Cuidar da manutenção do patrimônio cultural edificado na cidade contemporânea é um grande desafio. Em constante crescimento e desenvolvimento, caracterizada por contextos urbanos complexos compostos por várias camadas de significâncias e cujos mecanismos de interação não são fáceis de identificar; as cidades estão hoje cada vez mais sujeitas à pressões por mudanças nos usos e nas configurações espaciais de sua malha urbana. Nesse contexto, é comum observamos inúmeros imóveis de valor patrimonial sendo demolidos para dar lugar à novas construções que vêm expressar a renovação do já ultrapassado. Igualmente, é comum observar o entendimento de que a preservação do patrimônio cultural edificado denota o congelamento do desenvolvimento e do crescimento urbano, o que vem reforçar a tensão já existente entre essas duas esferas de atuação, como esferas antagônicas.
Em Goiânia, cidade nova que atualmente passa por um novo ciclo de crescimento e desenvolvimento urbano, observa-se claramente esse processo. Como consequência, o descaso com seus bens culturais materiais é notório, especialmente daqueles localizados no Setor Central, que ainda abriga grande número de edificações residenciais das décadas de 1930 e 1940, erguidas nos primeiros anos de existência da capital. Patrimônio esse, que deveria ser reconhecido como um acervo de grande importância para a cidade, infelizmente vem desaparecendo ao longo do tempo e pouco tem sido feito em prol de sua manutenção.
São frequentes as notícias a respeito de casas históricas sendo demolidas e depredadas. Casas estas que, em seu conjunto, configuram a morfologia do núcleo urbano que dá origem à cidade, juntamente com o traçado das ruas e quadras e os espaços representativos que caracterizavam a proposta do plano de Attilio Corrêa Lima.
No dia 27 de junho de 2013, a manchete do jornal O Popular dizia: “Casa histórica é demolida no Centro”. A reportagem dizia:
“Foi demolida na manhã desta quinta-feira (27) uma das poucas casas com estilo art decó que restaram em Goiânia. O imóvel, que foi erguido durante o início da ocupação de Goiânia e era a antiga residência da colunista e estilista Daura Sabino, falecida em 2011” (1).
Três dias depois, o jornal O Popular publica nova manchete: “Mais uma casa antiga é demolida em Goiânia”:
“O sobrado, em estilo moderno, provavelmente construído entre as décadas de 60 e 70, virou entulho na manhã de ontem. Localizado na esquina das Ruas 16 e 29, ele estava desocupado há bastante tempo, segundo vizinhos, e vinha sendo frequentado por usuários de drogas” (2).
Essa vem sendo a realidade deste patrimônio. Assim, o Setor Central, inicialmente dotado de quadras preenchidas por casas-tipo, neocoloniais, missões, decó e modernistas, vem a cada dia aumentando sua concentração de estacionamentos, deixando clara a falta de valorização e reconhecimento social deste acervo.
Nos últimos anos, foram realizados importantes esforços que devem ser citados por sua significativa importância na preservação deste patrimônio. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e Ministério Público de Goiás, em parceria com as universidades locais, a Prefeitura e o Estado, veem trabalhando no sentido de alinhavar pesquisas e gerar um conhecimento mais sistematizado sobre o patrimônio goianiense e buscar alternativas para sua proteção.
Em 2010, foi criado pelo Iphan o Grupo de Trabalho – GT denominado Acautelamento da Arquitetura Modernista, com o objetivo de identificar os bens de interesse de natureza modernista existentes na capital. Participaram desse GT a Universidade Federal de Goiás – UFG, a Universidade Estadual de Goiás – UEG e a Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC GO. Entre 2013 e 2014, a 7ª Promotoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás criou um Grupo de Trabalho, cujo objetivo era a elaboração de uma lista de bens privados a serem indicados para proteção ou acautelamento. Participaram desse GT o Iphan GO, a Superintendência de Patrimônio Histórico e Artístico Estadual e a Divisão Municipal de Requalificação Urbana e Patrimônio, da Prefeitura Municipal. Em 2015, o Iphan e a Universidade Federal de Goiás firmam um acordo de cooperação técnica (3) com o objetivo de ampliar o inventário do patrimônio arquitetônico moderno em Goiânia. Dentro desse acordo, iniciou-se o trabalho de inventário de residências nos setores Central, Sul, Oeste, Aeroporto, Marista e Bueno, nesse caso já abarcando outras linguagens modernas além da modernista. Esse trabalho culminou com a realização de uma oficina de capacitação denominada “Inventários de Arquitetura Moderna”, promovida pela Faculdade de Artes Visuais de UFG em parceria com o Iphan – Regional Goiás.
Mas foi apenas no ano de 2016 que ocorreu uma ação mais ampla em prol da preservação deste patrimônio. O Núcleo de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de Goiás viabilizou a realização do inventário de residências localizadas no Setor Central, Setor Sul e áreas de entorno, que compõem o acervo de bens arquitetônicos de Goiânia, construídos entre as décadas de 1930 e 1970; trabalho realizado em parceria entre o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e a Universidade Federal de Goiás – UFG, em acordo de cooperação técnica.
O referido trabalho identificou, mapeou e catalogou cerca de 339 residências consideradas de importante valor para a história da cidade, das quais dois terços estão localizados no Setor Central. Os critérios utilizados para a identificação das casas foram as linguagens arquitetônicas que caracterizam o período, o aspecto original das fachadas, a implantação e o aspecto volumétrico marcante da época da construção e consolidação da cidade. Nessa identificação considerou-se o valor das residências em seu conjunto e na formação do tecido urbano, incluindo casas de menor expressividade arquitetônica. Não foram descartados exemplares pelo estado de conservação e preservação e procedeu-se em valorá-los também a partir da formação de conjuntos.
Esse inventário demonstrou ser um grande passo em relação ao reconhecimento do valor deste patrimônio, não só por parte dos órgãos do governo, mas também por parte da população. Sua publicação em jornais e meios eletrônicos no ano de 2017, como no jornal O Popular e no Portal UFG, em Ferreira (4) e Veiga (5), contribuíram para voltar o olhar da sociedade a respeito de sua importância.
Iniciativas como estas ratificam o quanto é importante o trabalho de estudo e apresentação deste acervo para a sociedade. Identifica-se, porém, um grande caminho a percorrer em prol da sua valorização não só por parte da população, como também dos gestores públicos e da sociedade organizada.
É preciso que esses bens estejam presentes não só fisicamente, mas também marcados na memória coletiva de seus moradores. Afinal, assim com o dito por Le Goff, “a memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro” (6).
Nesse viés, a integração do indivíduo com seu meio torna-se extremamente importante no processo de preservação. É necessário que seus moradores vivenciem sua cidade, se relacionem com ela, para que comecem a reconhecer seus espaços, seu patrimônio como algo marcante e especial, sentindo-o como parte da sua própria história, pois o que se busca preservar, na realidade, são os significados.
Considera-se que um trabalho de Educação Patrimonial pode contribuir para o despertar dessa história que está no esquecimento e o desenvolvimento da necessária conscientização da população. Este tipo de ação atua na promoção do conhecimento, reconhecimento e apropriação do patrimônio cultural, buscando o fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania, podendo assim, ter grande efeito em prol da valorização das residências históricas.
Até então, ainda não foi realizado nenhum projeto de educação patrimonial voltado especificamente para as residências de valor histórico do Setor Central. Porém, pode-se apresentar o Projeto Pigmentos, plataforma nas redes sociais que divulga imagens e informações de edifícios de Goiânia, como exemplo a ser estudado com a intenção de traçar perspectivas para futuras propostas de educação patrimonial das residências do Setor Central. Apesar de não possuir essa finalidade específica, o projeto mostra-se como um primeiro passo no sentido da sensibilização da população local. Deste modo, acredita-se que o estudo e análise das respostas recebidas pelo projeto, pode demonstrar um caminho para um bem-sucedido projeto de educação patrimonial.
A educação patrimonial e a preservação das residências do setor central
As residências do Setor Central configuram-se como importante acervo histórico e arquitetônico para a cidade de Goiânia, pois elas marcam o início de sua formação. As casas-tipo, por exemplo, foram as primeiras residências edificadas na cidade. Elas foram erguidas pelo Estado para abrigar os funcionários públicos que trabalhavam na construção da nova capital e aqueles que futuramente iriam nela residir.
Ainda é possível encontrar alguns exemplares desta tipologia, além de outras linguagens arquitetônicas típicas da época da sua construção, como as residências neocoloniais e ecléticas, edificadas naquele momento para abrigar famílias de alto poder aquisitivo que demonstravam insatisfação com os modelos das casas-tipo e almejavam residências com maior sofisticação; ou casas no estilo art decó, construídas para acompanhar a tendência expressa nos edifícios representativos da nova capital moderna; e alguns exemplares de casas modernistas, construídas a partir da década de 1950 no intuito de introduzir uma nova linguagem mais afeta às vanguardas construtivas modernas.
No entanto, tais residências vêm aos poucos sendo demolidas, vítimas da especulação imobiliária e desvalorização da sociedade. As regiões inicialmente planejadas por Attilio Corrêa Lima para possuírem uma ambiência residencial, com ruas arborizadas, lotes ocupados por casas ajardinadas e com muros baixos, foram substituídas por ruas comerciais com uma grande quantidade de estacionamentos e edifícios voltados para o comércio. As poucas residências ainda existentes possuem muros altos e seus jardins frontais foram cimentados para abrigarem suas garagens.
Caminhando pelo Centro observamos casas históricas abandonas, depredadas e completamente descaracterizadas. Somente um olhar curioso consegue perceber a qualidade arquitetônica destas edificações, que ficam escondidas em meio a grande quantidade de propagandas, totens, muros e pichações.
Cada casa antiga que é descaracterizada ou demolida, significa a perda de parte da história que ela representa. As residências históricas guardam em si não só as lembranças da vida privada, mas também da história local, da sociedade e de suas transformações.
Para Halbwachs (7), as lembranças estão vinculadas à ideia de “imortalidade”, enquando que o esquecimento está vinculado à ideia de “mortalidade”. Sendo assim, as lembranças equivalem à “construção do passado com ajuda de dados tomados de empréstimo ao presente”, enquanto o esquecimento representa aquilo que se deixa para trás. Ou seja, sem o esquecimento, não existe memória.
Todo bem de valor patrimonial com o qual a comunidade se identifica, consegue manter a ligação entre o presente e o passado, sendo objeto de importante significado para a memória coletiva.
A implementação de ações educativas que visem resgatar as lembranças perdidas na memória do goianiense e a consequente apropriação do seu patrimônio residencial, certamente impulsionará a criação de uma consciência histórico-cultural e um sentimento de identidade e pertencimento por parte das pessoas, indispensável para a preservação desses bens. Essas ações, pautadas na proposta pedagógica da Educação Patrimonial, também fortalecem a noção de coletividade e o senso de cidadania, importantes elos no trabalho de ressignificação desse patrimônio.
A cartilha de Educação Patrimonial publicada pelo Iphan em 2014, explica que a ela coloca-se como um processo educacional que busca levar o conhecimento a respeito do Patrimônio Cultural para a sociedade, servindo como instrumento de conscientização da importância dos bens e heranças culturais. Sônia Rampim Florêncio, Pedro Clerot, Juliana Bezerra e Rodrigo Ramassote (8) dizem que esse processo deve ser encarado como um recurso para a valorização da diversidade cultural e para o fortalecimento da identidade local, fazendo o uso de diferentes estratégias construídas coletivamente.
Deste modo, o desenvolvimento de um trabalho de educação patrimonial na cidade de Goiânia poderá promover a conscientização da população a respeito da importância desse patrimônio e assim garantir sua salvaguarda, colocando a própria sociedade como agente de fiscalização e proteção. Tal como o defendido por diversos autores, Claudiana Castro diz: “para que ocorra a valorização do patrimônio é necessário que haja primeiramente o seu (re) conhecimento, sendo a educação patrimonial importante para tornar possível esse processo” (9).
Considerando que a interação ativa do cidadão com o patrimônio é um dos meios para o desenvolvimento do reconhecimento, encontrar ambientes onde informações sobre esse patrimônio sejam facilmente disponibilizados, já oportunizaria um contato mais próximo com a população e a construção de estratégias coletivas de proteção.
Projeto Pigmentos: um olhar sobre a cidade
O Projeto Pigmentos iniciou-se como uma motivação individual na tentativa de incentivar a valorização patrimonial e organizar uma paleta de cores para falar sobre Goiânia tendo como foco seus edifícios icônicos. Sua proposta era de redescoberta do olhar sobre a cidade, por meio da mudança da percepção cotidiana de sua atmosfera. As imagens foram divulgadas em redes sociais e obtiveram respostas muito positivas dos usuários que as visualizaram, inclusive com sugestões de alguns locais os quais gostariam de ver exibidos nas imagens, seja por afeição pessoal ou por considerar de elevada importância para o coletivo. Esse retorno em direção à educação patrimonial não era o pretendido com o projeto, mas sugeriu possibilidades nessa direção.
Entende-se que o indivíduo agrega valor aquilo que desperta afetividade, reconhecimento, desejo, pertencimento e sentimento de relevância para o coletivo. Segundo Pedro Paulo de Abreu Funari e Sandra de Cássia Araújo Pelegrini, “o patrimônio individual depende de nós, que decidimos o que nos interessa” (10).
A eleição do que é patrimônio é uma opção individual que se relaciona aos interesses políticos, culturais e econômicos, e o patrimônio coletivo depende das reflexões que a própria comunidade realiza para determinar os interesses comuns a todos, ou seja, uma construção imagética e memorial de relações entre a região e seus habitantes, carregada de significados tanto individuais como coletivos.
O objetivo do Projeto Pigmentos dirigiu-se para o deslocamento da posição que o patrimônio construído de Goiânia ocupa como elemento passivo –desvinculados do cotidiano das pessoas e camuflados em meio à paisagem urbana – para uma posição ativa, de visibilidade, de modo a provocar a memória do indivíduo e interação com as pessoas, no sentido de buscar os edifícios e os elementos urbanos em suas lembranças: onde o viu e por que ele desencadeou apreço.
A proposta consiste em editar fotografias de edifícios elementos urbanos de caráter singular ou monumental, que já possuem um discurso oficial de preservação (exemplo do Grande Hotel e Teatro Goiânia), ou que apresentam uma identidade visual marcante ou peculiar (como é o caso da Funerária Phoenix, que mimetiza a arquitetura islâmica), ou que já fazem parte do discurso popular e/ou da paisagem urbana (tal qual a estrutura predial de forma cilíndrica inacabada na avenida Araguaia e as vendas de pequi no Setor Central).
A edição dessas imagens objetiva assemelhá-las a ilustrações, com características de figuras colecionáveis, evocando os princípios de Kevin Lynch (11) de “identidade”, – definido como “a identificação de um objeto, o que implica sua diferenciação de outras coisas, seu reconhecimento como entidade separável” – e de “imaginabilidade” – “característica, num objeto físico, que lhe confere uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado”. A edição digital destaca o elemento da paisagem urbana, isolando-o e evidenciando a atmosfera por ele criada a partir de sua paleta de cores, tendo em mente que as cores exercem influência na percepção que temos do meio.
O processo de produção dessas imagens varia de acordo com o elemento destacado. No caso dos edifícios mais horizontalizados, como o Grande Hotel e o Lyceu de Goiânia, foram feitas diversas colagens com fotos frontais para se alcançar uma perspectiva frontal, dificilmente capturada por uma única foto, essa técnica também possibilita eliminar elementos urbanos indesejáveis, tais como postes, placas e anúncios.
No caso dos edifícios que já possuem um caráter monumental e alto nível de legibilidade, foram realizadas colagens de fotos que o destacassem como um todo, buscando mostrar sua volumetria através de fotos das fachadas frontal e lateral, como o caso do Teatro Goiânia, pelo seu posicionamento – com a possibilidade de grandes afastamentos para visualização –, foram utilizadas duas fotos para destacar as fachadas consideradas como principais na visualização do edifício. Em se tratando da remoção de intervenções como grafites e pichações, buscou-se considerar a relevância da intervenção e se a intenção da imagem seria destacar o edifício em seu caráter original ou seu caráter adquirido.
O resultado foram imagens ícones da cidade de Goiânia, de fácil percepção e reconhecimento, conforme o conceito de “legibilidade” de Lynch (12): “facilidade com que cada uma das partes [da cidade] pode ser reconhecida e organizada em um padrão coerente”. O que gerou resultados positivos no sentido de aguçar a percepção desses edifícios no meio urbano por parte das pessoas, apesar de representar uma realidade utópica:
Um ambiente urbano belo e aprazível constitui uma singularidade, ou, como diriam alguns, uma impossibilidade. Nenhuma cidade norte-americana maior que um vilarejo é consistente em termos de beleza, ainda que algumas delas contenham um certo número de fragmentos agradáveis. [...] Mas [os norte-americanos] praticamente não tem consciência do valor potencial de entornos harmoniosos, de um mundo que talvez só tenham relanceado de passagem, como turistas ou viajantes ocasionais (13).
O perfil do projeto nas redes sociais permitiu o recebimento de feedback dos indivíduos que tiveram contato com as imagens. Dentre as respostas recebidas, houveram pedidos de mais informações sobre os edifícios, questionamentos sobre como conseguir as imagens em forma de quadros decorativos, pedidos de que se fizesse imagens de determinados edifícios com os quais as pessoas se identificavam, depoimentos de pessoas que notaram o quanto não percebiam edifícios pelos quais passavam em frente cotidianamente e que, a partir das imagens divulgadas pelo projeto, passaram a tentar observar mais a cidade. Muitas pessoas passaram inclusive a enviar fotos dos edifícios que estavam representados nas imagens divulgadas, além de enviarem fotos de edifícios com os quais elas compartilhavam alguma afetividade ou reconhecimento para que aparecessem nas redes sociais.
Explorando o Projeto Pigmentos e levando a discussão especificamente para o patrimônio residencial de Goiânia, é perceptível uma maior quantidade de respostas relacionadas às imagens de residências com características que despertam a memória afetiva, seja em relação à algum elemento especifico da casa, ou por alguma experiência ocorrida próxima a ela, ou ainda por ela se relacionar ao arquétipo de casa ao qual se está habituado. Varandas, sacadas singelas, telhados de telha cerâmica com inclinações mais elevadas, esquadrias marcadas por volumes destacados ou estruturas metálicas de proteção, formas arredondadas com alusão ao streamline, cores pastéis são algumas características das imagens de residências que mais se destacaram no projeto. Isso nos leva a crer que, o despertar de desejos nostálgicos, com ilustrações de tons pastéis, emanam tranquilidade e fazem referência a um arquétipo de casa que beira ao idealismo. Das residências apresentadas na rede social, destacam-se: a casa localizada na rua 06, n. 443, Setor Central; a Casa de Bariani Ortêncio, na praça Cívica; a residência localizada na rua 10, n. 333, Setor Central; e a casa na alameda dos Buritis, n. 124, Setor Oeste.
Associados ao reconhecimento do local, os elementos que se destacam trabalham em conjunto na tentativa de gerar essa decisão individual do que é patrimônio. Levando em consideração que a valorização desses elementos é definida pelo coletivo, podemos supor que esse tipo de avaliação também determina os interesses comuns a todos, ou seja, a noção de patrimônio coletivo.
Dessa forma entendemos que o patrimônio só permanece ativo através de trabalhos de síntese da memória, que nos dão a oportunidade de revivê-lo a partir do momento em que o indivíduo passa a compartilhar suas experiências, tornando com isso a “memória viva” (14).
A educação patrimonial visa promover uma mudança na maneira de relacionar-se com o bem cultural através da sensibilização, acerca da importância do reconhecimento, da valorização e da conservação do patrimônio. Por esse motivo, ela exige a busca por um aprimoramento nas formas de repassar para o público leigo, as informações técnicas. Por seu poder de síntese e comunicação visual, o Projeto Pigmentos apresenta uma possibilidade de aproximação entre o conhecimento técnico e acadêmico, acerca do valor do patrimônio em questão, e o público leigo, que é cativado por imagens que carregam os princípios de identidade, legibilidade e imaginabilidade.
Considerações finais
A cidade de Goiânia, apesar de jovem, possui um patrimônio arquitetônico significativo. Em entrevista ao jornal Opção, o arquiteto Renato Rocha chamou atenção para o valor cultural do Centro de nossa cidade, afirmando que ele é o símbolo cultural goianiense: “Se mostrarmos, por exemplo, a foto do Setor Bueno para alguém de fora, ela certamente não saberá de que cidade se trata. Porém se mostrarmos a praça Cívica, é bastante provável que a pessoa reconheça Goiânia” (15). Como foi aqui apontado, o Setor Central pode ser considerado um marco cultural não só pela praça Cívica, mas por seu importante acervo de residências da época de sua construção.
Infelizmente, em Goiânia as pessoas ainda não valorizam e, nem ao menos, conhecem esse patrimônio. Como dito por Giulio Carlo Argan, o objeto “é uma obra de arte apenas na medida em que a consciência que recebe a julga como tal” (16). O que demonstra ser preciso o goianiense primeiro conhecer esse patrimônio, para que passe reconhecê-lo e, naturalmente, valorizá-lo e preservá-lo.
É nesse sentido, que os trabalhos de educação patrimonial podem proporcionar grande contribuição para a valorização desses bens, uma vez que proporcionam o contato da população com as origens sua cidade e o caldo cultural do qual a sua construção derivou-se, despertando para a importância da gestão de seu patrimônio. Por meio de ações educativas, a população passa a conhecê-lo, a ter contato e interessar-se por ele.
Contudo, a educação patrimonial é uma área, que no Brasil, carece de incentivos e que precisa ser mais amplamente explorada. Ainda é necessário que ela seja afirmada como um instrumento de valorização e salvaguarda dos bens culturais.
O Projeto Pigmentos, aqui exposto, torna-se mais um exemplo de ações acessíveis e de fácil compreensão, cujos resultados são bastante afirmativos por sua capacidade de alcançar pessoas de vários segmentos, de forma espontânea e rápida, e gerar um interesse genuíno sobre o patrimônio local.
Iniciativas como essa possuem grande potencial de contribuição para a valorização e preservação do patrimônio cultural edificado, na medida em que a comunidade goianiense poderá não apenas ter acesso a mais informações sobre seu patrimônio, mas também – e principalmente – ter voz ativa no processo de reconhecimento desses bens.
Como primeiro passo, o Projeto Pigmentos surge como ação que abre caminho para outras propostas de educação patrimonial, direcionadas a públicos e bens mais específicos e enriquecidas com as práticas já existentes, tais como álbuns de figurinha, oficinas de maquetes de dobradura, palavras cruzadas e cartilhas. Propostas que podem ser os passos seguintes no sentido de completar o processo de reconhecimento e a preservação patrimônio local. Processo necessário para desencadear discussões e ações que que garantem a salvaguarda dessas casas, tão singelas, mas ao mesmo tempo tão potentes como imagens e tão cativantes como bem material, contribuindo e atuando como um elemento capaz de ajudar a recuperar a memória e a identidade de Goiânia.
notas
1
RODRIGUES, Galtiery. Casa Histórica Demolida no Centro. O Popular, seção Cidades, Goiânia, 27 jun. 2013 <https://bit.ly/34gzckD>.
2
BORGES, Carla. Mais uma casa é demolida no centro. O Popular, seção Cidades, Goiânia, 30 jun. 2013 <https://bit.ly/2N52xsH>.
3
O Acordo de Cooperação Técnica ACT n. 001/2015, firmado entre o Iphan e a UFG e publicado em Diário oficial n. 12, em 19 de outubro de 2015, tem como projeto âncora a pesquisa “Reconstruindo Documentações: narrativas e caminhos do projeto moderno em Goiânia”, coordenado pela professora Eline Caixeta, representante da UFG nesse acordo. No Iphan, coube a servidora, arquiteta Dafne Mendonça, o acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos pela equipe técnica da UFG.
4
FERREIRA, Clenon. A cidade que hábito: inventário mapeia casas históricas de Goiânia. O Popular, seção Magazine, Goiânia, 09 abr. 2017 <https://bit.ly/2C5WEEZ>.
5
VEIGA, Patrícia. Pesquisa da UFG faz inventário da arquitetura moderna de Goiânia. Portal UFG, Goiânia, 22 mar. 2017 <https://bit.ly/336gHz4>.
6
LE GOFF, Loiva Otero. História e memória. São Paulo, Editora Unicamp, 2003, p. 471.
7
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Centauro, 2003, p. 91.
8
FLORÊNCIO, Sônia Rampim; CLEROT, Pedro; BEZERRA, Juliana; RAMASSOTE, Rodrigo. Educação Patrimonial: históricos, conceitos e processos. Brasília, Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc, 2014, p. 20.
9
CASTRO, Claudiana Y. A importância da Educação Patrimonial para o desenvolvimento do Turismo Cultural. Anais do III Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul. Caxias do Sul, PPGTURH UCS, 2005, p. 3.
10
FUNARI, Pedro Paulo de Abreu; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio Histórico e Cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006, p. 9.
11
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, Martin Fontes, 1997, p. 9; 11.
12
Idem, ibidem, p. 3.
13
Idem, ibidem, p. 2.
14
ALBERTI, Verena. Ouvir e contar: textos em história oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004, p. 196.
15
CARREIRO, Marco Nunes. Art déco: um símbolo que a população pouco conhece. Jornal Opção, Goiânia, 09 fev. 2014 <http://www.jornalopcao.com.br >.
16
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, Companhia da Letras, 1996, p. 14.
sobre os autores
Renata Lima Barros é mestranda em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás e arquiteta daSuperintendência de Patrimônio Histórico e Artístico de Goiás.
Eline Maria Moura Pereira Caixeta é doutora arquiteta pela Universitat Politecnica de Catalunya e professora do curso de arquitetura e urbanismo e do Programa de Pós-graduação Projeto e Cidade da Faculdade de Artes Visuais de Universidade Federal de Goiás
Rodolpho Teixeira Furtado é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Goiás e autor do Projeto Pigmentos.