A ocupação do município de Rio Brilhante, anteriormente conhecido como Campos de Vacaria, ocorreu em 1836, com a chegada do mineiro Antônio Gonçalves Barbosa e sua comitiva, acampando em um prado onde existiam vacas de propriedades dos índios Guaicurus, tribo guerreira da região da Serra da Bodoquena. Aos avistaram os bovinos, de acordo a história oral, Antônio Barbosa exclama “que vacaria”, originando o nome Campos de Vacaria. No local formam as Fazendas Boa Vista e Caçada Grande, para criação de gado, as primeiras registradas no período de 1800 e depois extintas. Em 1842 chega seu irmão Inácio com familiares, fundando a Fazenda Passatempo (1).
Em consequência da invasão paraguaia no território brasileiro, em 1864 (Guerra do Paraguai), ocorreu a fuga da população com medo das tropas que saqueavam e queimavam as propriedades. Normalmente estas edificações, erguidas em novas áreas de conquista, eram cabanas similares às ocas indígenas, resumindo-se muitas vezes a um aposento de uso múltiplo e em alguns casos, com uma área anexa para a cozinha. A cobertura geralmente era de palha, o piso de chão batido ou as vezes coberto por tábuas rusticas e as paredes, frequentemente na tradicional técnica da taipa – barro amassado sobre um esqueleto de madeira (2).
Este estilo era tradicionalmente utilizado nas casas dos bandeirantes e ainda encontradas em áreas rurais do nordeste, em casas de fazendas com paredes de taipa e piso de chão batido, indicando a influência destes desbravadores. Em Campo Grande, a residência do mineiro José Antônio Pereira, fundador da cidade, foi edificada desta forma e conceitua-se esta arquitetura como rural mineira e vernacular – feita com materiais locais, técnicas e padrões tradicionais(3).
Com o decorrer do tempo, também passou a ser utilizado o adobe (tijolo maciço, não queimado), por ser mais resistente e durávele muito utilizado, principalmente em áreas onde não existiam muitas opções para as edificações. Tais construções ainda são encontradas em regiões rurais, tais como a Serra da Mantiqueira, Minas Gerais, uma forma de construir que já foi predominante, indicando sua resistência ao tempo, quando bem construídas através da sabedoria das comunidades tradicionais, resultado de seu baixo custo e simplicidade (4).
Após o conflito, em 1872, os habitantes retornaram, reconstruindo as edificações e dedicando-se à atividade da pecuária e a coleta da erva-mate, abundante na região. Neste período, em 1882, instala-se a Empresa Matte-Laranjeira, produtora e exportadora de erva, um dos fatores que proporcionou um expressivo acúmulo de capital, responsável pela produção arquitetônica da época (5).
Iniciam-se então as construções das primeiras residências de madeira e alvenaria, começando a substituir as antigas formas de edificar (6). Como característica, existia a combinação de um ou mais elementos arquitetônicos bem definidos em suas volumetrias, demonstrando suas inspirações estilísticas, uma arquitetura espontânea sem autoria, onde era o proprietário que definia o conjunto da obra. De acordo com alguns autores, o homem do campo seria um arquiteto por intuição, produzindo uma arquitetura prática, de acordo com suas necessidades (7).
Levando-se em consideração a relevância de determinadas edificações na zona rural do munícipio de Rio Brilhante, o objetivo deste trabalho foi identificar as construções mais relevantes, relacionando-as com seus respectivos períodos históricos e características estruturais.
Material e métodos
A área estudada compreende os limites territoriais do município de Rio Brilhante, localizado no Estado do Mato Grosso do Sul, região Centro-Oeste, com topografia plana, rede hidrografia comandada pelos rios Vacaria e Brilhante e solos tipo latossolos roxos.
O processo metodológico baseou-se em algumas publicações já existentes no Estadoque registraram as primeiras pesquisas que contribuíram para o resgate do patrimônio arquitetônico sul-mato-grossense, indicando os modelos representativos da produção construtiva e seus períodos. Foram percorridos trechos das estradas municipais e estaduais, destacando-se as Fazendas Passatempo, Alegrete, Capão Bonito, Sossego, Sucuri e Assentamento Estrela (8).
O levantamento de dados se deu através da investigação exploratória de campo, com o uso do GPS para o mapeamento e registro fotográfico das edificações, sua análise histórica e arquitetônica através de sua volumetria e materiais construtivos, englobando as construções executadas no final do século 19 ao início do 20 (1844 a 1930).
Também, foram obtidas informações adicionais através de análise documental, mapas e imagens fotográficas cedidas pela Prefeitura e Biblioteca Municipal de Rio Brilhante, bem como relatos orais dos descendentes das famílias pioneiras.
Resultados e discussão
Foi identificada nas obras analisadas uma arquitetura espontânea vernácula, bem como elementos decorativos e materiais construtivos em suas fachadas, as quais remeteram aos Estilos Eclético, Neocolonial, Art Nouveau e Art Déco, predominado o ecletismo.
Para alguns autores, o ecletismo foi o resultado das mudanças trazidas pela riqueza gerada por determinada atividade econômica, onde os proprietários podiam dar vazão a sua imaginação, nas novas edificações, exteriorizando sua riqueza e cultura. Outra característica muito observada, resultado do ecletismo, é o tipo de volumetria, com edificações sendo retangulares ou quadrangulares, com tendência à horizontalidade e à simetria das composições das fachadas (9).
Imigrantes como portugueses, espanhóis, italianos, gregos, paulistas e mineiros trouxeram sua experiência construtiva para a região de Campo Grande, que logo se espalhou pelo Estado, em estilo eclético, uma característico do final do século 19, que aliados a mestiçagem dos materiais locais e importados da Europa, produziu uma arquitetura peculiar a região (10).
Determinados pesquisadores escrevem que a arquitetura rural brasileira é muito rica, com a maior parte dos projetos sendo dos próprios proprietários ou de terceiros, sem formação acadêmica, além da literatura relativa a esta tradição ser escassa. Este tipo de arquitetura vernácula ainda é pouco pesquisada e valorizada, levando-se em consideração sua fragilidade e ameaça de destruição (11).
Ao contrário de outras regiões brasileiras, devido a uma colonização mais tardia, a arquitetura colonial não é encontrada normalmente nas propriedades do Estado, com a predominância de outros estilos, como o Neoclássico e Eclético. Quando ocorreu a transferência da corte imperial para o Brasil, ocorre uma ruptura com o passado e o Estilo Neoclássico é adotado, influenciando as construções urbanas e rurais (12).
Esta situação pode ser visualizada em Minas Gerais, com seus amplos casarões e em São Paulo, onde Neoclássico e o Ecletismo correspondem ao período do ciclo do café no Vale do Paraíba (13).
Este padrão também ocorreu no Rio Grande do Sul, a partir das últimas décadas do século 19, com uma crescente introdução de manufaturados como tijolos e esquadrias, por exemplo, e um aumento das influências externas na concepção formal, trazendo características Ecléticas e Art Nouveau. Como consequência, novos elementos eram adotados, como platibandas (14).
A reconstrução das fazendas, após o final da Guerra do Paraguai (1870) e o crescimento econômico da região, propiciou a edificação de sedes que se destacam pela riqueza no uso de materiais e detalhes construtivos, já sob influência do Eclético e do Neoclássico. Esta situação também ocorreu em outras regiões, como São Paulo, onde o ecletismo predomina com elementos construtivos escolhidos de forma aleatória e variando de acordo com o gosto do proprietário, sendo aplicados em edificações de feições Neoclássicas, tal como na região de Rio Brilhante (15).
No município registraram-se nessas antigas fazendas, residências em madeira e alvenaria e suas instalações rurais, como bicas d’água, além da presença de cemitérios e igrejas.
Edificações encontradas nas fazendas na ordem de seus respectivos períodos de construção
Fazenda Passatempo – 1844
Por volta do século 19, a família dos “Barbosas” saiu de Sabará – MG e veio para Piumhi, depois para Franca – SP e em sequência, para Paranaíba – MS, radicando-se em Rio Brilhante. Na região, começou a trabalhar com a criação de gado, fundando várias fazendas e entre elas, Alegrete e Passatempo. A Passatempo foi a grande irradiadora da família Barbosa pela região (16), demonstrando sua importância histórica.
A propriedade pertenceu a Etalívio Pereira Martins, que a legou a seu filho Aguiar. Os herdeiros deste, por sua vez, venderam as terras para a usina que leva apropriadamente a nome da histórica Fazenda Passatempo (17).
Este fato ocorreu com a chegada do cultivo da cana-de-açúcar e a implantação de usinas no município, em 1982. Neste ano, a fazenda passa a pertencer ao Grupo Pernambucano Tavares de Melo – GTM; já em 2007, ao grupo francês Louis Dreyfus Commodities e a partir de 2009, LDC Bioenergia.
A sede da fazenda, fundada em 1844, foi demolida a muitas décadas, segundo relatos de Emílio Barbosa. Os tijolos usados na edificação das paredes eram maciços, não queimados (adobe) e, foram confeccionados de acordo com o conhecimento dos proprietários, sendo moldados com barro da área; as telhas, do tipo colonial capa e canal, também eram fabricadas no local onde realizariam a construção. Em edificações da Serra da Mantiqueira ainda são vistos estes tipos de telhas, cobrindo antigas casas e armazéns e também em edificações históricas do Rio Grande do Sul e fazendas de São Paulo e Nordeste (18).
O fotógrafo e pintor francês Albert Joseph Braud, um pioneiro da fotografia no Estado de Mato Grosso do Sul e responsável por diversas imagens retratando paisagens e pessoas no Estado, fotografou uma edificação na região de Rio Brilhante, que se parece muito com um rancho, autêntico protótipo de todas as moradias da época (19).
Pode-se ainda perceber que as paredes da edificação possuíam cor clara, provavelmente uma mistura de saibro com cal. Este é um processo normalmente utilizado em construções rurais, com a presença de cal sendo uma assepsia contra insetos, por exemplo. Outra característica observada é a presença de estrutura portante de madeira, também comum neste tipo de casa. Ambas características ainda são frequentemente observadas nas casas da Serra de Mantiqueira (20).
A edificação foi implantada em um amplo terreno, com sua volumetria e aberturas em formato retangular, cobertura com o jogo de telhado em duas águas, estrutura de madeira e telhas de barro. O conjunto da obra, juntamente com seu período construtivo, corresponde ao Estilo Neocolonial. A implantação de residências rurais em terrenos amplos está ligado a questão que tais terreiros funcionavam, muitas vezes, como uma sala de estar da casa, onde as visitas eram recebidas e festas, realizadas, tais como ocorre ainda em regiões como a Serra da Mantiqueira(21).
Como resquício dos fundadores, ainda se encontra um dos primeiros cemitérios em alvenaria da região, à margem esquerda do Ribeirão Passatempo, única testemunha de uma época já passada. Apesar de encontrar-se em pleno estado de abandono, é possível visualizar as lápides onde se encontram sepultados alguns dos descendentes da família, como Inácio Gonçalves Barbosa, falecido em 1863, sua esposa Antônia Isabel de Jesus Marques, falecida em 1857, bem com seus filhos, Joaquim Barbosa Marques e esposa, Flauzina Garcia Barbosa, Estevão Gonçalves Barbosa e Emiliano, seu neto(22).
Ali, também, jazem Luiza Garcia Leal e Antônio Gonçalves Barbosa Marques, além de outros restos mortais que não mais possuem identificação devido ao mau estado de conservação das sepulturas, resultado do descaso e do tempo (23).
O cemitério é cercado por pilares de madeira tipo aroeira com arame liso e as formas das sepulturas são quadradas e retangulares, implantados em um amplo terreno, em alvenaria de tijolos maciços. São ornamentadas com esculturas no ápice de seus sepulcros e com frisos emoldurados no reboco e molduras com ornatos no ressalto do reboco, onde os desenhos formam arcos ogivais, uma característica do Neogótico, e também, figuras geométricas na vertical, que remetem ao Art Déco. O conjunto da obra corresponde ao Estilo Eclético.
Fazenda Alegrete – 1899
A sede, considerada uma preciosidade arquitetônica, foi edificada no século 19, por volta de 1899, por Antônio Gonçalves Barbosa Marques (o construtor foi seu cunhado, Lúcio Cândido de Oliveira). Os cômodos, como os quartos e salas, eram bem iluminados, assoalhados e envidraçados e extensos canaviais ocupavam as áreas próximas, utilizadas para a produção de açúcar, rapadura, melado e aguardente, comerciados na região. O cultivo da cana-de-açúcar, em paralelo com a criação de gado, também era uma característica das fazendas do nordeste brasileiro, sendo a base da alimentação sertaneja (24).
A planta da residência é no formato retangular, implantada em um amplo terreno, com os ambientes sendo sala, salão de festas, sala de jantar, quarto de hóspedes, quarto do pintor e fotógrafo Alberto Braud, quarto das senhoras, das meninas, do casal e segundo relatos orais, um quarto onde se realizava os partos. A cozinha e a despensa se localizavam em prédio anexo, em madeira e o banheiro ficava do lado de fora, no quintal, no final do rego d’água. Banheiros fora da residência, utilizando regos d´água em que a água se desloca por gravidade é uma característica das edificações em áreas rurais, conforme ainda se observa na Serra da Mantiqueira (25).
Na residência, as aberturas das janelas eram retangulares, com vedos em madeira e vidro; já a abertura da porta de entrada era em forma de um arco. As janelas retangulares ou quadradas, simétricas e simples, são uma característica comum nas casas rurais e ainda facilmente encontradas também em outras regiões, como a Serra da Mantiqueira (26).
Os materiais construtivos foram o embasamento em soco, com fundação e paredes largas de pedras e vedação em taipa. O assentamento da edificação em pedra é uma característica que permite maior resistência e tempo de vida a construção, ainda visualizada em regiões como a Serra da Mantiqueira e áreas rurais do nordeste e de São Paulo (27).
Em relação a fachada, a mesma possuía pé direito alto e antecorpo em ressalto com bossagem de rusticação. A cobertura e estrutura eram em madeira coberta por telhas cerâmicas, tipo colonial capa e canal. À esquerda se encontrava a horta e o curral e a direita, outro curral e galpão. O conjunto da obra, em função da data de construção, corresponde ao Estilo Neocolonial.
Segundo relatos do Sr. Valdomiro Barbosa, na seda da fazenda costumava ocorrer grandes eventos, tais como o ocorrido na semana do dia 22 de março de 1908, quando foram realizados nove casamentos, seis em um dia e três, no outro, registrados no cartório da comarca de Aquidauana, cujas certidões estão sob os cuidados de um dos descendentes da família, Jarbas Barbosa. Neste período, foram realizadas festividades e as comemorações duraram nove dias. Dentre os eventos comemorados, os 65 anos de casados de Maria Coelho de Souza e o Major Joaquim Gonçalves Barbosa Marques e dos pais de Valdomiro Barbosa, Vitalina Garcia de Souza e Antônio Lino Barbosa.
Na Fazenda Alegrete, também, existe um cemitério de 1914, onde estão sepultadas Rita Maria, Emerenciana e Amasiles, avós do Sr. Barbosa. O local é cercado com pilares de madeira e arame liso.
As formas das sepulturas são retangulares, implantado em um amplo terreno, em alvenaria de tijolos maciços, ornamentados com friso emoldurado em forma de capitel, figuras geométricas que remetem a Art Déco e elementos decorativos marcados pelo exagero. Anteriormente havia um anjo esculpido em mármore Carrara, o qual hoje é mantido por questões de segurança na Fazenda Sossego. O conjunto da obra corresponde ao Estilo Eclético.
Atualmente, a fazenda pertence a Modesto Brock, rio-grandense-do-sul, município de Getúlio Vargas, que a comprou de Alaor Barbosa na década de 1980. Divide suas atividades em pecuária e criação de peixes e os campos são arrendados para o plantio da cana-de-açúcar, atividade agrícola predominante atualmente, na região.
Estação Beltrão – 1905
Em 1905, na passagem do sertanista brasileiro Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, conhecido como o patrono das linhas telegráficas no Brasil, foi instalado uma linha no município, integrando a cidade às outras regiões. Como resultado, ocorreu a construção da Estação Beltrão, atualmente localizada no assentamento Estrela, nas proximidades do córrego Beltrão, construída para abrigar a sede dos correios (28).
Segundo relatos de Valdomiro Barbosa, a edificação leva o nome do proprietário da época, o Sr. Beltrão, um boliviano. No local também se serviam refeições, pois a edificação era a parada de ônibus para os viajantes, sendo um dos pontos mais movimentados da região.
Apesar da construção, com volumetria em formato retangular, encontrar-se em ruínas, ainda existem alguns vestígios de seus materiais construtivos, tais como fundação em pedra, embasamento de soco, alvenaria de tijolos maciços revestida com argamassa, presença de aberturas retangulares de janelas e portas e cobertura em estrutura de madeira.
A questão da destruição da memória arquitetônica, através do processo de reforma agrária, deveria ser uma preocupação de arquitetos, urbanistas, historiadores, entre outros, no Brasil. Como processo normal, o governo, após adquirir as propriedades rurais, faz a divisão dos lotes e sua distribuição.
Porém a infraestrutura física existente, tais como as antigas sedes, apesar de terem sido compradas por um alto valor, ficam abandonadas a própria sorte, sofrendo lentamente processos de depredação, o que as torna, dentro de pouco tempo, apenas ruinas do que foi a história da região e do Brasil. Porém este aspecto não é discutido ou questionado, quando do processo de criação de assentamentos em áreas com construções históricas, o que foi observado na Estação Beltrão e Fazenda Capão Bonito, com suas edificações em ruínas.
O local apresenta, também, revestimento com lajotas cerâmicas, aplicadas no sentido vertical nas laterais das paredes da porta de entrada como ornamento e paginação de piso com ladrilhos hidráulicos cerâmicos. A questão da presença deste tipo de revestimento indica um alto valor gasto na construção. Como seu transporte da Europa normalmente era custoso e complexo, seu uso era inicialmente restrito e apenas os proprietários mais abastados podiam usar. De acordo com relatos orais, apenas em 1940 passaram a serem fabricados no Estado, em cidades como Aquidauana e Corumbá e posteriormente, distribuídos para outras regiões.
A edificação esta implantada em um amplo terreno, uma característica do Estilo Neocolonial, sendo o conjunto da obra correspondente ao Estilo Eclético.
Fazenda Capão Bonito – 1916
A região onde esta instalada foi percorrida pela comitiva do sertanista Joaquim Francisco Lopes (a serviço de João da Silva Machado, o Barão de Antonina), com a presença do norte-americano radicado no Brasil John Henry Elliot, em 1843. A área se situa a uma pequena distância da Fazenda Alegrete e pertenceu no início do século 20 a Domingos Barbosa Martins, nascido em Jataí – PR, e filho mais velho de Henrique José Pires Martins e Marcelina Barbosa Martins, primeira geração dos “Barbosas”. Era mais conhecido na época como “Gato Preto”, apelido que recebeu por não cair em armadilhas do inimigo, frequentes em períodos de revolução (29).
Em 1912, Domingos Martins venderia as terras para a empresa norte-americana Brazil Land, Cattle, and Packing Company, do empresário novaiorquino Percival Farquhar. O capataz da fazenda era o Sr. James Burr, mas o principal supervisor de todas as fazendas no Estado foi o escocês Murdo Mackenzie, amigo de Theodore Roosevelt, administrando uma das maiores áreas de pecuária do mundo (30).
Após, a desativação dos grandes investimentos de Percival no Brasil, a Capão Bonito foi nacionalizada em 1940, através de um decreto de Getúlio Vargas, sendo incorporada à S. A. Cafeeira da Noroeste, que chegou a possuir 145 mil ha no Estado. Em 1964, Nicolau Zarvos Filho, um descendente de gregos, comprou a fazenda e em 1990 a venderia para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (31).
Em relação à sede, a primeira edificação estava implantada em um amplo terreno e possuía a volumetria retangular, com aberturas em forma de arco, varandas com pilares em madeira, cobertura em quatro águas com estrutura de madeira e telhas de barro. O conjunto da obra corresponde ao Estilo Neocolonial.
Atualmente ainda existem três edificações em alvenaria com os mesmos materiais construtivos, sendo a segunda residência a de maior relevância, com características construtivas de rusticação, como a mistura de pedra, madeira e a presença de lareira em seu interior, indicação de temperaturas mais frias no passado e a influência europeia em sua construção. Na edificação funciona hoje a Escola Família Agrícola de Sidrolândia – Efasidro, que se encontra em estado de abandono, por parte do atual proprietário.
O local possui ambientes compostos de quartos, salas, cozinha, varandas e jardim interno. Os materiais construtivos são embasamento de soco, fundação e paredes largas de pedras, com vedação em taipa. Fachada e pé direito alto, antecorpo em ressalto com bossagem de rusticação e cobertura com estrutura de madeira e telhas de barro, duas águas e aberturas retangulares com vedos em madeira.
Na sala de entrada, a presença do cogobó em ferro com formas geométricas, o qual traz a iluminação natural, uma característica do Neocolonial. As janelas são em madeira, de duas folhas, com figuras entalhadas, reproduzindo figuras da natureza, como flores e folhas, que remetem a Art Nouveau. O conjunto da obra corresponde ao Estilo Eclético.
Fazenda Sossego – 1923
A volumetria da residência, implantada em um amplo terreno, é no formato retangular, com varanda em formato de L, tomando toda a frente da casa, com piso em mosaico branco e marrom escuro. A casa foi inaugurada em 1923, executada por Carlos Taveira e conta com sala de visita, jantar e quartos, com assoalho de madeira corrida, acima alguns centímetros do solo, para evitar a umidade. Este tipo de elevação é comum em edificações rurais, como na Serra da Mantiqueira (32). Além destes aposentos, existe a presença da cozinha e despensa, além de um banheiro no quintal, sempre comum nestas residências. É característica da arquitetura espontânea vernácula, devido a madeira ser um material construtivo abundante na região.
A sede possui paredes de tábuas de aroeira, trazidas da Fazenda Capão Bonito e no telhado, telhas de barro fabricadas no local conhecido por Barreirinho, localizado em frente a fazenda e transportadas por carros de boi. Atualmente, na antiga olaria funciona uma destilaria de álcool (33).
Ponte de madeira – 1934
A grande riqueza de madeiras de lei na região, como perobas, angelins, aroeiras e ipês, além de outras, incentivou seu emprego para a construção de residências, algumas ainda visíveis na região e, outras obras, tais como pontes.
Exemplo desta utilização foi durante o governo de Getúlio Vargas, onde o governador de Mato Grosso Júlio Strübing Müller autorizou o Sr. Laucídio Coelho a fazer uma ponte sobre o rio Vacaria, no Distrito de Prudêncio Thomaz, onde existia apenas uma balsa para a travessia. Este, então, contratou o engenheiro Dr. Amélio Baís para fazer o projeto, no qual foram exploradas as madeiras retiradas de sua propriedade, com o empreendimento executado pelo próprio empreiteiro que trabalhava em sua fazenda, o João Paulista. Construída no período de 1934 a 1937, foi posteriormente abandonada e depredada, ao ser substituída por uma ponte de concreto (34).
Fazenda Sucuri – 1930
O fundador da fazenda foi Antônio Pereira Martins, parente de José Pereira, fundador de Campo Grande, que vislumbrava inúmeras possibilidades para a área situada nos afamados Campos de Vacaria. Porém não pode desfrutar por muito tempo de sua propriedade, pois foi assassinado por um dos bandos armados assolavam a região sul do Estado. Mais tarde, seu filho Etalívio Pereira Martins iria transformar o local num dos mais bem-sucedidos empreendimentos de agropecuária do Estado, como ilustra a fachada da residência.
Etalívio Martins começou comerciando bois com Henrique Vasquez, um dos proprietários da célebre Casa Vasquez, de Corumbá (importante centro comercial). Ele e o cunhado Laucídio Coelho transportaram grandes boiadas em direção ao Porto XV, onde eram embarcados para São Paulo. Este comércio permitiu o crescimento da fazenda, que chegou a atingir 60.000 hectares, englobando outras propriedades históricas, como a Passatempo (35).
Em relação à sede da fazenda, a edificação é térrea, implantada em um amplo terreno, com cerca em madeira no entorno da edificação, embasamento em soco, pedestais e degrau de acesso ao alpendre avarandado. O corpo é com esteio, frechal e trama de pilastras verticais.
O frontão central do hall de entrada, com apliques e ornamentos em seu tímpano, possui como epígrafe e monograma “FDAS EPM”, e a data da construção, “1930”, com elementos do Estilo Art Déco, como formas geométricas e do Estilo Art Nouveau, como a guirlanda em forma de folhas. A alvenaria é de tijolos maciços, com bossagem revestida com argamassa. As aberturas são retangulares com vedo em ferro, madeira e vidro. A cobertura com jogos de telhados variados, entre três e quatro águas, com estrutura de madeira e telhas de barro. O conjunto da obra corresponde ao Estilo Eclético.
Outra construção existente é a Igreja Nossa Senhora de Nazaré, que possui uma volumetria retangular, implantada em um amplo terreno, embasamento em soco, frontão triangular na platibanda e hall de entrada.
Nas laterais, as janelas são em aberturas retangulares com quadros e vedo em ferro e vidro, como vitrais coloridos, reproduzindo a imagem de anjos, santos e motivos florais, que remetem a Art Nouveau. Em seu ápice da platibanda superior, aparece a escultura de um anjo. Na lateral esquerda, uma parede com elementos vazados em forma de arco com um sino e em seu interior, móveis de madeira entalhada. O conjunto da obra corresponde ao Estilo Eclético.
O meio mais visível de celebrar a riqueza e saúde (grandes igrejas e templos erguidos para agradecer a Deus) é uma forma de escada para o céu. A humanidade queria sintonizar-se com a mente que criou o universo e assim também ocorreu nas primeiras fazendas vacarianas, construções de igrejas e capelas (além dos cemitérios), próximas às residências, resultado do pagamento de promessas e que posteriormente, serviam para festejos religiosos e novenas, tal como ainda ocorre em áreas rurais, como a Serra da Mantiqueira. Porém, apenas algumas dessas edificações sobreviveram ao tempo (36).
A herdeira de Etalívio Martins, sua filha Eda, comanda a fazenda com quatorze mil hectares, com criação de gado e cultivo de soja e milho; as construções existentes na área se encontram em ótimo estado de conservação, como se pode observar através dos mobiliários de época, a paginação de piso preservada e a bica d’água, ainda em funcionamento.
Considerações finais
Uma característica construtiva encontrada, em função da utilização da madeira, abundante na região, foi a arquitetura espontânea vernácula, utilizada de acordo com as necessidades. Esta arquitetura, de acordo com alguns autores, é uma fonte de conhecimentos para a arquitetura moderna, pois possui através do saber popular, uma adaptação ao meio. Porém uma boa parte já não mais existe devido ao apodrecimento da estrutura, tais como as bicas d’águas. Este é um tipo de construção encontrada em outras regiões, tais como a Serra da Mantiqueira, onde levavam a água, por gravidade, para banheiros, por exemplo (37).
Com o surgimento das construções em alvenaria, aparecem as igrejas, cemitérios e residências com cômodos mais amplos e pisos revestidos por ladrilhos hidráulicos. As casas passam a ter mais detalhes em suas fachadas, ficando visíveis seus elementos arquitetônicos, bem definidos através de ornamentos e materiais construtivos, demonstrando o poder das famílias.
A arquitetura observada não é totalmente autêntica, ou seja, genuína aos moldes de outros Estados e países. Isto pode ser observado nas residências térreas de madeira e em alvenaria, com um determinado número de elementos arquitetônicos, sem um estilo homogêneo, predominando a arquitetura espontânea vernacular, o Neocolonial e o Ecletismo.
notas
NA – Artigo baseado em: CAMPESTRINI, Hildebrando. Mato Grosso do Sul: conflitos étnicos e fundiários. Campo Grande, [s.e.], 2009.
1
FACHOLLI, Clenice Batista; DOERZBACHER, Sirley. Rio Brilhante: Sua terra, sua gente. Cascavel, ASSOESTE, 1991; BARBOSA, Emílio Garcia. Os Barbosas em Mato Grosso. 2ed. Campo Grande, Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 2011.
2
FACHOLLI, Clenice Batista; DOERZBACHER, Sirley. Op. cit.; BARBOSA, Emílio Garcia. Op. cit.; MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Mato Grosso do Sul – Fazendas - Uma Memória Fotográfica. Campo Grande, Gráfica e Editora Alvorada, 2012; ARRUDA, Ângelo Marcos. A casa em Campo Grande: Mato Grosso do Sul, 1950-2000 – parte 1. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 036.10, Vitruvius, maio 2003 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.036/690>.
3
ARRUDA, Ângelo Marcos. Op. cit.; Weimer, Günter. A casa do bandeirante: uma revisão de suas origens. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 149, p. 89-104, 2015; DINIZ, Nathália Maria Montenegro. Um sertão entre tantos outros. Rio de Janeiro, Versal Editores. 2015.
4
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Uma nova proposta de abordagem da história da arquitetura brasileira. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 141.00, Vitruvius, fev. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.141/4214>; MAGALHÃES, Aline Montenegro. Colecionando relíquias... Um estudo sobre a Inspetoria de Monumentos Nacionais (1934-1937). Rio de Janeiro, UFRJ/ IFCS, 2004; TEIXEIRA, Claudia Mudado. Considerações sobre a arquitetura vernácula. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 15, n. 17, p. 28-45, 2008; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira. 2ª edição, São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1996.
5
BARBOSA, Emílio Garcia. Op. cit.; MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.
6
FACHOLLI, Clenice Batista; DOERZBACHER, Sirley. Op. cit.
7
DINIZ, Nathália Maria Montenegro. Op. cit.; TEIXEIRA, Claudia Mudado. Op. cit.; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
8
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.; LIMA, Maria Margareth Escobar Ribas. Ciclos econômicos e a produção arquitetônica em Porto Murtinho. Campo Grande, Governo do Estado de Mato Grosso do Sul/FIC, 2014; ARRUDA, Ângelo Marcos Vieira de. Arquitetura em Campo Grande. Campo Grande, Uniderp, 1999; MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense. 2a edição. Vol. III. Campo Grande, Editora UFMS, 2007.
9
SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Ecletismo na fronteira meridional do Brasil: 1870-1931. Tese de doutorado. Salvador, UFBA, 2007.
10
ARRUDA, Ângelo Marcos. Op. cit.; BENINCASA, Vladimir. Velhas fazendas: arquitetura e cotidiano nos campos de Araraquara, 1830-1930. São Carlos, UFSCar; São Paulo, Imesp, 2003.
11
TEIXEIRA, Claudia Mudado. Op. cit.; Maruyama, Cíntia Miua; Fernandes, Leandro Carlos. Tradição da arquitetura rural no Sul e sudeste: do século XVI ao XX. Revista Científica Tecnológica, Chapecó, v. 3, n. 2, p. 330-345, 2015.
12
MIRANDA, Alcides da Rocha; CZAJKOWISK, Jorge; CRUZ, Pedro Osvaldo; PIRES, Fernando Tasso Fragoso; MERCADANTE, Paulo. Fazendas: solares da região cafeeira do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
13
Maruyama, Cíntia Miua; Fernandes, Leandro Carlos. Op. cit.
14
LUCCAS, Luís Henrique Haas. Estâncias e fazendas: uma contribuição ao estudo da arquitetura tradicional riograndense. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 071.05, Vitruvius, abr. 2006 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.071/363>.
15
MARUYAMA, Cíntia Miua; Fernandes, Leandro Carlos. Op. cit.
16
FACHOLLI, Clenice Batista; DOERZBACHER, Sirley. Op. cit.; BARBOSA, Emílio Garcia. Op. cit.; MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.; MARTINS, Wilson Barbosa. Memória: janela da história. Campo Grande, Instituto Histórico e geográfico de Mato Grosso do Sul, 2010.
17
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.
18
DINIZ, Nathália Maria Montenegro. Op. cit.; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.; SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Op. cit.; BENINCASA, Vladimir. Op. cit.
19
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.
20
FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
21
Idem, ibidem
22
MARTINS, Wilson Barbosa. Op. cit.
23
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.
24
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.;DINIZ, Nathália Maria Montenegro. Op. cit.
25
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.;MARTINS, Wilson Barbosa. Op. cit.;FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
26
FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
27
FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.;Diniz, Nathália Maria Montenegro. Op. cit.; BENINCASA, Vladimir. Op. cit.
28
ROOS, Carmelindo Romildo. Rio Brilhante: história e desenvolvimento. Rio Brilhante, Ed. Rio Brilhante, 1996.
29
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.; MARTINS, Wilson Barbosa. Op. cit.
30
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.
31
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Op. cit.
32
REZENDE, Alair Barbosa. Memórias da Fazenda Sossego e da Vacaria. Campo Grande, Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 2013;FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
33
REZENDE, Alair Barbosa. Op. cit.
34
SOUZA, Antônio Barbosa de. Laucídio Coelho, um homem à frente de seu tempo. Campo Grande, Vector Editores e Consultores Associados, 2007.
35
TEIXEIRA, Claudia Mudado. Op. cit.
36
GLANCEY, Jonathan. A história da Arquitetura. São Paulo, Edições Loyola. 2001;FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
37
TEIXEIRA, Claudia Mudado. Op. cit.; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Op. cit.
sobre os autores
Fábio Fernando Martins Oliveira é arquiteto (Unigran), Especialização em Arquitetura de Edifícios Empresariais (Uniderp), Especialização em Metodologia do Ensino Superior (Unigran) e Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional (Universidade Anhanguera – Uniderp). Atualmente, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, Universidade Anhanguera – Uniderp.
Ademir Kleber Morbeck de Oliveira é professor doutor, Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, Universidade Anhanguera – Uniderp.