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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A partir da análise do Conjunto Pilar III, no centro de Salvador, o artigo propõe a discussão sobre a incompatibilidade entre políticas públicas voltadas para a revitalização urbana e edilícia e a tecnicidade dos órgãos de patrimônio.

english
From the analysis of the Conjunto Pilar III, in the center of Salvador, the article discusses about the incompatibility between public policies aimed at the revitalization of central areas and the technicalities of the patrimony projects approval.

español
A partir del análisis del Conjunto Pilar III, en el centro de Salvador, este artículo propone la discusión sobre la incompatibilidad entre políticas publicas dedicadas a la revitalización urbana y la tecnicidad de los órganos de patrimonio.


how to quote

TEIXEIRA, Catharina Christina. Habitação de interesse social em áreas centrais. Entre a intenção e a prática, particularidades do caso Pilar III, Taboão, Salvador, BA. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 214.01, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.214/6928>.

A partir dos anos 1960 as cidades brasileiras iniciam um processo de desocupação das áreas centrais com o deslocamento do interesse econômico para novos polos residenciais e de serviços; esse processo aconteceu ao mesmo tempo em que se consolidaram as periferias precárias nas capitais mais populosas, causando um espraiamento urbano de grande extensão territorial. Segundo Bárbara Freitag as capitais brasileiras sofrem de “itinerância”:

“Deste modo, a cidade “abandonada” pode viver um período de estagnação e até mesmo cair no esquecimento.

Enquanto isso, a cidade nova, paralela, que passa a assumir as funções político- administrativas, econômicas e comerciais atrai todas as atenções e concentra riqueza e prestígio” (1).

Essa discussão insere o conceito de centro e centralidade, que segundo Villaça (2) nem sempre estão juntas. Para o autor, centro carrega em si o caráter geográfico do termo; já a centralidade, pode inserir ou não a característica geográfica, ela se refere fundamentalmente a localização onde há circulação de recursos e, onde as elites se situam.

Dentro da possibilidade em que o centro corresponde a uma centralidade, sua permanência irá depender de atrativos financeiros e, há de se considerar que tal probabilidade traz em si a capacidade da interurbana absorver o desenvolvimento econômico, ou seja, o centro para continuar a ser centralidade, deverá conseguir atrair o capital financeiro e garantir sua multiplicação.  

O espraiamento das metrópoles e o surgimento de novas centralidades não é uma realidade para todas as cidades, há casos como Nova York e Buenos Aires, onde a permanência de uma classe média e alta, fez com que o capital permanecesse no centro, agregando novas condições ao espaço urbano. “Por que, em nossas metrópoles, os centros tradicionais – agora num sentido intra-urbano – entram em decadência e surgem centros novos?” (3) Segundo o autor, há de se observar a dinâmica econômica, social e política de cada situação, que se reflete na apropriação dos espaços. Para que o capital permaneça em locais onde convivem bens tombados, patrimônio histórico e infraestrutura urbana com mobilidade urbana, há necessidade de políticas públicas eficientes estimulando sua manutenção.

Esse é o discurso da cidade compacta, que se alinha com a discussão de cidade sustentável e aparece como o antídoto ao longo dos anos 1980-1990 para evocar a requalificação dos centros urbanos subutilizados (4). Nestes anos de experimentação, uma das diretrizes disseminadas para interromper o processo de estagnação dos centros, foi a reocupação através da promoção da habitação social de promoção pública, voltada as classes socialmente desfavorecidas, dando voz ao pensamento de Jane Jacobs que defende o morador como “os olhos da rua” (5). No entanto a questão da revitalização urbana, nas economias capitalistas neoliberais, é mais complexa do que o atendimento pontual a edifícios isolados, ela é um desafio para atrair os investimentos privados, com diversidades de usos para os locais onde haja interesse público em transformar e o privado em investir. Nesta lógica, a promoção de habitação social nas áreas centrais, o adensamento populacional e o incentivo a mudanças de uso, são propostas que devem ser implantadas dentro de ações inter setoriais buscando a aderência dos demais ramos da sociedade. Como assinala Silvio Mutual:

“La conservación como tal, no es sotenible, tendría que ser uno de los elementos de uma política de desarrollo urbano integral a nível local. La conservación no podría resolver las causas de deterioro del patrimônio construído. El conjunto complejo de causas tendría que resolverse com uma visión integral de conservación. Esta, tendría que ser uma tarea plurisciplinaria com planes y programas de esta índole. Esto requiere uma visión y acción gerencial adecuada a las realidades nacionales y locales, y la sociedade civil, buscando associaciones entre el setor público y privado y uma consulta permanente com las poblaciones que habitan em los centros” (6).

O debate apresentado aqui pretende discutir a dicotomia entre política pública de revitalização urbana e edilícia com as possibilidades colocadas no universo da legislação e aprovações em sítios tombados no Brasil, com foco em Salvador. Neste ambiente, as ações sobre os edifícios históricos são feitas com olhar nos elementos compositivos, que somadas a aspiração de revitalização para fins de moradia, parecem insuficientes e isoladas para gerar o motor desta engrenagem.

Concurso Caixa IAB 2006 e os imóveis da Secretaria do Patrimônio da União – SPU

A agenda dos movimentos sociais de luta por moradia, na busca de possibilidades para implantar projetos de Habitação de Interesse Social, abriu a discussão sobre o destino de imóveis subutilizados que estavam sob o domínio da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, sem cumprir a função social da propriedade, como determina o Estatuto das Cidades. Com essa prerrogativa, foram disponibilizados alguns imóveis federais para a execução de um concurso de âmbito nacional para o uso habitacional.

O concurso foi promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil e Caixa Econômica Federal em 2006. No escopo, foram disponibilizados terrenos e edificações espalhados pelo território nacional, que se dividiam em cinco categorias: áreas de grande, médio e pequeno porte, urbanização de assentamentos informais e reciclagem de prédio urbano e ou obsoleto, adaptando-os a fins habitacionais; os projetos vencedores seriam contratados para desenvolvimento. Dos imóveis apresentados para a modalidade de reciclagem de prédio urbano, a equipe (7), que apresentou o projeto em discussão, escolheu para intervenção o conjunto da rua do Taboão, denominado Pilar III.

Inventário de Ruínas – RUP, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UFBA, Conder [Ficha Técnica dos imóveis disponibilizada pelo Concurso]

O projeto recebeu premiação (Mensão Honrosa) na categoria apresentada e, foi contratado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – Conder para o desenvolvimento do projeto executivo e aprovações nos órgãos competentes nas esferas nas três esferas de governo.

Contexto da revitalização do Centro Histórico de Salvador e o direito à moradia

A cidade de Salvador é composta por uma topografia acidentada, formada por colinas e vales, com cotas que variam entre 10 e 110 m, com destaque para a falha geológica que separa e constitui a Cidade Alta e a Cidade Baixa. A necessidade de se revitalizar o Centro Antigo de Salvador – CAS surgiu na década de 1960, com a recuperação de alguns casarões, constituindo uma espécie de corredor turístico de pequenas proporções. Nos anos 1970, o CAS passou por uma recuperação da infraestrutura urbana e de alguns monumentos e, somente em 1983, foi demarcada a área sujeita a tombamento pelo Iphan, dividida em Área de Proteção Rigorosa – APR e área contígua – Lei Municipal n. 3.289/83. O Centro Histórico de Salvador – CHS para efeito técnico, corresponde à área contígua de proteção rigorosa, na qual está inserido o Centro Antigo de Salvador. Em 1985, o CAS foi considerado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco.  

Mapa com a delimitação do Centro Histórico de Salvador, Perímetro Unesco e área contígua [Mapa alterado pela autora, a partir de MOURAD, L. N. O processo de gentrificação do centro]

A década de 1990 foi marcada por políticas de recuperação das cidades históricas brasileiras, com o foco no desenvolvimento econômico voltado ao turismo, com recursos do BID, dentro do Programa Monumenta (1995 a 2010), que permeou ações do Plano de Recuperação do CHS.

No ano de 1992, começou a ser executado pela Conder o Plano de Recuperação do CHS, elaborado em conjunto com Iphan e Ipac (8). Este plano previa a intervenção em sete etapas, seis das quais foram cumpridas entre 1991 e 1999, ocasionando a saída de cerca de 2.195 famílias do local (9). As seis primeiras etapas, tinham como proposta a transformação do CHS em um local voltado ao turismo internacional, o que acabou por expulsar os moradores e proprietários com o pagamento de baixas indenizações. No entanto, durante a sexta etapa, a população local se organizou através do Ministério Público da Bahia para uma ação no Prédio dos Alfaiates. Esta ação abriu espaço para o retorno da moradia ao local e, desencadeou a recuperação de outros sete imóveis, abrigando 41 unidades habitacionais, destinadas aos servidores públicos estaduais.

A sétima etapa do projeto de revitalização aconteceu na primeira gestão do governo de Jacques Wagner em 2007, pautada por um Termo de Acordo e Compromisso – TAC que assegurava os direitos dos moradores históricos, representados pela Associação dos Moradores e Amigos do Centro Histórico – AMACH (10). Neste contexto, o projeto em questão foi contratado em 2008, assim como os demais projetos premiados, tendo à frente do Conder-Centro Antigo, a arquiteta Laila Nassen Mourad, quem teve grande emprenho para que o trabalho fosse encaminhado.

O sítio

O bairro do Comércio, no qual a rua do Taboão está inserida, por sua localização próxima a Bahia de Todos os Santos e do Porto de Salvador, consolidou-se como centro de atividades bancárias e comerciais da cidade até a década de 1970. A partir de então, deficiências de infraestrutura, especialmente de estacionamentos, fizeram com que gradativamente houvesse um deslocamento do comércio para outras localidades, como a avenida Tancredo Neves, Alphaville, Hangar-Aeroporto, esvaziando a região, com exceção das atividades relacionadas ao modal marítimo, permanecendo o Porto como ponto estratégico da economia baiana local.

O terreno, de que trata o projeto, está inserido na poligonal do Pilar e Tabuão, próximo ao Pelourinho. Do ponto de vista urbanístico o conjunto é privilegiado por encontrar-se na esquina de um largo (Largo do Taboão) de importância paisagística para quem desce da cidade alta em direção à área do Comércio. Neste ponto abre-se um clarão em nível, em meio a ruas estreitas e inclinadas. Hoje o local abriga comércio atacadista de materiais de couro e tecidos para tapeçaria com pequenas oficinas de artesãos. Os lotes estão imbricados no desnível que conta com a altitude de doze metros entre as partes, conformando lotes com dois acessos, como veremos na descrição do projeto.

Localização da área de estudo em relação ao CAS e a área do comércio [Google Maps]

Apesar do marco regulatório do Estatuto das Cidades com instrumentos de promoção e de viabilidade para habitação de interesse social, a área dos imóveis escolhidos não estava designada como Zona Especial de Interesse Social. A região foi demarcada no PDDU de 2008, dentro da Macrozona RA I- Centro, com Zoneamento ZT-4, que estabelece diretrizes para a

“Requalificação de áreas degradadas através de transformações urbanísticas, conciliando com a proteção do patrimônio histórico e ambiental com prioridades para o uso residencial nas áreas degradadas do centro histórico, como também estímulo para empreendimentos multiresidenciais, fornecendo renovação tipológica e oferta de novas unidades habitacionais, revertendo assim, a tendência do decréscimo populacional na região” (11).

A proposta apresentada no concurso

A intervenção em edifícios históricos, é resultado da análise de dados e a interpretação do conteúdo que subsidiam a proposta de projeto. Segundo Sola Morales:

“En realidade todo problema de intervención es siempre um problema de interpretación de uma obra de arquitectura ya existente, porque las posibles formas de intervenión que se plantean siempre son formas de interpretar el nuevo discurso que el edifício puede producir”(12).

Ao trabalharmos com uma necessidade do novo sobre um edifício histórico, temos que ter em mente a estrutura rígida do existente, sobre a qual se trabalha uma proposta de futuro. O existente poderá engessar uma mudança de uso; o profissional, nestes casos, deve ter a habilidade de entender a geometria dominante do edifício para propor sua releitura. Segundo Solá-Morales (13) deve-se “escuchar la voz que em uma determinada arquitectura se encuentra materializada”. De certa forma cria-se uma situação hibrida onde os tempos que se misturam.  

Como referência norteadora da proposta, podemos citar o projeto para o Centro de Convenções de Cartagena, projeto de Germán Samper em 1962. Neste trabalho o arquiteto abraça os edifícios existentes num grande complexo moderno, respeitando o gabarito periférico sem mimetizar a edificação nova com o entorno histórico, os dois tempos convivem harmoniosamente, no entanto a massa volumétrica da edificação moderna se sobrepõe sobre a histórica, marcando o novo tempo.

Projeto do Centro de Convenções e Biblioteca Luís Angel Arango, Colômbia [Facebook Biblioteca Luís Angel Arango]

Outro projeto emblemático, que serviu de referência para o projeto, foi o da Fábrica de Gás, na periferia de Viena, Áustria. A proposta traz leituras diferenciadas do existente e permite perceber como cada arquiteto escutou a voz da edificação e, de como esses entendimentos parciais garantiram a homogeneidade do conjunto. Trata-se de um projeto de revitalização, que incorpora as orientações a Carta de Veneza de 1964, admitindo a contraposição e transformado os cilindros em edifícios residenciais, escritórios e área comercial,

Fábrica de Gás. Zona periférica de Viena, Áustria, 1995-2001 [Google Maps]

Foram convidados Jean Nouvel, Coop Himmelb (I) au, Manfred Wehdorn e Wilhelm Holzbauer; cada qual trabalhou em uma casca, sendo que Himmelb propõe o complemento de um edifício novo, estabelecendo o contraponto externo entre o novo e o histórico. A forma rígida da geometria e a necessidade de iluminação e ventilação para uma área interna nortearam estas intervenções.

A luz destas referências, o projeto apresentado para o Concurso IAB-Caixa 2006, pretendia reinterpretar as particularidades do local. O conjunto arquitetônico existente atende a etimologia e morfologia da cidade de Salvador; uma cidade feita em dois patamares ligados por um elevador, em particular neste sítio, pelo antigo Elevador do Tabuão.

A proposta foi a de transformar os vários edifícios com altimetrias distintas, em uma unidade escalonada em dois patamares, de forma a fazer uma referência ao elevador existente e a se relacionar simbolicamente com a cidade. Velho x novo; cidade alta x cidade baixa. O partido pretendia uma marcação do novo sobre o histórico; uma oclusão, feita por planos superpostos no tempo, tirando partido do fato de existir um edifício moderno no centro, permitindo o enlace dos edifícios históricos sobre o novo, como figura e fundo.

Proposta apresentada no Concurso IAB-Caixa 2006, Elevação rua da Taboão (de baixo)
Catharina Teixeira

Os edifícios históricos que compunham o conjunto formavam um skyline irregular provocado pelo edifício 45/55 com traços modernos (14), de aberturas quadradas e proporções diferenciadas dos demais. Com o advento do desmoronamento do Edifício 43/57, durante o desenvolvimento do concurso, adotou-se como partido a construção de um bloco novo, contemporâneo, constituindo uma forma paralelepipédica, com maior potencial construtivo para habitação social e maior liberdade de lay out que as demais construções do conjunto, procurando viabilizar financeiramente a intervenção. Essa possibilidade foi o ponto de embate com os órgãos de património, que acabaram por inviabilizar a operação, como veremos a seguir.

Proposta apresentada no Concurso IAB-Caixa 2006, implantação
Catharina Teixeira

O projeto inicial abrigava 51 unidades habitacionais com 2.333,16 m2, divididas em catorze estúdios, 31 unidades de um dormitório, duas unidades de um dormitório adaptadas e quatro unidades de dois dormitórios destinadas a famílias com renda acima de seis salários mínimos.

Contratação e cadastro

Contratado o projeto, partimos para o desenvolvimento. Iniciou-se uma pesquisa histórica e cadastro do existente, com a necessidade de classificação histórica solicitada pelo órgão de aprovação, porém os edifícios encontravam-se em condições desfavoráveis de acesso, alguns com possibilidade de desabamento, inviabilizando a identificação de todos os elementos. Para recomposição dos elementos construtivos e de fachada, foram feitas pesquisas no acervo de plantas do Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural – Ipac e na Fundação Gregório de Matos.

O conjunto histórico é composto por cinco edifícios encravados no terreno, sendo que quatro deles possuem dois acessos: um pela rua do Tabuão (de cima) e outro pela rua do Tabuão (de baixo) com numeração sequencial. O conjunto edificado faz a contenção do desnível, repete o padrão de edificação de encosta, sendo a edificação uma construção complementar a esta estrutura.

Edifício 47-53, detalhe da fachada da rua do Taboão
Foto Catharina Teixeira

O edifício de números 47/53, contém elementos de vários períodos arquitetônicos de finalidade decorativa, característico do ecletismo. Podemos observar que foram mantidos elementos góticos, neoclássicos e Art Nouveau. As pilastras – pilares que se sobressaem na alvenaria – presentes nos extremos da fachada do edifício e as molduras em frisos das janelas são elementos do estilo neoclássico, que marcam cada abertura com finalidade decorativa coroado pelo trabalho feito sobre o ferro na parte superior das portas e com linhas sinuosas que reproduzem folhas refletem o estilo Art Nouveau presente neste edifício.

Vista da rua do Taboão (de baixo), anos 1930 [Ipac]

Os três edifícios 59, 43/57 e 49/51, possuem elementos Art Déco, em que imperam traçados com rigor geométrico e geometrização das formas. As linhas verticais e horizontais imprimem um ritmo regular na fachada das edificações. No levantamento histórico dos Edifícios 59 e 43/57 foi detectada uma reforma nos anos 1960, que atualizou o edifício com elementos Art Déco.

Vista da rua do Taboão, anos 1960 [Fundação Gregório de Mattos]

Dentro do conjunto, o Edifício 45/55 é o edifício que se destaca pela diferença de gabarito com os demais; construído antes da lei de tombamento. Sua característica moderna se revela nas grandes aberturas e no desenho das suas janelas, no ritmo imposto por elas na fachada.

Edifício 45-55, vista da rua do Taboão, anos 1960 [Fundação Gregório de Mattos]

A presença de materiais que não são encontrados nas outras edificações do conjunto, como o concreto e o vidro na construção, nos levam a concluir que este edifício foi construído tendo por base algumas características e conceitos da arquitetura moderna.

Edifício 45-55, vista da rua do Taboão, que mostra os escombros do Edifício 43/57, anos 1960
Foto Catharina Teixeira

Com base nos dados atualizados e, como resultado da pesquisa histórica e cadastral, a recomposição dos edifícios adquiriu o perfil demonstrado nas imagens, base sobre a qual a proposta do concurso teve que ser adequada.

Reconstituição do Skyline cadastral, que serviu como base de gabarito da proposta nova
Catharina Teixeira

O projeto encaminhado

Da intenção para a prática, ocorreram várias alterações na proposta do concurso, algumas de ordem programática, outras de ordem técnica e legal, no atendimento das restrições estabelecidas pelo Iphan-Ipac (15). A primeira grande discussão com o Iphan-Ipac foi no sentido de o projeto reproduzir o skyline cadastrado, não permitindo que o edifício desabado (Edifício 43-57) fosse reconstituído dentro de novos parâmetros, inviabilizando o adensamento habitacional. Dentro das possibilidades colocadas pelos órgãos de patrimônio, um novo partido arquitetônico foi adotado; foi proposto um Boulevard, com acesso no nível da rua do Taboão (de cima), utilizando-se da fachada ainda existente com uma área de lazer, que garantiria a vista para o bairro do Comércio.

Edifício 43-57, vista preservada para a área do comércio, promovendo no nível da rua do Taboão (de cima) um Boulevard
Foto Catharina Teixeira

Do ponto de vista volumétrico uma segunda restrição foi colocada pelo Iphan-Ipac, que durante o processo de aprovação, orientou para a marcação dos volumes lote a lote, vetando qualquer tipo de arranjo que incorporasse visualmente e territorialmente mais que um lote, inviabilizando o enlace entre o histórico e o contemporâneo proposto no concurso. Essa restrição prejudicou o desempenho das unidades habitacionais, dificultando os layouts internos e o adensamento.

Edifício 43-57, corte transversal
Catharina Teixeira

O terceiro ponto, foi a exigência, colocada pelo Conder, de atendimento a um número maior de unidades habitacionais com dois dormitórios, influenciando na quantidade final, em função do perfil da demanda. O programa final resultou em 31 unidades habitacionais, sendo dezoito com dois dormitórios, doze unidades de um dormitório, um estúdio e três áreas comerciais. Por último, a adequação dos pavimentos térreos, que anteriormente eram utilizados como área comercial, com grandes portas voltadas para a rua, não puderam ser adaptadas ao uso habitacional, tendo que permanecer estes locais como áreas comerciais, embora essa atividade seja de baixa demanda local. 

A proposta com alguma possibilidade de conciliação com Iphan- Ipac, formalizada em 2010, reconstruía o edifício desmoronado com uma linguagem contemporânea, dialogando com o edifício central.  

Fachada do projeto, com possibilidade de aprovação pelo Iphan, da rua do Taboão (de baixo). Assinalada a área do Boulevard
Catharina Teixeira

A questão fundiária e os recursos

Durante o trabalho, a questão fundiária dos imóveis não tinha sido compatibilizada. Estavam sob o domínio da Secretaria do Patrimônio da União, mas necessitavam de um processo jurídico específico para que o projeto pudesse ser viabilizado. O imóvel 45-55 era ocupado por moradores, tendo os térreos oficinas locais, este fato exigiria indenizações e um custo extra na operação para relocação dos ocupantes. A alteração do perfil de morador e, por consequência do tamanho da unidade, se deu para atender a uma possível demanda de servidores públicos, o que causaria um conflito com os moradores alojados, somado ao não atendimento da demanda criada com a implantação das etapas anteriores de recuperação do CHS, que aguardavam atendimento.

Os recursos para este projeto viriam do Programa Pró-Moradia do Governo do Estado e da verba do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC que somariam o valor de R$ 3.353.900,00. Este valor englobaria verba para a construção das unidades habitacionais e das áreas comerciais. O recurso seria com 70% a fundo perdido (totalmente subsidiado) e 30% em forma de contra-partida da população beneficiada. O terreno, como propriedade da Secretaria do Patrimônio da União, entraria sem ônus ao empreendimento.

Conclusão

O projeto de revitalização do CHS, deveria promover o restabelecimento da centralidade econômica, integrado a um Plano de Habitação. Esse arranjo poderia dar condições ao resgate da vida diária do Pelourinho, no entanto estes processos, que são de ordem política, envolvem meandros que ora avançam em uma direção e ora avançam em outra. No caso apresentado, o poder público seria o maior investidor, assumindo a responsabilidade de manter o patrimônio artístico e cultural ali exposto, diante da condição social da população que se beneficiaria das unidades habitacionais. Esse custo deveria ser computado no investimento público, para que a política adotada pudesse ter continuidade.

O projeto apresentado foi arquivado durante a troca de gestor do Conder – Centro Antigo, em 2010. A equipe que sucedeu não via com os mesmos olhos a questão da habitação social no CHS, deixando o conjunto arquitetônico ao sabor do tempo.


Imagem do Google Earth

As ações executadas, que sucederam o distrato do projeto, deixam clara a postura defendida pelos órgãos institucionais do patrimônio de Salvador, diante de um projeto de revitalização. O edifício que sofreu colapso está sendo reconstruído, recompondo os aspectos e elementos compositivos, levantados nas imagens existentes da década de 1960, o que reforça uma intenção de enaltecer a fachada de forma mimética, em busca de seu estado original. Essa prerrogativa, a nosso entendimento, não trata de reabilitações mais sustentáveis em relação à necessária densificação da cidade através de intervenções heterodoxas, que permitam flexibilizações (sem ônus ao patrimônio), abrigando o uso habitacional, por exemplo.


Imagem do Google Earth

A dificuldade de encaminhamento do projeto dentro dos órgãos de tombamento é o ponto crítico desta operação e mostra uma visão tecnicista sobre o bem tombado. Como defende Sylvio Mutual:

“Debemos evitar que el patrimônio arquitectónico existente astixie nuestro futuro. [...] Dar nuevos usos a antigos edifícios mediante la introducciónn de nuevas formas y disenõs arquitectõnicos, y siempre y cuando esos nuevos usos se adapten al espacio físico, puede constituir um elemento capital para el futuro de las cuidades históricas.

 La preservación de um edifício no deberia hacerse al precio de reprimir la innovación, sino que este tipo de intervenciones puede infundir um nuevo aliento al patrimônio arquitectónico. Em el futuro, no caben las cuidades-museo”. (16)

É importante ressaltar que, sem o comprometimento do poder público e da sociedade, que devem travar juntos a batalha da revitalização do patrimônio, através de uma gestão democrática da cidade, por meio da participação da população na formulação e implementação da política urbana; o futuro do CHS está comprometido.

notas

1
FREITAG, Bárbara. A revitalização dos centros históricos das cidades brasileiras. Caderno CRH, n. 38, Salvador, jan.-jun. 2003, p. 116.

2
VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 2007, p. 29.

3
Idem, ibidem.

4
Conceito difundido por Richard Rogers em seu livro: Cidades para um pequeno planeta. Barcelona, GG, 2001.

5
Pensamento difundido por Jane Jacobs em sua obra: Morte e vida das grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

6
MUTAL, S. Cuidades y Centros Historicos de America Latina y Caribe. El futuro de las cuidades históricas. In Anais do II Encuentro sobre Manejo Y Gestion de Centros Históricos. Habana, 2003, p. 4.

7
Autor do projeto e responsável: arquiteta Catharina Christina Teixeira. Equipe: arquitetas Ana Carolina Bierrenbach, Cristina Boggi, Fabiana Maria Dupin, Mariana Cicuto Barros. Estagiária: Vania Geraldes. Ver PORTAL VITRUVIUS. Concurso Público Nacional de Idéias e Soluções para Habitação Social no Brasil – Prêmio Caixa/IAB 2006. Projetos, São Paulo, ano 07, n. 077.01, Vitruvius, maio 2007 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/07.077/2786>.

8
Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Ipac – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia.

9
Idem, ibidem, p. 8.

10
Para detalhes deste processo ver: MOURAD, L. N. Elegia aos vacantes. Considerações acerca do Plano de Reabilitação do Centro Antigo de Salvador. In Anais do III Seminário Internacional Urbicentros. Salvador, Urbicentros, 2012.

11
PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR. LEI 7400/2008. Regulamenta o Plano Diretor Municipal de Salvador.

12
SOLÀ-MORALES, Ignasi de. Teorias de la intervención arquitetonica. I Fundamentos. Arquitectura y patrimonio: memoria del futuro. Uma reflexión sobre la relacioón entre patrimônio y arquitectura. Andalucía, Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico, 1994, p. 13

13
Idem, ibidem, p. 17

14
Ver Figura1. Inventário fornecido pela organização do Concurso.

15
Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização (Etelf), órgão extinto que integrava Iphan, Ipac e Prefeitura. BRASIL. DECRETO-LEI 25 DE 30/11/1937. Organiza a Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

16
MUTAL, S. Cuidades y Centros Historicos de America Latina y Caribe. El futuro de las cuidades históricas. II Encuentro sobre Manejo Y Gestion de Centros Históricos. Habana, 2003.Pg 25.

sobre a autora

Arquiteta responsável da Assessoria Técnica Brasil Habitat, desenvolvendo projetos de habitação de interesse social e urbanismo junto aos movimentos populares. Doutoranda pelo IAU-USP, mestre em Habitação IPT-SP (2006). Participou da pesquisa CNPQ-M. Cidades (2012), sobre o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades. Representante do IAB no Conselho Gestor da Operação Consorciada Águas Espraiadas e membro do Laboratório Arquitetura, Tecnologia e Habitação – ARQUITEC do IAU-USP.

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