Mary Vieira (1922-2001) é habitualmente lembrada como precursora do cinetismo no Brasil, mas há em sua obra uma grande contribuição que ainda não foi devidamente investigada: a atuação no espaço público. Este artigo discorre sobre a produção multidisciplinar da artista e os diálogos que cria entre arte, design, arquitetura e urbanismo para lançar luz sobre essa face inexplorada de sua produção. O recorte estabelecido, vale ressaltar, advém do estado negligente ou de destruição em que suas obras se encontram, tornando urgente a reflexão acerca da preservação, o que permeia e conduz a construção deste artigo.
Para tanto, o texto inicia tratando como Mary Vieira é referida na literatura especializada e como isso colabora para o indevido reconhecimento de sua produção e consequente abandono de suas obras. Feito isso, são apresentadas três situações em confronto que tratam de sua atuação multidisciplinar no e a partir do espaço público: a) Poços de Caldas, antecedentes revela os primeiros contatos da artista nesse campo dialógico arte–arquitetura; b) Brasília, o projeto construtivo exibe a consolidação de suas pesquisas plásticas, incluindo aí a produção no campo do design gráfico e sua incursão no espaço público; finalmente, c) Belo Horizonte, a cidade hoje explora não apenas os diálogos citados anteriormente, internos à produção da artista, mas o debate contemporâneo sobre nossas cidades. Poços de Caldas, Brasília e Belo Horizonte, mais que indicações geográficas, sugerem, neste texto, uma metáfora para o tempo e para a contraposição entre a cidade ideal e a cidade real, como será discutido adiante. Finalmente, conclui-se com a necessidade de se pensar o restauro no espaço público, devidamente amparado por instrumentos teóricos e metodológicos próprios da disciplina, visando garantir a fruição de suas obras nesses espaços.
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Mary Vieira é habitualmente lembrada pelo pioneirismo em suas pesquisas cinéticas, sua estreita relação com Max Bill e por alguns cartazes que desenhou. Fatos que sempre lhe garantem alguma citação em estudos sobre o projeto construtivo brasileiro na arte (1).
No entanto, a artista possui pontos de aproximação e distanciamento desse projeto. Por ter deixado o país no início da década de 1950, distanciou-se, física e ideologicamente, de seus interlocutores e também de um cenário cultural (incluindo aí o político) que poderia ter dado outros rumos à sua produção artística. Não foi protagonista, assim, das diversas fases desse projeto, como descritas por Ronaldo Brito: “O concretismo seria a fase dogmática, e o neoconcretismo a fase de ruptura, o concretismo a fase de implantação e o neoconcretismo os choques da adaptação local” (2). Mary Vieira foi precursora, mas não participou efetivamente da implantação do concretismo no Brasil, tampouco teve de adaptar-se à situação local ao longo dos anos. Entretanto, é o distanciamento da crítica que parece apartar Mary Vieira de seus pares no Brasil – e o que pode justificar o indevido reconhecimento de suas obras, seja pelo poder público, seja pelo público em geral.
Lembrada sempre pelo seu pioneirismo, à época, não foi alvo de análises minuciosas ou que dessem conta dos desdobramentos de sua pesquisa. Catálogos de exposições individuais ou coletivas, enciclopédias de arte, monografias ou compilações de textos críticos mostram como Mary Vieira foi objeto de escassas ou superficiais análises críticas ao longo da história. Dentre dezenas de publicações, poucas apresentam textos de maior estofo sobre a artista (3) – dentre as quais vale ressaltar as recentes contribuições de Denise Mattar e Heloísa Espada (4). Muitos escritos limitam-se a expor dados biográficos da artista ou a citá-la dentro do grupo de vanguarda concretista surgida no Brasil a partir da exposição de Max Bill no Masp, em 1951; ou, ainda, fazem menção à sua atividade acadêmica (5). Publicações sobre design gráfico, com frequência, fazem referência à produção de Mary Vieira no campo, tomada como exemplar.
Dos textos mais longevos, vale citar um artigo de Mario Pedrosa, crítico profícuo, que não dedicou estudo exclusivo a Mary Vieira, mas localizou a produção da artista junto a Amilcar de Castro, Lygia Pape, Lygia Clark e Franz Weissmann, no texto “Da dissolução do objeto ao vanguardismo brasileiro”, publicado ainda em 1967:
“Vieira é agora uma artista independente, e na linha do plasticismo concreto, a que para honra sua se mostrou fiel, apresenta uma série de peças, onde a perfeição técnica construtiva denota a alta qualidade de acabamento e execução da indústria suíça” (6).
Essa fidelidade da artista, que pode sugerir uma estagnação em suas pesquisas, gera leituras limitadas e obscurece sua contribuição – afinal, não se trata apenas de uma produção bem acabada formal e tecnicamente, mas que coloca questões relativas a percepção, fruição e construção do espaço, como veremos adiante, e que não foram aprofundadas pela crítica.
Entre as publicações oficiais e de maior circulação, os periódicos que trataram da obra de Mary Vieira tiveram maior chance de aprofundar seus escritos, valendo-se de entrevistas diretas com a artista e da construção de comentários sobre suas respostas (7). Ainda assim, é possível reconhecer uma grande semelhança entre os artigos, inclusive de construção léxico-sintáxica, o que conota uma fonte única, a própria artista (8), e não a elaboração efetiva de uma crítica. Ou seja, é Mary Vieira – em seus textos diretos ou indiretos e entrevistas – quem cria sua própria crítica.
Não se trata, aqui, de revisar a fortuna crítica de Mary Vieira, mas tão somente apontar para a defasagem que possui em relação a outros artistas de sua geração. O binômio arte e vida, a dupla Hélio Oiticica e Lygia Clark e a velha disputa entre concretos e neoconcretos não dão mais conta da complexidade da produção artística e seus reflexos na produção contemporânea, o que torna necessários novos debates (9). O trabalho de questionar constantemente a historiografia da arte, identificar os agentes e repensar o lugar que ocupam na consolidação de algumas ideias e práticas é fundamental para que não se reproduza, sem fim, mais do mesmo e para que novas leituras sejam possíveis. Pretende-se, a seguir, contribuir para a ampliação desse debate, ao confrontar três distintas situações.
Poços de Caldas, os antecedentes
Se a literatura especializada marca as décadas de 1950 e 1960 como paradigmáticas para a produção artística contemporânea brasileira, é preciso voltar à década de 1940 e ultrapassar os limites do eixo Rio-São Paulo na compreensão de outros contextos que colaboraram para mudanças na produção artística brasileira. Interessa, aqui, o caso mineiro.
Na década de 1940, em Belo Horizonte, constitui-se um programa de vanguarda para as artes e a arquitetura, capitaneado pelo então governador do estado Juscelino Kubitschek. Além do início do processo de urbanização da Pampulha e da construção dos edifícios projetados por Oscar Niemeyer, é instalada na capital mineira a Escola de Belas Artes. Dirigida por Alberto da Veiga Guignard, a escola possuía um programa de ensino bastante inovador para a época, que marcou de maneira indelével seus alunos, como atesta Mary Vieira, que integrou a primeira turma da escola:
“se a pintura de Guignard não pode ser definida em si mesma revolucionária, o personagem Guignard foi revolucionário, como comportamento humano, como liberdade total dos propósitos e dos gestos, e como método de ensino” (10).
Em 1944, é realizada a I Exposição de Arte Moderna de Belo Horizonte, a “primeira exposição coletiva realmente moderna” (11)no país. No final da década, tem início a construção da nova sede da Escola de Arquitetura (fundada em 1930), projetada por Shakespeare Gomes, que passa a ser vinculada à Universidade Federal de Minas Gerais.
É nesse ambiente que, na década de 1940, circula Mary Vieira e no qual trava contato com intelectuais e artistas da época (12). Mary Vieira ingressa já na primeira turma da Escola de Belas Artes, em 1944, e no mesmo ano participa da citada exposição de arte moderna; em 1947 recebe o prêmio de escultura no I Salão Municipal de Belas Artes de Belo Horizonte. Nesse período, realiza suas primeiras investigações cinéticas. Também realiza projeto de ambientação e expografia – respectivamente, a Boate Azul e a Exposição de projetos e planos de Poços de Caldas, em Poços de Caldas, MG – claramente influenciada pela estética modernista do novo conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, marcada por um repertório formal a partir das obras de Niemeyer, Roberto Burle Marx e Paulo Werneck.
O projeto de ambientação para a Boate Azul, do Palace Cassino coloca duas questões relevantes: a incursão no campo da arquitetura – pois se trata da remodelação de um espaço – e a transposição da estética modernista da capital para o interior do estado. A Boate Azul está inserida em um edifício eclético, da década de 1930, e é absolutamente distinta dos demais ambientes do Cassino, seja por seu vocabulário formal, seja pelos materiais empregados. Assim, a intervenção de Mary Vieira, realizada após um incêndio (1946) que destruiu o então “Palácio encantado”, que por sua vez foi construído sobre o antigo teatro do Cassino, parece antever um dos princípios basilares do restauro hoje: a distinguibilidade (13). Ali, a artista vai responder a um programa tradicional e específico (um salão de baile) sem abrir mão de inovações estéticas: as paredes ortogonais dão lugar a uma grande fita que contorna o salão e se inclina para fora; o piso passa a ser escalonado, descendente, até atingir o centro da composição, com uma pista de dança ovóide, revestida de granilite em três cores (e cujo desenho lembra as composições amebóides presentes na Pampulha). Os grandes vitrais, em uma das faces, são cobertos por uma cortina composta por retângulos em dois tons e, quando franzida, apresenta-se como um tabuleiro de xadrez. O bar segue o mesmo esquema curvilíneo, em alvenaria, e barras metálicas, equidistantes, separam o serviço do salão, mantendo alguma permeabilidade visual.
A Boate Azul foi utilizada, para diferentes fins, ao longo de mais de 60 anos, e, na década de 1990, sofreu intervenções que desrespeitaram a materialidade do conjunto, criando falsos históricos e estéticos (14), uma vez que alguns elementos compositivos foram substituídos, outros perdidos e as alterações não foram documentadas. Ainda assim, seus principais elementos podiam ser identificados, fazendo ressalvas à autenticidade dos materiais. Em 2005, tem início uma grande reforma em todo o Cassino que culmina, em 2011, na opção por demolir a Boate e reconstruir ali um teatro (como no projeto original. O teatro existiu de 1930 a 1945, sendo então demolido). Poços de Caldas perderia, assim, o único testemunho dessa empreitada arquitetônica-modernista de Mary Vieira enquanto morou no Brasil – uma vez que a artista só retoma a produção de espaços no país a partir de 1970, com as obras do Itamaraty e do Ibirapuera, como veremos adiante. A perda é significante se considerarmos a singularidade dessa obra dentro da produção de Mary Vieira e as conexões que poderiam ser estabelecidas dentro da produção modernista no interior do estado, a partir dos próprios objetos e não apenas recorrendo a fontes secundárias.
Já o projeto para a exposição dos Planos da cidade nos fornece outros dois pontos relevantes: a prática, bastante precoce, do que hoje chamamos de expografia; e o contato com projetos urbanísticos. Vale a transcrição de alguns trechos das notícias veiculadas na imprensa local, naquele período:
“D. Mary Vieira, aluna da Escola de Belas Artes da Capital mineira, que veio a esta cidade expressamente para dirigir os trabalhos de ornamentação e decoração dos salões” (15).
“Os planos e projetos do atual Prefeito Municipal Dr. Miguel de Carvalho Dias estão representados em mapas e ilustrações em biombos dispostos em forma de avenidas que obedecem linhas levemente curvas causando ao visitante a impressão ao visitante de se encontrar no mais belo jardim desta cidade. Esta exposição que apresenta planos rodoviários, planos de aproveitamento de energia elétrica e muitos outros do Governo do Sr. Prefeito Municipal Dr. Miguel de Carvalho Dias, foge completamente ao padrão de quadros claros colados em paredes nuas, o que desde o primeiro instante cansa o expectador. O antigo salão de jogos foi completamente remodelado quebrando-se os ângulos e formando-se avenidas as quais, cercadas por biombos de tonalidades suave, se distinguem entre si pela apresentação de planos diferentes. Ao centro, obedecendo a escala, foi construído um pequeno jardim, com dois lagos onde nadam os peixinhos dourados, com a forma da planta da cidade, sobre o qual foi posto um contorno, feito com muita perfeição, do mapa da cidade com as quadras numeradas que correspondem ás plantas cadastrais colocadas na parte posterior do salão” (16).
“O mais interessante e que nunca será demais se repetir é que nesta exposição tão trabalhosa e tão importante, a parte técnica não prejudicou e não foi prejudicada pela parte artística. O fino gosto e a imaginação fértil da senhorita Mary Vieira soube compensar, sem alteração ou prejuízo da verdade, a inflexibilidade dos traçados firmes dos engenheiros que elaboraram os planos de aproveitamento da Estância” (17).
O urbanismo, nesse período, era uma disciplina incipiente no país. Se temos o exemplo de Belo Horizonte, no fim do século 19, e Brasília, na década de 1950, é muito relevante pensar que planos dessa natureza também eram desenvolvidos em cidades no interior, ainda que ficassem restritos a planos de melhoramentos, redes de infraestrutura ou expansão dos núcleos existentes. Não se trata de comparar os planos entre si, uma vez que ao longo do século 20 terminologias e metodologias coexistiram e foram alteradas, mas chamar a atenção para um objeto em comum: o espaço urbano (18). Também é curioso pensar que, uma década depois, Mary Vieira travará contato com os projetos de Brasília, o que será exposto no próximo ponto.
Assim, antes de se firmar como escultora e precursora do cinetismo, podemos afirmar que Mary Vieira logrou resultados no campo da arquitetura. Não se trata de esculpir, mas de investigar de diversas maneiras os espaços, incluindo aí aqueles entre a paisagem e a arquitetura, como fazem, até hoje, artistas, arquitetos e urbanistas.
Brasília, o projeto construtivo e a investigação do espaço público
O projeto construtivo na arte brasileira passa pela adesão a princípios racionais, disseminados por iniciativas formais e informais de educação. Tem-se, assim, o acesso a diversos manifestos (19) e programas educativos, como aqueles da Bauhaus e de Ulm, na Alemanha, que reverberaram no Brasil com a criação do Instituto de Arte Contemporânea – IAC no Masp (1951), e da Escola Superior de Desenho Industrial – ESDI no Rio de Janeiro (1963). A difusão das ideias postuladas por esses manifestos e escolas também foi facilitada pelas atividades de críticos no país e a relação próxima que mantinham com os jovens artistas, como Ferreira Gullar, Mário Pedrosa, Max Bense, Max Bill e Romero Brest, entre muitos outros. A imprensa era outro meio privilegiado para a disseminação desse ideário, como as revistas Noigandres, Invenção, Módulo e os jornais Correio da Manhã, Folha da Manhã e Jornal do Brasil. As exposições em torno do abstracionismo geométrico e da arte concreta/neoconcreta marcaram, também, de maneira indelével, os caminhos a serem trilhados pelos artistas no Brasil – sendo a exposição de Max Bill, no Masp, em 1951, de grande impacto para esse cenário, no qual se inclui Mary Vieira.
A racionalidade deveria estar presente tanto nos meios de produção quanto no resultado formal, fruto de projetos, sejam eles de arte ou arquitetura. Seria o caminho presumível, à época, para a síntese (ou integração) das artes – entre a arquitetura, o design gráfico e o industrial, o paisagismo e as artes plásticas – largamente defendida em terras brasileiras (basta lembrarmos do Congresso Internacional de Críticos de Arte, realizado em 1959, em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, cujo tema “A cidade nova: síntese das artes”, trouxe ao país os mais notáveis intelectuais, de diferentes áreas, para discutir o tema e, claro, “estudar o nascimento de uma grande cidade moderna” (20), como afirmou Giulio Carlo Argan na cerimônia de abertura do Congresso. Ainda assim, o êxito desse projeto ou a forma como foi implantado devem ser observados com ressalvas, ou mesmo deve-se aceitar sua falência (21).
Mary Vieira, já na Europa, imbuída dos princípios construtivos e menos de uma década após ter criado a ambientação para a exposição dos “Planos de Poços de Caldas”, participou de dois projetos de grande envergadura: a exposição brasilien baut, que apresentou pela primeira vez no continente europeu as pesquisas até então levadas a cabo na arquitetura moderna brasileira (uma versão atualizada da Brazil Builds, apresentada no MoMA de NY em 1943), para a qual desenhou o cartaz e os painéis expositivos; e brasilien baut brasília, que contemplou a apresentação do Plano Piloto e os edifícios para a nova Capital Federal. É em sua colaboração na brasilien baut brasília que podemos identificar um diálogo exemplar entre arte, design, arquitetura e urbanismo, uma vez que Vieira projetou o espaço e o mobiliário expositivo, o cartaz de divulgação e, posteriormente, o seu catálogo, que reflete esse diálogo em seu conteúdo editorial e nas soluções gráficas adotadas pela artista (22).
Mary Vieira observou desde cedo o que arquitetos e urbanistas estavam fazendo – seja em Poços de Caldas, em 1948, ou Brasília, em 1957. Não que haja aí uma relação de causa e consequência, mas é inevitável pensarmos em uma formação de repertório e em debates críticos que tratassem da intervenção do artista e do arquiteto no espaço público, seja projetando monumentos, edifícios, ou cidades inteiras. Na referida exposição, Vieira exibe um modelo do que seria sua Coluna centripetal, uma coluna tripartida, articulada, que deveria ocupar o centro da praça dos três poderes, em Brasília, mas que nunca chegou a ser executada ou instalada. No catálogo da exposição, essa integração é apontada de maneira direta:
“interessante relevar a integração da obra ao caráter construtivo da exposição, tal como o resultado estético da escultura está em unitária correspondência com a solução urbanística da praça onde será́ erguida e com a arquitetura principal da mesma praça, criada por Niemeyer” (23).
Conclui-se, assim, que a integração ocorreu no plano ideal da exposição, com os projetos e as obras apresentadas, seu catálogo e peças gráficas, mas não se concretizou na realidade construída da cidade. Referida essa grande empreitada, que coloca a artista em diálogo com as discussões sobre o mais audacioso projeto urbano e arquitetônico daquele momento – Brasília –, não é de espantar que Vieira passasse a ter sempre em mente as questões do espaço público e da escala urbana.
Já no final da década de 1950, e principalmente a partir da década de 1970, algumas de suas obras passam a ser instaladas no espaço público ao ar livre, como em Zurique (monovolume: cruz elevada, 1958), São Paulo (polivolume: conexão livre, 1975), Basiléia (intervolume: cimento flexível, 1975), Belo Horizonte (monovolume: liberdade em equilíbrio, 1982) e Arhem (Cuborama, 1986); ou em espaços públicos que não museus: como na Biblioteca da Universidade de Basiléia (polivolume: itinerário hexagonal, 1968), no Itamaraty (polivolume: ponto de encontro, 1970) e no instituto de anatomia patológica na Basiléia (polivolume: função de forças opostas, 1975). Em todos os casos, o que está em jogo, especificamente no caso de Mary Vieira, é o deslocamento da obra de seu lugar naturalizado (o museu, a galeria), para o lugar de estranhamento; em que a presença de sua obra pode ser considerada novidade, propiciando novas interações e com um novo público, não especializado. Trata-se, também, de projetar sua obra em função ou em correlação com um espaço existente, e não um objeto absolutamente autônomo a ocupar o espaço do cubo branco, como ocorre com a maioria de seus polivolumes.
A partir dessas obras, vale debater a maneira como a artista resolve a instalação de seus trabalhos repensando o papel do pedestal da obra de arte, questão paradigmática para a escultura no século 20 (24). Não é de se espantar que as soluções mais criativas e radicais, na produção de Mary Vieira, estão presentes nas obras em espaços públicos, e não naquelas de acervos museológicos. O tratamento dispensado àquelas esculturas sugere uma aproximação entre o público fruidor e a obra, possibilidade já posta pela qualidade do espaço – em que se pode tocar a obra – e, também, pela incorporação da base – buscando acabar com as sensações de hierarquia ou distanciamento próprias de um pedestal. A questão não está na existência ou supressão de uma base, mas na relação que possui com a gênese da obra, o que já fora observado por Mario Pedrosa em seu artigo de 1967: “Vieira nos dá uma série de peças que pedem bases para que sobre estas evoluam as formas. As relações que se estabelecem entre elas e o sujeito são lúdicas. Encantam como brinquedos privilegiados” (25). Nos polivolumes de Brasília e São Paulo, Mary Vieira dissipa pelo espaço o que poderia ser visto como uma base: circunda as colunas metálicas com bancos. No caso do Itamaraty, semicírculos que convidam o público a um trajeto livre entre esses elementos. Em São Paulo, os segmentos de círculos se unem em uma grande espiral ascendente, convidando o público a um lento caminhar até alcançar a coluna metálica. Importante notar que, nessas obras, Mary Vieira toma o papel do arquiteto ao desenhar seu mobiliário, inexistente nesses espaços.
Finalmente, deve-se problematizar a maneira como algumas das obras da artista são expostas em museus. No caso de Mary Vieira, os museus são bastante restritivos já que, na maioria das vezes, é proibido tocar a obra, o que aniquila a possibilidade de uma fruição completa de suas esculturas cinéticas. Ao tratar de novas poéticas surgidas a partir da crítica institucional levada a cabo por artistas contemporâneos, Cristina Freire afirma que “o espectador é convidado a participar da obra, não mais supõe-se que a observe à distância, mas que a manipule, a toque, misturando as dimensões do sujeito e do objeto da criação” (26), obrigando também as instituições a repensarem seu papel e suas formas de organização. Nessa perspectiva, Mary Vieira pode ser incluída nas pesquisas contemporâneas, e fica patente que o lugar de sua obra, no caso dos polivolumes, não seria o museu, ou pelo menos não o museu tradicional.
Além do cinetismo, ou da necessidade de participação do público pela manipulação de suas obras cinéticas, é o deslocamento consciente e intencional de suas obras do museu para o espaço público que pode caracterizar a mais relevante contribuição de Mary Vieira. Entretanto, por não estarem submetidas aos procedimentos de conservação próprios de um museu, as citadas obras em espaços públicos, não raro, apresentam problemas de manutenção, o que abre a polêmica quanto à validade da permanência dessas obras nesses espaços ou a transferência para instituições museológicas. O polivolume de Brasília, por estar em um espaço cujo acesso e controle atmosférico é maior, encontra-se em estado razoável de conservação; já o polivolume de São Paulo, além de ter sido vandalizado, tendo várias de suas lâminas cortadas, teve seus bancos de concreto e a coluna metálica pintados pela própria administração pública (27). Posto isso, defender a preservação dessas obras, nesses espaços, e uma manutenção adequada, é primordial tanto para a leitura satisfatória de sua produção artística, quanto para o posterior entendimento de seus desdobramentos na produção do espaço urbano.
Belo Horizonte, a cidade hoje e a degradação do espaço público
O monovolume: liberdade em equilíbrio, é tomado aqui como o exemplo mais complexo no que tange a prática multidisciplinar da artista, e também no que diz respeito à sua preservação. Não se trata de uma obra localizada em uma praça preexistente, mas sim de uma praça-monumento, sendo toda a sua área a própria obra artística. Localizada defronte à rodoviária de Belo Horizonte, está imersa em uma região que já foi bastante degradada e que hoje é alvo de medidas que buscam afastar (ou esconder) dali a população mais pobre, por meio de ações de “requalificação” ou “revitalização”. A degradação da obra enquanto objeto, mas também a desconfiguração de toda a praça e sua situação urbana, passam a ser objetos de análise. Os conflitos ali existentes, caros ao espaço público, não devem ser desconsiderados, antes, integrados a essa análise. Disso, deriva que seu restauro não se limita a um objeto escultórico, mas a uma situação urbana mais complexa.
Mary Vieira concebe toda a praça como um monumento e seu projeto não se restringe ao volume escultórico: paginação do piso, mobiliário urbano, iluminação, vegetação e acessos são pensados em função do elemento escultórico e da relação que a praça possui com a rodoviária e com a Avenida Afonso Pena. Com a perda de parcela significativa do monumento, já que o tratamento paisagístico inicial foi todo alterado, restando do monumento original apenas a escultura em concreto armado, o entendimento da forma proposta foi alterado e, mais grave, também as possibilidades de interação, passagem ou permanência do público.
Sobre o próprio uso da praça, é curioso confrontar a ideia que as pessoas (28) têm do espaço com o que se vê no espaço. O consenso é: a situação de contemplação da obra é prejudicada, pois a praça seria um espaço de passagem, defronte à rodoviária, alvo de um grande fluxo de pessoas, mas, na praça, permanecem moradores de rua, prostitutas, vendedores ambulantes. Nas visitas realizadas ao local (entre 2013 e 2016), o que se pode observar é a presença e permanência intensa de pessoas, somada à passagem de outras tantas. Permanência de um grupo em círculo, espectadores de um pregador religioso; permanência das pessoas nos bancos que circundam a praça, em repouso; permanência da própria viatura da polícia civil e seus agentes (no caso, sob a própria escultura). Desqualificar os usuários atuais da praça é negar a condição cidadã das pessoas que ali estão.
Para além das relações formais e geométricas, é necessário compreender quais informações o lugar da Praça Rio Branco oferece: os usos, os frequentadores, as variáveis imateriais (29) – não para alterá-las, pelo contrário, valer-se delas para que intervenções futuras estejam de acordo com seu contexto. Uma rodoviária é, por si, um lugar de desenraizamento, de transitoriedade. De onde se parte e também por onde se chega. Não é estranho pensar que o público da Praça Rio Branco seja igualmente transitório e desenraizado – ou que encontre dificuldades para se relacionar com um monumento, que é, por si, um suporte material de permanência. A leitura inversa também poderia ser feita. Para algumas das milhares de pessoas que passam por ali, o monumento de Mary Vieira talvez seja uma referência de segurança e estabilidade (30).
Por outro lado, vale refletir se o desenho original não poderia suscitar outro tipo de uso ou permanência: os bancos, hoje, encontram-se bastante afastados da escultura e são limitados por canteiros de flores, criando relações de frontalidade antes inexistentes e determinando acessos, os quais foram reduzidos e hierarquizados (rampa, escada e acessos em nível por algumas porções da calçada), enquanto antes era total, por todo o limite da praça. A própria alteração da topografia gera mudanças na leitura da obra e da paisagem circundante. Originalmente, a praça formava um pequeno cume, vencendo as diferenças de cota entre o acesso à rodoviária, mais baixo, e a Avenida Afonso Pena, pouco mais elevada. O piso vencia essa diferença como um tecido repousado sobre o solo, criando pequenas inclinações até o ponto em que se encontra a escultura. Hoje, parte da área foi aplainada e os desníveis são vencidos por rampas e uma escadaria, pretensiosamente monumental. Essa mudança altera, inclusive, o tempo e fluidez de deslocamento e de apreensão desse espaço. O próprio deslocamento do público passa a ser dirigido para as vias laterais, e não mais para a Av. Afonso Pena.
Há aí uma clara distinção simbólica, entre a cidade ideal (a avenida Afonso Pena e a região centro-sul da cidade, planejada) e a cidade real (a rodoviária e as porções leste e oeste, que abrigam o comércio popular).
Pensar o restauro no espaço público
Apresentada a atuação de Mary Vieira e sua relação indissociável com a arquitetura e o urbanismo, reconhece-se a relevância e o significado que possui sua produção em espaços públicos e, consequentemente, a manutenção e o restauro dessas obras nesses locais.
Ter a chance de fruir uma obra, exatamente por estar no espaço público, é justificativa ética pertinente para que sejam preservadas. Seria um juízo irresponsável e preconceituoso afirmar que parte dos cidadãos que passam por essas obras não prestam atenção nelas ou não as desfrutam adequadamente. Mais uma vez, o que interessa é dar a possibilidade de leitura e não julgar a leitura em si.
Em sua Teoria da restauração, Brandi chama atenção para as condições necessárias para a fruição de uma obra de arte tanto como imagem quanto como fato histórico (31), levando em consideração sua dúplice polaridade histórica e estética. Assim, Brandi afirma:
“É por isso que a primeira intervenção que deveremos considerar não será aquela direta sobre a própria matéria da obra, mas aquela voltada a assegurar as condições necessárias para que a espacialidade da obra não seja obstaculizada no seu afirmar-se dentro do espaço físico da existência” (32).
E acrescenta que esse espaço deve ser tutelado pela restauração, “não apenas na restauração, mas pela restauração” (33).
Como ato de cultura (34), a preservação extrapola conhecimentos puramente técnicos e científicos e deve considerar aspectos mais intersubjetivos, da psicologia e da memória, da educação e da identidade (35). Trata-se de saber “o que” e “por que” conservar, antes de “como” conservar, como expõe Carbonara (36). Isso envolve, mais que soluções técnico-operacionais, a construção de interpretações no ambiente cultural, a partir da história da arte e a partir do próprio objeto que se quer preservar e seus usos. A preservação lida, como afirma Ulpiano Bezerra de Menezes, com perdas, ou com escolhas, num processo de seleção e descarte, próprio da memória, uma vez que não se pode e nem é desejável preservar tudo (37). No que diz respeito à seleção do que preservar, deve-se ainda estar alerta contra as restrições impostas por modismos ou mesmo pela depreciação de dada produção artística. Como nos lembra Ascensión Hernández (38), eleger apenas casos exemplares ou icônicos de uma produção acarreta em empobrecimento ou em lacunas na construção histórico-crítica. O contrário – ser eleito como patrimônio – também não significa que a obra é em si a mais representativa, e sim que faz parte de um conjunto (39). Questões que foram absolutamente desconsideradas na demolição da Boate Azul ou na intervenção da Praça Rio Branco.
Ao tratar da preservação e restauro de obras de arte em espaços públicos, a cidade e a sua organização passam a ser mais um componente para a discussão. Hoje, vê-se o sucateamento dos espaços públicos. A urbanidade, a relação que o indivíduo ou a comunidade possui com o próprio espaço urbano – uma experiência corporal, pedestre, sensorial –, torna-se cada vez mais rarefeita. A maior parte das relações urbanas passa a ser mediada pelo automóvel ou pelo espaço fechado dos shoppings centers – espaços privados de sociabilidade. A manutenção desses espaços públicos torna-se, pois, cada vez mais difícil. De um outro ponto de vista, pode-se tomar o restauro de obras neles presentes como instrumento de retomada dos espaços públicos por seus cidadãos. Ou ainda a preservação como modo de assegurar a continuidade dos usos desses espaços. Mais que a análise das obras de arte em si ou dos espaços que ocupam, é necessário identificar o papel que possuem em uma rede mais ampla, que envolve os acessos, os usos, as conexões – não apenas em sua materialidade, mas também historicamente (como se constituem) e politicamente (no que diz respeito ao desenho da cidade e às políticas de preservação).
No caso das obras de Mary Vieira, a manutenção dos lugares em que se encontram (e que constroem) é fundamental para a plena fruição da obra. É preciso, nesse momento, tomar distância das obras e olhar não apenas para a área que delimitam, mas para todo o sistema em que se inserem: o desenho urbano, a vizinhança, os acessos. Enfrentar a cidade real, e não ignorar as variáveis que estão em jogo.
Finalmente, garantir que uma leitura integral da obra possa ser feita é o cerne da discussão independente de saber que relações ou leituras as pessoas fazem dos polivolumes no Itamaraty ou em São Paulo, ou do monovolume em Belo Horizonte. Hoje, pode-se observar o monovolume em Belo Horizonte, mas subtrai-se do público a possibilidade de pensar seu espaço envoltório como espaço próprio da obra, suas elaboradas construções geométricas; em São Paulo, esquiva-se da possibilidade de manipulação, de toque, em razão do estado de emperramento das lâminas; em Poços de Caldas, o pior dos casos, não se diminui, mas se aniquila essa possibilidade de leitura, uma vez destruída completamente a obra. Pensar a preservação e o restauro das obras de Mary Vieira é fundamental, também, para a compreensão de sua atuação multidisciplinar e dialógica, e para o reconhecimento de sua contribuição ao atuar no espaço público.
notas
NA – Este artigo é uma versão editada, a partir das observações do parecerista ad hoc de Arquitextos, do texto apresentado no 11º Docomomo Brasil, na seção “Campo de Liça”, com coordenação de José Lira, realizado em abril de 2016. SANTOS, Pedro Augusto Vieira. Mary Vieira e o espaço público: arte, design, arquitetura e urbanismo. Anais do 11° Seminário Nacional Docomomo Brasil. Recife, Docomomo-BR, 2016.
1
Referência direta à exposição e ao catálogo homônimos, organizados por Aracy Amaral em 1977. O catálogo da exposição, referência para os estudos sobre o tema, ganhou uma edição fac-similar em 2015 pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. Cf.: AMARAL, Aracy A. (Org). Projeto construtivo brasileiro na arte. Rio de Janeiro:/São Paulo, MAM/Pinacoteca do Estado, 1977.
2
Idem, ibidem, p. 304.
3
Alberto Sartoris, Clarival do Prado Valladares, Mário Pedrosa e Murilo Mendes são os responsáveis por textos de época; Denise Mattar reuniu novas críticas e nos contemplou com a mais extensa pesquisa já publicada sobre a artista, em conjunto com Malou von Muralt; e, por fim, Heloísa Espada apresentou a mais contemporânea (não apenas no sentido cronológico) leitura sobre a obra de Mary Vieira. Conferir: MENDES, Murilo (1970). In: ARAÚJO, Emanoel. Escultura brasileira: perfil de uma identidade. São Paulo, Imprensa Oficial, 1997; MATTAR, Denise (curadoria). Mary Vieira: o tempo do movimento. São Paulo/Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil, 2005; SARTORIS, Alberto. 1 polyvolume de Mary Vieira. Milão, Scheiwiller, 1968. VALLADARES, Clarival do Prado. O Brasil na XXXV Bienal de Veneza. In: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Bienal de Veneza. Brasília, Departamento Cultural do MRE, 1970.
4
Para os estudos de Heloísa Espada sobre o tema, conferir: ESPADA, Heloisa. Brasil constrói Brasília, por Mary Vieira, 1959. In: Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Outubro de 2010 <www.cbha.art.br/coloquios/2010/anais/site/pdf/cbha_2010_espada_heloisa_art.pdf>; ESPADA, Heloisa. Monumentalidade e sombra. A representação do centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot. Tese de doutorado. São Paulo, ECA USP, 2011. Publicação em livro: ESPADA, Heloisa. Monumentalidade e sombra: o centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot. São Paulo, Annablume, 2016; ESPADA, Heloisa (Org.). As construções de Brasília. Rio de Janeiro, IMS, 2010.
5
A educação possui um papel primordial no projeto construtivo, no Brasil e no exterior. Mary Vieira desenvolveu pesquisas e atividades acadêmicas, como professora da Schule für Gestaltung Basel (SfG) na Basileia.
6
PEDROSA, Mario. Da dissolução do objeto ao vanguardismo brasileiro. In: ARANTES, Otília (Org.). Acadêmicos e modernos. São Paulo, Edusp, 1998, p. 363. Publicado originalmente no Correio da Manhã, 18 jun. 1967.
7
Vale citar os críticos e jornalistas Celma Alvim, Celia Laborne, Frederico Morais, Hugo Auler, José Maurício, Marcio Sampaio, Roberto Pontual, Sara Ávila, Walmir Ayala.
8
Mary Vieira enviava à sua rede de contatos, com alguma frequência, press releases de suas obras e atividades, o que certamente pautava as citadas críticas, que acabavam por serem pasteurizadas. Alguns desses documentos podem ser encontrados no arquivo do MAC USP.
9
Novas leituras desses temas são propostas por Flávio Moura e Adriano Pedrosa. Conferir: MOURA, Flavio. Mário Pedrosa e o neoconcretismo – a centralidade de um projeto crítico. Novos estudos Cebrap, n. 9, jul. 2014; PEDROSA, Adriano (Org.). Artevida. Rio de Janeiro, Cobogó, 2015.
10
Entrevista concedida por Mary Vieira a Ivone Luzia Vieira, em 27 de julho de 1982. Arquivo do autor, também disponível no arquivo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC USP. Valeria aqui uma contraposição ao que diz Rodrigo Naves sobre Guignard? É apenas uma pergunta, sequer uma sugestão
11
PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos: arte brasileira do seéculo xx na Coleção Gilberto Chateaubriand. Rio de Janeiro, Editora jb, 1987, p. 138.
12
Vale citar, entre outros: Antônio Joaquim de Almeida, Bernardino Franz de Lima, Emílio Moura, Fernando Sabino, Helio Pellegrino, Jacques do Prado Brandão, J. Guimarães Menegale, José Israel Vargas, Lúcia Machado, Murilo Mendes, Murilo Rubião, Otto Lara Resende, Paula Lima, Paulo Mendes Campos, Silvio de Vasconcellos, e Wilson de Figueiredo.
13
Para melhor compreensão do vocábulo empregado, ver BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Cotia: Ateliê editorial, 2004, pp. 47-48. Sobre o princípio da distinguibilidade, Beatriz Kühl escreve: “pois a restauração (que é vinculada às ciências históricas) não propõe o tempo como reversível e não pode induzir o observador ao engano de confundir a intervenção ou eventuais acréscimos com o que existia anteriormente, além de dever documentar a si própria”. Cf.: KÜHL, Beatriz Mugayar. “Restauração hoje: método, projeto e criatividade”. In Desígnio, n.6, set. São Paulo: Annablume, FAU USP, 2006, p. 25. A distinguibilidade pode ser aferida em diferentes escalas: desde o completamento de lacunas em uma pequena superfície pictórica, passando por espaços dentro de uma edificação até elementos construídos que compõem a paisagem urbana. Dá-se, habitualmente, pela utilização de formas e materiais novos, diversos dos pré-existentes. Um exemplo recorrente da aplicação desse princípio é a intervenção de Paulo Mendes da Rocha na Pinacoteca, que é absolutamente distinguível da construção original.
14
Para melhor compreensão do que pode constituir um falso histórico ou estético, ver a Teoria de Brandi, op. cit., especialmente os capítulos 2, “A matéria na obra de arte”; e 6, “A restauração segundo a instância estética”. Constituem falsos estéticos e históricos ações de refazimento ou repristinação que desconsideram a matéria original e as transformações decorrentes da passagem do tempo em uma obra.
15
Diário de Poços de Caldas, 6 jan. 1948. Arquivo PUC Minas Poços de Caldas.
16
Diário de Poços de Caldas, 10 jan. 1948. Arquivo PUC Minas Poços de Caldas.
17
Diário de Poços de Caldas, 10 jan .1948. Arquivo PUC Minas Poços de Caldas.
18
Maria Cristina Leme descreve de maneira pormenorizada “A formação do pensamento urbanístico no Brasil”. Do período referido, chama a atenção para a atuação, também no interior do país, dos engenheiros Lourenço Baeta Neves, Saturnino de Brito e Theodoro Sampaio. Conferir: LEME, Maria Cristina da Silva (Org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, Studio Nobel/FAU USP/FUPAM, 1999.
19
AMARAL, Aracy A. (org). Op. cit.
20
DOCOMOMO. 8º Seminário Docomomo Brasil. Cidade moderna e contemporânea: síntese e paradoxo das artes. Rio de Janeiro, UFRJ, UFF, Fiocruz, Iphan, 2009, p. 24.
21
Para alguns debates sobre o assunto, cf.: DOCOMOMO. Op. cit.; ESPADA, Heloisa. Monumentalidade e sombra. A representação do centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot (op. cit.), 2011.
22
Ainda que seja da maior relevância, este artigo não tratará de maneira pormenorizada da atuação de Mary Vieira na exposição Brasilien Baut Brasília, uma vez que Heloisa Espada já o fez com muito cuidado em seus textos aqui citados.
23
VIEIRA, Mary. Seminário de estudos sobre artes plásticas e figurativas da academia do mediterrâneo. Brasilien Baut Brasilia. Basileia, Geigy A. G., 1959, p. 33. Apud ESPADA, Heloisa (Org.). As construções de Brasília (op. cit.), p. 693.
24
KRAUSS, Rosalind E. A escultura no campo ampliado. Gávea n. 1, Rio de Janeiro, 1984, p. 89; KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
25
PEDROSA, Mario. Op. cit., p. 366.
26
FREIRE, Cristina. A utilização de materiais não convencionais na arte contemporânea. Do perene ao transitório: novos paradigmas para o museu de arte contemporânea. In: Conservar para não restaurar. São Paulo: Itaú Cultural, 2000. Paper disponível em: <www.itaucultural.org.br/conservar_nao_restaurar/ficha.htm>.
27
Para mais detalhes em relação ao estado de conservação das obras de Mary Vieira localizadas em espaços públicos no Brasil, conferir SANTOS, Pedro Augusto Vieira Santos. Preservação e restauro das obras de Mary Vieira em espaços públicos no Brasil. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAU USP, 2015, disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-09092015-105553/pt-br.php>.
28
Tomo a liberdade de citar opiniões colhidas ao longo dos anos e também por meio da imprensa, ainda que não tenha sido feita uma pesquisa empírica com bases metodológicas, mas uma simples coleta, não sistematizada, de opiniões de pesquisadores, arquitetos, artistas e moradores em geral na cidade de Belo Horizonte, de maneira esparsa, nos últimos cinco anos.
29
Giovanni Carbonara indica a necessidade de ir além das relações formais nas análises entre monumento e ambiente: “Da qui la necessità di estender ela comprensione critica anche al senso del luogo, cercando di cogliere la ‘vocazione architettonica’, le conessioni con l’intorno e quelle relazioni spaziali con l’ambiente che, al di fuori e prima di una concezione geométrica, matemática o, comunque, razionale dello spazio, si pongono come intuitive ed emotivamente più incisive” e “un’urbanistica dotata di ‘forma’ – entro la quale siano, ovviamente, risolti i contenuti tecnici, social e politici – nel senso usato da Raggianti e quindi, próprio per questo, novamente ricondotta ad architettura”. Cf.: CARBONARA, Giovanni. Avvicinamento al restauro. Teoria, storia, monumenti. Napoli, Liguori, 1997, p. 424.
30
Em 2014 foi lançado um edital para o projeto da nova Administração Pública Municipal, que deverá ocupar a área da rodoviária. Esse projeto não será alvo de análise neste texto, mas vale registrar que essa mudança alterará significativamente a relação do monumento com o entorno e com o público.
31
BRANDI, Cesare. Op. cit., p. 103.
32
Idem, ibidem, p. 97-112.
33
Idem, ibidem, p. 93.
34
KÜHL, Beatriz Mugayar. Op. cit., 2008, p. 30.
35
Cf.: CARBONARA, Giovanni. Op. cit., p. 271; e JOKILEHTO, Jukka Ilmari. A History of Architectural Conservation. Oxford, Butterworth Heinemann, 1999, p. 298.
36
CARBONARA, Giovanni. Op. cit., p. 584.
37
MENESES, Ulpiano Bezerra de. A História, cativa da memória?. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, IEB, 1992, v. 34, p. 16.
38
HERNÁNDES, Ascensión Martínez. La clonación arquitectónica. Madri, Siruela, 2007, p. 102-103.
39
JOKILEHTO, Jukka Ilmari. Op. cit., p. 295.
sobre o autor
Pedro Augusto Vieira Santos é arquiteto (2010), mestre (2015) e doutorando (bolsa Capes) pela FAU-USP. Desenvolve pesquisas nas áreas de História e Preservação da Arquitetura e História da Arte. Foi premiado, com Thiago Honório, para desenvolver o projeto “Boate Azul”, inaugurado em outubro de 2016 no Museu de Arte da Pampulha de Belo Horizonte, MG.