra que reconstruam o real, o transformando. Amanhã tem que ser maior.

Mobiliário urbano construído pela sociedade civil, Largo da Batata, São Paulo
Foto Abilio Guerra

notas

1
ANDREOTTI, Libero. Le grand jeu à venir, textes situationnistes. Paris, Editions de La Villette, 2008.

2
WISNIK, Guilherme. Temos espaço público? . Revista SescTV 10/2015 <www.sescsp.org.br/online/artigo/9498_TEMOS+ESPACO+PUBLICO>.

3
ANDREOTTI, Libero. Op. cit.

4
CALVINO, Italo. Cidades invisíveis. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.

5
Idem, ibidem.

6
CASTORIADIS, Cornelius. Socialismo ou barbárie – o conteúdo do socialismo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1983.

7
ANDREOTTI, Libero. Op. cit.

8
PALLAMIN, Vera. Formas urbanas em mutação (Entrevista com Otília Arantes realizada em out. 2013). Revista Eptic Online, vol. 16, n. 1, jan./abr. 2014, p. 58-67 <www.fau.usp.br/wp-content/uploads/2015/09/entrevista_otilia_arantes.pdf>

9
LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2008.

10
Website Rechaim The Streets London <http://rts.gn.apc.org>.

11
ANDREOTTI, Libero. Op. cit.

12
BEY, Hackim. Zonas Autonomas Temporárias. 1990 <www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf>

13
SOBRAL, Laura; VINCINI, Lorena; KARPISCHEK, Tatiana (Org.). Ocupe Largo da Batata – Como fazer ocupações no Espaço Público – A Batata precisa de Você. 2015. <http://largodabatata.com.br/publicacao>; SOBRAL, Laura. O Largo da Batata Precisa de Você. Ocupação e apropriação do espaço público. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 166.06, Vitruvius, maio 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.166/5176>.

14
BOUFLEUR, Rodrigo. Fundamentos da gambiarra: a improvisação utilitária contemporânea e seu contexto socioeconômico. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2013.

sobre a autora

Laura Sobral é arquiteta e urbanista (FAU USP), com intercâmbio na Universidad Politecnica de Madrid. Atualmente é mestranda na Universidade de São Paulo, onde pesquisa sobre a produção social dos espaços públicos e comuns. Em janeiro de 2014 teve a iniciativa do A Batata Precisa de Você, movimento de ocupação regular do Largo da Batata, São Paulo SP.

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207.00 urbanidade
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207

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