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research

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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Durante os estudos preliminares, a estrutura deve ser concebida no partido arquitetônico uma vez que a arquitetura e a estrutura nascem juntas, ambas indissociáveis. O estudo das vigas da cobertura do Edifício Touring corrobora este entendimento.

english
During preliminary studies, the structure must be conceived in the architectural party since architecture and structure are born together, both inseparable. The study of the beams of the roof of the Touring building corroborates this understanding.

español
Durante los estudios preliminares, la estructura debe ser concebida en el partido arquitectónico una vez que arquitectura y estructura nacen juntas, indisociables. El estudio de las vigas de la cubierta del edificio Touring corrobora este entendimiento.


how to quote

CASTRO JÚNIOR, Francisco Afonso de; BUZAR, Marcio Roma. Oscar Niemeyer e a integração arquitetura e estrutura. Edifício Touring de Brasília. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 214.03, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.214/6931>.

O arquiteto é o idealizador e coordenador de várias dimensões do projeto arquitetônico. É indispensável que domine disciplinas técnicas, mais especificamente de estrutura e de sistemas estruturais a fim de que possa obter controle e qualidade em todo o processo de projetação. Ao conceber qualquer tipo de arquitetura, o projetista deve conhecer e dominar conceitualmente os fundamentos da estrutura a ser aplicada no partido arquitetônico.

A associação da arquitetura e da estrutura ocorre nos primeiros traços delineadores do estudo preliminar arquitetônico. Nesta fase, não se faz necessária a exatidão dos cálculos físico-matemáticos da engenharia. Ao contrário, faz-se necessário o rigor dos conceitos estruturais, o rigor de suas aplicabilidades, o rigor do equilíbrio, princípio fundamental e inerente aos campos da arquitetura e da engenharia.

Edifício Touring, Brasília DF, arquiteto Oscar Niemeyer
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

O arquiteto é o agente responsável por essa integração elementar entre os campos da engenharia e da arquitetura. Compete-lhe a faculdade global das ações a serem desempenhadas no sentido de promover ao máximo a integridade formal do projeto.

“Uma obra arquitetônica é única e indivisível, deve ser concebida como um todo formal, funcional e técnico. [...] O arquiteto necessariamente deve dominar o conhecimento, a estratégia e a arte do projeto estrutural” (1).

Não é aconselhável a prática e concepção da arquitetura sem que haja a mínima compreensão da solução estrutural a ser adotada. Inúmeros profissionais acham ser possível esta proeza relegando ao engenheiro a mágica do equacionamento estrutural num segundo momento.

Atualmente, um bom número de profissionais de arquitetura, aos poucos, engaja-se cada vez menos com questões, soluções e aplicações estruturais intrínsecas ao terreno da projetação.

O estudo do Edifício Touring de Brasília direciona a discussão sobre o arquiteto - agente central do processo de projeto - bem como vem estabelecer alguns critérios de lançamento estrutural para que, posteriormente, possam servir de diretrizes práticas de lançamento da estrutura na fase do estudo preliminar arquitetônico.

O lançamento estrutural nesta fase promove a integração fundamental, conjuga os genes básicos da arquitetura e da engenharia com vistas a um resultado satisfatório, integrado, mormente a uma solução ótima de projeto. Desdobramentos em função desta prática irão ocorrer ao longo de todo o percurso criativo motivo deste recorte no processo projetual.

Ajustes na metodologia de elaboração de projetos arquitetônicos devem ser contínuos face as iminentes transformações da tecnologia moderna. O desenvolvimento de diretrizes práticas com vistas a auxiliar o arquiteto nessa difícil tarefa vêm ao encontro à estas exigências e, portanto, vêm amparar o projetista na tomada de decisão durante a maratona do projeto.

Infinitas são as possibilidades da criação arquitetônica, infinitos são os arranjos e soluções estruturais. Com efeito, não se pretende com este estudo proximidade com tamanha grandeza de especulações e, menos ainda, o retorno às definitivas soluções. A pretensão aqui é a de fixar a direção e o sentido do caminho a ser tomado o qual, neste caso, é consumado no despertar da discussão sobre o tema e, principalmente, no estabelecimento de uma diretriz que possa servir ao arquiteto na qualificação de seus projetos.

É nesse contexto que se insere o estudo sobre o desenho adotado por Oscar Niemeyer nas vigas de concreto aparente da cobertura do Edifício Touring: fazer com que o arquiteto possa refletir sobre a importância do lançamento estrutural e da integração arquitetura e estrutura, bem como estabelecer alguns critérios que possam constituir-se em práticas para o lançamento na fase de estudo preliminar arquitetônico. Subsídios para o entendimento da estrutura e do seu papel na arquitetura podem promover mudanças de comportamento profissional e quebra de paradigmas.

Assim sendo, foi analisada a solução estrutural que possibilitou a formatação do espaço arquitetônico o qual foi objeto de diferentes usos e funções a fim de induzir ao caminho e entendimento da compreensão da relação intrínseca entre arquitetura e estrutura. Coube somente analisar os componentes estruturais que estivessem claramente ligados à arquitetura evidenciando ótima associação e que deve, por parte do leitor, ser contextualizado no tempo, sob condicionantes humanos, sociais, religiosos, econômicos e de viabilidade tecnológica.

Integração arquitetura estrutura e concepção estrutural

Faz-se imprescindível evidenciar alguns postulados a partir dos quais serão feitas algumas exposições.

“1 - A estrutura ocupa na arquitetura uma posição que executa duas funções: outorgar existência e sustentar a forma. 2 - O agente responsável pela arquitetura, seu projeto e sua realização, é o arquiteto. 3 - O arquiteto desenvolve o conceito de estrutura para seus projetos em sua linguagem profissional” (2).

Os arquitetos, pela amplitude de sua formação que contempla aspectos sociais, culturais e tecnológicos, bem como pelo treinamento em resolução de problemas de projeto, possuem potencialidade para se firmarem como líderes de equipes multidisciplinares e coordenadores por excelência (3).

Percebe-se que o processo de projetação é um estágio altamente importante e intrincado que demanda grande quantidade de energia humana e intelectual a ser empreendida por parte dos projetistas e de seus parceiros colaboradores. A integração dos projetos arquitetônicos e estruturais reclama dos arquitetos muito tempo e cuidados especiais uma vez que irão acarretar em desdobramentos significativos no canteiro de obras. Conclui-se, desta forma, ser o projeto o planejamento de um objetivo a ser alcançado: a edificação.

Ora, se nesse momento evidenciou-se a importância do projeto arquitetônico nas fases iniciais de qualquer empreendimento, subentende-se que devem ser engendrados todos os esforços para a sua qualificação, o que não pode ser colimado sem a devida integração entre os campos arquitetônico e estrutural. Isto equivale a dizer que sem a realização do lançamento estrutural na fase de estudos preliminares é quase impossível um projeto de efetiva qualidade.

Conceber uma obra significa necessariamente pensar uma intenção de estrutura. Toda construção pressupõe uma estrutura, um material e uma técnica que a caracteriza. Assim, estrutura e arquitetura nascem juntas no momento do projeto. Embora óbvio, trata-se de um aspecto nem sempre consciente de quem projeta, como se a estrutura pudesse vir a posteriore (4).

“A estrutura personifica a tentativa criativa do projetista de unificar forma, material e forças. A estrutura, então, apresenta um meio inventivo, estético, para ambos, forma e experiência de construção. [...] A diferenciação entre projeto arquitetônico e projeto estrutural precisa ser dissolvida” (5).

Em consequência, pode-se concluir que as estruturas determinam as construções de maneira fundamental – suas origens, sua existência, suas consequências – desenvolvendo, portanto, conceitos de estrutura, por exemplo o projeto estrutural básico, que é um componente integral do autêntico projeto arquitetônico. Por isso a diferença prevalecente entre o projeto estrutural e as formas arquitetônicas – como seus objetivos, seus procedimentos, suas linhas e, por esta razão, também para seus intérpretes – é sem fundamento e contraditória para a causa e a ideia de arquitetura.

A diferenciação entre projeto arquitetônico e projeto estrutural precisa ser dissolvida (6).

Sinteticamente, o intuito deste debate é o de fazer com que o arquiteto compreenda a colossal relevância do projeto bem como a notoriedade que a estrutura e sua respectiva concepção tem no projeto arquitetônico que, por muitas vezes, encontra-se escondida ou camuflada na arquitetura e dá a impressão de que não teve um papel fundamental na solução escolhida.

“Quando a estrutura contribui arquitetonicamente, além de cumprir seu papel principal de sustentação de cargas, ela agrega riqueza estética e funcional aos projetos. Ela aumenta nosso interesse e prazer nas edificações, melhora seu uso e eleva o ânimo dos usuários” (7).

Dentre as etapas de desenvolvimento de um empreendimento, a fase de concepção, na qual se incluem os estudos preliminares, anteprojeto e projeto, exerce papel determinante na qualidade, tanto do produto acabado como do processo construtivo. Assim, um grande avanço na obtenção de melhor qualidade da construção pode ser alcançado a partir da melhoria da qualidade dos projetos. Além disso, muitas medidas de racionalização e praticamente todas as medidas de controle da qualidade dependem de uma clara especificação na sua fase de concepção, isto é, não é possível controlar uma atividade ou produto, se suas características não se encontram perfeitamente definidas. [...] É na fase de concepção que se origina a maioria dos problemas patológicos dos edifícios (8).

O colóquio se justifica para que se possa estabelecer um melhor entendimento e definição do que é o lançamento estrutural no projeto arquitetônico, de como é enfrentado pelos arquitetos e pelos engenheiros, quais as fases e os procedimentos empenhados no lançamento e de que forma podem se complementar.

“Diminuir a dimensão das seções das peças estruturais ou ampliar o vão, afastando os apoios, demanda geralmente soluções diferenciadas, nas quais a estrutura passa ser importante elemento de configuração do espaço” (9).

Em outras palavras, durante a fase da concepção arquitetônica, é possível afirmar que sempre serão necessários estudos de forma e de disposição dos elementos estruturais. Com o intuito de ampliação ou redução dos ambientes, novos arranjos de apoio com alteração dos seus comprimentos, provocará no projetista a busca de soluções, muitas vezes inusitadas para obter uma solução espacial satisfatória. Neste caminhar a estrutura torna-se um fator preponderante de configuração dos espaços fortalecendo a importância do seu lançamento na fase preliminar de estudos.

Repetidamente, foi mencionado que o agente responsável pelo lançamento da estrutura é o arquiteto na medida em que define a configuração espacial. Isto não implica dizer que o engenheiro não deva participar deste processo. Ao contrário, é imprescindível, em dado momento, que o engenheiro analise, avalie e posicione o projetista sobre a viabilidade da estrutura por ele concebida.

O lançamento estrutural, na engenharia, se dá de maneira um pouco distinta da arquitetura. Por definição, a engenharia trata objetivamente os procedimentos de lançamento da estrutura estipulando regras e métodos de trabalho. Estas regras são importantes, mas de início não são tão preponderantes para o lançamento realizado pelo arquiteto. O engenheiro, de um modo geral, quando se depara com o lançamento estrutural, de imediato visualiza o anteprojeto arquitetônico. A partir da análise do anteprojeto inicia a organização e a locação racionalizada dos pilares, das vigas e das soluções de laje seguindo algumas regras consagradas. Vários compêndios foram concebidos neste sentido. Este procedimento faz parte do processo projetual, porém deve ser o desdobramento de um trabalho preliminar que deveria ser executado pelo arquiteto que é o de conceber (lançar) a estrutura no estudo preliminar arquitetônico. Esta prática recorrente por parte dos engenheiros é o resultado da metodologia linear e desintegrada de confecção do projeto arquitetônico (10).

“Dá-se o nome de lançamento de estrutura ao procedimento de locar lajes, vigas e pilares, capazes de suportar as cargas buscando uma disposição que se adapte bem ao projeto arquitetônico sem prejudicá-lo esteticamente. Seria sempre desejável que o arquiteto, ao projetar a arquitetura, estivesse preocupado com a estrutura, de modo que estrutura e arquitetura se integrassem, sem que uma prejudicasse a outra. Infelizmente isso nem sempre ocorre, fazendo com que, muitas vezes, a estrutura tenha que se adaptar de maneira forçada ao projeto arquitetônico. Ou, ainda, que este tenha que ceder às necessidades da estrutura, prejudicando sua estética ou funcionalidade, sofrendo, em situações extremas, modificações profundas” (11).

O estudo preliminar, pode-se depor que é o “risco inicial” que define o partido arquitetônico. É a síntese de um conjunto de poderosos condicionantes com os quais o arquiteto soube tratar. Nele está presente um conceito fundamental que estipula as características necessárias para a melhor solução arquitetônica dentro daquele contexto. Inexistem soluções ideais ou perfeitas. Subsistem soluções satisfatórias encontradas sob o todo do que é possível realizar, do que é plausível, exequível e viável. A arquitetura está intimamente vinculada às condições impostas pela vida e, portanto, é também falível.

“A arquitetura, sendo motivada e preocupada para com os problemas da humanidade, muito raramente fornece uma solução clara para uma situação ambiental. No entanto existe a grande riqueza de toda a paleta do arquiteto e suas qualidades inerentes ou desenvolvidas” (12).

O ato do lançamento estrutural pode ser melhor definido pelo termo conceber. O arquiteto por meio de uma meta reflexão vislumbra as soluções estruturais e viabiliza o modo pelo qual o edifício ficará de pé. Segue, também, princípios lógicos, mas acima de tudo, acompanha um ordenamento que leva em conta um conjunto de dimensões e de diretrizes que o engenheiro não toma posse.

O Edifício Touring de Brasília

Construído durante os anos de 1964 a 1967, está localizado na zona central de Brasília em lote simetricamente oposto ao Teatro Nacional, área nobre e de grande importância local. Para servir a escala gregária definida no relatório do plano da Capital (1957), Lúcio Costa instituiu as áreas imediatamente contíguas ao cruzamento dos eixos rodoviário e monumental para atividades de lazer e diversão bem como a construção da rodoviária. Outrossim, definiu que não haveriam edificações sobre a grande plataforma que liga os dois conjuntos comerciais norte e sul, exceto por uma edificação na parcela sul que poderia ser uma “casa de chá” e da “ópera”. Este edifício faria a ligação entre os diferentes níveis existentes no local e também a interface entre diferentes zonas urbanas (13).

Edifício Touring, Brasília DF, 1963, arquiteto Oscar Niemeyer
Imagem divulgação [Google Earth]

Oscar Niemeyer imbuído destes condicionantes, projetou um edifício baixo, longilíneo e avarandado, entenda-se discreto, de modo a não interferir ou, pelo menos, com o mínimo de interferência na percepção da esplanada dos ministérios. De acordo com Lúcio Costa, um pavilhão “debruçado sobre os jardins do setor cultural”. Possui aproximadamente 5.000m² de área em que um piso se encontra no mesmo nível da praça central da cidade e o outro aproximadamente seis metros abaixo promovendo uma importante ligação com a rodoviária.

O sistema estrutural é inteiramente de concreto armado. O piso que dá para a plataforma superior é viabilizado por uma grande laje maciça com caixão perdido que por sua vez está suspensa por um jogo de onze pares de pilares que resultam do piso inferior. A cobertura do piso superior se dá por meio de uma laje maciça sustentada pelo mesmo conjunto de pilares e por um par longitudinal de vigas mestras que servem de apoio para um conjugado de 97 vigas transversais aparentes de pouca espessura (10 centímetros), posicionadas (separadas) a cada um metro e de formato não convencional.

Edifício Touring, detalhe dos pilares, vigas mestras e vigas transversais, Brasília DF, arquiteto Oscar Niemeyer
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

O refinado desenho das vigas foi sugerido pelo diagrama de momento fletor em razão dos 2 balanços promovidos pelos pilares e será objeto deste estudo.

Detalhe da Viga sugerida pelo “desenho” do momento fletor e detalhe do Diagrama de Momento Fletor
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

A viga transversal construída possui trinta metros de comprimento, 1,70 metros de altura da base da seção até o ponto mais alto nos picos e espessura de dez centímetros. Os dois apoios encontram-se afastados 15,50 metros perfazendo dois balanços simétricos de 7,25 metros cada.

Edifício Touring, viga transversal, Brasília DF, arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Francisco Afonso de Castro Júnior

O levantamento da arquitetura e da estrutura foi realizado com o romaneio de imagens adequadamente escalonadas no AutoCad, fotogramas das plantas originais e coletas de medida feitas in loco na única área de circulação pública disponível e que liga o pavimento superior do edifício ao pavimento térreo que por sua vez interliga-se à rodoviária.

Edifício Touring, detalhe da base das vigas transversais, Brasília DF, arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Francisco Afonso de Castro Júnior

No estudo da viga do Edifício Touring será dada ênfase não e tão somente aos cálculos, mas também à questão formal (formato) das vigas como resultantes indiretos do desenho do diagrama de momento fletor gerado pela disposição dos apoios, dado que foi este o partido e a solução estrutural incomum adotada por Oscar Niemeyer.

Edifício Touring, prancha original, Brasília DF, arquiteto Oscar Niemeyer
Imagem divulgação [Administração de Brasília]

Edifício Touring, prancha original, Brasília DF, arquiteto Oscar Niemeyer
Imagem divulgação [Administração de Brasília]

A análise do arranjo construído (Viga Construída) do edifício trará a clara compreensão do motivo do desenho da viga escrita por Oscar Niemeyer. Em função do arranjo original, será deduzida uma nova localização dos dois apoios para equilíbrio dos momentos fletores, um novo desenho de viga e, concomitantemente, a altura aproximada da seção correspondente. Este procedimento fará com que o leitor apreenda mais claramente a relação entre a locação dos apoios, a altura da viga e o “melhor desenho” que poderia ser adotado como solução de viga.

Corte Esquemático do pavimento superior. 1-Viga cobertura (transversal); 2-Viga mestra (longitudinal); 3-Pilar; 4-Laje piso do térreo caixão perdido; 5-Laje maciça da cobertura do pavimento superior; 6-Argamassa para caimento das águas pluviais
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Critérios e informações para a análise

Alguns critérios foram estabelecidos para o lançamento estrutural, análise direta dos arranjos e determinação da altura da seção da viga: a) critério empírico de pré-dimensionamento de altura de viga; b) critério da resistência do material; c) critério empírico da flecha. Em sequência analisou-se o consumo de matéria prima e, por último foi estabelecido o critério da expressividade com o intuito de possibilitar um melhor entendimento do peso da racionalização estrutural em relação à plasticidade, originalidade e pregnância, isto é, a preponderância ou não da racionalização da estrutura em relação aos valores que integram o critério da expressividade arquitetônica.

Com base nos critérios adotados, primeiramente, foi analisado nos estudos de caso a Viga Construída registrando-se os resultados obtidos. Um novo arranjo no qual buscou-se equilibrar os momentos fletores positivo e negativo foi cuidadosamente proposto para verificações e análises posteriores. Dois aplicativos foram utilizados como instrumento para o cálculo e determinação dos resultados no sentido de aproximar o arranjo arquitetura e estrutura a condições ideais: Ftool e o Editor de Planilhas Microsoft Excel.

Para os cálculos deste estudo de caso, considerou-se a norma NBR 6120 – Cargas para o Cálculo de Estruturas de Edificações.

a) Ação Permanente Tramo Central
g1 Laje____________________________250 Kgf/m²
g2.1 Revestimento Tramo Central             460 Kgf/m²
q1 Carga Acidental_________________100 Kgf/m²
Peso Total Tramo Central___________810 Kgf/m²

b) Ação Permanente Balanços
g1 Laje (10cm) ____________________250 Kgf/m²
g2.2 Revestimento Balanço*_________200 Kgf/m²
q1 Carga Acidental_________________100 Kgf/m²
Peso Total Balanços________________550 Kgf/m²

c) Largura (Faixa) de Influência
Laje_______________________________1,00 m

Para efeito do cálculo do peso próprio da viga que possui a geometria de uma parábola de 2º grau, optou-se por linearizar o carregamento de maneira a facilitar o estudo.

Cálculo do peso próprio da viga transversal
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Estrutura isostática; 01 vínculo articulado móvel e 01 vínculo articulado fixo; para as análises de flecha, apenas a maior flecha dos tramos. Flechas positivas e/ou negativas não serão somadas; considerar-se-á a Flecha x 2 devido ao fenômeno de deformação lenta característico do concreto; resistência do concreto: fck 200Kgf/cm².

Carga total resultante para efeito de cálculo
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Em primeiro lugar, analisou-se por intermédio dos critérios empírico, critério de resistência e critério de flecha (programas Ftool e Excel) a Viga Construída (Viga C1 = análise da Viga Construída) para efeito de comparação com o desenho da viga adotada por Oscar Niemeyer.

O critério empírico indicou altura de 1,55 metros e a altura (h) retornada pelo critério da resistência foi de 82cm. O primeiro teste foi feito com a altura de 85 centímetros que não foi suficiente para atender ao critério da flecha. A altura de viga necessária para suportar as cargas bem como respeitar os limites da flecha foi de 90cm. Comparando-se esta medida com a altura adotada pelo arquiteto, pode-se constatar que ficou bem abaixo da altura nos picos (1,70 metros).

Logo a seguir, com o intuito de diminuir o momento fletor positivo do vão central e equilibrá-lo com os momentos fletores negativos dos balanços, empiricamente, os pilares foram movidos no sentido do centro da viga aumentando o comprimento dos balanços para 6,80 metros (Viga C2 = proposição com momentos fletores equilibrados). Os momentos fletores máximos desta proposição foram de 18.560Kgf/m e 17.920Kgf/m para o vão central e para os balanços, respectivamente, ou seja, ficaram aproximadamente equilibrados.

Foi possível, pelo critério empírico, constatar a altura de viga de 1,64 metros para o tramo central e de 80 centímetros pelo critério da resistência. No programa Ftool foi aplicada a seção de viga de base igual a 10 centímetros e altura igual a 80 centímetros. Verificou-se que a flecha foi excessiva, praticamente o dobro do limite no vão central e nos balanços. A fim de cumprir os critérios estabelecidos, no Ftool aplicou-se a altura de viga de 90 centímetros que também não atendeu o limite da flecha. Mais uma tentativa foi realizada com a seção de 100 centímetros que, finalmente, passou no teste da flecha.

A arquitetura materializa-se viabilizada pela estrutura

Ao se comparar a análise da Viga Construída C1 que possui 90 centímetros de altura com a viga desenhada e adotada Oscar Niemeyer (1,70 metros da base ao pico), percebe-se que o arquiteto poderia ter aplicado um desenho mais esbelto, mais horizontalizado, ou seja, mais longilíneo com uma altura de viga menor sobre os pilares (picos).

A proposição de Viga C2 em que foram equilibrados os momentos fletores não resultou em ganhos para a altura da seção da viga uma vez que as cargas não eram uniformemente distribuídas. Ainda assim, demonstrou-se uma proposta mais racional que a Viga Construída já que sua altura ficou em 100 centímetros contra a altura de 1,70 metros da base até o pico da viga.

Mantendo-se a lógica do desenho de projeto, na figura abaixo podem ser conferidas as características de cada uma das vigas.

Análise comparativa entre as vigas
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Há que se considerar que a proposição assumida por Oscar Niemeyer é claramente mais expressiva que as demais. Pode-se afirmar que tomou a decisão de demonstrar mais nitidamente as curvas da viga elevando os picos acima dos apoios. Se assim não tivesse desejado, Oscar, inexoravelmente, teria tomado o partido da viga reta, da viga tradicional abrindo mão do desenho curvilíneo. Há um princípio muito comumente adotado e, de certa forma, consagrado pelos arquitetos de que as ideias arquitetônicas devem ser enfáticas no seu propósito, isto é, devem ser explícitas no conceito, no partido ou no desenho. De um modo geral, não é aconselhável que se fique “no meio do caminho”, entre “o que é e o que poderia ser”.

Oscar poderia ter aceitado a altura mínima necessária para o vencimento da cobertura elaborando um desenho “mais suave” da viga, porém, evidenciou o seu desenho a fim de fortalecer a pregnância do elemento e, de modo consequente, do conjunto edificado. Não buscou o belo estritamente pelo anseio da beleza. Sua intenção foi corroborar a expressividade plástica do edifício uma vez que é a dimensão que primeiramente é percebida pelo homem. As cidades são vivenciadas e apreendidas através da arquitetura, isto é, por meio da estética das fachadas, das elevações e das vistas dos edifícios.

Em conclusão, a decisão de Oscar Niemeyer ao assumir mais explicitamente o desenho da viga fez com que o conjunto edificado se tornasse mais belo e melhor perceptível na plataforma da cidade, justificando o investimento em matéria prima.

Compilação dos “desenhos possíveis” da viga. A-Viga construída; B-Viga C1 análise da viga construída; C-Viga C2 pilares ajustados para equilíbrio dos momentos fletores positivo e negativo; D-Viga reta
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Niemeyer detinha enorme domínio dos conceitos estruturais e ao longo de sua carreira soube aplicá-los de maneira muito contundente em suas obras. A exemplo disto, o projeto da Pampulha Iate Clube de Belo Horizonte. A seguir um trecho do memorial do projeto que confirma o seu objetivo.

“A ideia predominante no projeto do Pampulha Iate Clube (Belo Horizonte) e que o caracteriza, foi a de encontrar um tipo de estrutura que permitisse grandes balanços, aumentando – conforme as conveniências de utilização – os espaços internos, ligando salas e jardins, num conjunto único e variado. Por isso, previmos duas fileiras de colunas sobre as quais se apoiam as vigas de cobertura, espaçadas no sentido transversal de metro a metro, e cuja seção atende às solicitações dos balanços que o projeto estabelece” (14).

Diagrama do Momento Fletor que sugere o desenho adotado por Oscar Niemeyer
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Lúcio Costa foi imperativo no memorial de Brasília explicitando que o projeto do pavilhão onde posteriormente instalou-se o Touring do Brasil, deveria ser uma “casa de chá e de ópera debruçada sobre os jardins do setor cultural”, motivo pelo qual Oscar Niemeyer implementou generosas varandas ao longo de todo o edifício. Uma dessas varandas ficaria voltada para a esplanada dos ministérios e a outra para a plataforma central. Estes espaços são de essencial importância no projeto pois têm a função de promover a ligação do núcleo interno do prédio com a plataforma central e com a bela vista da Esplanada. Seria equivocado se pensar num partido diverso a este.

Pampulha Iate Clube de Belo Horizonte, projeto e obra de 1962
Desenho Francisco Afonso de Castro Júnior

Diante dos postulados anteriores, foi possível se chegar às seguintes conclusões:

Na definição dos elementos estruturais, nem sempre a racionalização da estrutura é o condicionante que prepondera sobre os demais.

A arquitetura é percebida como um todo. Dimensões como a expressividade e a estética da composição interferem diretamente na maneira pela qual o indivíduo apreende a edificação.

“O todo é maior que a soma das partes”. Isto quer dizer que o projeto arquitetônico não é apenas a consequência de um somatório de variáveis que indicarão a solução ideal, o produto exato, a equação perfeita ou o denominador comum. O projeto é adverso à precisão e à pureza do cálculo matemático, pois ao final o conjunto dos elementos e dos condicionantes retornarão um resultado plausível e equilibrado, ou seja, a melhor solução passível de se concretizar materialmente. Assim, o todo deve extrapolar a soma das partes uma vez que o produto representa mais do que uma superposição na medida em que durante o processo não se calculam somente atributos, mas sobretudo o peso e a relação entre eles. Pode-se dizer que nesse "jogo matemático" são realizadas inúmeras operações tais como a soma, a divisão, a subtração, a multiplicação e a potenciação, por exemplo. Os componentes desta "equação" têm uma determinada importância dentro de cada contexto e, portanto, a resultante desta "fórmula idiossincrática" será, indubitavelmente, maior que a expectativa imaginada pelo arquiteto. A soma de 1 mais 2 mais 3 mais 4 tem que ser, necessariamente, maior do que dez. Eis aqui talvez a "fórmula básica" da arquitetura (15).

Conclusão

Pela lente da arquitetura, verificou-se que a racionalização dos elementos estruturais nem sempre tem papel preponderante no projeto. O estudo de caso do Edifício Touring em Brasília demonstrou este fato. O grande número de condicionantes que fazem parte do processo projetual e que devem ser gerenciados e coordenados pelo arquiteto podem indicar outras soluções que não a da racionalização extrema.

Porém, pode-se concluir com total amparo que o arquiteto tendo um conhecimento mais amplo e mais aprofundado das soluções e possibilidades de arranjos de viga e pilar, certamente fará escolhas mais precisas. O projetista deve, ininterruptamente, incrementar o seu repertório estrutural de modo a notabilizar o lançamento estrutural.

Examinou-se a notória aplicabilidade das diretrizes desenvolvidas. Inúmeros desdobramentos favoráveis ocorrerão em consequência da melhor escolha, entenda-se consciente, da composição estrutural. O arquiteto praticante deste procedimento estará corroborando na retomada de seu preponderante papel na definição dos projetos arquitetônicos não relegando aos engenheiros sua intrínseca responsabilidade.

A história da humanidade demonstra que o desempenho associado e integrado das funções de arquiteto e de engenheiro independe da intenção ou da boa vontade de seus agentes. A concretização do espaço arquitetônico somente se dá por meio da viabilização estrutural, não sendo possível pensar-se em uma arquitetura imaginária ou em uma estrutura inoperacional. Este fato induz o pensamento à certeza de que os movimentos de maior ou menor integração entre as profissões são bem-vindos para que possam surgir questionamentos e avanços em cada área. Por mais abundante que seja a tecnologia atual não cabe o raciocínio de que os aparelhos, mecanismos e artefatos científicos possam reestruturar, resolver ou até mesmo padronizar uma correlação de campos de conhecimento tão íntima, especial e singular. Acima deste aparato estão as relações humanas que permeiam todas as atividades da vida mormente a relação entre arquitetos e engenheiros.

Por um lado, suspeitas não resistem ao fato de que a aplicação do lançamento estrutural por parte dos arquitetos na fase dos estudos preliminares promove a integração primária entre os campos complementares além de auxiliar na quebra de barreiras que há muito tempo existem entre arquitetos e engenheiros.

notas

1
DIEZ, Glória. Projeto estrutural na arquitetura. Porto Alegre, Masquatro Editora, 2012, p. 11.

2
ENGEL, Heino. Sistemas estruturais. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2001, p. 19.

3
FABRÍCIO, Márcio M. O arquiteto e o coordenador de projetos. Pós, n. 22, São Paulo, dez. 2008, p. 47.

4
REBELLO, Yopanan; LOPES, João Marcos; BOGÉA, Marta. Arquiteturas da engenharia ou engenharias da arquitetura. São Paulo, Mandarim, 2006, p. 35.

5
ENGEL, Heino. 2001. Sistemas estruturais. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2001, p. 19.

6
Idem, ibidem.

7
CHARLESON, Andrew W. Estrutura aparente: um elemento de composição em arquitetura. Porto Alegre, Bookman, 2009, p. 7.

8
FRANCO, Luiz Sérgio;  AGOPYAN, Vahan. Implementação da racionalização construtiva na fase de projeto. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, 1993, p. 2.

9
REBELLO, Yopanan; LOPES, João Marcos; BOGÉA, Marta. Op. cit., p. 124.

10
CASTRO JUNIOR, Francisco Afonso de. Além de L Sobre 10 – Diretrizes para o lançamento estrutural arquitetônico. Dissertação de mestrado. Brasília, UnB, 2014, p. 68.

11
REBELLO, Yopanan. A concepção estrutural e a arquitetura. São Paulo, Zigurate Editora, 2000, p. 201.

12
ENGEL, Heino. Op. cit., p. 10

13
INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL; CÂMARA DOS DEPUTADOS. Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos. Brasília, Edições Câmara, 2010.

14
Pampulha Iate Clube. Módulo, n. 27, v.7, Rio de Janeiro, mar. 1962, p. 2.

15
CASTRO JUNIOR, Francisco Afonso de. Op. cit., p. 181.

sobre os autores

Francisco Afonso de Castro Júnior é graduado em Administração de Empresas, UDF (1995). Graduação Arquitetura e Urbanismo, IESPLAN (2007). Especialização Docência do Ensino Superior, FTP (2014). Mestrado em Tecnologia, Universidade de Brasília – UNB (2014). Professor UNICEUB e IESPLAN. Além de L Sobre 10 – Diretrizes para o Lançamento Estrutural Arquitetônico – DISSERTAÇÃO (2014).

Marcio Roma Buzar é graduado em Engenharia Civil UEMA (1994). Metrado (1996) e Doutorado em Estruturas (2004) Universidade de Brasília – UNB. Professor da FAU/UNB. Modelos Híbridos de elementos Finitos e de Contorno aplicados às Estruturas – CILANCE (1994).

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