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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Enfatizando os conceitos de industrialização, inventividade e experimentação arquitetônica, este texto aborda um dos mais surpreendentes edifícios de Sergio Bernardes – o Pavilhão do Brasil, exemplar icônico erguido em 1958.

english
Emphasizing the concepts of industrialization, inventiveness and architectonical experimentation, this article discuss one of Sergio Bernardes’ most surprising designs – The Brazil Pavilion, iconic example built in 1958.

español
Enfatizando los conceptos de industrialización, inventivita y experimentación arquitectónica, este texto aborda una de las más sorprendentes obras de Sergio Bernardes – el Pabellón del Brasil, ejemplar icónico construido en 1958.


how to quote

SOMBRA, Fausto. Sergio Bernardes e o pavilhão brasileiro na Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, 1958. Industrialização, inventividade e experimentação. Arquitextos, São Paulo, ano 20, n. 233.04, Vitruvius, out. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.233/7550>.

Localizado em Heysel, na região norte da capital belga, há precisamente sessenta anos, na afamada Exposição Universal e Internacional de Bruxelas – a primeira grande exposição realizada após a Segunda Guerra Mundial e em plena Guerra Fria –, erguia-se em concreto e aço um dos mais surpreendentes projetos pertencentes à extensa e rica relação de obras de autoria do arquiteto carioca Sergio Wladimir Bernardes (1919-2002), profissional carismático e intrigante, formado em 1948, na então Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional do Brasil, pertencente à segunda geração de arquitetos modernos brasileiros. Referimo-nos ao premiado e efêmero Pavilhão do Brasil, edifício implantado em terreno irregular e com declive acentuado, na porção sul do Parc de Laeken, em lote atualmente gramado entre as atuais Avenue des Seringas e Trembles Abele, junto à pequena e graciosa capela de Sainte-Anne e sua fonte.

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, 1958. Arquiteto Sérgio Bernardes
Foto divulgação [Website Bernardes Arquitetura]

Objeto, segundo as nossas pesquisas, de uma ligeira e única publicação dedicada exclusivamente ao edifício – Expo 58: the Brasil Pavilion of Sergio Bernardes – de autoria de Paul Meurs, Mil De Kooning e Ronny de Meyer, por meio do Departamento de Arquitetura e Planejamento Urbano da Universidade de Ghent, na Bélgica – material produzido para marcar a participação da instituição na 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, entre os meses de novembro de 1999 e janeiro de 2000 – além de outros importantes e ainda escassos estudos realizados através de cursos de pós-graduação, como o artigo “A Feira Mundial de Bruxelas de 1958: o Pavilhão Brasileiro”, da pesquisadora carioca Ana Luiza Nobre, texto desenvolvido com base em sua tese de doutorado Fios cortantes. Projeto e produto, arquitetura e design no Rio de Janeiro (1950-70), defendida em 2008 pelo Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, e mais recentemente, entre outros trabalhos (1), a oportuna tese realizada por Alexandre Bahia Vanderlei, defendida em 2016 na Universidade Politécnica da Catalunha e intitulada Sergio Bernardes: el desafio de la técnica, na qual o pesquisador pernambucano utilizará o referido edifício com um dos três estudos de caso para comprovação de sua hipótese, é sobre esse ainda incipiente panorama crítico, dedicado a esse icônico edifício de autoria do arquiteto Sergio Bernardes e seus colaboradores, que buscaremos nos aprofundar e contribuir pontualmente com novas análises e interpretações.

Pavilhão do Brasil na Exposição Universal e Internacional de Bruxelas
Foto divulgação [Website Bernardes Arquitetura]

Para isso, recorremos como base documental aos arquivos originais relacionados ao referido projeto, dentre eles: ofícios, correspondências, croquis, plantas etc., preciosa documentação preservada no Núcleo de Pesquisa e Documentação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro – NPD FAU UFRJ, no Rio de Janeiro, instituição atualmente responsável pela preservação e catalogação do acervo profissional do arquiteto, trabalho conduzido pela tutela da Sra. Kykah Bernardes, viúva e responsável pelo espólio do arquiteto e que com grande atenção nos tem atendido. Recorreremos também às publicações dos jornais e periódicos da época, além da elaboração de modelos digitais e maquete física do edifício, exercício em curso que, em conjunto com a análise da iconografia disponível – em parte inédita nas publicações acerca do tema –, permite nos aproximar do projeto e confrontar as soluções adotadas pelo arquiteto nesse paradigmático e ainda pouco (re)conhecido edifício por parte da historiografia brasileira e internacional.

Os resultados obtidos por meio dessas análises nos possibilitarão enfatizar, dentre outros pontos, que determinados elementos de relevância presentes nesse efêmero exemplar, como o próprio balão vermelho pairando sobre a sua leve cobertura – um artifício criativo, de baixo custo e de grande impacto visual, recurso por muitas vezes desvinculado propriamente da ideia do projeto arquitetônico – seria incorporado no decorrer ou mesmo próximo da conclusão da obra. Essa hipótese parece, no nosso entendimento, demonstrar e reforçar, além logicamente da inventividade, certo grau de desprendimento do arquiteto, pois, ainda que Sergio Bernardes se propusesse a desenvolver uma arquitetura de soluções com certo nível de industrialização para a então realidade brasileira, inclusive, em muitos casos, com preocupações orçamentárias, o arquiteto também mesclava, não raramente e em muitos casos com felizes resultados, elementos e soluções de caráter puramente experimentais, aproximando-o nesse sentido ao labor artesanal e único que caracteriza, em larga escala, a sua vasta e variada produção arquitetônica e intelectual.

Sergio Bernardes, croqui Pavilhão do Brasil para a Exposição Universal e Internacional de Bruxelas
Imagem divulgação [Sergio Bernardes (Artviva)]

A exposição, as nações estrangeiras e o Brasil

Contando com um público expressivo de aproximadamente 41 milhões de visitantes ao longo dos seis meses de realização do evento, desde a abertura de seus portões monumentais, no dia 17 de abril de 1958 – em solenidade instalada pelo então rei da Bélgica, sua Majestade Baudouin (2) –, até o dia 19 de outubro daquele mesmo ano, a Exposição Universal e Internacional de Bruxelas se deu através de um longo processo que foi iniciado uma década antes, mais precisamente no dia 7 de maio de 1948, quando, por meio da proposta do Burgo-Mestre da cidade de Bruxelas, designou-se a referida capital como sede da próxima Exposição Universal. Passados mais de quatro anos e já após a nomeação do Comissário Geral do Governo – o Barão de Moens de Fernig, “responsável por assegurar em nome e sob a autoridade do Ministro dos Negócios Econômicos, a concepção, realização, organização e administração da Exposição” –, no dia 20 de novembro de 1952 seria determinado o período de realização do grande certame, 1958: simbólico ano que marcaria o quinquagésimo aniversário da reanexação do Congo à Bélgica. Daí em diante, e após a criação da Sociedade da Exposição, instituição criada no dia 4 de março de 1954, presidida pelo Barão Van de Menlebrock, e juntamente com a criação dos diversos Comitês que seriam responsáveis por organizar temas diversos, desde estadia, transporte, publicidade, turismo etc. (3), foram estruturadas as bases para concretização, quatro anos depois, da maior das Exposições Universais até então realizada (4).

Tendo como sítio de implantação uma vasta área de 175 hectares (5),definida próxima e no entorno dos palácios de Heysel, local afastado 7km do centro da cidade de Bruxelas, “magnificamente arborizado”, compreendendo além do Planteau du Heysel, e das construções que ali já se encontravam, o Parque Florestal, o Jardim Público de Lacken e o Domínio do Belvédere, seus organizadores adotaram como temário oficial e mote da Exposição de 1958 “alentar os homens de qualquer país, raça ou religião, a que pertençam, quanto a determinadas exigências humanistas mais imperiosas do que nunca” (6). Essa preocupação com o bem estar alheio, fruto das recorrentes guerras transcorridas nas cinco décadas anteriores – desde a Primeira Guerra Mundial, conflito que envolveu pela primeira vez um expressivo número de nações com grande impacto na distribuição geopolítica de importantes regiões no mapa mundial – buscava, assim como definido no texto abaixo de constituição da exposição, aproximar os povos em torno do desejo da paz e da solidariedade, por meio de mudanças vinculadas à escala e aos valores, amparados sob o progresso da ciência e das técnicas aplicadas a serviço do homem:

“A alteração dos progressos técnicos conduz o mundo irresistivelmente para sua unidade. Faz-se mister desde já, adotar uma ótica mundial para todos os problemas. É sob este signo de futuro que a Exposição de 1958 entende desde logo inscreve-se.

A marcha para a unidade mundial apela evidentemente para um humanismo mais autêntico e mais universal, o que implica de início no máximo de contatos e de compreensão entre os indivíduos e os povos. Convém desde já que os indivíduos e os povos se capacitem da solidariedade de seu destino. A colaboração mundial torna-se uma obrigação. Não é mais possível pensar-se futuramente na escala local e nacional. A compreensão e tolerância recíprocas entre todos os povos é indispensável à Paz.

Cumpre-nos confrontar as realizações dos últimos decênios, os projetos mais característicos do tempo, com a necessidade de um regresso em profundidade ao homem, pela cultura e a promoção dos valores especificamente humanos. A Exposição de Bruxelas de 1958 deve, pois, acentuar a necessidade de uma atividade humana exaustiva, quanto ao plano da compreensão mútua, do desenvolvimento do sentido social e da personalidade autêntica. Se este alvo for atingido, a Exposição marcará data na história. Terá concorrido para criar uma cadeia de fé do homem em seu destino, um clima de amizade entre os indivíduos e os povos.

Talvez possa ela também incentivar o início de uma nova etapa em que o progresso das ciências e das técnicas sejam resolutamente colocados a serviço do homem na concepção mais completa e nobre do termo” (7).

Dentro dessa generosa perspectiva prol à celebração da diversidade e respeitando escrupulosamente as plantações e as massas arbóreas existentes, foi desenvolvido um extenso programa de atrações e edificações a serem implantadas nos acessos e vias principais da exposição, dentre eles o Palácio da Cooperação Internacional, o Palácio da Ciência, o Palácio das Artes – idealizados no sentido de reforçar a pluralidade das nações, povos e culturas –, bem como os edifícios correspondentes à seção belga, incluindo Congo e Luanda-Urandi, ambos até então colônias da anfitriã do evento. Como área principal de suas exposições e mostras, a Bélgica se instalou nos grandes palácios de Heysel. Já a seção congolesa – a qual a exposição emprestava grande destaque através da divulgação do empenho pioneiro belga realizado no centro da África, no “curso do equipamento industrial de um vasto território”, no “sentido de constante melhoria das condições de vida das populações indígenas, na sua instrução e de seu desenvolvimento social e cultural” –, essa seria implantada em uma generosa área na região oeste da exposição, concentrando-se próximo ao Porte Mundiale e junto ao Atomium, figura circular vermelha, símbolo da exposição, posicionada no centro do Plano Geral.

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, plano geral com marcação dos terrenos do Brasil e México a caneta sobre os lotes do Peru, Uruguai e Colômbia [Acervo Sergio Bernardes / NPD FAU UFRJ]

Para além desses edifícios estruturais, área de estacionamento para 30.000 veículos (8), e outras tantas mais atrações, como os belos jardins e um parque de diversões, aproximadamente 200.000m2 do território da exposição fora dedicado aos países estrangeiros (9). Posicionados a partir da Estrada Monumental, passando entre o Parque Florestal e o Jardim de Lacken, terminando nos limites da Chausére de Meyesse, em ordenação, ao menos no discurso, segundo a distribuição geográfica, é visível no Plano Geral da Exposição grandes áreas concedidas a países como a Holanda, Grã-Bretanha, Itália, França e, principalmente, aos Estados Unidos e a extinta União Soviética, nações que – mergulhadas em suas disputas políticas, militares, econômicas, bem como inseridas na corrida aeroespacial que caracterizou parte do prolongado conflito entre ambos os países – na Exposição de Bruxelas foram colocadas lado a lado “numa viva comunidade” (10). Essa distribuição, ou seja, os termos gerais que definiram os locais de implantação das nações estrangeiras, seriam definidos conforme relatório distribuído pelo Comissário Geral do Governo do Reino da Bélgica, material que conservado no acervo do arquiteto Sergio Bernardes e traduzido por Luiz Galvão do Valle, nos esclarece:

“No decurso de mês de maio de 1954, foram, por via diplomática, dirigidos convites a todos os países com os quais mantem a Bélgica relações diplomáticas.

Cada país participante deverá, em sua apresentação, obedecer ao temário da Exposição, exibindo tudo o que sua atividade comporta de verdadeiramente humano na ordem econômica social, cultura e espiritual.

[...] O caráter particular da Exposição implica em uma série de contatos prévios à colaboração das seções estrangeiras em seu lugar. Por isso, certamente recomendável é que cada país examine, no mais curto prazo, o princípio de sua participação e designe o Comissário Geral encarregado de representá-lo junto ao Comissário Geral do Governo Belga.

A escolha das localizações reservadas aos países estrangeiros far-se-á por ordem das aceitações recebidas pelo Comissário Geral.

Tendo sido adquiridas desde logo várias participações importantes é do máximo interesse que cada país interessado tome sem demora sua posição” (11).

Contribuindo ainda sobre esse entendimento, Francine Latteur, em cópia traduzida do seu artigo publicado na revista belga Presence, de 1958, também preservado no acervo do arquiteto, afirmava sobre a então distribuição das nações, esclarecendo sobre a posição longínqua dos países – Venezuela, Colômbia, Uruguai e Peru – que então representavam a América Latina: 

“O visitante reconhecerá os Países Baixos, próximos de seu porto e diques, a Áustria pelo seu pavilhão em forma de ponte, a França pela elegância de sua arquitetura futurista, o Canadá pela transparência de seus palácios, a Rússia e os países da Europa Central pelos seus aceres e tundra, os Estados Unidos pela sua eloquência monumental.

Ao longe, a Santa Sé parecerá uma cidade fortificada, com seus muros de contorno de sino. A Suíça esconderá seus chalets na verdura, ao abrigo de enormes blocos de granito, à beira de um pequeno lago. A Espanha, Portugal, Mônaco, Itália, Grécia, Iugoslávia terão uma doçura mediterrânea; colunatas, jardins suspensos, mármores, mosaicos darão ao berço da Civilização europeia sua poderosa sedução. A Grã Bretanha, graças a seu enorme teto de vidro, refletirá o menor raio de sol. Tão distante quanto a vista possa alcançar, o visitante perceberá um canto do mundo; na extremidade, a América Latina, o Médio Oriente e os países do Levante” (12).

Sem mencionar especificamente nenhum país membro da América Latina, o texto de Latteur apenas nos elucida sobre a participação secundária desse grupo na referida exposição. Entretanto, a marcação a caneta com o nome do Brasil sobre os lotes destinados inicialmente ao Uruguai e ao Peru, assim como observamos no trecho direito inferior do Plano Geral da Exposição, anteriormente ilustrado, como também a planta com a confirmação da geometria final do lote brasileiro, segundo o seu levantamento planialtimétrico, nos aproximam – ainda que sem esclarecer sobre a desistência da participação uruguaia e peruana com pavilhões próprios – do motivo pelo qual o lote brasileiro seria definido como o mais afastado de todos na exposição.

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, Planialtimétrico e geometria do lote brasileiro para a 19 dez. 1956
Acervo Sergio Bernardes / NPD FAU UFRJ

Segundo ainda pudemos constatar por meio da leitura dos demais documentos e ofícios preservados no acervo do NPD, a efetiva confirmação da participação brasileira junto ao Comissário-Geral da Exposição, bem como os estudos do pavilhão tardariam a serem iniciados. A correspondência trocada entre o então embaixador do Brasil na Bélgica, o Sr. Hugo Gouthier de Oliveira Gondim e o Dr. Olavo Falcão, então diretor do Departamento Nacional da Indústria e Comércio do Ministério do Trabalho, datada de 31 de janeiro de 1957, expressam as preocupações do embaixador acerca do atraso da delegação brasileira perante os demais países:

“Prezado amigo Dr. Olavo,

[...] Como deve ter visto pelas outras informações que enviei quase todos os países já tem os seus projetos prontos e alguns já começaram a construção. Desejo ressalvar a minha responsabilidade a respeito de qualquer demora que impeça uma participação eficiente e a tempo do Brasil. A parte de arquitetura e qualquer atraso na vinda sua e do arquiteto poderão redundar em prejuízos incalculáveis para o Brasil.

Cordialmente” (13).

Já em correspondência encaminhada uma semana depois, no dia 7 de fevereiro de 1957 e endereçada à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, mais uma vez o Sr. Gounthier expressará a importância da participação do Brasil na aludida exposição, alertando que o então vizinho México já havia iniciado a construção do seu pavilhão e que o seu arquiteto já se encontrava em Bruxelas. Nesse ofício de três páginas, o Sr. Gounthier, dentre outros pontos, ratificava também que a União Soviética despenderia um total de 50 milhões de dólares com a sua participação e que os Estados Unidos gastariam, apenas com a construção de seu pavilhão, cinco milhões de dólares.

Números expressivos para a época e em direção oposta a grande parte das nações mais poderosas econômica e politicamente, o Pavilhão do Brasil, por problemas de disponibilidade de verbas – recordemos que as obras de Brasília já haviam sido iniciadas – adotaria como preceito um projeto muito mais econômico, brilhantemente idealizado por Sergio Bernardes e seus colaboradores (14), fato que levaria o pavilhão a arrebatar “todos os doze prêmios oferecidos, entre eles o de estética, funcionalidade, materiais usados e melhores condições ambientais” (15). Tal desempenho seria sintetizado no artigo “Pavilhão do Brasil na Feira internacional de Bruxelas”, que publicado por meio da revista Arquitetura e Engenharia, também daria ênfase às dificuldades financeiras enfrentadas: 

“Escolhido o arquiteto Sergio Bernardes para executar o projeto, mal o mesmo começava a ser criado nasciam as dificuldades de sempre.

Um primeiro obstáculo foi logo vencido sobretudo pela pertinácia e pela coragem do próprio Sergio Bernardes: no momento em que especialistas trabalhavam nos cálculos da construção, o Ministério do Trabalho anunciou que não havia verbas. Sergio assumiu a responsabilidade pelos gastos do cálculo, enquanto o embaixador do Brasil na Bélgica, Hugo Gouthier, o secretário, Vladimir Murtinho, da Divisão Cultural do Itamarati, Alonso Brandão, do Ministério do Trabalho e Francisco Figueira Melo, da Federação das Indústrias, tudo faziam para sanar essa dificuldade o mais cedo possível e para impedir o aparecimento de novos empecilhos. Logo depois, entretanto, não havendo jeito de achar novas verbas e aproximando-se a data limite para o início da construção em Bruxelas (o Brasil ficaria bem mal aos olhos do mundo se desse essa demonstração pública de falência: abandonar a exposição por falta de dinheiro para levantar o pavilhão), foi necessário que o próprio Sergio partisse para Bruxelas, onde passou um mês e meio tudo fazendo para que a construção fosse logo iniciada. Foi o que aconteceu: arranjos, compromissos e eis, agora, uma firma belga trabalhando a todo o transe para construir o pavilhão em 100 dias úteis preestabelecidos. O entusiasmo individual venceu em Bruxelas, a lerdeza e o descaso governamentais. O embaixador Hugo Gouthier, o comissário-geral residente ministro de assuntos econômicos Caio Lima Cavalcanti, o chefe do escritório comercial no Beneluz, Jorge Carvalho de Brito e Michael Joseph Corbert como representante do Itamarati e Otto Lara Rezende integraram como Sergio Bernardes essa equipe. E o pavilhão está sendo construído e estará pronto na data necessária” (16).

Além disso, e por meio dos demais documentos manuseados, pudemos aferir que o nome de Sergio Bernardes aparecerá pela primeira vez como arquiteto do pavilhão apenas em correspondência datada de 17 de fevereiro de 1957, na qual os senhores Van Achte e Vende Walle encaminharam informações correspondentes às instalações elétricas do futuro pavilhão. Esse documento, aliado a publicação do jornal o Estado de S. Paulo, no dia 7 de março de 1957, com artigo intitulado “Participará o Brasil da Feira de Bruxelas”, conforme transcrição abaixo, nos permite afirmar que Sergio Bernardes, ao contrário de grande parte dos demais arquitetos e das principais delegações do certame, dispôs de um intervalo de tempo consideravelmente curto para elaboração do estudo, aprovação e desenvolvimento dos projetos. 

“O Brasil participará da Exposição Internacional de Bruxelas com um pavilhão próprio, que representará os diversos setores da atividade nacional nos últimos vinte anos. A Embaixada brasileira na capital belga comunicou ao Comissariado geral de Exposições e Feiras que o nosso País já dispõe de local para erguer seu pavilhão, reservado pelos organizadores do certame internacional.

No Departamento de Indústria e Comércio, o Comissariado geral de Exposições e Feiras reuniu a Comissão de Planejamento, que iniciará os trabalhos relativos à organização de mostruários, gráficos etc., de órgãos públicos ou entidades privadas. O projeto o pavilhão brasileiro será apresentado brevemente pelo arquiteto Sergio Bernardes, autor do projeto nacional de Indústria e Comércio, a realizar-se no decorrer deste ano” (17).

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, pavimento inferior do Pavilhão do Brasil, 1958
Acervo Sergio Bernardes / NPD FAU UFRJ

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, detalhamento da cobertura do Pavilhão do Brasil, engenheiro Paulo Fragoso, 29 mai. 1957
Acervo Sergio Bernardes / NPD FAU UFRJ

Pertencente a um rico e extenso contexto por nós aqui apenas sucintamente revisitado, a constituição do pavilhão brasileiro por Sergio Bernardes e o reconhecimento a ele concedido pelos diversos prêmios atribuídos pelos organizadores da Exposição de Bruxelas, de 1958, levaria a sua majestade, o Rei Baudouin, no dia 22 de setembro de 1958, a agraciar Sergio Bernardes, tal como documento gentilmente apresentado a nós pela Sra. Kykah, Chevalier de la Couronne Belge.

Dentre tantos arrojados pavilhões erguidos na Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, de 1958, a elevados custos e muitas vezes de soluções estruturais complexas (18) – como o difundido pavilhão da empresa Philips, projeto de Le Corbusier (1887-1965) –, o pavilhão brasileiro “se destacou por se adequar perfeitamente ao conceito da mostra e ao espaço em que foi implantado” (19). Essa sensibilidade de Sergio Bernardes, ainda que sobre condições adversas de trabalho, tal como apontado por nós acima, será traduzida nas soluções e arranjo do programa arquitetônico adotado no pavilhão brasileiro, conforme abordaremos brevemente a seguir.

O Pavilhão brasileiro: uma breve síntese

Idealizado para acolher áreas expositivas, espaço de convivência com café, sanitários, área administrativa e auditório para projeções, totalizando uma área de implantação de aproximadamente 2.645m2, o pavilhão era composto basicamente por um grande embasamento de elevação irregular – com 6m de altura em sua porção mais elevada –, constituído em concreto e alvenaria, e encravado parcialmente no solo em formato de “L” – tal como a geometria de seu lote –, com seus segmentos adoçados curvilíneos e a sua cobertura principal retangular leve e independente estacionada logo acima, livre estruturalmente dos fechamentos perimetrais translúcidos que compunham parcialmente as fachadas, bem como, e essencialmente, livre de apoios internos, com suas quatro faces côncavas e suas pontas tensionadas e elevadas em relação à porção central, tal como um lençol de dimensões generosas de 37x60m, elemento de apurada solução técnica constituído basicamente por uma fina camada de concreto (20)estruturada por um conjunto de 43 pares de pequenos perfis dispostos transversalmente, sobrepostos a quatorze cabos de aço dispostos no sentido longitudinal, ambos transmitindo os seus esforços para as quatro grandes vigas treliçadas de seções variáveis e curvadas sentido interior e centro do prédio, chegando a atingir, em seu maior trecho, 1,5m de altura. Essas, por usa vez, interligavam-se e estruturavam-se às quatro grandes torres treliçadas, de base triangular e de elevação piramidal, com aproximadamente 16m de altura (21), postadas elegantemente nos quatro vértices, além dos 22 demais apoios intermediários de caráter visualmente secundário – mas, essenciais para estruturação do conjunto –, todos posicionados na periferia dessa grande cobertura e distribuídos de forma simétrica em duas linhas de sete e quatro pilares cada, correspondendo às laterais Leste-Oeste, e Norte-Sul respectivamente. Nessas últimas duas fachadas, ainda atirantavam-se oito pares de cabos de aço que se estendiam de um lado – Norte – até encontrar o solo, e do outro – Sul – até transpassarem o topo da laje de concreto que conformava a cobertura do auditório, elemento que se prolongava pela lateral sul e oeste do edifício, abraçando-o. Nesse ponto a laje encontrava a estreita rua externa de formato circular e os 21 mastros com as bandeiras representando os Estados que então compunham a Federação (22), além da bandeira do Brasil, essa posicionada em um mastro mais elevado e de dimensões bem mais generosas, tremulando junto ao edifício e marcando – juntamente com o nome Brasil, grafado em português e fixado delicadamente na fachada –, precisamente a entrada do pavilhão.

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, Pavilhão do México e, ao fundo, Pavilhão do Brasil com a montagem de sua cobertura
Foto Michael Rougier, 01 mar. 1958 [Getty Images]

Ocupando a sua região central, ainda na cobertura principal, encontrávamos um grande anel metálico de 6m de diâmetro, que desprovido dos cabos, dos perfis e da fina capa de concreto supracitados, permitia eficientemente a entrada de luz e a renovação de ar no interior do prédio, além de captar e conduzir, em forma de cascata, a água das chuvas proveniente da cobertura, o chamado impluvium. Abaixo dele, já no interior do edifício e no pavimento inferior, localizava-se o exótico jardim tropical de autoria do artista plástico e paisagista paulista Roberto Burle Marx (1909-94), estruturado em um canteiro linear de 8x27m e conformado pelo seu espelho d´água central e pequenos platôs escalonados, definidos por delgadas muretas de delicada composição geométrica, idealizadas para acolher espécies vegetais regionais e algumas adaptadas – como papiros, ninféias, ficus religiosa, bromélias, dracenas, mosteras deliciosas, asplênios, chifre de veado, agave, antúrios nativos, cryptanthus entre outras (23), conjunto que juntamente com a generosa rampa em concreto armado, que se desenvolvia por uma volta e meia ao seu redor e em forma de semi espiral, conformavam, no nosso entendimento, os elementos principais do projeto.

Croqui do jardim interno Pavilhão do Brasil na Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, 1958. Paisagismo de Roberto Burle Marx
Imagem divulgação

Estruturada por 31 pilares e guarnecida por guarda-corpos de inteligente desenho, desprovido de quaisquer adornos, essa rampa, de suave declividade e que se iniciava metros depois da linha de três portas que davam acesso ao prédio, na porção norte, posicionadas logo após, ainda no exterior, a uma réplica da estátua do Profeta Habacuque – do escultor mineiro Aleijadinho (1730-1814) –, permitia aos visitantes disfrutarem de um ponto favorável de contemplação do interior do edifício, marcando também o início da caminhada sentido pavimento inferior e da exposição em si, em um percurso de aproximadamente 115m de extensão. Já no nível do jardim, local que ainda contava com área expositiva, encontrávamos os concorridos balcões do café e do mate – ambos posicionados sob um trecho mais baixo da rampa –, os sanitários, a área administrativa – essa posicionada inteligentemente no mezanino e com acesso através de duas escadas lineares –, o auditório para 229 lugares, áreas de depósito, e ainda a saída do prédio, estreito corredor de 2,5m de largura contido entre duas empenas cegas paralelas e concorrentes, em pequeno trajeto em suave aclive curvado sentido exterior, desembocando em um recesso sombreado presente na fachada principal. Esse programa e a sua distribuição triangular proporcionavam o espaço de concentração dos visitantes, em uma analogia aos descontraídos bares e cafés da época, reforçando a receptividade e o caráter amigavelmente brasileiro, na “sua cordial naturalidade” (24). Durante grande parte desse trajeto, inclusive fora do edifício – através de duas grandes fotos de paisagens naturais fixadas entre os quatro pilares da fachada norte –, os visitantes tinham acesso à expografia do pavilhão, essa conformada por painéis de propagandas diversas e elementos em exposição acerca da biodiversidade brasileira, de seu povo, sua rica cultura e folclore, educação, economia, agricultura, indústria, siderurgia, transporte, avanços tecnológicos, além do destaque dado ao vertiginoso crescimento de suas cidades, tema esse ilustrado por fotos de edifícios modernos brasileiros e principalmente por meio da maquete da futura capital federal em construção, Brasília. Era a exposição intitulada “O Brasil constrói uma civilização ocidental nos trópicos” (25).

Já no exterior do edifício, posicionado acima do anel metálico e se elevando a mais de 25m de altura do solo, conectado ao pavilhão por meio de um conjunto de quatro cabos principais radiais, um grande balão vermelho, com 7m de diâmetro e repleto de ar hélio, buscava heroicamente acenar de longe para grande público visitante, em um esforço de se criar um diálogo formal e lúdico com o principal símbolo da exposição, o Atomium.

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, modelo digital Pavilhão do Brasil, ista superior a partir da fachada Oeste
Elaboração Fausto Barreira Sombra Junior, 2018

Testemunho material da exposição ali realizada e que representava e representa o espírito positivista e científico que caracterizou esse grande certame, esse edifício, afastado aproximadamente 900m do pavilhão brasileiro, idealizado pelo engenheiro belga André Waterkeyn (1917-2005), foi erguido próximo às duas principais entradas da feira, na convergência de suas duas principais avenidas. Elevando-se a 102m de altura através de suas nove esferas de alumínio de 18m de diâmetro cada – simulando uma célula de cristal de ferro ampliado 165 milhões de vezes, com uma infinidade de pontos luminosos girando ao seu redor à noite, tal como o movimento dos elétrons em torno do núcleo do átomo – esse grandioso monumento expressava a “força prodigiosa da energia atômica”, entendida como a “última conquista do homem sobre a matéria” (26).

Distância e escala do Atomium frente ao pavilhão brasileiro, à direita
Elaboração Fausto Barreira Sombra Junior, 2018

 

O pavilhão brasileiro: industrialização, inventividade e experimentação

Aberto oficialmente ao público num sábado, no dia 3 de maio de 1958, às 11h, tal como podemos encontrar noticiado no artigo “Inaugurado o pavilhão do Brasil em Bruxelas”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo (27), a arquitetura que caracterizou esse efêmero edifício seria reconhecida mundialmente pela simplicidade e eficiência com que a mesma se a acomodou em um lote longínquo, de grande declividade, de perímetro irregular e com escassos recursos financeiros (28). Surpreendentemente, assim como já houvera feito em projetos anteriores, como no Pavilhão de Volta Redonda – edifício também de caráter efêmero e erguido em 1955 no Parque Ibirapuera –, Sergio Bernardes buscou aliar a sua aguçada criatividade a certas soluções de industrialização arquitetônica, seguidas ainda de experimentações sensoriais e visuais, fazendo do Pavilhão do Brasil na Exposição de Bruxelas de 1958, tal como as palavras do pesquisador Lauro Cavalcanti, “um dos mais belos exemplares da arquitetura moderna brasileira” (29).

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, modelo Pavilhão do Brasil, vista fachada Leste
Elaboração Fausto Barreira Sombra Junior, 2018

O próprio Sergio Bernardes, em 1970, em artigo publicado na revista Cultura n.1, tal como trecho extraído da dissertação do pesquisador João Pedro Backheuser, o definiria assim:

 

“O Pavilhão do Brasil na Expo 58, em Bruxelas, teve sua ideia a partir do lado analítico e da lógica. Numa exposição de distâncias enormes o homem é totalmente desprezado na sua capacidade e nas suas limitações de caminhar, e quando chegasse ao local do Pavilhão brasileiro estaria cansadíssimo. Nada mais natural do que fazer ele entrar no ponto alto de chegada e sair pelo ponto baixo, razão pela qual havia a rampa cuja forma elíptica tinha conotações simbólicas com os ciclos econômicos e culturais do Brasil. Ao percorrer esta rampa atingia o chão outra vez, praticamente arrastando o pé, conduzido pela lei da gravidade sem fazer o menor esforço, ao mesmo tempo que descia em torno do trópico, que eram os jardins” (30).

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, interior do Pavilhão do Brasil com o balão fechando parcialmente o impluvium, 1958
Foto Reginald Hugo de Burgh Galwey [RibaPix]

Mais pragmática, porém essencial para o entendimento do partido adotado no pavilhão brasileiro, essa breve síntese, segundo o nosso entendimento, acaba por não mencionar três elementos de relevância do projeto. Primeiramente a sua engenhosa cobertura, similar a utilizada no Pavilhão de Volta Redonda, com o uso de cabos de aço em forma de catenária, produzida externamente e montada no local, elemento que praticamente confere ao pavilhão a sua imagem. Em segundo lugar a assimilação da água como elemento central do projeto, presente tanto no espelho d´água do jardim central de Burle Marx como através do impluvium em dias de chuva (31). E em terceiro e último lugar, o grande balão, que pairando sobre a delicada cobertura, em dias de chuva ou frio era baixado através de um cabo central fechando parcialmente o impluvium, mecanismo que proporcionava maior proteção do interior ao edifício e aos seus usuários.

Entretanto, o momento de adoção do referido balão no projeto, elemento tão oportunamente incorporado ao edifício, para nós merece aqui uma breve reflexão. Segundo proposto por Alexandre Bahia Vanderlei em seu artigo acerca do citado Pavilhão de Volta Redonda, intitulado “Pavilhão da CSN 1954: recorrência técnica e manifesto da modernidade” (32) – análise em conformidade com o nosso entendimento –, o pesquisador sugere que esse edifício (33)teria sido inicialmente projetado para ser erguido em solo firme e não sobre o córrego do sapateiro. Esse questionamento é devidamente colocado depois da análise dos estudos inicias do aludido pavilhão, pois além dos referidos esboços não ilustrarem o córrego sob as duas pontes, esses ainda ilustravam os quatro mastros – que estruturavam as duas marquises transversais centrais – partindo do solo, ou seja, auxiliando na estruturação de todo o conjunto, em um partido estrutural diverso do projeto final desenvolvido e do próprio edifício construído.

1ª Feira Internacional de São Paulo, modelo Pavilhão de Volta Redonda, 1955. Arquiteto Sergio Bernardes
Elaboração Fausto Barreira Sombra Junior, 2017

Guardadas as devidas proporções, transplantando esse ocorrido para o edifício aqui em voga, após analisarmos uma gama considerável de desenhos e documentos sobre o pavilhão brasileiro, não encontramos – com exceção do croqui inicialmente ilustrado – outro desenho ou texto que mencione o balão no projeto. Inclusive os desenhos executivos e maquetes ilustradas nas diversas publicações da época de construção do edifício não sugerem esse relevante elemento. Apenas através da publicação do artigo “Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Bruxelas”, na revista Módulo n. 9, de fevereiro de 1958, faltando apenas dois meses para a abertura do pavilhão, é que o balão será brevemente mencionado. Ainda sim, em texto acompanhado de desenhos sem o balão. Na verdade, o corte longitudinal que acompanha a referida menção nos sugere que o anel circular que definia o impluvium contava com um conjunto de oito tubos ou correntes distribuídos de forma radial, responsáveis, em uma primeira e ligeira análise, por conduzir adequadamente a água das chuvas proveniente da cobertura até o espelho d´água logo abaixo, solução similar a adota por Sergio Bernardes, anos depois, nas descidas de águas pluviais presentes no Espaço Cultural José Linz do Regô, em João Pessoa, Paraíba, em 1980.

Exposição Universal e Internacional de Bruxelas, corte longitudinal do Pavilhão do Brasil, 1958
Imagem divulgação [Revista Módulo, n. 9, Rio de Janeiro, fev. 1958]

Espaço Cultural José Linz do Regô, João Pessoa, 1980. Arquiteto Sergio Bernardes
Foto Fausto Barreira Sombra Junior, 2018

Todavia, um olhar mais atento à prancha referente ao detalhamento da cobertura, desenho assinado pelo engenheiro Paulo Fragoso, nos confirma que as linhas ilustradas se tratavam de tirantes de aço com 10 milímetros de diâmetro e que, ainda que não incorporados ao projeto construído, tal como nos atestam as fotos que nos chegam do interior do prédio, esses elementos provavelmente tinham como função original estabilizar a cobertura, pois, em dias de ventos intensos, essa poderia sofrer com esforços verticais ascendentes, comuns em elementos arquitetônicos com tais características (34).

A essas informações, e já concluindo as questões relacionadas à adoção do bolão, devemos incorporar o depoimento do Sr. Murilo Boabaid – colaborador no escritório de Sergio Bernardes durante anos e integrante da equipe responsável pelos desenhos do pavilhão brasileiro em 1958 – no qual afirma em texto publicado em 2010 que a ideia desse efêmero e lúdico elemento seria inspirada no filme Le balon rouge, de 1956, destacando ainda, sem citar datas, ser sua a sugestão de incorporá-lo ao projeto (35). Essa proposta, segundo ainda Murilo Boabaid, seria logo aceita por Bernardes, relato que em linhas gerais corrobora com as proposições aqui colocadas.

Independentemente do preciso momento no qual Sergio Bernardes e equipe definitivamente adotariam o balão como parte integrante da arquitetura do pavilhão brasileiro, e finalizando aqui as nossas considerações, não temos dúvidas de que esse emblemático edifício  – de concepção e caráter excepcionais – é de elementar importância para historiografia arquitetônica brasileira e internacional. As vésperas do centenário de nascimento de seu idealizador e completando sessenta anos de sua construção, buscar compreendê-lo em maior profundidade, nos parece assim o começo de um bom caminho.

notas

1
Aqui cabe mencionarmos os únicos dois livros publicados exclusivamente acerca da obra de Sergio Bernardes e que dão destaque, ainda que de forma sucinta, ao pavilhão: CAVALCANTI, Lauro. Sergio Bernardes: herói de uma tragédia. Rio de Janeiro, Prefeitura do Rio/Relume Dumará, 2004; BERNARDES, Kykah; CAVALCANTI, Lauro (Orgs.). Sergio Bernardes. Rio de Janeiro, Artviva, 2010.

Ver também: BACKHEUSER, João Pedro. A obra de Sergio Bernardes. Dissertação de mestrado. Recife, DAU UFPE, 1997; e as revistas L´Architecture d´Aujourd´hui, n. 78, Paris, 1958; Módulo, n. 9, Rio de Janeiro, fev. 1958; Habitat, n. 46, jan.1958; Arquitetura e Engenharia, n.48, 1958. Também vale incluirmos nessa relação a exposição realizada no Atomium, em Bruxelas, através da Internacional Arts Festival. Intitulada Europalia Bresil. Sergio Bernardes. Expo´58 – Brazil Pavilion, e realizada entre outubro de 2011 e a primavera de 2013, a mostra oferecia a oportunidade de se (re)descobrir o pavilhão, “uma maravilha técnica e arquitetônica”. Atomium <http://atomium.be/europalia11.aspx>.

2
LAMBERT, Pierre. Bruxelas, capital do mundo por seis meses. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 abr. 1958.

3
São criados os seguintes Comitês Especiais: Propaganda e Publicidade; Circulação de Estradas e Caminhos e Estacionamentos; e Superior de Turismo. Esse subdividido em Comitê de Alojamentos; Comitê de Transportes; e Comitê de Recepção e Documentação. Comissariado Permanente de Exposições e Feiras no Exterior. Exposição Universal e Internacional de Bruxelas – Documento n. 1, para estudos. Aspectos da Exposição, 24 abr. 1957, p. 6-7. Tradução de Luiz Galvão Valle.

4
Idem, ibidem, p. 5-8.

5
Alguns documentos analisados divergem dessa metragem e apontam como área total da feira 200 hectares.

6
Exposição Universal e Internacional de Bruxelas – Documento n. 1, para estudos. Aspectos da Exposição (op. cit.), p. 8.

7
Idem, ibidem, p. 9.

8
Idem, ibidem, p. 6.

9
Idem, ibidem, p. 8.

10
LATTEUR, Francine. Comissariado Permanente de Exposições e Feiras no Exterior. Exposição Universal e Internacional de Bruxelas – abr./set. 1958., Presence, n. 21, Bruxelas, 1958, p. 2-3. Tradutor não identificado.

11
Exposição Universal e Internacional de Bruxelas – Documento n. 1, para estudos. Aspectos da Exposição (op. cit.), p. 12-13.

12
LATTEUR, Francine. Op cit., p. 3.

13
GOUTHIER, Hugo. Prezado amigo doutor Olavo Falcão [correspondência]. Bruxelas, 31 jan. 1957.

14
As pranchas referentes ao projeto executivo do pavilhão brasileiro apontam como responsáveis os seguintes profissionais: Sergio Bernardes como arquiteto; Nicolaï Fikoff como arquiteto colaborador; Kylzo Caravalho e Murilo C. Boabaid como desenhistas; Paulo Fragoso e Emmanoel Magalhães como engenheiros projetistas estruturais; e Roberto Burle Marx como arquiteto paisagista.

15
O Pavilhão do Brasil. Ventura, n. 1, Spala Editora, Rio de Janeiro, set./ nov. 1987, p. 127.

16
Pavilhão do Brasil na Feira internacional de Bruxelas. Arquitetura e Engenharia, n. 48, Belo Horizonte, 1958, p. 22.

17
Participará o Brasil na Feira internacional de Bruxelas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 mar. 1957, p. 26.

18
A revista L´Architecture d´Aujourd´hui apresenta uma síntese dos pavilhões de maior destaque erguidos na exposição. L´Architecture d´Aujourd´hui, n. 78, Paris, 1958. Ver também: DEVOS, Rika; KOONING, Mil de. L´Architecture Moderne à L´Expo 58: pour un moude plus humain. Bruxelas, Fonds Mercator et Dexia Banque, 2006.

19
BACKHEUSER, João Pedro. A obra de Sergio Bernardes. Dissertação de mestrado. Recife, Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco, 1997.

20
A cobertura seria elaborada por painéis de Eucatex com 5 mm de espessura dispostos no sentido longitudinal do edifício. Estes por sua vez recebiam os painéis de concreto com 3 cm de espessura recobertos externamente por um composto vinílico flexível conhecido como Cocoon – material desenvolvido pelas forças militares americanas depois Segunda Guerra para recobrimento e proteção de componentes navais expostos ao tempo. DOMIM, Christopher; KING, Joseph. Paul Rudolph: the Florida houses. New York, Princeton Architectural Press, 2005, p. 97.

21
Apenas as duas torres da fachada sul possuíam 15,80m. As duas torres treliçadas da fachada norte, em razão da elevação do terreno, se elevam aproximadamente 10,80 e 11,8m acima do solo.

22
Em 1958, eram 21 os estados brasileiros, sendo: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Guanabara (extinto em 1975), Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Cf. Eleições gerais no Brasil em 1958. Wikipedia, San Francisco, <https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_gerais_no_Brasil_em_1958>

23
As espécies mencionadas correspondem respectivamente a: Nymphaea ssp, Asplenniun nidus, Ciperus papirus, Bromeliaceae ssp, Dracaena marginata, Monstera deliciosa, Platycerium bifurcatum, Agave attenuata, Anthuriun ssp, Cryptanthus ssp. Conforme identificação das espécies realizada com auxílio da arquiteta Karla Lopez Alvares.

24
TEIXEIRA, Novais. O Pavilhão do Brasil. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 jun. 1958, p. 7.

25
MEURS, Paul; KOONING, Mil; MEYER, Ronny. Expo 58: the Brasil Pavilion of Sergio Bernardes. Ghent, Department of Architecture and Urban Planning of University of Ghent's / 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, 19 nov. 1999 a 25 jan. 2000.

26
LATTEUR, Francine. Op cit., p. 2.

27
LAPOUGE, Gilles. Inaugurado o pavilhão do Brasil em Bruxelas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 4 mai. 1958, p. 1 (capa).

28
Segundo artigo publicado na revista Arquitetura e Engenharia n. 48, o pavilhão brasileiro teria custo/m² equivalente a apenas 5% do pavilhão norte-americano. Enquanto que a média dos pavilhões era construída por dez mil francos/m², o pavilhão idealizado por Bernardes estava orçado em 2.900 francos. A grande diferença estava no peso da cobertura, pois, enquanto a média dos pavilhões utilizava cerca de 200 kg/m² de aço em suas coberturas, no pavilhão brasileiro esse número correspondia a 25 kg/m². Pavilhão do Brasil na Feira internacional de Bruxelas. Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, n. 48, 1958, p. 22-23.

29
CAVALCANTI, Lauro. Sergio Bernardes: herói de uma tragédia. Rio de Janeiro, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro/Relume Dumará, 2004, p. 38.

30
BERNARDES, Sergio. In BACKHEUSER, João Pedro. Op cit.

31
Esse partido também seria transportado parcialmente das experiências do Pavilhão de Volta Redonda, pois lá, inteligentemente, Sergio utilizou um sistema de bombas para lançar a água do lago, abaixo dele, para a sua cobertura, auxiliando assim no controle da temperatura interna.

32
VANDERLEI, Alexandre Bahia. Pavilhão da CSN 1954: recorrência técnica e manifesto da Modernidade. Anais do 11° Seminário Docomomo Brasil. Recife, MDU UFPE, 17-22 abr. 2016.

33
Edifício que era composto por uma área expositiva coberta central de 10x30m, estrutura por duas pontes metálicas paralelas, erguidas sobre o córrego do sapateiro em 1955, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.

34
É possível aventarmos que a não adoção dos tirantes está relacionado à presença do próprio impluvium, que permitindo a passagem de ar na região central da cobertura, aliado ao próprio lastro proveniente da fina camada de concreto que conformaria a mesma e o peso dos perfis que a estruturavam – totalizando 85.000 kg, conforme números do próprio engenheiro Paulo Fragoso – permitiria a diminuição da pressão dos ventos e a consolidação do conjunto. A eliminação desses tirantes possibilitaria também a mudança na geometria do espelho d´água central, que constantemente ilustrado com desenho circular nas diversas plantas do projeto – acompanhando a distribuição circular e radial dos tirantes –, por fim seria erguido com linhas mais ortogonais, conforme croqui de Burle Marx anteriormente apresentado(Fig.9).

35
BERNARDES, Kykah; CAVALCANTI, Lauro (Orgs.). Op. cit., p. 60.

sobre o autor

Fausto Barreira Sombra Junior é arquiteto pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2002). Cursou o master El Proyecto: aproximaciones a la arquitectura desde el medio ambiente histórico y social, pela UPC Barcelona (2008). É mestre, com auxílio da Fapesp, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015) e atualmente, por meio do curso de doutorado dessa mesma instituição e com a orientação do Prof. Dr. Abílio Guerra, tem como objeto de pesquisa a obra do arquiteto Sergio Bernardes.

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