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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo aborda a evangelização jesuíta sobre as populações indígenas no Brasil, provando a existência de um sistema territorial. Sistema constituído por arquitecturas interligadas por uma rede de caminhos terrestres e trajectos marítimos e fluviais.

english
The article deals with the Jesuit evangelization of indigenous peoples in Brazil, proving the existence of a territorial system. System consisting of architectures interconnected by a network of land routes and maritime and fluvial routes.

español
El artículo aborda la evangelización jesuita sobre las poblaciones indígenas en Brasil, probando la existencia de un sistema territorial. Sistema constituido por arquitecturas interconectadas por una red de caminos terrestres y trayectos marítimos.


how to quote

CRISTINA GOMES DUARTE, Cláudia. Sistema territorial jesuíta. O caso do Espírito Santo. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 214.02, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.214/6929>.

A Companhia de Jesus

Criada a 15 de agosto de 1534 pelo basco Inácio de Loyola (1491-1556) e mais seis companheiros do Colégio de Santa Bárbara em Paris, a Companhia de Jesus surgiu como uma cruzada apostólica revolucionária em plena crise da Igreja e do Humanismo Liberal Renascentista. Os fundamentos da doutrina jesuíta – baseada no pensamento escolástico-aristotélico desenvolvido no século 13 pelo dominicano São Tomás de Aquino (1) e organizados em Constituições – tinham como principal fundamento ajudar as almas. Na prática, a expressão correspondia às missões, a respeito das quais os jesuítas se obrigaram a uma relação leal ao Papa. Missão significava então, e de acordo com as Constituições da Companhia, o ministério itinerante. O ministério nas “diferentes partes do mundo para ajudar as almas”. No local das missões, a expressão significava o contacto com as populações indígenas.

Ao apoiar a sua acção numa estratégia catequética, evangelizadora e educacional dos povos infiéis, os jesuítas convergiam com os ideais da Igreja e com os interesses dos Estados Católicos europeus expansionistas. Para a primeira, eram os agentes capazes de pôr em prática as reformas tridentinas. Aos segundos, possibilitava-lhes o exercício da expansão nos territórios ultramarinos.

Com o propósito de “aumentar a propagação da Santa Fé Católica” (2) Portugal foi o primeiro país a patrocinar a Companhia de Jesus. De acordo com o próprio monarca, em carta enviada, em 1539, a D. Pedro de Mascarenhas, que se encontrava então em Roma, não havia “parte que lhes (jesuítas) estivesse mais aparelhado para cumprir os seus desejos que nas suas conquistas”. (3)

Nove anos depois de estabelecidos em Portugal, com Colégios fundados em Coimbra, Évora, Lisboa e Braga (4) e com a missão na Índia já iniciada, foram enviados para o Brasil os primeiros jesuítas. Aí, com a presença de uma sociedade composta por três etnias – indígenas, imigrantes brancos e negros – os jesuítas, de acordo com as Constituições, estabeleceram “casas” – ao longo de toda a costa– que adequaram às necessidades das populações locais e aos propósitos do Instituto.

Espírito Santo

Dentro do Brasil, elegeu-se como foco do artigo a antiga capitania do Espírito Santo. Por um lado, pelo facto de ter sido das primeiras capitanias a ser ocupada pelos jesuítas – 1551. Foi, portanto, a experiência primeira de toda a América portuguesa apresentando, por isso, alguns dos conjuntos arquitectónicos jesuítas mais antigos de todo o Brasil, os quais se encontram razoavelmente bem conservados. E, por outro lado, pelo facto de ter sido a capitania menos estudada e divulgada no âmbito dos conjuntos arquitectónicos jesuítas. É, seguramente, de todos os estados brasileiros, o menos estudado e também o menos conhecido pelos europeus.

“Capitania do Espírito Santo, pertencente a Capitania da Bahia pelo governo militar”. Autor Anstácio de Santa Anna, copiado pelo Cap. M. F. C. de Oliveira Soares em 1853
Imagem divulgação [Arquivo Histórico do Exército do Rio de Janeiro, nº 1177, sinalizado pela autora]

Principais assentamentos

Colégio

Dentro do espírito do Concílio de Trento, os colégios jesuítas tinham como finalidade formar os jovens que entravam na Companhia, conforme expresso nas “Fórmulas do Instituto” da Instituição. Em 1560, o Padre Juan Alfonso Polanco, a partir de Roma e em nome do Geral Diego Laínez, redigiu uma carta para remeter a todos os superiores da Companhia, onde esclareceu acerca do modo como os seus membros deveriam ajudar o próximo: primeiro, a partir dos colégios, através da educação dos jovens em letras, na doutrina e na vida cristã e, segundo, em qualquer lugar ajudando a toda a classe de pessoas com sermões, confissões, e outros meios de acordo com o “modo de proceder” (5) da própria Instituição.

Em Portugal, D. João III, com o propósito de dotar o país de uma Universidade que pudesse competir com os grandes centros intelectuais europeus, concedeu à Companhia de Jesus o Real Colégio das Artes, em Coimbra.

O sistema internacional de Colégios na Europa era o garante das missões ultramarinas. Isto é, assegurava a formação dos seus próprios membros para os territórios das missões onde, uma vez estabelecidos, fundavam Colégios para a formação de novos jesuítas. Com o estabelecimento do ensino superior nos Colégios, a Companhia de Jesus possuía uma estrutura corporativa única – uma rede de missionários no exterior directamente associada a uma rede de centros intelectuais.

No Brasil, “para que ficasse fundamento da Companhia” (6) e os jesuítas fossem “ganhando terra adiante”, (7) os colégios, casas professas, ou residências, foram os seus primeiros assentamentos. Se na Europa, foram implantados nas principais cidades. No Brasil, e à semelhança, foram-no na principal vila portuguesa de cada capitania – situada junto ao litoral.

Esses colégios formavam clérigos – clero secular e jesuítas – e laicos – para profissões civis ou liberais. Os colégios do Brasil funcionavam assim como uma espécie de “ilha” europeia e cristã onde se rezava, estudava e vivia segundo o modelo europeu. Lugares onde os jovens – aspirantes a jesuítas – eram preparados para actuarem como modelos de bons cristãos, auxiliares apostólicos e pregadores entre os seus ancestrais. Paralelamente, eram formados como bons fieis e súbditos portugueses.

Em 1596, o Geral Cláudio Acquaviva, em carta enviada ao Provincial do Brasil, Pero Rodriguez, referia o Colégio da Bahia como o melhor para a formação de jesuítas. O Colégio promovia então estudos de humanidades, filosofia e teologia, e possuía uma biblioteca que era, à época – e foi-o até 1759 – uma das mais completas de todo o Brasil. Ainda assim, em 1600, o Padre Ignacio Tholosa, em carta enviada ao Geral Claúdio Acquaviva, insistia na insuficiência de jesuítas para a missão do Brasil e na necessidade de serem “socorridos com gente” (8) provinda do Reino.

Ao colocar o ensino e a cultura do seu tempo ao serviço da evangelização, os jesuítas transformaram os seus colégios não apenas no símbolo da sua missão, como no rosto da própria Companhia nela.

Aldeias

Para os primeiros jesuítas, às populações indígenas faltava-lhes as dimensões política e religiosa. As duas dimensões que, precisamente, se fundiam no projecto missionário de além-mar – Coroa e Companhia de Jesus. A conversão, cujo significado evocava uma mudança completa de vida implicava, naturalmente, a transformação dos costumes das populações indígenas. Isto é, a destruição das suas tradicionais formas de vida e de sobrevivência. Na prática, era o que significava o ensino dos elementos essenciais do dogma cristão. Foi, assim, dentro desse contexto que o Padre Manoel da Nóbrega, assegurado pela aliança firmada com o Governador Mem de Sá – e um pouco à imagem daquilo que eram as “Aldeias indígenas” – propôs as suas próprias Aldeias. Um assentamento de evangelização – divulgação dos ensinamentos de Cristo, pregação, confissão e ensino desenvolvidos numa prática diária – onde eram reunidos índios, de diversas origens, entre os quais os jesuítas viviam. Um assentamento onde os índios cristianizados, sob a administração e autoridade dos jesuítas, viviam separados das populações europeias. Eram, portanto, núcleos exclusivos das populações indígenas – as populações negras não eram admitidas. Ao contrário do que ocorreria, mais tarde, nas Fazendas e Engenhos sob a administração dos jesuítas, onde uns e outros formavam um todo indiferenciado – todos estavam para trabalhar.

As aldeias jesuítas eram assentamentos bem diferenciados de todos os outros existentes na província: o dia começava com a catequese, para aqueles que ainda não eram cristãos, seguia-se a missa, que não era obrigatória aos dias de semana, antes de saírem da área das habitações para trabalharem nas roças. Ao final do dia realizavam-se os baptizados para quem eram preparadas sessões de catequese diferenciada. As crianças ficavam na escola, onde aprendiam a ler, escrever e contar, e eram educados nos costumes cristãos. Os homens eram estimulados a trabalharem nas roças, em regime de propriedade individual, a fazerem plantações e a praticarem uma produção excedentária que garantisse a subsistência da família; o estabelecimento do ensino elementar foi um projecto pensado exclusivamente para as aldeias. Os jesuítas tinham consciência de que sem um projecto educativo agregado ao apostólico as aldeias de missão não teriam futuro. Isto porque, só a educação seria capaz de imprimir a mudança nos planos religiosos, moral e económico. A escola, comunitária e universal dentro da aldeia era fundamental e a razão principal pela qual os jesuítas da Província a defendiam, não obstante os entraves.

Impostas a Roma pelos jesuítas do Brasil, as aldeias foram assim o resultado do esforço de adaptação dos jesuítas ao território e às populações indígenas. Uma iniciativa que não veio do centro – de Roma – mas dos próprios jesuítas do Brasil.

Para as populações indígenas, aldeia jesuíta significava a reunião num espaço doméstico relativamente protegido e para os jesuítas, a passagem da catequização itinerante para a de residência. A partir desse momento, falar em conversão no Brasil consistia em falar em aldeias. O cenário em que a missão jesuíta no Brasil foi pensada e concretizada. Com as Aldeias e a sua rede de ligações, a missão jesuíta na Província do Brasil encontrou a forma ideal para alcançar os objectivos desejados.

Com início na Bahia, o fundamento rapidamente se estendeu às outras capitanias. Uma vez estabelecidos na principal vila da capitania – onde fundavam colégio – os jesuítas davam início à sua grande missão – visitar as “aldeias indígenas”. No entanto, estas apresentavam uma grande desvantagem. Não eram fixas; duravam apenas o tempo dos materiais das construções. Em consequência, surge a ideia de “congregar todos [os indígenas], apartados dos demais”, (9) isto é, de fundar as suas próprias Aldeias à imagem daquilo que era a rede de “aldeias indígenas”. Assim, ao território, até então ocupado apenas pelas “aldeias indígenas”, somou-se um novo assentamento – as aldeias jesuítas. Se as primeiras eram voláteis, as segundas eram fixas. (10) Nas primeiras, viviam os índios de uma mesma origem; nas segundas, viviam os índios de diversas origens.

Porém, para garantir a permanência das populações indígenas nas aldeias, tornava-se necessário que os jesuítas as visitassem com frequência, ou que passassem a residir nelas de modo permanente. O que, no caso, implicava a construção de uma casa onde pudessem residir, doutrinar e ensinar. Surgem assim, as aldeias de residência, ou de missão.

No entanto, e ainda que o propósito dos jesuítas fosse que em cada aldeia existisse o seu conjunto arquitectónico – igreja e residência – continuaram a existir aldeias que eram apenas de visita, isto é, onde os jesuítas não residiam de modo permanente.

A formação de aldeias permitiu que os jesuítas alargassem o seu âmbito de acção. Para visitar as “aldeias indígenas” já não se deslocavam do Colégio, como no momento da chegada, mas das suas próprias aldeias. Essa foi a grande estratégia que garantiu a ocupação de todo o litoral do Brasil.

Fazendas

No Brasil, onde não existia uma sociedade organizada como a europeia, a questão da sobrevivência era matéria fundamental para a Companhia de Jesus. A inexistência de uma geração de riqueza suficiente para manter com esmolas da população os jesuítas tornava a sua missão difícil; as rendas que provinham do Reino eram também insuficientes, devido à enorme extensão do território. A situação levou os jesuítas a escrever a Roma, a dar notícia de que a sua missão na Província só seria possível se envolvessem, directa ou indirectamente, na economia açucareira, então a principal actividade na colónia. Sendo o propósito dos jesuítas estabelecer aldeias ao longo de todo o litoral, havia que assegurar a sobrevivência e a subsistência sem terem de recorrer ao Reino ou às autoridades civis locais. Isto é, conseguirem obter uma forma de rendimento que garantisse a independência do Instituto. (11) Apesar de as aldeias de missão serem núcleos de produção e de gestão dos próprios bens e, portanto, suficientes para a auto-sustentabilidade, eram insuficientes para a expansão territorial à escala que os jesuítas pretendiam.

Mas, estaria Roma preparada para tolerar nas suas Províncias Ultramarinas, nomeadamente no Brasil, a introdução do Instituto no campo económico, em nome da manutenção da própria missão? Afinal, o Instituto havia professado o voto de pobreza e “não permitia uso de cousa alguma, como própria, por pequena que fosse, em particular”. (12)

As primeiras fazendas e engenhos de que os jesuítas tomaram posse, foram-lhes doadas pelos proprietários sob a forma de testamento. Posteriormente, começaram a receber terras – inclusive de capitanias fronteiras – para nelas estabelecerem engenhos ou fazendas, como foi o caso do Colégio da Bahia, ao qual foram doadas terras que pertenciam à capitania de Ilhéus. Posteriormente, começaram também a comprar eles próprios fazendas e engenhos, como foi o caso do Colégio da Bahia. A partir desse momento, os jesuítas começaram a evoluir ao lado da sociedade colonial, como verdadeiros fazendeiros.

Espacial e hierarquicamente, o assentamento, ou conjunto arquitectónico, que existia nas fazendas e engenhos era o mesmo que o do colégio e das aldeias: a igreja, que tinha anexa a residência, mas esta com apenas a ala contígua à igreja. Não funcionando como escola de ler, escrever e contar, como nas aldeias, não havia a necessidade de construir toda a quadra. Estas peças presidiam um espaço aberto, de uso público – o terreiro – agregador dos edifícios de apoio à actividade produtiva, onde se incluíam as “senzalas”. (13) Nelas viviam os escravos negros e os índios. Os índios que viviam nas fazendas e engenhos eram predominantemente adultos que desempenhavam as mesmas tarefas que os escravos negros. Para além desta estrutura base, que caracterizava os assentamentos jesuítas, as fazendas e engenhos continham ainda o que normalmente estes núcleos possuíam, em maior ou menor variedade, dependendo da dimensão e importância territorial e financeira que representavam: hospital, cadeia, oficinas de trabalho, ferraria, tecelagem, carpintaria, olaria, casa de cal, casa de farinha, descasca de arroz, casa de cortumes, engenho de açúcar, estaleiro.

Sistema territorial

Com as fazendas e engenhos, os jesuítas encerraram o sistema territorial e conferiram-lhe a unidade, que não tinha. Essa unidade era conseguida através da interdependência entre os diversos assentamentos – aldeias, fazendas e engenhos, que tinham à cabeça o colégio –, sendo que a cada um competia uma determinada produção, ainda que existissem, naturalmente, produções semelhantes a todos eles.

Assim, no caso do Espírito Santo, grande parte do excedente que era produzido nas fazendas e engenhos, bem como grande parte do seu lucro, era enviado ao Colégio de São Tiago. Apenas uma pequena parte daquilo que produziam era comercializado no próprio local, bem como apenas uma parte dos lucros se destinava aos custos de manutenção e, portanto, do próprio funcionamento. Da consulta do Auto de Devassa de 1761, na posse do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, sabe-se que no Colégio de São Tiago eram vendidos queijos e carnes, provenientes da Fazenda de Muribeca; açúcar, melado, mel de tanque, aguardente, gamelas, porcos, galinhas, limões doces, laranjas e “outras muitas couzas, destres géneros comestíveis”, (14) provenientes do Engenho de Araçatiba; e a farinha da Fazenda de Itapoa – fazenda da qual hoje não restam quaisquer vestígios. (15)

“Capitania do Espírito Santo”, s/d
Imagem divulgação [Arquivo Histórico do Exército do Rio de Janeiro, nº 1181, sinalizado pela autora]

No entanto, também as aldeias, nomeadamente as de residência, ou de missão, como foi o caso das Aldeias dos Reis Magos e Reritiba, enviavam o excedente de produção, derivado do trabalho indígena, para o Colégio de São Tiago, no sentido de que fosse comercializado. Isto é, vendido pelos próprios jesuítas no colégio onde, para o efeito, tinham uma dependência própria. Se se justificasse, devido à enorme quantidade de produção, esta poderia ser vendida às capitanias vizinhas. 

Apesar de a administração estar centrada nos colégios, é muito provável que tivessem existido trocas directas de produtos quer entre as próprias fazendas e engenhos, quer entre estas e as Aldeias de residência, ou de missão. Isto porque, existiam caminhos terrestres que relacionavam estes assentamentos, muito antes de chegarem à cabeça do sistema territorial, isto é, ao colégio.

A partir da consulta do Auto de Devassa de 1761, sabe-se que, para aumentar os lucros, os jesuítas transferiram a venda dos seus produtos do Colégio de São Tiago para o seu trapiche. O documento informa ainda que por interpostas pessoas, os jesuítas compravam panos de algodão, os quais eram posteriormente embarcados na fragata da Companhia para serem vendidos, pelos próprios, com maior lucro, em outras partes. (16)

“Capitania do Espírito Santo”
Imagem divulgação [Arquivo Histórico do Exército do Rio de Janeiro, nº 1182, sinalizado pela autora]

Assim, a compor o sistema territorial jesuíta estava: à cabeça, o Colégio de São Tiago (1); as aldeias de residência, ou de missão –  Reis Magos (2) e Reritiba (5); as aldeias de visitação –Guarapari (3) e São João (4); e, por fim, as fazendas e engenhos – Muribeca (6), Araçatiba (7), Itapoca (A) e Carapina (B) – as duas últimas hoje inexistentes. Naturalmente que a mediar entre as aldeias de missão, de visitação e as fazendas referidas existiram muitas outras aldeias, que eram apenas de visita, mas que facilitavam a ligação, isto é, diminuíam as distâncias, entre os diversos assentamentos da Companhia.

Nos mapas expostos, identifica-se cada um dos assentamentos jesuítas referidos e que compunham o sistema territorial jesuíta, nomeadamente a Aldeia de Santa Cruz (D), que apesar de aparecer no mapa original como “Aldeia Velha” e a Sul do Rio dos Reis Magos, se situava a Norte. Representa-se ainda hipotéticos caminhos terrestres e trajectos marítimos e fluviais, no sentido de transmitir aquele que foi o sistema territorial jesuíta, que era também um sistema de ocupação e domínio do território. Assim, no mapa, tem-se: ▪▪▪ (vermelho) Caminho terrestre; ▪▪▪ (azul claro) Trajecto fluvial; ▪▪▪ (azul) Canal de Camboapina; ▪▪▪ (roxo) Trajecto marítimo; (2 e 5) Aldeias de residência, ou de missão, de onde partiam as incursões ao interior.

Mapa “Capitania do Espírito Santo” pormenor [Arquivo Histórico do Exército do Rio de Janeiro, nº 1182, sinalizado pela autora]

Considerações finais

Quando Inácio de Loyola fundou a Companhia de Jesus, está longe de imaginar o impacto que esta teria no mundo inteiro. O rápido crescimento da Companhia e o estabelecimento de edificado pelos quatro cantos do mundo exigiu aos seus dirigentes uma resposta pragmática. O Brasil foi, talvez, um dos melhores exemplos desse pragmatismo. Motivo pelo qual se considera fundamental trazer para a contemporaneidade essas permanências do passado. Hoje, património está longe de ser algo que se possa perceber e abarcar com um só olhar. Há que usar escalas diferentes – a escala da arquitectura e a escala do território – e, então, falar em caminhos e trajectos históricos, isto é, falar em cartografia e paisagem. Defender estas duas escalas como paisagem cultural, para poder experienciar o sistema territorial jesuíta, recuperar a sua memória, e aquele que foi o seu tempo, com as suas emoções e identidades. Isto, sem esquecer a sua integração na contemporaneidade. 

notas

1
Cf. Carta manuscrita sob o título, Confirmacion que de Roma se embio a la Provincia del Brasil de algunas cosas que el Padre Christoval de gouvea Visitador ordeno en ella el año de 1586. In Archivium Romanum Societatis Iesu, fólio 144. Cópias cedidas pela Revista Brotéria, em Lisboa, “Brasiliae 2 (1549-1597)”. Sobre este assunto ver: CLOONEY, Francis X. S.J. Roberto de Bobili`s Dialogue on Eternal Life and na Early Jesuit Evaluation of Religion in South India. In The Jesuits: Cultures, Sciences, and the Arts, 1540-1773. Toronto/Buffalo/London, University of Toronto Press, 1999, p. 402.

2
“Dedução chronologica e analytica. Parte 1º - Na qual se manifestam pela sucessiva serie de cada hum dos Reynados da Monarchia Portugueza, que decorreram desde o governo do Senhor Rey Dom João III athe o presente, os horrorosos estragos que a Companhia denominada de Jesus fez em Portugal, etc.”, fólio 12 | Pombalina 444 a 446, MS em 3 vol. In-fol. de 470-143, fl. – Original. Secção Reservados (manuscrito). Biblioteca Nacional de Portugal.

3
Cf. Carta de D. João III Rei de Portugal a D. Pedro de Mascarenhas em Roma, de Lisboa a 4 de Agosto de 1539. In LEITE, Serafim S. I. Monumenta Brasiliae I (1538-1553). Roma, Monumenta Histórica Societatis Iesu, 1556, p. 103.

4
Sobre este assunto ver: MARTINS, Fausto Sanches. A arquitectura dos primeiros colégios jesuítas de Portugal: 1542 – 1759. Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1994; RODRIGUES, Francisco S. J. História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal. Porto, Apostolado da Imprensa, 1931, Tomo I, v. I, p. 281.

5
O´MALLEY, John W. S. J. Los primeros jesuitas. Bilbao, Mensajero Sal Terrae, 1995, p. 249.

6
Carta do Padre Manoel da Nóbrega de 1552, da Bahia, para o Padre Provincial de Portugal. In NOBREGA, Manoel da. S. J. Cartas do Brasil (1549-1566). Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886, p. 97.

7
Idem, ibidem.

8
Carta do Padre Ignacio Tholosa, de lo Collegio de la Baya a 5 de Setiembre de 1600, para o Geral Cláudio Acquaviva. In Archivum Romanum Societatis Iesu. Roma. Cópias cedidas pela Revista Brotéria, em Lisboa, “Brasiliae 3-1 (1550-1660)”, fólio 280.

9
Carta de Manoel da Nobrega, de 6 de Janeiro de 1550, de Porto Seguro, ao Padre Simão Rodrigues, em Portugal. In NÓBREGA, Manoel da. S. J. Cartas do Brasil (1549 – 1560). Belo Horizonte/São Paulo, Editora Itatiaia Limitada/Editora da USP, 1988, p. 104.

10
Daí o facto de o termo “povoação” aparecer muitas vezes nas cartas jesuítas em vez do termo “aldeia”.

11
Cf. LEITE, Serafim de S. I. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro, Livraria Portugália/Civilização Brasileira, 1945, p. 151. Tomo VI,

12
TELLEZ, Balthazar, S. J.; VORSTERMAN, Lucas; HURET, Gregoire; CRAESBIICK, Paulo. impr. LIVROS IV, Cap. XIV. Chronica da Companhia de Jesu, na Provincia de Portugal; e do que fizeram, nas conquistas d`este Reyno, os Religiosos, que na mesma Provincia entraram, nos anos em que viveo S. Ignacio de Loyola, nosso Fundador. fólio 67. F. 3677 e 3678. Secção Microfilmes. Biblioteca Nacional de Portugal.

13
LEITE, Serafim S. I. Fazendas e Engenhos dos Jesuítas no Distrito Federa.  Separata da revista verbum, Tomo II – Fasc. 2 – Junho de 1945, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, p. 186-187.

14
“Auto de Devassa de 1761”, in Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, AHU_CU_003, Cx 17, D. 1530, fólios 30 e 30v.

15
“Auto de Devassa de 1761”, in Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, AHU_CU_003, Cx 17, D. 1530, fólios 30 e 30v.

16
“Auto de Devassa de 1761”, in Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, AHU_CU_003, Cx 17, D. 1530, fólio 19.

sobre a autora

É arquitecta. Exerceu profissionalmente em Valência (Espanha). Em Portugal, foi professora de Geometria Descritiva, História da Arte e Cinema de Animação. Em 2013, participou no “1º Congresso de História da Construção Luso-Brasileira”, em Vitória (Brasil)” e em 2018 no “56º Congresso Internacional de Americanistas”, em Salamanca (Espanha). Em 2016 publicou na Revista “Vitruvius-Arquitextos”, São Paulo (Brasil). Actualmente está a finalizar o Doutoramento em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

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