Este ensaio trata da relação entre a história da arquitetura e a história da filosofia, mais precisamente a história da ética. Fez-se um recorte no qual a relação entre a filosofia e a arquitetura aparecesse de forma explicita, na abordagem da arquitetura da Grécia Antiga, Idade Média, Renascimento e séculos 18, 19 e 20. Quando nasceu na Grécia, a filosofia trouxe intenções de universalidade e para tanto, utilizou-se do raciocínio racional da matemática. Entre os gregos, os fenômenos da natureza como a vemos, “mãe de todos”, são traduzidos pela linguagem universal dos números, uma regra das proporções (lógica da matemática) com que ela se expressa em sua beleza original e lógica própria. Na Idade Média, a filosofia foi entregue à religião, e a ética deixou de ser atributo da razão para se integrar ao plano dos mandamentos de Deus. A arquitetura gótica, mais além das conquistas técnicas, como por exemplo, o arco ogival, as nervuras de arcos formando uma estrutura independente da vedação, traduzia a intenção – projetual – de criar um cenário envolvente, em cujo interior o fiel religioso, absorto na contemplação da escala sobre-humana da nave da catedral, se sentisse sugado para o alto, desprendendo-se de seu corpo na elevação do espírito, liberto para ascender aos céus. A arquitetura do Renascimento sofreu a influência das ideias do filósofo florentino Nicolau Maquiavel: seu personagem de O príncipe, hierarquicamente superior aos demais, contribuiu para legitimar o status do arquiteto como trabalhador liberal. A arquitetura do século 18 moldou-se à hegemonia da razão na filosofia do Iluminismo, refletida nas formas puras do idealismo platônico concebidas pelos arquitetos revolucionários. Para tratar da arquitetura do século 19, utilizou-se da teoria da arquitetura do crítico de arte inglês John Ruskin, inspirado em um conceito de Filosofia da Natureza similar ao do Conde de Shafstbury no século 18. Ainda no século 19, o arquiteto francês Eugène Viollet-le-Duc elaborou uma metodologia para a arquitetura com base na filosofia cartesiana, para concluir que “o desenho da arquitetura é a síntese das técnicas construtivas e do programa arquitetônico”. Para finalizar, o presente ensaio trata da relação entre o apelo científico e a arquitetura moderna do início do século 20, passando pelo Brutalismo inaugurado nos anos 1950, e encerra com a abordagem da influência da ética neoliberal sobre a arquitetura pós-moderna dos anos 1970 até os dias de hoje.
Ética e arquitetura na Grécia Antiga
Na Grécia, a propriedade de imóveis, rurais e urbanos, era privilégio dos cidadãos gregos. Aos metecos (estrangeiros) eram reservadas as atividades do comércio e do artesanato, vistas como indignas. Também indigno era o trabalho dos escravos e das mulheres, da mesma forma que se via negativa a usura, ocupação dos que emprestam dinheiro a juros. Tais valores deram significado aos conceitos de Arte Liberal e Arte Mecânica. A Arte Liberal, desenvolvida por quem trabalha com a mente, era considerada atividade digna. A Arte Mecânica, por se utilizar das mãos, era tida como indigna, haja vista os gregos encarregarem-na a metecos, mulheres e escravos.
Com o advento do monoteísmo e emergência da filosofia, a ética adquiriu seu caráter de universalidade. Para os gregos, a natureza é racional, funciona em sintonia com a lógica da matemática; para Pitágoras, ela se constituía e se traduzia em números. No livro M da Metafisica, Aristóteles (384-322 a.C.) atribuiu a Sócrates (469/70-399 a.C.) a utilização do método indutivo. A originalidade ética do monoteísmo consistiu em introduzir um critério absoluto e único para o julgamento das ações humana. Não há tantos códigos morais quanto a diversidade cultural dos povos, apenas uma única lei de sentido universal. Para Pitágoras (570-495 a.C.), “o homem é a medida de todas as coisas”, e o número, sinônimo de harmonia, ordem e razão. Segundo o mesmo Pitágoras, o cosmos é regido por relações matemáticas. A observação dos astros sugeriu a esse filósofo uma ordem determinante, dominadora do universo, e suas evidências estariam na regularidade do dia e da noite, na alternância das estações e no movimento circular e perfeito das estrelas. Ideias de ordem que se associavam à beleza. O desafio da filosofia da época foi achar um critério não subjetivo e, por conseguinte, não variável, e ao mesmo tempo adequado ao caráter ilimitável da apreciação do comportamento ético. Para os gregos antigos, a ordem, tanto na Natureza como na vida moral, representava o que haveria de mais belo.
A primeira e mais importante dessas ideias gerais do estoicismo, escola filosófica grega cuja ética se enquadra em uma perspectiva determinista, é a exaltação da Natureza com N maiúscula, elevada ao status da grande ordem universal. Para os estoicos, a Natureza se confunde com a Razão, com o principio racional que ordena as ideias, encontra-se na estrutura do mundo sensível e dirige as ações humanas, ou seja, estabelece as leis do pensamento, do mundo físico e da ética. A unificação do mundo é dada pela Razão, que tudo permeia, e se identifica com Zeus, senhor supremo do governo universal. O homem não abriu exceção à lei universal, tampouco separou-se da divindade. O Cosmos, segundo os gregos, era regido por relações matemáticas, expressas geometricamente. Em meados do século 5 a.C., o escultor Policleto (ativo entre 460 e 410 a.C.) estabeleceu um tratado sobre o corpo humano, para ele geometricamente constituído pela regra das proporções: o encontro com a beleza humana estaria na adequada proporção de suas partes, como por exemplo, dos dedos, uns para com os outros, estes para com a mão, esta para com o punho, o antebraço, o braço e assim por diante, na proporção geométrica de tudo para com tudo.
Similar à regra das proporções presente no corpo humano, a arquitetura do Templo Grego deveria ser o resultado geométrico da aplicação do pensamento matemático. Como decorrência desse conceito, a concepção de simetria, tanto para o corpo como para a arquitetura, equivale a estar em harmonia com a regra das proporções, segundo a qual todas as medidas e proporções geram outras geometrias, em um efeito de cascata.
“As proporções da ordem Dórica, Jônica e Coríntia na arquitetura foram modificadas com o passar do tempo, mas as formas de suas partes permaneceram iguais. Em cada período a circunferência máxima do equino iguala-se à máxima do ábaco. A altura total dessas colunas é igual a 6/5 vezes o diâmetro no topo, o ábaco, e 2/5 vezes tão larga quanto o topo do fuste. A altura das colunas no século 6 a.C., se construída com vários tambores sobrepostos, varia cerca de 4/5 ou 5 vezes o diâmetro mais baixo. Os fustes têm cerca de 8 vezes a altura dos capiteis. Em meados do século 5 a.C., nos templos, agora construídos de mármore em vez de pedra calcária, a proporção da altura total da coluna em relação a seu diâmetro mais baixo varia de cerca de 5/5 a 3/4; o fuste agora se afunila menos, podendo chegar a 11 ou 12 vezes a altura do capitel. No século 4 a.C., a proporção da altura da coluna para o diâmetro inferior excedia 6 por 1 e 6/5 por 1. A história do [estilo] Dórico consiste em perpétuas tentativas para descobrir as proporções corretas, anos de experimentação [que] resultaram no Parthenon. A beleza, contudo, implicava também algo análogo ao que chamamos de correto. Para Platão, o belo era o bom” (1).
Ética e arquitetura na Idade Média
Na Idade Média, a filosofia, antes presa a conceitos racionais, substituiu a razão por Deus. O poder de observar a natureza para dela extrair suas leis, cujo despertar assistimos na Grécia por volta de 500 a.C., deixou de existir na Idade Media por volta de 500 d.C.
Durante toda a Alta Idade Media (entre os anos 476 e 1000), o comércio foi ainda mais desconsiderado do que na época da dominação romana. Até o final desse período, na passagem do século 5 ao 11, a Europa viveu concentrada sobre si mesma, sem qualquer contato com o Oriente. No período entre os séculos 11 e 14, com o renascimento do comércio mediterrâneo, rompeu-se definitivamente o isolamento da vida social na Europa. Foi quando a igreja estabeleceu uma verdadeira hierarquia de profissões, em que os comerciantes ocupavam um lugar mediano, entre os clérigos e os camponeses. Nessa linha de reabilitação moral, até mesmo a usura, durante tantos séculos considerada grave ofensa à lei de Deus, foi paulatinamente justificada. A palavra fides, cujo sentido remete a fé e fidelidade, significou obedecer a um senhor e acreditar em Deus – ao mesmo tempo.
Na terminologia da Idade Média, diferentemente da Grécia Antiga e sua divisão do trabalho entre Arte Liberal e Arte Mecânica, a diferenciação entre os vários grupos profissionais desenvolveu-se muito lentamente. Durante um longo tempo, não houve distinção entre arquiteto, pedreiro, carpinteiro etc. Os termos artifez (artista) e operarius (trabalhador braçal) eram usados indiscriminadamente, não havia uma personalidade dominante no canteiro de obras e nem sempre uma única mão realizava o trabalho até concluí-lo. Havia, ademais, liberdade para práticas anônimas.
Durante o período da arquitetura grega, embora se buscasse a perfeição estética via proporções corretas, a originalidade do arquiteto se resumiu a essa motivação, que a Idade Média deslegitimou: como não havia hierarquia de comando no processo produtivo e nem sempre o mesmo operário terminava o trabalho iniciado, a originalidade passou a ser vista como um valor positivo.
Sem regras de proporção e sem hierarquia de comando, surgiu a chamada Arquitetura Gótica, uma combinação entre o desejo de ascensão espiritual (estímulo ao fiel para abandonar seu corpo, ascendendo ao céu) e o empenho nas inovações técnicas de engenharia (nova proposta construtiva: o arco ogival e a estrutura independente).
O arquiteto Sérgio Ferro chamou a atenção para o fato de a catedral gótica participar da economia local, ao atrair operários e mercadores de regiões distantes, movimentando o mercado. Para Ferro, as catedrais jamais deveriam ser concluídas, ou a economia local colapsaria.
A história do gótico também se deve ao modelo anterior, da Arquitetura Românica: arcos redondos, robustez, poucas aberturas ao exterior, similar à arquitetura das fortalezas medievais. Havia um problema relacionado com a construção de igrejas que absorvia a atenção dos arquitetos, qual seja, o desafio de dar a esses imensos edifícios de pedra um apropriado e confiável telhado de pedra. Altas e grossas paredes deveriam ser levantadas para suportar tamanho peso, e para tanto, os pilares deveriam ser robustos. Os arquitetos pesquisaram outras soluções e chegaram aos arcos transversais entre os pilares, com o preenchimento em pedra das seções triangulares entre eles, para lhes servir de telhado. Poder-se-ia pensar que se tratasse de uma nova invenção técnica, mas seus efeitos foram mais além disso. A grande descoberta consistiu em um método inovador e eficaz para abobadar a igreja, por meio de arcos transversais e redução da superfície em pedra das paredes, logo preenchidas por grandes janelas (vitrais): uma imponente edificação de pedra e vidro, em escala divina. Esta foi a ideia realizada pelas catedrais góticas, primeiramente desenvolvida no norte da França na segunda metade do século 12. Porém, a proposta de cruzamento de nervuras não foi suficiente. Fizeram-se necessárias outras invenções. Os arcos redondos do estilo românico, por exemplo, mostraram-se inadequados aos objetivos dos construtores góticos: eles não permitiam à abóbada atingir grandes alturas. Para se alcançar uma altura maior, haveria de se construir arcos com maior profundidade. Ao invés de permanecer com o modelo de arco redondo, a melhor solução encontrada foi unir dois segmentos de arcos, ideia que levou à criação do arco ogival, cuja vantagem é permitir variações à vontade, seja de um arco mais achatado, seja mais pontiagudo, segundo as exigências estruturais. E ainda havia mais um aspecto a considerar: as abóbadas não apenas exerciam pressão de cima para baixo, senão também para os lados, e os pilares não eram suficientes para, sozinhos, suportarem tanta pressão de dentro para fora. Foi quando os construtores introduziram os arcobotantes (contrafortes), uma armação externa complementar à abóbada gótica. Estas novidades construtivas permitiram aos cidadãos, desde o interior da catedral, sentir e compreender a complexa interação de trações e pressões necessária para sustentar a grandiosa abóbada. Não há paredes cegas ou pilares maciços em parte alguma da catedral gótica, suas paredes são compostas por vitrais coloridos que contam, na sublimidade de seu desenho e cor, a história do Cristianismo para os cristãos.
Ética e a arquitetura no Renascimento
No período entre os séculos 11 e 14, identificado como a Baixa Idade Média, o ocidente europeu assistiu a um processo de renascimento do comércio. E das cidades. Ergueram-se grandes burgos, centros de produção artesanal e entrepostos comerciais, e as primeiras casas bancárias, voltadas para a atividade cambial e empréstimos a juros. A Europa ocidental passou a ser cortada por caravanas de mercadores em todas as direções. A economia de subsistência e de troca (escambo) tendia a ser suplantada pela economia monetária, a influência da cidade passou a prevalecer sobre o campo, a dinâmica do comércio forçou a ruptura das corporações de ofício medievais. A nova camada dos mercadores enriquecidos, a burguesia, procurou de todas as formas conquistar o poder político e prestígio social proporcional a sua importância comercial e opulência material.
Por volta do século 14, contudo, todo esse processo de crescimento entrou em colapso devido à peste, à Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra, e às revoltas populares. Foi o que ficou conhecido como crise do Feudalismo. A peste surgiu e se estendeu pelas aglomerações desordenadas de casas comprimidas no espaço estreito entre as muralhas dos burgos, ausentes de qualquer sistema de esgoto ou saneamento. Disseminada nos deslocamentos de viajantes, atribuiu-se a peste aos ratos trazidos do exterior, pelas naus e caravelas. Afinal, peste e guerra exterminaram cerca da metade da população europeia.
Com o declínio demográfico, os senhores feudais passaram a aumentar a carga de trabalho e de impostos cobrados aos camponeses remanescentes. A solução escolhida para a solução da crise das relações de produção foi, preferencialmente, o trabalho assalariado, e assim os servos foram libertados. Entretanto, a nobreza feudal via aumentarem suas dificuldades. As grandes despesas de uma guerra longa e as dificuldades enfrentadas pela escassez de mão de obra levaram-na a um endividamento crescente junto aos capitalistas burgueses, obrigando os nobres a se desfazer de suas terras, emancipar seus servos e aumentar as regalias oferecidas às cidades e aos mercados. A mesma crise de mão de obra afetou a atividade manufatureira, sobretudo aquela ligada a artefatos bélicos, construção naval e produção de roupas e tecidos. Por esses motivos, o século 15 ficou conhecido como o século da Revolução Comercial.
Outro agente social fortalecido com a crise do Feudalismo foi a monarquia, na qual a burguesia via um parceiro legítimo contra as arbitrariedades da nobreza e um defensor de seus mercados contra concorrentes estrangeiros, importante na pacificação das guerras feudais e eliminação do banditismo nas estradas. Com a expansão do comércio, a monarquia criou as condições políticas para que os mercados nacionais crescessem, assim como o comércio internacional.
No campo da Ética, surgiu o pensamento de filósofo fiorentino Nicolau Maquiavel (1469-1527). Mais do que um filósofo, Maquiavel foi uma eminência do Renascimento. Conhecido como o fundador da moderna Ciência Política, para ele, o poder de governo era o centro de toda ação política, e esta uma técnica de conquista e manutenção do poder, poder que não se diluía no povo, encarnado e simbolizado na figura de O príncipe, sua obra prima. O príncipe idealizado por Maquiavel deveria possuir certo número de qualidades pessoais, às quais chamou de virtù, especialmente a força física e a insensibilidade. O povo, segundo o florentino, é incapaz de governar a si mesmo, da mesma maneira como um exército sem chefe é facilmente derrotado. Eis uma verdade da maior evidência, para ele. Dessa concepção de Maquiavel sobre o poder, nasceu a ideia de que “os fins justificam os meios”: fins seriam os interesses do mercado; e meios, as ações do governante para os alcançar – ainda que motivadas por uma ética de conveniências. O respeito aos costumes ancestrais cedeu passo ao sentimento da honra pessoal e do culto do herói, este posto acima do povo, o vulgo vil, para sozinho, forjar o próprio destino. Abolida a anatomia jurídica dos estamentos – nobreza, clero e povo –, o povo tendeu a ser simples massa de manobra, na permanente aventura da reconstrução da sociedade para “a glória do príncipe”, ser predestinado, superior aos comuns mortais. Desde que o príncipe tenha êxito em sua missão. Daí a multiplicação de despotismos, civis e eclesiásticos, e das guerras de conquistas, com amplo recurso a tropas mercenárias.
Nesse momento, a racionalidade dos gregos resgatada – ou renascida – passa a conviver com os valores da sociedade renascentista, sobrepondo-se à visão religiosa do mundo medieval. O pensamento matemático voltou, embora o contexto seja novo: a razão prestará serviços ao mercado, ou seja, à contabilidade, aos cálculos dos sistemas de juros, aos empréstimos e investimentos. Diferentemente da razão da filosofia grega, a razão no Renascimento serviu aos interesses do mercado. As ciências trabalharam para beneficiar os instrumentos de mercado. As pesquisas sobre a tradição da Geometria Euclidiana fizeram-se acompanhar dos avanços da Matemática, e ambos ganharam novas funções com a invenção da luneta astronômica por Galileu e a teoria do heliocentrismo: o Sol passou a ser reconhecido como o centro do sistema planetário e não a Terra, como até então afirmava a igreja. Convicto da teoria de Galileu, Colombo partiu da Espanha para descobrir a América em 1492. Graças às descobertas científicas e particularmente da navegação, o sistema comercial pôde se expandir e cobrir distâncias até então inimagináveis. O globo terrestre passou a ser rigorosamente mapeado, esquadrinhado por uma rede de coordenadas geométricas destinadas a garantir a segurança e a exatidão das viagens marítimas e, consequentemente, o sucesso dos negócios do mercado europeu. Agora, o desenvolvimento do saber seria dirigido à vida pratica dos interesses da economia burguesa.
Veremos que as artes plásticas acabarão por se converter em um centro de convergência de todas as principais tendências da cultura renascentista. A nova classe burguesa, para se impor socialmente, deverá combater a cultura medieval pela qual fora relegada a uma posição inferior e sem importância. Será necessário construir uma imagem na qual a burguesia ocupe o centro e não as margens do corpo social. As famílias prósperas graças a seus negócios bancários e comerciais, os novos príncipes e monarcas utilizarão parte de suas riquezas para a construção de palácios, igrejas, catedrais e capelas. Esses financiadores da nova cultura – burgueses, príncipes e monarcas – identificados como mecenas, se encarregarão de proteger o desenvolvimento das artes. Mais do que sua imagem, visível ou não nas obras por eles financiadas, os burgueses divulgarão uma nova sensibilidade, inspirada na hegemonia da razão, de um ideal otimista de progresso. A arte do Renascimento será uma arte de pesquisa, invenção, inovação e aperfeiçoamento técnico. Ela acompanhará as conquistas da Física, da Matemática, da Geometria, da Anatomia e da Filosofia.
Um exemplo dessa revolução nas Ciências e nas Artes deve-se à invenção do arquiteto, também florentino, Filippo Brunelleschi (1377-1446): a Perspectiva Científica. Desde suas primeiras pesquisas sobre a perspectiva, Brunelleschi definira o espaço como proporção: a princípio como forma, e logo como espaço tridimensional. Por volta de 1420, tendo como base o teorema de Euclides (filósofo grego, falecido em 285 a.C.), que estabelece uma relação matemática proporcional entre o objeto e sua representação pictórica, Brunelleschi instituiu a técnica segundo a qual todos os pontos do espaço retratado obedecem a uma norma única de projeção: o olho fixo, que observa o espaço como se dispusesse de um instrumento ótico capaz de definir as proporções dos objetos no espaço. Nesse procedimento técnico, o plano do quadro é interpretado como uma intersecção da pirâmide visual cujo vértice consiste no olho do pintor. Tomada de empréstimo essa imagem para o plano político, a Perspectiva Científica representaria o olhar do monarca que o contratou.
“Brunelleschi nos deixou senão um breve texto em que explicou como pretendia construir a cúpula da igreja Santa Maria das Flores em 1490, na cidade de Florença. Dezesseis anos depois, Leon Battista Alberti, no Tratado da Pintura, a ele dedicado, diz dessa construção ‘que se eleva aos céus, em cuja sombra podem se abrigar os povos da Toscana’” (2).
É possível que a técnica da perspectiva tenha surgido das experiências com tabuletas do batistério visto da porta de Santa Maria das Flores. Ao dispor um espelho na frente da tabuleta e o olho colocado no furo feito na pintura, esta posicionada de costas para o olho e de frente para o espelho, Brunelleschi enxergou a pintura como se fosse a própria realidade apresentada. A tabuleta da praça tinha a parte superior recortada, marcando a linha quebrada dos telhados, e assim, do próprio céu fez-se o céu da pintura.
Lembremos novamente de Maquiavel, quando escreve que O príncipe é dotado de virtù. Do mesmo status disfrutam os artistas e os arquitetos, cujo trabalho pressupõe ausência do esforço físico, entendido como tarefa de escravos, servos e mercadores, ou seja, como atividade indigna. Artistas e arquitetos tornaram-se trabalhadores liberais graças ao auxilio da ciência da Matemática, via técnica da perspectiva, recurso do qual não dispunham os trabalhadores mecânicos que desenhavam com as mãos.
“num tempo em que o artesão que fabrica imagens ainda come na cozinha, a cozinha do ofício manual constitui um obstáculo à promoção. Ela não pode ser evitada, caso contrário não há obra. Mas o trabalho das mãos, no desenho ou na escultura, tem que ser escondido senão o status pretendido jamais será atingido. Várias soluções são ensaiadas, três são significativas: 1) o Virtuoso, que procura compensar o desprestígio da mão trabalhadora com a sofisticação do gesto produtivo. 2) A Denegação, chamada de [trabalho] ‘liso’ por Sérgio Ferro, que elimina os sinais do traço humano da mão resultando num trabalho que aparenta não ter traços, ou seja, completamente liso sem vestígios da mão. 3) A terceira demonstra ter havido trabalho, no entanto, um trabalho de um gênio com a sprezzatura (confere às tarefas mais árduas uma aparência de abandono, serenidade, naturalidade) e o nonfinito (não acabado), isto é, a obra é inacabada para mostrar que o artista é livre para fazer o que bem entender, diferente do artesão cujo trabalho é submisso” (3).
Voltando a Brunelleschi, este também ficou conhecido por sua solução técnica à construção da cúpula de Santa Maria das Flores, a qual, em absoluto, foi erguida sobre um plano vazio. Ele assumiu a construção da catedral quando já era uma realidade quase concluída: faltava-lhe a cúpula. Arnolfo di Cambio (1240/45-1302/10) iniciara a obra no fim do século 13, projetando inclusive a forma da cúpula, da qual deixou uma maquete em alvenaria. Essa cúpula não foi realizada porque a técnica com a qual seria construída por Arnolfo fora perdida com a mortes de artesãos, vítimas da peste e das guerras. A crise provocada por esse acontecimento atingiu os canteiros de obras medievais, enfraqueceu o sistema de construção e fez desaparecer os carpinteiros em condições de montar as armações de madeira sobre as quais as cúpulas eram erguidas, segundo a antiga técnica.
Brunelleschi encontrou a maneira de construir a cúpula de Santa Maria das Flores sem o apoio de armações. Com uma técnica inventada por ele e que dispensava a participação daqueles carpinteiros, bastaria aos mestres de obras executar a cúpula a partir das orientações do desenho. A novidade apresentada por Brunelleschi não consistiu em encontrar uma alternativa às armações e sim recorrer a uma estrutura de alvenaria que dispensasse armação. Brunelleschi estudara os monumentos romanos e aplicou a antiga técnica construtiva de assentar tijolos, conhecida pela expressão “espinha-de-peixe”. De acordo com essa técnica construtiva, a cúpula cresce e se eleva progressivamente, de forma autoportante, sem madeiramento que a apoie nesse processo. Para tanto, ele se utilizou do arco ogival gótico, ao qual a desenvolvida pelos antigos romanos se aplicava bastante bem.
Brunelleschi inventou uma técnica para produzir a cúpula que não exigia intensiva participação dos mestres de obras, trouxe o projeto pronto, no papel, elaborado longe do canteiro de obras. Ele não inventou apenas uma maneira nova de projetar, introduziu a hierarquia no processo de produção da arquitetura, em que o arquiteto pensa e desenha, e os operários obedecem e executam; ou seja, volta-se aos velhos tempos gregos da diferença entre Artes Liberais e Artes Mecânicas. A postura de Brunelleschi representou uma afirmação do individualismo e da superioridade do arquiteto no processo produtivo da arquitetura. Para que houvesse total controle sobre esse processo, Brunelleschi substituiu o desenho gótico, aplicado pelos operários e mestres de então, pelo desenho clássico visto por ele em Roma, totalmente alheio ao conhecimento e experiência tradicionais. Dessa forma, apenas o arquiteto Brunelleschi conhecia o desenho, cuja concepção e delineamento ele ocultava dos demais participantes. Assim, inaugurou-se o trabalho alienado no canteiro de obras, ao se trazer de fora o desenho pronto, para ser distribuído segmentado, em partes destinadas às diferentes equipes de operários. E nasceu o arquiteto como o conhecemos hoje: o Arquiteto Moderno.
Ética e a arquitetura do século 18
“Conhecido também como a Idade da Razão, [o século 18] dava muita ênfase às capacidades racionais do ser humano, mas de acordo com o entendimento do Iluminismo a razão compreendia mais do que simplesmente a faculdade humana. O conceito lembrava a antiga afirmativa estoica do período greco-romano” (4).
Segundo Eric Hobsbawm (5) (1917-2012), a Revolução Francesa foi a responsável pela difusão das ideias do Iluminismo mundo afora. Para ele, os anos entre 1789 e 1848 trouxeram a maior transformação da história da humanidade, a que chamou de dupla revolução. A Revolução Industrial modificou aspectos da produção material, tecnológica, política e ideológica de todos os países. Ela alterou a vida do mundo, ao constituir uma nova divisão internacional do trabalho, uma nova divisão social do trabalho e uma nova divisão do trabalho em si. A Revolução Industrial transformou o sistema de produção material da sociedade. A Revolução Francesa, por sua vez, difundiu as novas ideias características do Iluminismo: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Entretanto, ditas por políticos, empresários ou operários, cada uma dessas três palavras não é pronunciada com o mesmo significado. Liberdade, por exemplo, significa para os primeiros um conceito cuja origem remonta aos filósofos iluministas, enquanto para os segundos, uma diminuição do controle estatal sobre sua iniciativa particular; e para os últimos, os operários, o direito a alcançar um nível de vida razoável.
“As mudanças da Revolução Industrial delineiam-se na Inglaterra, a contar da metade do século 18 em diante, e repetem-se nos demais Estados europeus: aumento da população, aumento da produção industrial e mecanização dos sistemas de produção” (6).
[...] A arquitetura junto com a pintura e a escultura, forma a tríade das artes maiores, estas e as demais artes estão condicionadas a um sistema de regras, deduzidas em parte da antiguidade, e em parte individualizadas por convergência pelos artistas do Renascimento que se consideravam universais e permanentes, tendo como fundamento a natureza das coisas e a experiencia da antiguidade, concebida como uma segunda natureza. Assim, nos últimos três séculos, o repertorio clássico foi adotado por todos os países civilizados e foram adaptadas as mais variáveis exigências práticas e de gosto, a universalidade intencional das formas canônicas foi quase traduzida para a realidade através do número quase infinito de aplicações. As leis supostamente naturais e imutáveis da arquitetura concretizam-se em certas constantes, deduzidas dos monumentos romanos, de Vitrúvio, ou ainda, da experiência dos mestres modernos” (7).
O Iluminismo, movimento filosófico desenvolvido na França, Alemanha e Inglaterra do século 18, propõe-se a discutir todas as instituições tradicionais, avaliando-as à luz da razão. Aplicado à cultura arquitetônica, o espírito de razão ilumina o que havia permanecido nas sombras desde o século 15. Ele chega a negar a sustentada universalidade dessas regras, subvertendo os pressupostos do próprio classicismo e dando cabo ao movimento baseado em tais pressupostos. Exige-se que os monumentos antigos sejam conhecidos com exatidão, por meio de acurados exames diretos e não vagas aproximações. O patrimônio arqueológico, levemente referido no Renascimento, é explorado de maneira sistemática. Iniciam-se as escavações de Herculano (1711), do Palatino (1729), da Vila Adriana (1734), de Pompéia (1748). Publicam-se as primeiras coleções de relevos, não limitadas a temas romanos. Procura-se um conhecimento direto da antiga arte grega. A antiguidade clássica passa a ser conhecida em sua objetiva estrutura temporal. O Classicismo, no momento em que começa a ser estudado, torna-se uma convenção arbitrária: transforma-se no Neoclassicismo. Não obstante, a nova conceituação se amplia para além das formas clássicas, e o mesmo tratamento é dirigido a todo tipo de forma do passado, medieval, românica etc., produzindo os respectivos revivals: neogótico, neobizantino, neoárabe e assim por diante. Os escritores anglo-saxões chamam a esse movimento, em sua forma mais ampla, de Historicismo, pelo qual, na aplicação correta de cada estilo, vale o critério da fidelidade histórica. O artista pode aceitar tais referências ou recusá-las, ou mesmo manipulá-las; o certo é que ele as recebe desde fora de seu contexto histórico e não dispõe de margem para as assimilar a seu modo, porque não se trata de modelos ideais e sim de exemplos reais, conhecidos pela experiência universal.
Com uma variedade de estilos a exigir apenas a fidelidade a sua forma original, o trabalho do arquiteto tende a se restringir, cada vez mais, ao conceito de estilo enquanto uma simples vestimenta decorativa, a ser aplicada sobre um esqueleto de sustentação genérico. Com essa atitude, o arquiteto se atribui o engenho artístico e deixa para os demais o empenho na construção técnica. Assim nasceu o dualismo de competências, ainda hoje representado pela contraposição entre duas categorias profissionais: o arquiteto e o engenheiro. Não por acaso, em 1716 surgiu o primeiro curso de Engenharia.
Nem todos os arquitetos se utilizaram dos revivals. O culto de estilos históricos encontrou uma oposição: os chamados Arquitetos Revolucionários. Étienne-Louis Boullée (1728-99), Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806) e Jean-Jacques Lequeu (1757-1826) não foram os únicos arquitetos revolucionários, embora os mais importantes. Boullée representou a busca por novas formas; e Ledoux, por uma nova ordem, o programa arquitetônico (8). Ambos foram influenciados por Jacques François Blondel, professor e fundador de uma escola de arquitetura. Blondel ensinava sobre o absurdo de continuar projetando formas do passado, pois segundo ele, a nova forma deveria ser regida pela razão. A organização natural (funcional) de plantas expressava as necessidades dos novos programas dados aos arquitetos, agora trabalhando para o mercado e não mais para a monarquia ou o clero. Tratava-se de uma nova demanda, atendida pela chamada arquitetura narrativa, ou seja, aquela que trata do programa arquitetônico e dispõe, de forma racional, a planta arquitetônica e seu caráter (sua função).
As novas formas, não mais as dos estilos históricos, baseavam-se nas chamadas formas platônicas, ou melhor dito, no idealismo da formas puras, como o cilindro, a esfera, o cubo, o paralelogramo, que, segundos os gregos, seriam as formas primárias da natureza.
Ética e arquitetura do século 19
A definição do século 19 se apoia na base histórica do Iluminismo. A partir dos fundamentos iluministas do século 18, o século seguinte se caracteriza por reconhecer o poder da razão enquanto fonte única de entendimento, explicação e organização do mundo. No século 19, a Natureza como entidade maior, entregue a suas próprias leis, transforma-se em modelo epistemológico de análise e conhecimento. Se o homem é fruto da Natureza, e se a Natureza é organizada por suas próprias leis – seguindo o método indutivo –, o homem carrega essas leis em sua mente. A esse respeito Immanuel Kant (1724-1804), em sua Critica à Razão Pura, entendeu a mente como um instrumento ativo no processo do conhecimento.
O processo do conhecimento se inicia na experiência dos sentidos, e estes fornecem ao cérebro os dados empíricos sistematizados que irão se desenvolver na mente pelo método racional. Contudo, o relacionamento da mente com esses dados sistematizados é permeado por valores morais, que gerenciam as relações entre os homens e suas práticas de vida. Nesse sentido, razão e moral se equivalem. A elevação da mente à escala de um valor fundamental para o processo do conhecimento transferiu a um Eu individual uma centralidade que o tornou autônomo no projeto do Iluminismo, criador de seu próprio conhecimento a partir de sua vivência e observação científica do mundo.
“Pensadores como Descartes, Newton e Kant foram os responsáveis pelo fundamento intelectual da Era Moderna que nasce em fins de 1600, floresce nos séculos 18 e 19. A mente moderna iluminista supõe que o conhecimento seja preciso, objetivo e bom. Ela pressupõe que o eu racional e desapaixonado é capaz de obter tal conhecimento. Pressupõe também que o eu conhecedor olha para o mundo mecanicista como um observador neutro munido do método cientifico. O conhecedor moderno envolve-se no processo do conhecimento crendo que o conhecimento inevitavelmente leva ao progresso e que a ciência, associada à educação, libertará a humanidade de nossa vulnerabilidade frente à Natureza e a todas as formas de escravidão social” (9).
O século 19 é o momento quando todos os cientistas buscam uma lógica para a Natureza a partir da observação direta. Esse pensamento também respingou na arquitetura. Por exemplo, o arquiteto francês Viollet-le-Duc (1814-79) utilizou o método de Descartes como metodologia de projeto, concluindo que “o desenho arquitetônico é a síntese entre as técnicas construtivas e o programa arquitetônico”.
“Em toda investigação o melhor método deve ser buscado. Hoje esse método consiste em estudar partes de uma ciência em sua necessária ordem, dando ênfase primeiro àquilo que merece mais atenção, colocando o mais fácil antes do mais difícil, o geral antes do particular, o mais simples antes do mais complexo. Devemos expor a ciência com clareza, disse Descartes” (10).
Já o crítico de arte inglês John Ruskin (1819-1900) se inspirou na Filosofia da Natureza (provavelmente a do Conde de Shafstburry, século 18), que enxergou a lógica Natural como uma política da ajuda mútua, segundo a qual cada elemento natural ajuda o outro a existir, em equilíbrio. Motivado por essa filosofia, Ruskin tratou de diversos assuntos, inclusive da arquitetura. Para ele, o fenômeno estético é a qualidade de sentir o espaço, mais precisamente o fluxo das energias circulantes e constitutivas desse espaço. A estética arquitetônica seria o desenho dessas energias a compor a edificação.
Para dar forma ao ideário que defendia, Ruskin considerou o desenho dos elementos estruturais que controlam esses fluxos, absorvem, conduzem, redirecionam e transmitem forças de energia, geometricamente expressas por linhas de forças. A chuva, a neve, os ventos, o peso próprio, o peso das pessoas, dos equipamentos, enfim, as forças naturais e artificiais incidentes sobre a edificação materializam-se em linhas de forças. Ruskin pesquisou o desenho dessas linhas de forças para a construção em pedra, definindo seus elementos constituintes, como a fundação (o alicerce), a parede ou a coluna, a cornija ou o capitel, os arabescos e os contrafortes. Ele explicou o surgimento de colunas para não ser necessário engrossar paredes submetidas a maiores pressões verticais, assim como os capitéis, derivados das cornijas concentradas em um único ponto; arabescos são desenhos delicados, transmissores de energias verticais e horizontais, geralmente localizados nos vitrais ou no interior de arcos. Os arcos servem para receber as forças verticais e em seguida, direcioná-las às colunas; estas, por sua vez, transmitem essas forças à fundação, que as distribui pelo solo. Contrafortes são apoios, destinados a desviar as forças laterais. Eis os elementos estruturais para as construções em pedra, desenhados para funcionar em conjunto: a energia recebida por um elemento é transmitida para o elemento contíguo, e assim sucessivamente, até se dissipar completamente ao tocar o chão. Ruskin chamou a atenção para o fato desses elementos não serem de forma alguma ornamentais e sim estruturais, passíveis de serem ou não decorados após a definição de sua forma; e que a criação da coluna, do arco e do capitel, assim como da cornija, não se refere a símbolos religiosos: apresentam-se em igrejas como poderiam estar em qualquer outra edificação, são desenhos estruturais para a matéria da pedra. Ruskin transformou esse seu entendimento em um conceito, ao qual deu o nome de Verdade das Estruturas, elaborado a partir de sua observação da arquitetura gótica: a ‘ossatura’ da edificação se expõe, para a visão e compreensão do observador, e cada elemento transmite ao outro as forças recebidas, conforme recomenda a política da ajuda mútua da Filosofia da Natureza, no entendimento e sensibilidade ruskinianos (11).
Ética e arquitetura do século 20
As revoluções políticas e econômicas do Iluminismo fizeram-se acompanhar de uma revolução científica que ganhou expressão nos séculos 18 e 19, influenciando radicalmente a arquitetura e as cidades daquele período. O humanismo e o pensamento científico recolocaram o homem no protagonismo social, possibilitando grandes descobertas da ciência e um caminho aberto ao progresso. No início do século 20, a filosofia experimenta uma remodelação, sob a influência de Bertrand Russell (1872-1970) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951), e passa a ser entendida como um método lógico de análise do pensamento. Em A concepção científica do mundo (1929), filósofos adeptos do positivismo lógico apresentam suas doutrinas, caracterizadas por uma forte reação à metafísica. Como objetivo de seu modelo reflexivo, buscavam separar o científico do não científico. Assim como no inicio do século 19, o Positivismo de Augusto Comte “procurou transportar para o campo da ética e da vida social o rigor de análise e raciocínio, próprio das ciências exatas” (12), a corrente neopositivista do início do século 20 acredita na ciência como único meio em condições de resolver os problemas sociais dos homens. Desde meados do século 19, da Paris de Georges-Eugène Haussmann (1809-91) e a Barcelona de Idelfonso Cerdá (1815-76), até a Brasília de Lúcio Costa (1902-98), construída cem anos depois, o urbanismo, nascido no bojo da lógica racionalista, evidencia esse rigor científico nos projetos urbanos, geometricamente desenhados e matematicamente calculados.
A arquitetura moderna, desenvolvida na primeira metade do século 20, carrega – ainda que tardiamente – o projeto positivista, na medida em que propõe uma estética antidecorativa, não individualista, econômica e ausente de referências, passadas ou externas. Os valores da arquitetura moderna, sobretudo das vanguardas, são orientados pelo racionalismo formal, estrutural, funcional, incondicionalmente vinculado à ética científica de seu momento histórico.
Exemplos da plena confiança na razão e no progresso das ciências são percebidos de diversos modos. O curso preparatório Vorkus, da Bauhaus, eliminava o conteúdo de história visando evitar contaminação dos alunos com o passado; a forma pura e geométrica da Ville Savoye, de 1928, ícone da arquitetura moderna do século 20 e obra-prima de Charles-Edouard Jeanneret-Gris, vulgo Le Corbusier (1887-1965), é o resultado de cinco fundamentos metodológicos passíveis de serem replicados universalmente: planta livre; fachada livre; janelas em fita; terraço-jardim; e a elegância inconfundível dos pilotis. No mesmo sentido, encontram-se a redução elementar do Neoplasticismo, proposta por Gerrit Rietveld (1888-1964) na Casa Schröeder e sua planta racionalizada (tal qual a nova sociedade), as estruturas metálicas recobertas de vidro de Mies Van der Rohe (1886-1969), característica marcante de seus arranha-céus e reveladora da confiança na indústria, o futurismo dos desenhos de Antonio Sant’Elia (1888-1916) e sua exaltação à velocidade, às máquinas e ao movimento, ou o despojamento de ornamentos e simbólica frieza científica da Vila Müller, de Adolf Loos (1870-1933). Loos, por exemplo, protagonizou uma incansável oposição ao ornamento: é de sua autoria o célebre artigo “Ornamento e crime”, no qual afirma ser o ornamento produto de mentes criminosas e acusa seus defensores de crime e degeneração.
Se o ornamento clássico, como expressão histórica e evidência da originalidade artesã, não é tolerado pelos pioneiros da arquitetura moderna, a regra de proporções presente na arquitetura grega é aceita e aplicada. Sobretudo por Mies Van der Rohe: no edifício Crown Hall, ele explora o mesmo sistema compositivo neoclassicista que K. F. Schinkel (1871-41) utilizou no Museu Aaltes, ao expor a base, corpo e coroamento na fachada, ritmada por esbeltas colunas metálicas. Em planta, ambos projetos são organizados por um núcleo rígido e circulação periférica. Na casa Farnsworth, desenhada por Mies Van der Rohe, a proporção áurea é geradora das medidas que definem os platôs, a distância entre pilares e a altura do pé direito. E no pavilhão alemão da Feira Universal de Barcelona de 1929, construção-síntese da arquitetura moderna de Mies, desconstrói-se e reorganiza-se a planta do Parthenon até se alcançar, na simplicidade elementar do resultado, uma nova situação para a mesma relação de medidas. A beleza da obra de Mies Van der Rohe se encontra nas raízes na matemática grega.
Como mostrou Hobsbawn (13), as duas grandes guerras do século 20 colocaram em cheque a ideia de progresso iluminista. Finda a Segunda Guerra Mundial, a ética da razão moderna passa a ser questionada e por conseguinte, também a arquitetura moderna.
Le Corbusier reformula o modelo de sua produção, afastando-se da “caixa branca”, e articula um novo momento para a arquitetura. Nos anos 1950, a utilização intensa do concreto armado na Unidade de Habitação de Marselha e a flexibilização formal da Capela de Ronchamp colocam uma nova questão ética. Ao escrever sobre o Brutalismo, então desenvolvido por jovens arquitetos ingleses, Banham (14) aponta a preocupação com as realidades do presente como princípio fundamental da ética brutalista. Para além de uma solução estética, consciente das dificuldades construtivas do pós-guerra, o Brutalismo aposta em soluções objetivas, estruturas simples e racionalidade nos detalhes. A noção da honestidade material – também vista nas estruturas metálicas de Mies Van der Rohe – é escancarada pelo concreto armado aparente, tornando-se protagonista do discurso da estética brutalista. Esta noção se aproxima da crítica à industrialização, liderada por William Morris (1834-96) e John Ruskin no século 19. Ao contrário dos edifícios de Mies, de aparência cristalina e bordas precisas, as novas estruturas brutalistas parecem ser reflexo da forma como Le Corbusier enfatiza a participação do homem na criação de sua arquitetura. Ferro contrapõe o brutalismo corbusiano ao de Vilanova Artigas (1915-85), ao escrever que
“Enquanto na obra do Artigas a estrutura é clara, bem pensada e aparente, no convento [La Tourette] o que se vê não é a estrutura real”, e completa “que há muito decor, muito reboco e argamassa” (15).
Para Sérgio Ferro, a versão “cabocla” dos paulistas busca, além de um resgate formal, a valorização do trabalho do operário na medida em que permite a exposição de seu saber construtivo. Por exemplo, no edifício do Sesc Pompeia em São Paulo, Lina Bo Bardi (1914-92) substitui a solução industrial e recorre ao artesanato das mãos operárias. É possível apreciar nas paredes das torres do Sesc Pompéia a marca de quem as moldou, os detalhes das fôrmas de concreto, as imprecisões nos acabamentos, as rugosidades e os materiais aparentemente improvisados.
Durante os anos 1970, o mundo capitalista viu sua economia abalada por baixas taxas de crescimento econômico e alta inflação. Esse contexto de insatisfação criou condições para a implementação de uma política neoliberal, alavancada sobretudo com as eleições de Margareth Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em 1980. Segundo David Harvey (16), a teoria neoliberal pode ser entendida como uma política cujo alvo é o bem-estar humano, alcançado pela maximização das liberdades empresariais – e redução do Estado –, desde que garantidos os direitos de propriedade privada, liberdade individual, mercados livres e livre comércio. Bresser-Pereira (17) lembra que ao se transformar o Estado no Estado mínimo, a produção de determinados bens básicos passa à iniciativa privada, assim como a eliminação de um sistema de proteção pelo qual as sociedades buscam corrigir as desigualdades e a injustiça social.
O neoliberalismo afeta a produção das cidades e da arquitetura, na medida em que a motivação do investimento privado passa a ser exclusivamente o retorno de capital, e condiciona o tipo, a forma, o método, o local, o público e muitos outros aspectos da política da construção nas cidades. A cidade, sua arquitetura e os arquitetos são impelidos a seguir a batuta de um mercado que, segundo Paulo Freire (18), impõe a ética do lucro sobre a ética universal do ser humano.
Uma análise crítica à obra de arquitetos-estrelas, como Zaha Hadid e Rem Koolhaas, teve como objeto a relação entre arquitetura e neoliberalismo. Seu autor, Spencer (19), acusa essa relação de servir a mecanismos de controle e conformidade com os mesmos valores de liberdade da política neoliberal. Por sua vez, Pedro Fiori Arantes (20) investiga o cenário da arquitetura recente e seus aspectos plásticos, econômicos e políticos, chamando a atenção para o processo produtivo e o fenômeno do consumo no neoliberalismo. Ambos, Spencer e Arantes, identificam uma condição problemática da arquitetura pós-moderna desenvolvida durante a ascensão do neoliberalismo.
Esta “condição pós-moderna” ganha força como conceito em 1979, quando o filosofo francês Jean François Lyotard (1924-98) define a experiência social no contexto neoliberal a partir da ciência linguística. Montaño & Duriguetto (21) reconhecem que o neoliberalismo traz consigo essa nova condição e ressaltam, antes de tudo, que o atual momento comporta uma vasta gama de perfis ideológicos, entre neoconservadores e progressistas. Tamanha diversidade de posturas se reflete na arquitetura realizada, inspirada em diversas correntes, muitas delas a defender posições divergentes. Na fala de Marilena Chaui (1941–),
“O pós-modernismo comemora o que designa de fim da metanarrativa, ou seja, dos fundamentos do conhecimento moderno, relegando à condição de mitos eurocêntricos totalitários os conceitos que fundaram e orientaram a modernidade. [...] Em seu lugar, [o pós-modernismo] afirma a fragmentação como modo de ser do real, fazendo da ideia de diferença o núcleo provedor de sentido da realidade; preza a superfície do aparecer social ou as imagens e sua velocidade espaço-temporal” (22).
Acontecimentos simbólicos, como a demolição do Pruitt-Igoe de Minoru Yamasaki (1913-86), e publicações relevantes, como A linguagem da arquitetura pós-moderna de Charles Jencks (1939–) em 1977, reforçam o novo momento da história da arquitetura, quando a liberdade de projeto – materializada na fragmentação, no aparecer social e na imagem da velocidade espaço-temporal – é apresentada como elemento fundamental desse movimento e sua consolidação dentro da lógica da sociedade neoliberal. Os fundamentos do conhecimento moderno da arquitetura e da “ética racionalista” são substituídos por uma miríade de vieses teóricos e soluções formais.
Evidentemente, parte da resposta pós-moderna, enquanto insatisfação com os ideais modernos, fundamentou e construiu uma crítica à aproximação da arquitetura com os interesses do mercado, atenta aos direitos humanos, especialmente das minorias, à sustentabilidade e participação comunitária, como se observa na obra de John Turner (1927–), John Habraken (1928–), entre outros. Sua postura crítica, entretanto, é negligenciada pela vertente estético-formalista da arquitetura, mais eficaz em sua resposta aos interesses de mercado, pautados na ética do lucro.
Uma dessas vertentes formalistas é explorada por Peter Eisenman (1932–) e Bernard Tschumi (1944–). Próximos da filosofia do francês Jaques Derrida (1930-2004), esses profissionais pretendem que a arquitetura materialize as ideias desconstrutivistas do filósofo: o Parque La Villette em Paris, de Tschumi, e as casas de Eisenman nos Estados Unidos, são projetos exemplares dessas ideias. Com o passar dos anos, tal prática teórico-projetual da desconstrução se transforma em experimentações formais, nas obras de Frank Gehry (1929–), Daniel Libeskind (1946–) e Zaha Hadid (1950-2016). Gehry e Libeskind abusam de formas instáveis, ângulos agudos, volumes em aparente deslocamento, superfícies inclinadas e revestimentos metálicos que envelopam o edifício, ocultando-nos sua técnica construtiva. No interior do Museu Guggenheim em Bilbao, desenhado por Gehry, é comum a presença de paredes ocas, feitas de gesso acartonado, verdadeiras camuflagens sobre espaços sobrantes, desaproveitados; inclusive, estruturas são ocultas. A verdade da matéria brutalista e a racionalidade moderna são substituídas pelo formalismo pós-moderno, que se permite esconder o que for necessário para fazer transparecer somente o pretendido.
A obra de Hadid, no início de sua carreira, parecia explorar as possibilidades construtivas do concreto – como na Estação de Bombeiros de Vitra – mas se envereda na metamorfose, orientada por uma linguagem de diretriz curvilínea, exemplificada no Centro Heydar Aliyev. A liquidez da forma, em aparente derretimento, é bastante simbólica do espírito da Modernidade Líquida, conceito elaborado pelo filósofo polonês Zigmunt Bauman (1925-2017) e adotado por alguns teóricos. Inegavelmente, Hadid e Gehry são inteligentes em reconhecer a ética por detrás do neoliberalismo e adequar sua arquitetura às demandas do neoliberalismo. São criativos, sobretudo, ao explorar a capacidade comercial de seus projetos e ao mesmo tempo, criar formas belas, repetitivas de uma identidade particular a cada um deles, facilmente reconhecível, transformando-os em estrelas da arquitetura midiática e conquistadores do mercado da arquitetura mundial, sem fronteiras a impedir seu sucesso.
Pouco se fala dos abusos humanitários durante a construção do Estádio da Copa do Mundo do Qatar, projeto de Zaha Hadid. Ao ser perguntada sobre os 500 trabalhadores imigrantes indianos e 382 nepaleses que, supostamente, morreram nas obras, Hadid se eximiu de qualquer responsabilidade, e que se houvesse algum problema com os trabalhadores, sua solução seria da competência do governo. As mortes de operários na construção dessas arquiteturas-monumento são acobertadas, como cuidadosamente são escondidas as marcas do trabalho de quem as constrói com o esforço e habilidade de suas mãos e o suor de seus rostos, e riscos. Na Casa da Música de Rem Koolhaas (1944–), as marcas do concreto aparente revelam os esforços exaustivos pelos quais os trabalhadores foram submetidos: a exigência do desenho, da paginação diagonal das fôrmas, contrariava a agregação gravitacional horizontal do concreto (um liquido viscoso), submetendo os construtores a altos riscos de acidente (23).
O investimento formalista, aliado à finalidade publicitária, atinge a arquitetura e o urbanismo de inúmeras maneiras. Em Aprendendo com Las Vegas, Robert Venturi (1972-2018) explora a ideia do edifício “pato” e do “galpão decorado”, aperfeiçoado posteriormente na rede de lojas Best, do grupo Site Architects, ao transformar o próprio edifício em um painel publicitário. A relação entre cidade e publicidade foi contestada por Otília Arantes (24), ao escrever sobre o modelo empresarial de investimento em cultura como forma de transformação urbana, observada a partir dos anos 1970, apontando os graves problemas de gentrificação. Gentrificação (do neologismo inglês gentrification) é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como a inauguração de novos pontos comerciais ou a construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento nos custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores cuja renda é insuficiente para sua permanência em uma realidade transformada. Os investimentos na revitalização de Barcelona, exigidos para a realização de olimpíadas, e a proliferação de filiais do Museu Guggenheim, cujo exemplo de Bilbao não deixa dúvidas, demonstram esse fenômeno. Uma medida, todavia, mais radical foi defendida por Patrik Schumacher: o atual responsável pelo escritório de Zaha Hadid chegou a propor a eliminação de moradias sociais, a privatização de todos os espaços públicos – incluindo ruas – e a venda da maior parte do Hyde Park de Londres para o setor privado.
Questões que pressupõem subversão ao mercado são incorporadas pelo sistema capitalista e utilizadas em favor da ética neoliberal. Atualmente, o tema da sustentabilidade é tratado como uma postura ética indiscutível na construção civil, a qual, de todas as maneiras, tenta remediar os problemas sociais, culturais e ambientais criados por sua prática depredatória, na busca irreversível pelo lucro. Perversamente, a conhecida política de certificação de edifícios verdes parece se alimentar da necessidade de publicidade e dos benefícios financeiros que essas certificações significam. Na pós-modernidade, a aprovação do arquiteto é garantida pela certeza do lucro que sua obra pode auferir, não necessariamente por sua qualidade. No esteio dessa lógica, se a habitação para investimento é bem aceita pelo mercado e vendida rapidamente, se o edifício cultural é visitado e atrai turistas para a cidade, se o projeto de revitalização urbana gera interesse a atrai investidores, ou se o edifício tem qualidade suficiente para receber um “selo-marketing” de sustentabilidade, o arquiteto pode considerar cumprido seu papel enquanto profissional.
Considerações finais
Na história do conhecimento e da produção da arquitetura e do urbanismo, especialmente em seus momentos mais destacados, é perceptível sua estreita relação com a Filosofia e a Ética, especialmente a ética do trabalho.
A arquitetura, além de sustentar os conceitos éticos do momento de sua realização, firmou compromisso com a história da ética do trabalho em seu processo produtivo. No contexto social da escravidão na Grécia Antiga, o arquiteto pensava e ordenava, enquanto o trabalhador escravo obedecia. Na Idade Média, essa hierarquia desapareceu em prol de uma arquitetura cuja ética era participativa, no compartilhamento das tarefas entre arquiteto e demais trabalhadores, sem hierarquia no canteiro de obras. Na arquitetura do Renascimento, resgataram-se os antigos preceitos gregos de distinção entre a Arte Liberal e a Arte Mecânica, e o arquiteto voltou a merecer destaque na hierarquia social da produção, como um trabalhador intelectual, reassumindo sua posição de comando. No século 18, inicialmente, a arquitetura abandonou sua relação com a filosofia para dispor do recurso da originalidade dos estilos. Neste momento o arquiteto dividiu a responsabilidade ética no trabalho, até então atribuída a ele, com o engenheiro, ambos a comandar a obra. Ainda no século 18 surgiu uma oposição aos arquitetos da sensibilidade revival, pautada nas formas puras platônicas e na retomada de sua relação com a filosofia, agora filosofia do Iluminismo. No século 19, a arquitetura voltou a manter estreitas relações com a filosofia, através da teoria da arquitetura do crítico de arte inglês John Ruskin e sua metodologia de projeto inspirada na Filosofia da Natureza, e a ética do trabalho se assemelhava à da Idade Média, desprovida de uma hierarquia de comando entre o arquiteto e os demais trabalhadores. Diferentemente de Ruskin, ainda no século 19, o arquiteto francês Viollet-le-Duc adotou como metodologia de projeto o modelo cartesiano, e em relação à ética no trabalho, restabeleceu a posição do arquiteto renascentista. No início do século 20, o arquiteto se aproximou da figura do cientista, propondo-se a resolver problemas sociais com seus projetos. Os desencantos com os ideais modernos, manifestados logo na primeira metade do século passado, permitiram um afrouxamento da pureza técnica da máquina e a presença da ação do trabalhador nas formas do Brutalismo. A ascensão do neoliberalismo conferiu à arquitetura seu atual papel publicitário, contribuindo com a qualidade do desenho para a manutenção e afirmação da estética dinâmica do mercado. Hoje, a ética do trabalho hierarquizado ganha nova configuração com a presença do empreendedor – público ou privado – junto ao arquiteto intelectual desde a concepção do projeto, tendo em vista os interesses econômicos determinantes.
notas
1
LAWRENCE, A.W. Arquitetura Grega. São Paulo, Cosac & Naify, 1998, p. 70.
2
KATINSKY, Julio. Renascença, estudos periféricos. São Paulo, Edusp, 2002, p. 19.
3
FERRO, Sérgio. Artes plásticas e trabalho livre. São Paulo, Editora 34, 2015, p. 97.
4
GRENZ, Stanley J. Pós-Modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo. Rio de Janeiro, Vida Nova, 2008, p. 103.
5
HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções, 1789, 1848. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002.
6
BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 21.
7
Idem, ibidem, p. 260.
8
KAUFMANN, Emil. Tres arquitectos revolucionarios, Boullée, Ledoux y Lequeu. Barcelona, Gustavo Gili, 1980.
9
GRENZ, Stanley J. Op. cit., p. 120.
10
VIOLLET-LE-DUC, Eugène. Discourses on Architecture, v. 1. Londres, George Allen & Unwin Ltd., 1959, p. 460.
11
AMARAL, Claudio Silveira. John Ruskin e o ensino do desenho no Brasil. São Paulo, Editora Unesp, 2011.
12
COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p. 350.
13
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século 20: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
14
BANHAM, Reyner. El brutalismo en arquitectura: Etica o Estética? Barcelona, Gustavo Gili, 1967.
15
FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo, Cosac Naify, 2006, p. 255.
16
HARVEY, David. Breve historia del Neoliberalismo. Madrid, Akal, 2007.
17
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Assalto ao Estado e ao mercado, neoliberalismo e teoria econômica. Estudos Avançados, v. 23, n. 66, São Paulo, 2009, p. 7-23.
18
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo, Editora Unesp, 2000.
19
SPENCER, Douglas. The Architecture of Neoliberalism. London, Bloomsbury, 2016.
20
ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma. São Paulo, Editora 34, 2012.
21
MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. São Paulo, Cortez, 2011.
22
CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo, Cortez, 2011, p. 327.
23
ARANTES, Pedro Fiori. Op. cit.
24
ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: A cultura nas novas gestões urbanas. In ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000.
sobre os autores
Claudio Silveira Amaral é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, professor aposentado da Unesp e professor voluntário do programa de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp.
Márcio Barbosa Fontão é aluno do programa de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp.