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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo apresenta estudos quanto à forma de implantação dos Grandes Projetos de Investimento e seus impactos e efeitos sobre o desenvolvimento urbano e regional das cidades, tendo as hidrelétricas do Rio Madeira, em Porto Velho/RO, como estudo de caso.

english
Major Projects in Urban and Regional Development: A look over the Hydroelectric Complex of Madeira river at Porto Velho/RO.

español
Este artículo presenta estudios sobre la forma de implantación de grandes proyectos de inversión y sus efectos e impactos sobre el desarrollo urbano y regional de las ciudades y como caso de estudio usamos las hidroeléctricas de Rio Madeira en Porto Velho


how to quote

CARVALHO, Carina Giovana Cipriano; ARRUDA, Ângelo Marcos. Grandes projetos no desenvolvimento urbano e regional. Um olhar sobre o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira em Porto Velho RO. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 207.03, Vitruvius, ago. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.207/6663>.

Os grandes projetos são um fenômeno de importância crescente nas cidades contemporâneas. A partir da década de 1950 o Brasil passa por uma industrialização acelerada, com grandes investimentos em infraestrutura básica, realizados para o auxílio do crescimento industrial. Com o Brasil em pleno crescimento econômico, a demanda por energia advinda da natureza só cresce. Com esse contínuo progresso, é preciso se produzir mais energia e isso significa explorar recursos naturais através dos grandes projetos.

A construção de uma usina hidrelétrica constitui o que pode ser chamado de Grandes Projetos de Investimentos – GPI, empreendimentos de grandes dimensões que movimentam importantes montantes de dinheiro e outros recursos, tais como mão-de-obra e infraestrutura. A predominante do GPI é o acionamento das regiões periféricas a partir da necessidade e exploração econômica dos recursos territoriais (1). Entretanto como em todo grande empreendimento, a instalação de usinas hidrelétricas de grande porte gera efeitos que ultrapassam os limites de sua abrangência, atingindo e alterando estruturas até então existentes.

O alto potencial hídrico do país é usado para geração de energia elétrica, sendo este considerado por alguns como necessária e indispensável ao desenvolvimento, fazendo assim com que hidrelétricas sejam cada vez mais construídas no país. A construção de hidrelétricas na Amazônia sempre foi um tema polêmico. Contudo a implantação desse tipo de empreendimento geralmente vem apoiada pelo Estado, o qual tem grande papel na opção da implantação de um grande projeto de investimento e favorecida pelo discurso, de que virá como forma de se levar o desenvolvimento às regiões de locação.

O estudo visa analisar como a capital de Rondônia, se encontra a partir da construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, na atualidade. Identificando a movimentação dos grupos humanos no espaço urbano atrás de melhorias de vida, considerando os conflitos de interesses econômicos e políticos. Como toda a sua população e, principalmente, o desenvolvimento do espaço urbano foram e estão sendo afetados pela implantação de um grande projeto.

A motivação para o tema escolhido vem da vulnerabilidade extrema que a cidade de Porto Velho vem passando. A capital, hoje conta com déficits sociais em saúde, saneamento básico e habitação, desprovida de estrutura para atender a população de menor renda, apesar dos grandes investimentos. Os problemas de Porto Velho multiplicaram-se pela voracidade do setor imobiliário, especialmente, e do comércio em geral. Essa situação contraria o discurso do governo federal, que defende a construção de usinas hidrelétricas como fator de desenvolvimento socioeconômico local. A intenção é de trazer discussões sobre a implantação dos “grandes projetos” considerando questões sobre desenvolvimento, interpretações e analises da estrutura urbana.

Os caminhos a serem seguidos para o desenvolvimento se darão através da busca de dados sobre a taxa de crescimento demográfico antes e durante a construção das usinas, assim como demonstrar a situação do espaço urbano. Levantar questões da infraestrutura urbana, identificando se, com a movimentação, os serviços de utilidade pública acompanharam o crescimento da população, dialogando metodologicamente com materiais de imprensa nacional e análise documental, apresentando os impactos socioambientais gerados pela construção da hidrelétrica de Santo Antônio na cidade de Porto Velho.

É importante entender qual o impacto que projetos desenvolvimentistas, como as hidrelétricas, ocasionam hoje no ambiente e na sociedade, assim como o entendimento acerca da implantação de grandes hidrelétricas, principalmente na Amazônia. Para se alcançar compreensão sobre os efeitos causados pela construção de uma obra de grande porte, se faz necessário de um referencial teórico capaz de auxiliar no entendimento dos episódios que um grande projeto traz a uma região em que se instala.

Com esse intuito buscou-se, primeiramente estudar os conceitos teóricos do que são os “grandes projetos” e “grandes projetos de investimento”, abrindo caminho para a discussão de um grande projeto de desenvolvimento urbano e regional. Seguindo no caminho da observação, em busca do entendimento e assimilação dos efeitos dos grandes projetos, buscando identificar a perspectiva de desenvolvimento regional atribuída à construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, em como esses efeitos interferem na organização de uma cidade, nas pessoas e região (2).

Referencial teórico-metodológico

Na conceituação de grandes projetos se necessita discutir a obrigatoriedade de integração dessas intervenções com um projeto maior de cidade. Trazendo para uma concepção de cidade integrada as chances de maiores impactos positivos serem multiplicadas. Segundo Roselia Piquet,

“A expressão “grandes projetos” tornou-se de uso corrente desde quando, em meados da década de 70, passaram a ser implantados no país projetos de investimento que, por suas dimensões técnicas e financeiras, revelaram-se muito superiores aos empreendimentos até então existentes” (3).

É indiscutível a necessidade de se executarem grandes obras, porém com sábia redução de externalidades, minimizando os impactos sobre a população envolvida. Cada projeto tem suas especificidades, mas toda obra de grande porte provoca inúmeros impactos que transformam as regiões onde se instalam. Essas grandes intervenções, transmitem ideias importantes, a de progresso e integrações de regiões atrasadas economicamente no contexto nacional. Espera-se estimular novos processos urbanos que transformariam as cidades e trariam desenvolvimento a todo o país (4).

Critérios importantes de avaliação de um GPI antes de sua implantação estão sendo abandonados, abrindo espaço para um crescente questionamento quanto à liberação destes e a necessidade de uma desconcentração do poder de decisão do Estado. Nessas condições são implantados projetos sem estudos eficientes quanto aos seus efeitos sobre a sociedade e região em questão.

O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira conta com um potencial para debate sobre a cidade como um todo, a partir de questões facilmente compreendidas pela população sob impacto imediato de suas implementações. O caráter de “energia limpa e renovável” é confrontado pelas consequências sociais e ambientais decorrentes da instalação de grandes projetos hidrelétricos, o que coloca em questionamento a capacidade desses empreendimentos se articularem ao desenvolvimento das regiões em que se inserem, principalmente quando se trata da região amazônica.

Tudo isso traz uma enorme dificuldade e impedimento de participação popular no processo de tomada de decisão sobre a instalação ou não da obra. O envolvimento da sociedade nas questões da instalação hidrelétrica é limitado, quando não inexistente. As informações apenas chegam para ser acatadas. Mesmo quando há participação popular em processos decisórios, como no caso de comitês de bacias, a posição majoritária está normalmente em mãos de empreendedores ou do governo, o que compromete o caráter independente das decisões. A discussão sobre o futuro das cidades com a participação dos diversos agentes envolvidos deve ser realizada onde carece se observar o impacto gerado, onde estão localizados os empreendimentos e a sua constituição em ponto referencial urbano. As circunstâncias hoje apontam para a necessidade de debater essa tipologia de intervenções urbanas, buscando garantir transparência nos processos que geram.

O que se entende no momento da implantação de um grande projeto, é que se vem junto às ideias de crescimento, que são entendidos como geração de empregos, desenvolvimento urbano, maiores investimentos e projeção da região para o cenário nacional.

“Depois de escolhida a localização e os grandes projetos a serem implementados, o discurso oficial vai embalar suas decisões na teoria dos polos de desenvolvimento, na promessa de redução das desigualdades regionais, na propaganda de uma ilusória interiorização do crescimento” (5).

A ideologia do discurso de desenvolvimento empregado na implantação de grandes obras fica evidente quando se faz referência ao impacto social e cultural contido nas mudanças impostas pelos grandes projetos. Martins deixa claro esse caráter ideológico quando aponta:

“Aqui não se trata de introduzir nada na vida de ninguém. Aqui se trata de projetos econômicos de envergadura, como hidrelétricas, rodovias, planos de colonização, de grande impacto social e ambiental, mas que não têm por destinatárias as populações locais. Seu pressuposto é o da remoção dessas populações” (6).

A discussão deste artigo toma como partido o momento em que os planos desenvolvimentistas, implantação de empreendimentos sob o pretexto de garantir a oferta de energia necessária à sustentação do crescimento econômico do País, não alcançam uma total adequação às necessidades regionais. Quando os grandes projetos são implantados sem a realização de estudos sobre a influência regional, e, principalmente, com o desconhecimento da sociedade a respeito de seus efeitos, na cidade de Porto Velho/RO.

Instância do poder: a chegada de grandes projetos

Os grandes projetos chegam às regiões através das promessas de modernização e desenvolvimento, mas o que se observa é que ao invés da redução das diferenças regionais o que se vê é a desestruturação de atividades preexistentes e um crescimento populacional desordenado. Uma parte dos problemas surgidos com a instalação de grandes projetos vem da ausência de políticas integradas voltadas aos interesses da sociedade local. De modo geral, o poder econômico local nem sempre é levado em consideração, às decisões políticas locais não costumam ter relações com os outros poderes. A falta de autonomia local, o despreparo dos administradores e a despolitização da sociedade conduzem a essa subordinação.

Cada localidade recebe de forma diferente a notícia sobre a construção de uma hidrelétrica, essa percepção é um fator importante para se obter um posicionamento político em relação ao acontecimento. Os impactos alcançados pelas hidrelétricas acontecem por não serem “pensados” naqueles que sofrerão o impacto. Como pontua Müller,

“considera-se aceitável impor as regiões afetadas pelas hidrelétricas os danos dos ‘eventuais’ desajustes de sua economia e seus valores culturais (já houve tempo e quem sugerisse ser um privilégio aquelas comunidades ‘participarem’ de uma causa nobre: o desenvolvimento regional)” (7).

Os Grandes Projetos de Investimento são considerados mais eficazes para uma propagação acelerada do progresso técnico e capaz de superar as desigualdades regionais que marcam o desenvolvimento capitalista brasileiro. No entanto, a instalação de grandes projetos em regiões periféricas do país não é capaz de superar as desigualdades, uma vez que a energia gerada não estaria relacionada ao impulso das atividades produtivas regionais. Sobre o conceito de atingido, Carlos Vainer  diz que é necessário deixar claro o contexto e o sentido do debate, de modo a explicitar o que é que está em jogo (8). Grandes projetos de desenvolvimento instalados na Amazônia além de ocasionar desagregação social de populações tradicionais e impactos irreversíveis ao ambiente demonstram atender somente aos interesses econômicos voltados para o extrativismo dos recursos naturais. Dados do relatório da Comissão Mundial de Barragens – CMB (9) sugerem que entre 40 e 80 milhões de pessoas já foram deslocadas pelas barragens no mundo. Destas, muitas não foram reassentadas e nem indenizadas. Quando houve o estudo de remanejamento, este quase sempre se mostrou inadequado. Ou seja, sob a bandeira do desenvolvimento e progresso, os espaços são articulados a economia nacional e internacional e são apropriados em benefício de outras regiões, alheias aos impactos ambientais e aos que ali vivem.

Proposições do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira

As proposições do projeto de implantação de hidrelétricas no Rio Madeira, trazem muitas considerações criticas sobre o caráter contraditório do desenvolvimento prometido. Atualmente a região Norte do país conta com pelo menos dez usinas hidrelétricas em operação. Ainda que contando com tantas usinas, o objetivo do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, a UHE Santo Antônio é de interligar a capital do Estado de Rondônia, Porto Velho a cidade de Araraquara, no oeste do Estado de São Paulo, de modo a distribuir a energia gerada para os grandes centros.

Infraestrutura Energética do Estado de Rondônia RO [Estratégias PAC]

A Amazônia concentra o maior potencial de geração de energia hidrelétrica do país, mas Bertha Becker (10) traz o questionamento e a dúvida de como esses grandes projetos de investimentos conseguirão viabilizar a expansão de infraestruturas com usos sustentável dos recursos naturais existentes juntamente com o bem-estar das populações regionais. Transpondo o conflito entre as demandas privadas e o direito da população à sua região. Logo, se depara com os discursos do desenvolvimento e do progresso trazidos pela empresa, com a bandeira de legitimação levantada de que grandes projetos de geração e abastecimento de energia são elementos importantes para a inserção da região na economia nacional. Sabe-se que nem sempre essa é a verdadeira realidade e fica o questionamento maior: Quem se beneficia com a implantação desses projetos?

a) A Cidade de Porto Velho, Rondônia

O surgimento de Porto Velho e de sua população se deu a partir de 02 de outubro de 1914, quando foi legalmente constituído inicialmente como município do Estado do Amazonas. O crescimento da população se deu com base, principalmente, na migração de trabalhadores atraídos pelos ciclos econômicos. Tudo se iniciou a partir da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907/1912), logo veio o primeiro ciclo econômico: borracha (1ª metade do século), em seguida a cassiterita, ouro e, mais recentemente, construção das hidrelétricas. Uma pequena parcela destes pioneiros e seus descendentes integra, hoje, a população de Porto Velho. Para lá foram milhares de trabalhadores brasileiros e estrangeiros.

A urbanização de Rondônia aconteceu, sobretudo, em função dos desdobramentos dos processos de integração da Amazônia. Sendo assim, a análise do processo de ocupação e urbanização de Porto Velho precisa levar em consideração os desdobramentos do crescimento econômico brasileiro e seus reflexos na Amazônia. Uma das características do município é o crescimento desordenado, acompanhando o ritmo de ciclos econômicos muito bem definidos. Ao longo dos últimos 100 anos, estes ciclos foram:

  • Ciclo da borracha: o primeiro grande momento ocorreu entre 1879 e 1912, atraindo milhares de migrantes. Após esse período, a atividade sofreu alguns anos arrefecimento, para reflorescer entre 1942 e 1945, estimulada pela necessidade de látex do grupo de países aliados da 2ª Guerra Mundial;
  • Ciclo da cassiterita: entre 1958 e 1970, a extração do minério de estanho aprofundou o processo de povoamento da região de Porto Velho; também provocou forte impacto ambiental;
  • Ciclo do ouro: nos anos 80 do século 20, caracterizou-se pela acentuada expansão do povoamento rural e urbano de Porto Velho. Segundo analistas e moradores, foi o ciclo econômico que menos benefícios deixou ao município;
  • Ciclo das hidrelétricas: iniciada em 2001, com os primeiros estudos de aproveitamento do rio Madeira, construções iniciadas no ano de 2008 mantendo-se ainda em fase de construção basicamente finalizadas até o presente ano de 2016. Prometeu modernização e crescimento da economia.

b) Ciclo das Usinas Hidrelétricas

O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira compreende a construção e implementação de duas usinas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio, a construção do sistema de transmissão (linhas de transmissão) de 2 500 quilômetros e a construção de eclusas para futura implantação da Hidrovia do Madeira construídas, respectivamente, pelos consórcios Santo Antônio Energia e Energia Sustentável do Brasil.

Localização das usinas em Rondônia [G1, São Paulo]

As duas obras foram incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento – PAC (11) e receberam financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES na ordem de R$ 13,3 bilhões, além de recursos da Sudam (R$ 503 milhões) e do Fundo de Investimento do FGTS (R$ 1,5 bilhão). Por contarem com um amplo apoio governamental, inclusive com expressiva participação acionária, desde a concessão da licença prévia houve pressão sobre o Ibama, tendo inclusive a licença sido concedida contra parecer técnico do órgão (12).

Durante a construção, os impactos positivos e negativos refletidos na área urbana foram vários, dentre eles o desenvolvimento econômico e social que fizeram com que o município fosse reorganizado de acordo com as transformações em seu espaço. A figura abaixo ilustra um levantamento feito em 2005 pelo IBGE onde identifica a espacialização do território e quais são os recursos naturais predominantes das áreas em que as Usinas do Rio Madeira influenciariam. Comprovando que a instalação das mesmas afetariam diretamente pecuaristas e pescadores, os quais provavelmente são ribeirinhos que moravam no local.

A Usina Hidrelétrica de Santo Antônio está sendo construída a sete quilômetros do município de Porto Velho (RO) enquanto a UHE de Jirau distante 120 quilômetros medidos ao longo do Rio Madeira, marcam a retomada da expansão setorial após a reformulação do marco regulatório no ano de 2004. A decisão da instalação teve como base um planejamento energético elaborado para atender cerca de 50 milhões de brasileiros.

Os argumentos usados como justificativa desses projetos se davam com o potencial de promoção para um desenvolvimento regional, trazendo o crescimento da renda regional, da expansão de receitas tributárias decorrentes dos aumentos da produção, circulação e serviços. Ou seja, defendiam a capacidade multiplicadora e os efeitos de interdependência, tornando a região menos vulnerável.

Como forma de compensação e de se solucionar conflitos gerados com a população, a região de instalação do projeto deveria receber, por parte dos empreendimentos, deveria incorporar uma gama de ações até o ano de 2010. Dentre os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do Governo Federal, lançado em 2007,  para o município, os projetos de infraestrutura eram os mais priorizados e visavam solucionar problemas no processo de formação e urbanização da cidade. Ao se negociar as contrapartidas das hidrelétricas, pelo acordo fechado, Santo Antônio deveria investir R$ 65 milhões em compensações. Jirau se comprometeu com R$ 92 milhões. A maior parte das obrigações foi cumprida pelas empresas. Entre o início e o pico das obras das hidrelétricas, a arrecadação do Estado de Rondônia com ICMS avançou 80%, desempenho superior à média nacional e da região Norte e o PIB cresceu acima de dois dígitos em 2010 e em 2011.

Tabela 01 – Dados do Produto Interno Bruto do Município para o período de 2010 a 2013 [IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo]

Se para o país, os projetos das hidrelétricas no Rio Madeira representaram um importante reforço no suprimento energético, aos olhos dos rondonienses os empreendimentos surgiram como perspectiva de um novo e definitivo ciclo de desenvolvimento, com uma possibilidade de criação de empregos e também como forma de alavancar a economia local, através da intensa mobilização de recursos com o inicio das obras. A região finalmente foi integrada e visada ao país.

Entretanto ainda que tenha existido uma nova integração da região para com o restante do país, as transformações estarem acontecendo, o projeto tendo um olhar positivo da população no momento da instalação e a modernização chegando à região, tudo traz a necessidade de uma avaliação de alguns pontos.

Durante a fase de construção, a UHE Santo Antônio investiu R$ 1,7 bilhão em projetos de sustentabilidade socioambiental em Porto Velho. A proposta era de que até 2016, devido às obras de expansão do empreendimento, mais R$ 300 milhões seriam aplicados nestes projetos, totalizando R$ 2 bilhões. Este valor foi destinado a programas socioeconômicos culturais (para a comunidade), físico (solo, clima, lençol freático e sedimentos), biótico (flora e fauna, qualidade da água, supressão da vegetação e resgate da fauna) e reassentamentos para a população que residia nas áreas do canteiro de obras e reservatório.

Em pouco tempo o panorama socioeconômico regional se transformou, as usinas começaram a ser construídas no segundo semestre de 2008. Até o ano de 2010, as estatísticas mostraram que a população de Porto Velho já havia crescido 12,5%. O fluxo demográfico se intensificou, a migração para o município de Porto Velho foi 22% superior ao previsto no Estudo de Impacto Ambiental – EIA. Cerca de 40 mil trabalhadores foram para a capital atrás de ofertas de emprego na construção civil, o que provocou uma mudança no custo de vida da população. De acordo com dados do IBGE, em 2007, um ano antes do inicio das obras, Porto Velho contava com uma população de 369.345 habitantes e em 2010, ultimo levantamento oficial feito, apresentou um total de 428.527 habitantes, a estimativa para o ano de 2016 é a de que tenham chegado aos 511.219 habitantes. Parte dessa população foi para a região sem possuir empregos definidos, ficaram a mercê de ofertas e da necessidade da grande empresa. Essa drástica mudança foi um dos principais impactos que trouxe consigo as alterações mais evidentes e rápidas, esse crescimento populacional acelerado, causou transformações na organização da cidade que não estava estruturada para uma ampliação de seus serviços em curto prazo.

Tabela 02 – Evolução populacional de Porto Velho, anos de 1991–2010 [IBGE: Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem]

A ampliação populacional decorrente da migração de pessoas de outras regiões para Porto Velho impulsionou o aumento demográfico e fez com que a cidade passasse por uma ampliação dos serviços e comércio, por um aumento considerável de profissionais liberais, pela dinamização das estruturas básicas e aumento de investimentos fazendo com que houvesse maior circulação de capital. Essa movimentação no setor de comércio e serviços foi recebida pela população como parte do desenvolvimento proposto nos discursos de implantação. Porém, o crescimento de mais de 20% na população do município em tão pouco tempo não conseguiu ser compensado pelos investimentos públicos necessários. Resultado: os problemas sociais aumentaram e os gargalos de infraestrutura estão por toda parte.

A densidade populacional foi contada como 14,75 hab/km². Um estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, citado no Relatório Preliminar do Plano Diretor de Porto Velho de 2004, indicava para a cidade um déficit habitacional da ordem 48 mil unidades. A construção da hidrelétrica de Santo Antônio aumentou consideravelmente a pressão sobre o setor imobiliário, tornando ainda mais complexa a tarefa da municipalidade. Exigindo um tratamento cuidadoso e urgente com as soluções para a estruturação e planejamento da cidade, para que fosse organizada e absorvesse os impactos do crescimento natural vindo da implantação das usinas.

Porto Velho contava no ano de 2007 com cerca de 68 (sessenta e oito) bairros. No atual ano, o município se encontra com mais 05 (cinco) novos bairros criados, sendo dois destes ainda sem lei de criação. Alguns destes bairros surgiram após os investimentos do PAC em parceria com o projeto Minha Casa Minha Vida – MCMV juntamente com o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS, que no mesmo ano investiu e entregou casas a 242 famílias de baixa renda. No ano de 2014 somaram-se mais 432 residências entregues a famílias de baixa renda em bairros longínquos, sem se pensar na infraestrutura básica. Em 2015 foram somadas mais 1.267 moradias entregues. Ou seja, a partir da instalação das Usinas do rio Madeira, em oito anos, o município de Porto Velho sofreu uma expansão urbana com a criação novos bairros inseridos na malha urbana do município, alguns sem qualquer estudo prévio sobre a titularidade das áreas e demandas de infraestrutura.

Mapa de Bairros de Porto Velho, 2007 [Secretaria Municipal de Projetos e Obras Especiais – Sempre]

Mapa de Bairros de Porto Velho, 2016 [Secretaria de Regularização Fundiária e Habitação – Semur]

Entende-se, logo, que as decisões estratégicas dos setores responsáveis pela implantação dos grandes projetos substituem a qualquer custo, o planejamento regional e a intervenção territorial do Estado trabalham no sentido de viabilização da apropriação de recursos localizados ao largo do território (13). Os impactos negativos gerados e provenientes de grandes obras de investimentos desse processo de ocupação da malha urbana da cidade são gravíssimos, a exemplo dos conflitos fundiários, do impacto ambiental e da falta de estrutura urbana.

A rede de abastecimento de água e de esgoto continua, basicamente, a mesma diagnosticada no Plano Diretor de 1990. Porto Velho é o segundo maior município brasileiro, com área de 34.096 km², sendo uma das cidades do país com os piores índices de saneamento. Existe recurso do programa do PAC para investimento na construção de redes de água, esgoto e pluvial. O plano de universalização de água tratada, previsto para ficar pronto em 2012, não saiu do papel. A rede de esgoto ainda atende a apenas 2% da população. A ausência de infraestrutura urbana e saneamento é o maior problema no município, somente cerca de 50% da população é atendida pelo serviço de abastecimento de água, enquanto os 50% restantes usam o sistema de “poços amazonas”, ou seja, água do primeiro lençol freático.

Rede de Esgoto, Plano Diretor de 2008 [SEMPLA. Plano Diretor. Secretaria Municipal de Planejamento/Prefeitura Municipal de Porto ]

A drenagem é realizada por canais a céu aberto e pequenas redes de drenagem cobrindo 37% da área urbana, porém não foram projetadas e construídas como uma grande e única rede, o que acaba ocasionando problemas de escoamento, mesmo com obras sendo executadas.

Rede de Drenagem, Plano Diretor de 2008 [SEMPLA. Plano Diretor. Secretaria Municipal de Planejamento/Prefeitura Municipal de Porto ]

O crescimento populacional instantâneo surgido pela influência da hidrelétrica na região, não foi sinônimo de desenvolvimento. O crescimento acelerado leva a efeitos negativos, logo que ao término das obras e com o fim da movimentação intensa o que resta é a estagnação da região. O questionamento que fica é, para onde e para quem foi todo o investimento?

A cidade sofreu e está terminando de sofrer com esse ciclo econômico que foi tão almejado e esperado pela população local, por suas modernidades e evoluções prometidas e que não chegaram ao seu potencial máximo. Confirmando assim que o desenvolvimento proposto permanece apenas em discursos e propagandas de implantação de obras. Conforme observa Carlos Vainer e Frederico Araujo, “às regiões de implantação, de modo geral, tem restado à desestruturação das atividades preexistentes, o crescimento desordenado da população, desemprego, favelização, marginalização social, e, quase sempre, degradação ambiental” (14).

Ao se analisar os impactos locais é possível se compreender a fragilidade das organizações sociais e lideranças políticas locais frente ao poder inerente desses grandes empreendimentos. As administrações locais não são preparadas para enfrentarem os grandes grupos econômicos responsáveis por estes grandes projetos de investimento. Vale ressaltar que de um modo geral as grandes empresas independem de decisões e liberações do poder econômico local. E essa extrema falta de controle político e social trouxe o impacto social e a desestruturação das atividades econômicas existentes, tudo isso com a justificativa dos “interesses nacionais maiores”. A real problemática que origina tudo é a ausência de políticas integradas de desenvolvimento em busca da captação e aplicação dos recursos recebidos para aproveitamento na formação e estruturação no município e região, junto da ineficiência administrativa e a falta de conhecimento e cobrança dos moradores afetados.

Considerações finais

A crescente necessidade da produção de energia trouxe aos rios amazônicos a construção de hidrelétricas. A implantação dos Grandes Projetos de Investimentos possui diversos tipos de visões, sejam favoráveis ou contrárias a implantação. Respectivamente, é visto como apropriação de espaços e recursos de localidades periféricas e minoritárias enquanto por outro lado é visto como um importante passo para alavanque local e modernização de infraestruturas.

Com os estudos e dados levantados foi possível se identificar que os projetos das usinas hidrelétricas, causaram um significativo impacto e alteração do meio urbano, interferindo na vida da população local. A região é marcada por processos de ocupação precários, sem que sejam garantidos os direitos sociais e ambientais. Esse fato fez com que a viabilidade de implantação do Complexo do Rio Madeira fosse feito sob a argumentação da superação das carências existentes. Essa fragilidade da região e não conhecimento da população local favoreceu a validade politica no processo decisório para a instalação dos projetos.

Sob a promessa de promoção ao desenvolvimento regional, assim foi implantado o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. Levando a uma ocupação e destruição da região sem precedentes. Em nome do progresso e desenvolvimento para benefício de outras regiões e grupos sociais, alheios aos impactos sociais, ambientais, vida das populações ribeirinhas, indígenas e urbanas e interesses diversos prevaleceram sobre os interesses locais e regionais.

A construção dos espaços urbanos de Porto Velho sempre esteve atrelada aos ciclos econômicos. O Estado de Rondônia vivenciou intensamente esses processos, e a capital do Estado se beneficiou de todos os aspectos positivos e negativos, passando a representar a partir das suas espacialidades, como seu processo de urbanização se estruturava em cada um destes períodos. Dentro desta perspectiva a urbanização apresentou-se difusa, carente de equipamentos urbanos por estar inserida num processo de atendimento às necessidades externas e não a fixação do contingente populacional vinculado a atividades produtivas efetivas da região.

As políticas implantadas em Porto Velho, não estiveram em consonância com a realidade local, construindo espaços não condizentes com a cultura local, que ficaram na maioria das vezes inacabados. Dentro deste contexto, o município apresenta índices de serviços básicos muito abaixo da média para uma capital, além de sérios problemas sociais e urbanos. É necessário conhecer a dinâmica do espaço local, para desenvolver políticas que estejam de acordo com as reais necessidades e que contribuam para o desenvolvimento. Deve ser revisto a forma de como as políticas estão sendo aplicadas, buscando conciliação entre a participação popular com as complexas exigências técnicas dos grandes projetos e a política.

Apesar de tudo é preciso ressaltar o fato de que para os moradores de Porto Velho as tensões atuantes nessa processualidade urbana não têm nas hidrelétricas um marco zero ou o inicio do caos, a existência concreta dos problemas sociais são existentes há mais tempo naquela cidade. O Complexo Hidrelétrico representou a desestruturação das atividades e modo de vida dos que possuem relação direta com o Rio Madeira e para os que não dependem do rio para o exercício de suas atividades, viu na construção das usinas, a possibilidade de melhorias e perspectivas de ampliação do capital. Contudo, a promessa de desenvolvimento urbano, econômico e social deu lugar a frustação. O que era pra ser bom trouxe o caos, nenhuma das infraestruturas prometidas e agravou a existência concreta dos problemas sociais já existentes.

notas

1
VAINER, Carlos; ARAUJO, Frederico Guilherme Bandeira de. Grandes projetos hidrelétricos e desenvolvimento regional. Rio de Janeiro, Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI, 1992.

2
Ver: MARINI, Giovanni Bruno Souto. Levantamento urbanístico de Porto Velho na disciplina de Projeto de urbanismo. Porto Velho, Faculdade Interamericana de Porto Velho, 2014; MOURA, Marcos. Efeito 'pós-usinas' já preocupa economia de Porto Velho. Valor Econômico, 17/04/2012, Brasil, p. A3; PEIXER, Zilma Isabel. Utopias de progresso: ações e dilemas na localidade de Itá frente a uma hidrelétrica. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Departamento de Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, 1993.

3
PIQUET, Roselia. Cidade-empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1998, p. 98

4
BORTOLETO, Elaine Mundim. A implantação de grandes hidrelétricas: desenvolvimento, discurso e impactos. Revista Geografares, Vitória, n. 2, jun. 2001.

5
VAINER, Carlos; ARAUJO, Frederico Guilherme Bandeira de. Op. cit., p. 49.

6
MARTINS, José de Souza. A chegada do estranho. São Paulo, Hucitec, 1993, p. 61-62.

7
MÜLLER, Arnaldo Carlos. Hidrelétricas, meio ambiente e desenvolvimento. São Paulo, Makron Books, 1995, p. 270.

8
VAINER, Carlos. Conceito de “atingido”: uma revisão do debate. In: ROTHMAN, Franklin Daniel (Org.). Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viçosa, Editora UFV, 2008, p. 40.

9
COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS – CMB. Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisão – Um sumário. Comissão Mundial de Barragens, 2000.

10
BECKER, Berta K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro, Garamond, 2004.

11
BRASIL. Plano de Aceleração do Crescimento (2007-2010). Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, 2006. Disponível em <www.planejamento.gov.br/arquivos_down/noticias/pac/070123_PAC_INFRAESTRUTURA.pdf>; MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Sobre o PAC. Disponível em: <www.pac.gov.br/sobre-o-pac>.

12
MMA, Ministério do Meio Ambiente Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama. Parecer Técnico Nº 014/2007 – COHID/CGENE/DILIC/Ibama. Brasília, 2007. Disponível em: <http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/Dossie/Mad/Documentos%20Oficiais/Madeiraparecer.pdf>.

13
VAINER, Carlos; ARAUJO, Frederico Guilherme Bandeira de. Op. cit.

14
Idem, ibidem.

sobre os autores

Carina Giovana Cipriano Carvalho é acadêmica pós-graduanda do curso de Abordagem Contemporânea na Arquitetura e na Cidade, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS.

Ângelo Marcos Vieira de Arruda é professor do curso e coordenador do Observatório de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS.

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