A cidade de Panorama SP localizada às margens do Rio Panará, vem passando nos últimos anos por constantes projetos urbanos e modificações em sua paisagem. Todos esses projetos estão vinculados à nova vocação econômica e estratégica no município, o turismo (1). O papel da atividade turística em Panorama SP vem despontando a partir da construção da Usina Hidrelétrica Sergio Motta no rio Paraná, em Rosana SP.
A barragem da UHE Sergio Motta é a mais extensa do Brasil (2), com aproximadamente 10 km de comprimento e entrou em operação em 1999, trata-se de um grande sistema de engenharia (3) que levou a impactos socioambientais e econômicos nas cidades ribeirinhas ao longo do rio Paraná, tanto do Estado de São Paulo como do Mato Grosso do Sul.
Na figura 2, a partir de imagens de satélite da Nasa Earth Observatory (4), observamos como era o percurso original do rio Paraná em 1987 e sua posterior alteração no ano 2000. Notamos principalmente o volume de água concentrado nas cidades situadas acima da barragem que, além de modificar a paisagem local e todas as questões ambientais envolvidas, impulsionou impactos diretos na economia da região, onde muitos desses territórios atingidos tinham uma atividade econômica associada à margem do rio Paraná, como a pesca e a indústria ceramista.
A inserção do turismo em Panorama se deu por medidas compensatórias em função dos impactos causados pela construção da barragem em Rosana SP. A Companhia Energética de São Paulo – Cesp, responsável pela obra da barragem, em conjunto com os gestores do território (estado e município) introduziram investimentos diretos em infraestrutura voltadas a atender a essas novas demandas econômicas (5).
De modo estratégico, esses investimentos transidos em grandes projetos urbanos, buscaram valorizar as singularidades do território, impulsionados pelo marketing do lugar (6), na relação direta do município com atividades recreativas e balneárias do rio Paraná.
Assim, foi construído em 2004 o Balneário municipal Frederico Platzeck, com 198 mil metros quadrados, sendo que desses, 18 mil m² se referem a praia artificial à beira do rio. Além disso, outros investimentos foram realizados no intuito de potencializar as atividades recreativas, como a adequação das vias, reestruturação da rede hoteleira e de pousadas. A Prefeitura de Panorama trouxe visibilidade para as obras que estavam sendo realizadas na orla do rio Paraná, inclusive pleiteou o título de Estância Turística junto ao Governo Estadual em 2005. Em 2018 Panorama foi classificada como município de interesse turístico pela Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo (7).
Paralelamente às obras realizadas em Panorama SP, Paulicéia SP, município ao norte de Panorama em aproximadamente 5 Km, teve a implantação de outro grande projeto urbano, a construção da Ponte Mario Covas sobre o rio Panará finalizada em 2009. Essa ponte como sistema de engenharia, conecta o Estado de São Paulo com Mato Grosso do Sul e tem 1.705 metros de extensão. Essa obra é resultado de um acordo entre o Governo do Estado de São Paulo, na gestão de Mario Covas, com a Associação dos Municípios da Nova Paulista – AMNPA (8) e de mesmo modo, foi realizada por medidas compensatórias aos impactos causados pela barragem na cidade de Rosana SP e teve a CESP como a grande articuladora, no intuito de intensificar as relações e trocas logísticas entre os Estados e de impulsionar a economia na região através de novos fluxos entre as cidades (9).
Como visto anteriormente, a construção da UHE Sergio Motta, levou a impactos diretos nos municípios banhados pelo rio Paraná. Em Panorama, especificamente, com a formação do lago artificial, o município perdeu 8% do seu território (10). Somado a isso:
“Nos aspectos sociais estão a perda de espaços que refletiam a história do município e o deslocamento da população (forçada pela formação do lago) que vivia nas proximidades das margens do rio, o que expõem os sentimentos de identidade e pertencimento. Os impactos econômicos estão focados na perda territorial e estrutural, no declínio da economia ceramista que era a principal atividade econômica” (11).
As Prefeituras de Panorama e Paulicéia abraçaram esses investimentos. A construção do balneário constituiu uma alternativa econômica para Panorama, que, no primeiro momento, teve a paralisação das atividades no seu porto fluvial como resultado do sucateamento das ferrovias no Estado e posteriormente, pelo impacto causado na construção da barragem em Rosana SP.
Grandes projetos urbanos
A Companhia Energética de São Paulo – CESP, em seu discurso desenvolvimentista, argumenta que com esses grandes projetos, em contrapartida aos impactos, levaria ao desenvolvimento da região criando arranjos territoriais que potencializariam a geração de empregos e a criação de novas atividades econômicas.
O discurso econômico defendido pela CESP está presente no bojo de muitas ações entre cidades e a iniciativa privada na Europa e Estados Unidos após década de 1970 – com o declínio da indústria e a concentração no setor terciário – e especificamente no Brasil apartir dos anos 90 – com as privatizações e a diminuição do Estado – onde encontramos uma racionalização da máquina pública e “concentração dos gastos em ações que favoreciam a capacidade de atração de investimentos privados” (12).
Nos anos 1990, as privatizações de empresas estatais, associado ao sucateamento das estradas de ferro e o sucessivo enxugamento da máquina pública, apareceram como método paliativo para minimizar os gastos do Governo. Essa postura, muitas vezes mostrou-se controversa, e de fato, levou a consequências diretas em Panorama SP e Paulicéia SP entre fins dos anos 90 e começo dos anos 2000. Nesse período, os impactos gerados em função do sucateamento das ferrovias (ferrovia Alta Paulista do Tronco Oeste Sorocabana) no estado de São Paulo levaram à paralização das operações no Porto de Panorama SP (13).
A ideia de grandes projetos urbanos e parcerias público-privada (PPP) não é novidade na literatura especializada e nem na história de grandes cidades latino-americanas e europeias. Os grandes projetos urbanos realizados em Barcelona para os Jogos Olímpicos nos anos 90 levaram a cidade ser um exemplo de gestão urbana estratégica e serviram de base para projetos em muitas cidades latino-americanas. Um exemplo foi a região de Puerto Madero em Buenos Aires, Argentina, onde uma grande flexibilização regulatória modificou sistematicamente a paisagem, o desenho urbano e a relações socioeconômicas na região portuária de Buenos Aires. Outras experiências na América Latina foram as Operações Urbanas Consorciadas em São Paulo e os grandes projetos urbanos associados a grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíada) no Rio de Janeiro.
As cidades como empresas em um mundo globalizado, agora competem entre sí, oferecem suas potencialidades, flexibilizações e atrativos para a instalação de grandes empresas e/ ou na realização de grandes projetos urbanos. Uma fluidez do capital sobre o espaço urbano.
“Um dos fatores para a adoção da perspectiva estratégica no espaço do urbano tem sido justificado pela convicção de que as cidades, tanto como as empresas, encontram-se situadas em um mercado (de cidades, de localizações) e confrontadas à acirrada competição neste mercado [...].
Logo, as cidades deveriam dotar-se dos meios para enfrentar com chances de sucesso à acirrada competição imposta pela globalização” (14).
Em relação a Panorama SP e Paulicéia SP, não há dúvidas quanto aos impactos diretos que as obras do Balneário e a Ponte Mario Covas configuraram no território, principalmente, quando temos duas cidades pequenas no interior do estado de São Paulo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 2014, Panorama SP apresenta 14 mil habitantes e Pauliceia SP, 6 mil habitantes.
Dentre os impactos mais visíveis no desenho urbano em Panorama SP e Pauliceia SP, evidenciamos as novas ocupações e loteamentos que surgiram na orla do Rio Paraná; esses loteamentos são em sua maioria ranchos de alto e médio padrão.
No mapa abaixo, na cor azul mais escuro, estão desenhados os novos loteamentos no território. Eles se configuram em uma ocupação linear percorrendo a orla do rio Paraná, que vem ao sul de Panorama SP até Paulicéia SP, modificando sistematicamente a paisagem e configurando uma zona de ocupação intermediária entre o perímetro urbano e a zona rural.
Outros impactos aparecem na construção hotéis e pousadas na orla do rio Paraná, além de novos traçados de ruas e avenidas no território. Vemos que o aumento na demanda por espaços de lazer na cidade viabilizou investimentos do setor imobiliário nesses territórios, seja por meio de infraestruturas ou na produção de segundas residências.
Contexto histórico
O deslocamento da produção cafeeira para o Oeste paulista
Nas linhas seguintes, convido o leitor(a) para uma aproximação histórica sobre Panorama SP e Pauliceia SP, ambas cidades novas projetas na década de 1940 que tinham como intuito a integração e o desenvolvimento regional do extremo Oeste paulista. Paulicéia fundada como um projeto do Governo de Estado de São Paulo em 1947 (15) e Panorama SP, oriunda da Sociedade Imobiliária Panorama Ltda, empresa privada ligada ao agronegócio, fundada em Campinas em 1945 e que convidou Francisco Prestes Maia, então prefeito da capital paulista, para a elaboração do plano urbano entre 1946 e 1948 (16).
O caráter de uma economia essencialmente colonial, comum ao território e voltado ao mercado externo, evidenciou os ciclos econômicos no Brasil até o primeiro quartel do século 20 ou crise de 1929, inicialmente, “da própria condição de colônia e, posteriormente, na predominância da produção de produtos primários de exportação" (17). Dessa relação configurou-se uma rede de pequenas cidades concentradas essencialmente nessas atividades, a exemplo disso podemos dizer do conjunto de cidades criadas no ciclo de ouro em Minas Gerais que serviam de base a atividade mineira, ou anteriormente no nordeste açucareiro do recôncavo baiano ao Recife, ou da borracha no norte do Brasil até o ciclo do café em São Paulo.
A condição desse território desarticulado e a ampliação das exportações cafeeiras, que ao final da década de 1840 superou a do açúcar (18), fomentaram novas bases para a integração no território brasileiro, principalmente o do estado de São Paulo, o maior beneficiário desses investimentos (19).
O deslocamento da produção cafeeira do Vale do Paraíba para a região norte e noroeste de São Paulo e sul de Minas Gerais, que ocorre devido a intensiva e precária monocultura que degradou boa parte os solos dispostos no Vale do Paraíba e, as novas frentes agrícolas cafeeiras na aquisição de terras da região central do Estado de São Paulo, ensejaram políticas que visavam maior integração nos territórios (20). Esses fatores, associados aos grandes empréstimos e assessoria técnica de empresas americanas e inglesas (21) e os excedentes econômicos da lucratividade do café nos anos de 1870 à 1890 proporcionaram a partir da segunda metade do século 19, em um conjunto de ferrovias que revelavam uma fluidez do capital e um alargamento de mercados sobre o território brasileiro, especificamente de São Paulo, facilitando o transporte de cargas da produção cafeeira do interior do Estado.
O transporte ferroviário trouxe benefícios diretos à economia cafeeira e incentivou a ocupação e consolidação de cidades ao longo das ferrovias; dessa forma, os recursos gerados pelo café “transfiltrou-se para o Oeste, na avidez de novos assaltos à virgindade da terra nova” (22). Dentre as companhias de Estradas de Ferro que surgem nesse período, podem-se dizer: Companhia Paulista de Estradas de Ferro, de 1968, formada com capitais de acionistas fazendeiros ligados aos negócios do café (23), e a ela se seguiram a Ituana, de 1873, também por iniciativa e capitais dos latifúndios paulistas, bem como a Mogiana, de 1875, e a Sorocabana, de 1875 (24).
A partir do acesso às terras do Planalto, as Estradas de Ferro que chegaram até os limites do Estado (Ferrovias Araraquarense, Noroeste do Brasil, Paulista – que a ponta dos trilhos chegará em Panorama SP em 1962 – e a Sorocabana) se adequaram ao relevo e seguiram uma geografia simplificada, norteando seus traçado sobre os espigões dos principais rios, “aliando a facilidade de implantação das redes de mobilidade a um modelo que permitisse a rápida e fácil conquista, racionalização e comercialização do território” (25).
Na busca pela modernização, e o constante avanço da urbanização que no Brasil não foi impulsionada por uma indústria que abrangesse as migrações “preteridas de um campo latifundiário” (26), moveu por parte do Estado, um posicionamento enquanto articulador que ensejava o desenvolvimento nacional através da integração regional e o investimento na indústria.
Esses fatores estavam diretamente relacionados aos Projetos Nacionais (27) que começaram a ser discutidos na Constituição de 1937, que marca o início do Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil e que foram até a década de 1970, no regime militar, com os Planos Nacionais de Desenvolvimento PND.
É nesse contexto de Marcha para o Oeste! de desenvolvimentismo e nacionalismo do Estado Novo, associado com a expansão do complexo de ferrovias até as fronteiras do Estado de São Paulo que, Panorama SP, aparece como uma grande aposta para o desenvolvimento do extremo oeste de São Paulo.
Panorama e Pauliceia
O município de Panorama está localizado no extremo oeste do Estado de São Paulo, na divisa com Mato Grosso do Sul, é um território banhado pelo Rio Paraná e compõe a 10ª Região Administrativa de Presidente Prudente, segundo os dados do IBGE de 2014, apresenta 15.357 habitantes em uma área territorial de 356.057 km². Paulicéia, município ao norte de panorama em 5 km, tem aproximadamente 6.339 habitantes em uma área territorial de 374.091 km².
“Quanto à rede e malha de transporte que Panorama está inserida, encontra-se a linha ferroviária desativada para passageiros em 1998, que ligava Panorama à Capital Paulista. A principal rodovia que liga Panorama com outras localidades é a SP-294 (Comandante João Ribeiro de Barros), sendo a rodovia mais expressiva da região) (28).
A empresa Sociedade Imobiliária Panorama Ltda, idealizada pelo investidor campinense Quintino de Almeida Maudonnet e fundada em 1945 (29) foi a viabilizadora do empreendimento e do projeto urbano feito por Prestes Maia. Esse contexto, de início idealizado por Quintino de Almeida Maudonnet, envolvia um grupo de capitalistas ligados ao agronegócio e de investidores que buscavam o desenvolvimento regional para suas terras e de integração e conexão modal entre os Estados de São Paulo e Mato Grosso.
Participaram da Imobiliária Panorama Ltda, entre outros, Aníbal de Andrade, amigo e oficial de gabinete do ex-prefeito de São Paulo, Prestes Maia.
“Após conhecer o local por meio de Aníbal de Andrade, Prestes Maia se encantou com a região, com as belezas e potencialidades do rio Paraná. Prestes Maia se propôs planejar uma futura cidade, pois sendo Conselheiro da Cia Paulista de Estradas de Ferro, tinha conhecimento que aquele seria o ponto final dos trilhos. A planta da cidade ficou pronta e foi apresentada, em julho de 1946, pelo Dr. Prestes Maia, juntamente com extenso relatório, em uma reunião no Hotel Términus, em Campinas, com a presença de autoridades e pessoas da sociedade campineira que se maravilharam com a concepção da planta e com o resumo oral do relatório” (30).
Panorama SP estava relacionada como as demandas que o processo de industrialização ensejava: maximização da fluidez econômica e integradora no território através das ferrovias. A nova cidade apresentava-se como cenário dessa integração, sendo a ponta dos trilhos da Ferrovia Alta Paulista e projetada pelo mais eminente urbanista paulista em época, Prestes Maia.
Em edição da Folha de São Paulo de 30 de março de 1958, encontramos um texto publicitário que apresentava a cidade de Panorama SP. Nele existe a opinião atribuída à Prestes Maia quando o mesmo finalizou o projeto:
“É com satisfação e contentamento lidimamente paulista, que após onze anos de ausência, vimos encontrar em Panorama, mais êste resultado maravilhoso do nosso espírito de iniciativa e da nossa operosidade paulista” (31).
Francisco Prestes Maia, apesar de não ter em sua formação universitária o ensino de Urbanismo (32), foi um exímio estudioso do assunto, um autodidata nas palavras de Benedito Lima de Toledo, que buscou muitas referências no assunto, principalmente de urbanistas internacionais, europeus e norte-americanos (33). Segundo Toledo, uma influência anglo-saxônica pode ser percebida nos planos de avenidas para São Paulo de 1933, onde uma enorme ascendência com plano de Daniel Burnham para Chicago pode ser estabelecida, tanto no tema da circulação e fluxos “como no tratamento formal dado aos edifícios e centros cívicos” (34).
Essas referências, encontram-se também no Projeto da cidade de Panorama, que teve sua primeira planta apresentada por Prestes Maia em 1946 na cidade de Lucélia SP. Podemos notá-las na configuração do traçado viário da cidade, na sua valorização dada às vias automotivas através da racionalização dos fluxos e nos amplos passeios públicos com abundante vegetação arbórea. Além disso, o projeto desenhado por Prestes Maia resguardava o contexto natural no território, possibilitando bulevares e um paisagismo trabalhado em toda a orla fluvial da futura cidade, destacando uma vocação que o território teria: a Paisagem sobre o Rio Paraná. Com as bases de um planejamento setorizado, o projeto defendia espaços precisos à moradia, ao lazer, ao comércio, às atividades rurais e industriais com índices urbanísticos definidos à priori.
Essas características, podem ser associadas ao movimento “City Beaultiful” difundidos na prática urbanística norte americana a partir de 1910. Esse movimento defendia planos mais ponderados e realistas para cidades e comunidades menores, além de desenvolver novas metodologias que envolviam a economia e questões culturais e sociais para análise técnica de problemas urbanos. De acordo com Simões Júnior (35) o “City Beaultiful” era norteado por propostas que valorizavam a qualidade ambiental e paisagística nas cidades, considerando a beleza, a ordem, o sistema e harmonia, como parques, centros cívicos, sistema viário e embelezamento do espaço público. Benedito Lima de Toledo pontua que é nesse período de transição, entre a fase anterior de um urbanismo mais técnico norte americano (36) com o movimento “City Beaultiful” que se enquadraria a concepção urbanística de Prestes Maia.
Na planta apresentada em 1946, Prestes Maia havia delimitado espaços precisos para um futuro pátio de manobras, porto fluvial na bacia do rio Paraná e indicava que a cidade seria a ponta dos trilhos da ferrovia Alta Paulista (o que ocorre no início da década de 1960). Essa observação, evidencia que o projeto enquanto direcionador do crescimento urbano e de impulsionar o marketing (37) da futura cidade, notabilizava seu território através do potencial na intermodalidade que envolvia a bacia do rio Paraná, conexão fluvial com Mato Grosso e ligação com São Paulo por meio da ferrovia.
O projeto para Panorama foi divulgado nas mídias e na sociedade paulista através da imprensa como a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo entre as décadas de 1940 e 1950. Esses jornais, através da publicidade divulgavam a nova cidade como a grande e audaciosa empreita do Bandeirismo Paulistano (38). Defendiam a ideia de que Panorama seria a grande capital do interior paulista e que a cidade seria o berço da integração e da intermodalidade através da Bacia do Rio Paraná, das ferrovias e das rodovias no Estremo Oeste de São Paulo (39).
No projeto urbano de 1948, Prestes Maia dispôs de 3 tipos de morfologia urbana: na região próxima ao ribeirão Marrecas, estão desenhadas 8 quadras curvilíneas associadas a praças com paisagismo e passeios, concepção muito próxima dos bairros jardins desenvolvidos em São Paulo pela Light. Em direção ao centro da cidade, ao lado do “Bairro Jardim”, encontram-se os maiores lotes do município formado por 24 quadras e destinado às atividades industriais. Transpassando o pátio de manobras encontramos o núcleo residencial da nova cidade, em uma malha reticulada entre um semi-círculo viário formado por 156 quadras.
Na orla do rio Paraná foi pensado um grande parque com passeios e paisagismo trabalhado. Esse parque está inserido no bairro Turístico que Prestes Maia desenhou para a cidade, com hotéis, pousadas, clubes e serviços. Prestes Maia desenhou para a cidade de Panorama largas avenidas que variavam de 18 a 60 metros de largura, além de muitas praças, calçadas amplas e arborizadas. Segundo entrevista dada ao Diário de São Paulo em 10 de abril de 1947, os empreendedores da cidade, Quintino de Almeida Maudonnet e José Ribeiro de Almeida, respectivamente, Diretor presidente e Diretor comercial da Sociedade Imobiliária Panorama, afirmam que, dos 4.494.892 metros quadrados da sua 1ª unidade urbana, mais da metade ou sejam 2.573.437 metros quadrados destinavam-se às ruas, praças, avenidas, parques e edifícios públicos (40).
O Patrimônio de Panorama tornou-se distrito do município de Paulicéia SP pela lei n° 233 de 24/12/1948 (42) e até meados de 1949 houve poucas mudanças em relação a implantação do Plano Urbano de Francisco Prestes Maia (42).
Com a Lei nº 2456 de 30 de dezembro de 1954 (43), foi formalizada a emancipação de Panorama SP.
Conclusão
A história de Panorama SP é um exemplo ímpar do urbanismo moderno paulista, uma cidade pequena que nasceu com muitas pretensões na intermodalidade e disposta a ser a capital da alta paulista. O projeto da cidade, concebido por Prestes Maia, é um modelo rico do ideário urbano de cidade jardim e do city beaultiful, implantado no extremo Oeste de São Paulo na divisa com Mato Grosso entre 1946 e 1948.
Contudo, apesar dos investimentos realizados pela Sociedade Imobiliária Panorama Ltda, o desenvolvimento da cidade não seguiu à regra, embora estivesse atrelado à ferrovia e ao rio Paraná, a cidade não cresceu conforme o desejo dos seus fundadores
No entanto, a partir dos anos 2000, Panorama SP passou por grandes projetos urbanos que mudaram diretamente sua morfologia urbana e ambiental; as alterações impostas pelos projetos levaram à um novo modelo de desenvolvimento econômico e social fundamentado no turismo.
Como vimos, é curioso destacar que a ideia de turismo na região já remonta desde a concepção do projeto urbano de Francisco Prestes Maia em 1946. O que só ocorreu de fato, como medidas posteriores aos impactos da barragem em Rosana SP.
Em suma, acredito que os Grandes Projetos Urbanos não estão restritos às grandes cidades, eles são grandes em seus modos e em suas dinâmicas que alteram o território e a economia de cidades pequenas, médias ou grandes. O Balneário municipal Frederico Platzeck em Panorama SP em conjunto com a Ponte Mario Covas em Pauliceia, são exemplos evidentes dessas ações em cidades pequenas.
Além dessas questões, esperamos com esse artigo abrir novas frentes de investigação sobre as cidades novas no Brasil, e principalmente, que novas questões sobre Panorama SP, única cidade projetada integralmente por Francisco Prestes Maia, sejam levantadas a fim de potencializar o debate histórico urbanístico de São Paulo e nacional.
notas
1
SILVA, William Ribeiro da. Entre o turismo e o lazer – o caso da cidade de Panorama/SP. Dissertação de mestrado. Três Lagoas, FCT Unesp, 2013, p.12.
2
Ver site da Companhia Energética de São Paulo <http://www.cesp.com.br/portalCesp/portal.nsf/V03.02/Empresa_UsinaPorto?OpenDocument&Menu=5%20-%20menu_lateral@@002_004_003>.
3
SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habitado. 3ª edição. São Paulo, Hucitec, 1994.
4
Montagem com base nas imagens da satélite da Nasa Earth Observatory <https://earthobservatory.nasa.gov/images/8696>.
5
SILVA, William Ribeiro da. Op. cit., p. 95.
6
VARGAS, Heliana Comin. Turismo e valorização do lugar. Turismo em Análise, n. 9 (1). São Paulo, ECA USP, 1998, p. 7-19.
7
Informações sobre a aprovação do projeto de lei que transforma Panorama em município de interesse turístico no Estado de São Paulo <https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=390985>.
8
Distrito Federal. Câmara dos Deputados. Projeto de lei N.º 5.211-B, DE 2009 que denomina "Ponte Mario Covas" a ponte sobre o rio Paraná, na BR-158, que liga a cidade de Paulicéia no Estado de São Paulo a Brasilândia no Estado de Mato Grosso do Sul. p.03 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=434153>
9
SILVA, William Ribeiro da. Op. cit., p.86.
10
Idem, ibidem, p.87.
11
Idem, ibidem, p.12.
12
OLIVEIRA, Alberto de. Os grandes projetos urbanos como estratégia de crescimento econômico. Eure, v. 39, n. 117, Santiago, mai. 2013, p. 152.
13
SILVA, William Ribeiro da. Op. cit., p.74.
14
VAINER, Carlos B. Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A Cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 4ª edição. Petrópolis, Vozes, 2007, p. 137.
15
CALDEIRA, João Ricardo de Castro; ODALIA, Nilo (Org.). História do estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. Volume 3: governo e municipalidade. São Paulo, Editora Unesp/Arquivo Público do Estado/Imprensa Oficial, 2010, p. 213.
16
MARQUES, J. B. Tempos Heróicos. Dracena, Jóia, 2008, p. 16.
17
SCHIFFER, Sueli Ramos. São Paulo como polo dominante do mercado unificado nacional. In DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (Org). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo, Edusp, 2004, p.77.
18
FAUSTO, Boris. História do Brasil.12ª edição. São Paulo, Edusp, 2006, p.191.
19
SCHIFFER, Sueli Ramos. Op. cit., p. 81.
20
WITTER, J. Sebastião. Prefácio. In: MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 2ªed. São Paulo, Alfa-Omega, 1974, p.14.
21
SAES, Flávio Azevedo Marques. As Ferrovias de São Paulo 1870-1940. São Paulo, Hucitec/INL-MEC, 1981, p.150.
22
LOBATO, José Bento Monteiro. Cidades Mortas. 1ª edição. Porto Alegre, Globo, 2007, p.23.
23
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo, Hucitec/Polis, 1984, p.98.
24
GHIRARDELLO, Nilson. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste paulista. São Paulo, Editora Unesp, 2002, p.19.
25
PUPIM, Rafael Giácomo. Cidade e território do oeste paulista: mobilidade e modernidade nos processos de construção e reconfiguração do urbano. Dissertação de mestrado. São Carlos, EESP USP, 2008, p.18.
26
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido de Brasil. 2ª edição. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 198.
27
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979 p.15.
28
SILVA, William Ribeiro da. Op. cit., p.52.
29
MARQUES, J. B. Tempos Heróicos. Dracena, Jóia, 2008, p. 15.
30
Idem, ibidem, p.16.
31
Publicidade do empreendimento de Panorama. Assuntos imobiliários, São Paulo, 30 mar. 1958. Folha da Manhã, p. 4 <https://acervo.folha.com.br/index.do>.
32
Em 1917, época em que Prestes Maia formou-se Engenheiro Arquiteto na Escola Politécnica de São Paulo, não havia a disciplina de Urbanismo no currículo. Cf: Dossiê: Urbanistas e Urbanismo: a escrita da História...Urbana, v.5, nº 7, Campinas, Ciec/Unicamp, out. 2013.
33
TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996, p. 240.
34
Idem, ibidem, p.268.
35
SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. A Exposição Colombiana de Chicago de 1893 e o advento do urbanismo norte-americano. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 144.01, Vitruvius, maio 2012 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.144/4340>.
36
Segundo Toledo, ”a prática urbanística norte-americana do início do século XX, buscava maior funcionalidade e embelezamento das cidades, através da reformulação do sistema viário e da criação de centros cívicos e de sistemas de parkways. No entanto, não levava em consideração, com o devido cuidado, os problemas sociais e econômicos, que foram mais bem explorados a partir do movimento City Beaultiful em 1910”. TOLEDO, Benedito Lima de. Op. cit., p. 268.
37
No decorrer da pesquisa, foram encontradas no acervo da Folha de São Paulo, 57 citações envolvendo Prestes Maia e o projeto urbano de Panorama em anúncios publicitários e editoriais divulgados entre 1940 e 1960. Cf. Acervo Folha de São Paulo <https://acervo.folha.com.br/index.do>.
38
Em editorial publicado na Folha de São Paulo em 1946, apresentava Panorama SP como “Marco do Bandeirismo Paulistano”. Folha de São Paulo, São Paulo, 03 ago. 1946 <https://acervo.folha.com.br/index.do>.
39
Em peça publicitária publicada na Folha de São Paulo em 1958, apresentava Panorama SP como Capital da Alta Paulista e centro da intermodalidade regional do Oeste Paulista. Cf. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 dez. 1958, p. 2 <https://acervo.folha.com.br/index.do>.
40
Entrevista dos empreendedores de Panorama ao Diário de São Paulo. Cf. Diário de São Paulo, São Paulo, 10 abr. 1947, p. 8.
41
Lei que transforma Panorama em distrito de Pauliceia <https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=32116>.
42
SILVA, William Ribeiro da. Op. cit., p.58.
43
Lei da autonomia administrativa de Panorama SP <https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=32428>.
sobre o autor
Magdiel Silva é arquiteto urbanista pela Universidade Anhembi-Morumbi (2015) e mestrando em Planejamento Urbano e Regional pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP.