A cidade dispersa representa uma tendência à configuração de megacidades, de regiões urbanas que se formam a custa da natureza, dos espaços agrários ou naturais de seu entorno. Esse processo não ocorre necessariamente de como contínuo, mas aos saltos, dispersando fragmentos e eixos de assentamentos, infraestruturas, serviços, indústrias e expandindo a paisagem de uma matriz urbana, na qual também vão ficando fragmentos verdes, sejam parques formais ou espaços sem construir, mais ou menos naturais, no interior dos centros urbanos ou na periferia (1).
Mas é justamente essa matriz descontínua e difusa que faz com que a natureza e a cidade não sejam concebidas com duas materialidades contíguas, uma externa à outra. Portanto, é necessário reconhecer e repensar a presença e o papel da natureza na paisagem urbana.
O verde urbano esteve tradicionalmente representado através de parques, praças, arborização das ruas, sendas verdes, jardins privados ou públicos. Hoje, as grandes cidades desbordam a noção de verde formal, público, planejado, assistido e incorporam os espaços que acompanham as novas configurações das metrópoles: segregação, sistemas de circulação, periferias e vazios urbanos.
São as áreas verdes informais, intersticiais, assim como outras do tipo institucional (por exemplo, campos esportivos) e de caráter privado (áreas residuais industriais), lotes não construídos e abandonados, vias férreas em desuso, taludes de autopistas, áreas complementares ao sistema viário, áreas agrícolas ou florestais de borda ou periferia.
São espaços abertos, interstícios entre o tecido edificado da cidade contemporânea, que apresentam certa continuidade e que permitem a circulação do ar, da água e da matéria, simultaneamente à circulação de residentes ou de utilizadores ocasionais (2). Por vezes, além da circulação, verifica-se uma apropriação informal destes espaços como lugares de produção ou de convívio, ressaltando o enorme potencial que apresentam na estrutura e coesão da cidade enquanto receptáculo e comunidade.
Observando essa nova paisagem tornou-se cada vez mais evidente que, simultaneamente ao desenvolvimento de objetos anônimos edificados, sentia-se uma presença que, após muito tempo desempenhando um papel secundário, crescia progressivamente, adquirindo no urbanismo atual uma escala e uma importância tal que surge agora como um protagonista na paisagem urbana: esse espaço urbano intersticial, vazio, vulnerável e descontínuo, criado pela disfunção e disjunção da matriz da cidade em termos da sua estrutura física, ecológica e social, resultado da perda da compreensão da multifuncionalidade da paisagem que lhe subjaz (3).
Assim, intrínseco a essa concepção de paisagem é o conceito de multifuncionalidade ao qual se associam, desde sempre, os critérios e as práticas da produção e lazer. Afirma-se a ideia da produção associada ao lazer como componente fundamental da paisagem que estrutura, qualifica e dá continuidade ao tecido urbano através dos seus espaços intersticiais e espaços abertos.
Esses espaços urbanos intersticiais precisam de um novo entendimento sobre sua condição urbana e sobre sua importância na qualidade da paisagem citadina. Torna-se fundamental implementar um uso intencional e apropriado desses espaços como condição vital para a sua defesa, de modo positivo, garantido pela sua compreensão e usufruto. Devem ser encarados como espaços de coesão urbana, fundamentais e complementares ao espaço edificado e à sua articulação com a envolvente em termos ecológicos, estéticos, culturais, sociais, econômicos e tecnológicos. Espaços esses indispensáveis ao conceito de paisagem que leve em consideração projetos que incluem corredores verdes e estruturas verdes, ou seja, infraestrutura verde, essenciais, uma vez que permitem a ocorrência de processos ecológicos e fundamentais para o crescimento e desenvolvimento sustentável da cidade.
As hortas urbanas – como parte da agricultura urbana – são consideradas aqui como constituintes do contínuo natural e cultural que estrutura o tecido urbano, através da ocupação de espaços abertos e intersticiais, fazendo articulação e estabelecendo relações importantes para a cidade (4). Formam parte da infraestrutura verde que, entre outros aspectos, define as áreas que devem ser conservadas e indica as que são mais adequadas à ocupação (5).
Para isso é importante ter uma concepção sistêmica da paisagem, onde “todos os fenômenos ou eventos são interligados” (6), como bem o indica o Continuous Productive Urban Landscapes (CPUL); é um novo conceito de paisagem urbana, muito positivo do ponto de vista da sustentabilidade. O CPUL consiste na realização de uma malha verde que envolve a área urbana, com espaços verdes abertos, vivos e produtivos. Permite a melhoria das características ambientais, climáticas e ecológicas, assim como uma melhor economia, através da produção e consumo local de produtos de agricultura urbana e, ainda, espaços de lazer diversos. A produção local permite criar um equilíbrio saudável e sustentável entre a produção e o consumo de produtos. As cidades que aderirem a este projeto não serão autossuficientes, mas terão menor necessidade de produtos alimentares do exterior, terão maior capacidade de adaptação face às alterações climáticas e uma consequente melhor gestão energética (7).
Infraestrutura verde (sustentável)
As atividades humanas acontecem na paisagem onde ocorrem os processos e fluxos naturais abióticos (geológicos e hidrológicos) e bióticos (biológicos). A urbanização tradicional é baseada na infraestrutura cinza monofuncional, focada no automóvel: ruas visam à circulação de veículos; sistemas de esgotamento sanitário e drenagem objetivam se livrar da água e do esgoto o mais rápido possível; telhados servem apenas para proteger edificações e estacionamentos asfaltados são destinados à parada dos carros. A infraestrutura cinza interfere e bloqueia as dinâmicas naturais; além de ocasionar consequências como inundações/deslizamentos, suprime áreas naturais alagadas/alagáveis e florestadas que prestam serviços ecológicos insubstituíveis em áreas urbanas.
As infraestruturas modernistas – funcionalistas do século 20 – tinham o propósito único de eficiência pensado e dependente de materiais e uso intensivo de energia, como por exemplo, as rodovias urbanas (8). Muitas cidades da América Latina, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, começaram também a construir rodovias urbanas nos anos 1950 e 1960. Uma série de novas rodovias urbanas foram construídas no Brasil durante os anos 1960 e 1970, tais como o túnel Rebouças e o elevado Paulo de Frontin no Rio de Janeiro, que abriram uma rota direta entre o centro da cidade e a cobiçada Zona Sul que inclui Copacabana, Ipanema e Leblon. A crise da dívida dos anos 1980 desacelerou o processo consideravelmente, mas com o retorno do crescimento econômico da América Latina, as rodovias urbanas ressurgiram. A situação mudou e muito. Por exemplo, alguns estudos de caso mostram várias maneiras em que as cidades melhoram depois de remover rodovias urbanas ou simplesmente decidir contra a sua construção (9). Eles apontam para estratégias eficazes de projetos e de investimentos para lidar com os desafios atuais do envelhecimento da infraestrutura pública e das restrições nas fontes de recursos públicos. Também provam que sacrificar os bairros de uma cidade para acomodar uma suposta demanda de tráfego, não é só altamente oneroso, mas, muitas vezes, desnecessário. Hoje, a remoção das rodovias urbanas é menos uma questão de limitação técnica e mais uma questão de resposta pragmática, aspiração comunitária e vontade política.
Nas últimas décadas, grande parte da infraestrutura urbana tem sido construída sem levar em consideração seus impactos sobre a paisagem urbana e o meio cultural. Recentemente, através da conscientização dos aspectos ambientais da construção, os projetos da infraestrutura urbana têm sido influenciados de maneira marcante. A integração das necessidades de infraestrutura com o desejo de se ter mais espaços verdes é um exemplo. Todos os esforços devem ser considerados com uma clara visão para os valores estéticos que exercem mais do que uma mera função e contribuem para amenizar a vida. Projetos que lidam com a drenagem urbana se mostraram como oportunidades para realizar projetos esteticamente agradáveis, como, por exemplo, o uso de jardins de chuva, próprios da infraestrutura verde.
Se o predominante mundo urbano do século 21 abraça a aspiração global de sustentabilidade, a substituição da infraestrutura urbana do século 20 não teria esse único propósito (10). Mas deveria empregar a infraestrutura verde, que oferece diversos e amplos serviços de ecossistemas biofísicos e culturais e contribui à sustentabilidade urbana, assegurando que a infraestrutura redunde na resiliência do construído, que é a capacidade de absorver desastres e distúrbios próprios da mudança climática em ação.
Na última década, a infraestrutura verde tem sido incorporada em planejamentos sustentáveis de longo prazo em várias cidades de muitos países. Na verdade, não é um conceito novo, mas atualmente é mais abrangente e emprega conhecimentos técnico-científicos com a utilização de ferramentas digitais de última geração.
Articular os serviços do ecossistema prestados pela infraestrutura verde é um tema de pesquisa emergente (11). Esta infraestrutura verde — construída sobre uma base multifuncional, baseada no desempenho — possui o potencial para remodelar e redefinir um caráter estético que define a identidade cultural das futuras cidades e paisagens urbanas. Se a infraestrutura verde pode fornecer uma "experiência imersiva, estética, pode levar ao reconhecimento, empatia, amor, respeito e cuidados com o meio ambiente" (12).
Porém, o maior desafio para a construção de infraestruturas hoje, não é só propor novos enfoques e métodos, mas comunicar seus valores de maneira ampla à sociedade (13).
No Brasil, a infraestrutura verde é um tema recente de pesquisa, fundamentalmente. Na escala local, tipologias multifuncionais de infraestrutura verde têm sido desenvolvidas por grupos de pesquisadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Passo Fundo RS; esses grupos realizam, justamente, experiências locais do tipo safe-to-fail, além de estudar e divulgar os avanços sobre o tema.
Tipologias multifuncionais de infraestrutura verde têm sido desenvolvidas localmente de modo a manter ou restabelecer as dinâmicas naturais dos fluxos hídricos e bióticos, bem como melhorar e estimular a circulação e o conforto das pessoas e a redução do consumo de energia. Alguns exemplos são os jardins de chuva, biovaletas, lagoas de infiltração (bacias de detenção) e pluviais (bacias de retenção), tetos e muros verdes, alagados construídos, bioengenharia em taludes e encostas, pisos drenantes, hortas urbanas, entre outros. A inserção de paisagens urbanas produtivas – agricultura urbana em diversas escalas e agroflorestas – deve ser considerada no planejamento da infraestrutura verde urbana, e incentivada em todos os locais possíveis (14).
Hortas urbanas: espaços verdes produtivos
No âmbito da paisagem urbana existem muitos projetos e propostas de se implantar ou manter áreas produtivas dentro de áreas urbanizadas em diversas escalas. Desde fazendas urbanas até hortas e pomares verticais (em edifícios) e em jardins sobre lajes e tetos residenciais. O objetivo é trazer a produção e o consumo para o mesmo lugar, além de promover a conexão das pessoas com a produção de alimentos, os processos naturais, e educar fazendo e vivenciando.
Também com Le Corbusier (15), apesar de não a designar como tal, a agricultura urbana e periurbana tiveram um papel central no seu pensamento urbano ao descrever precisamente como a agricultura pode existir sem reduzir o total da densidade dos subúrbios. Analisando uma parcela de habitação suburbana de 400m², propõe destinar 150m² para um mercado comum onde haveria um agricultor encarregado de cada cem parcelas onde seria feito um cultivo intensivo. Os pomares encontrar-se-iam entre as casas e a terra cultivada. Le Corbusier (16) também escreveu sobre o que hoje se pode chamar agricultura periurbana ao tratar da Unidade da Quinta, da Cidade Industrial Linear e da Cidade Rádio-Concêntrica em transformação. O que é interessante nessas propostas, atualmente, é a forma como apresentam uma série de redes sobrepostas. Dentro desse conceito de cidade, a superfície proporciona uma espécie de tapete sobre o qual as cidades lineares, que têm entre 50 a 200 km de comprimento, formam longas vertentes, numa rede, cujos nós se transformam em cidades rádio-concêntricas. Os limites claros entre as cidades e as unidades-quinta são sintomáticos de um interesse prevalecente no zoneamento.
Lembrando hoje essas propostas, a unidade-quinta de Le Corbusier pode também ser considerada agricultura periurbana. A rede triangular das cidades lineares proposta por Le Corbusier resultaria em produção de alimento para as cidades nos limites normalmente estabelecidos pelos gestores do Mercado dos Agricultores de Londres.
Com uma posição diferente de Le Corbusier, surge Frank Lloyd Wright (17), que publicou, em meados do século 20 e até ao fim da sua vida uma série de ensaios nos que celebra a variedade na unidade de uma forma original. Na proposta de Wright encontramos uma visão que ecoa no pensamento arquitetônico atual acerca da essência e do poder gerador do conceito de paisagem. Essa noção de Arquitetura e Terra Agrícola é, talvez, a maior contribuição de Wright para os arquitetos e urbanistas atuais. Como ideia, os liberta de distinções entre urbano e suburbano, ajudando a articular uma visão da cidade conduzida pela intensificação eco onde as paisagens produtivas podem igualar o desenvolvimento tradicional do espaço edificado. Os arquitetos começam a lidar com a paisagem e tecido edificado, um informando o outro, à escala da arquitetura e à escala da cidade; estes assuntos estavam apenas no início de serem os protagonistas.
Mas, como afirma Carolyn Steele (18), os urbanistas falharam ao não conseguir ver o potencial do planejamento da agricultura urbana uma vez que o sistema alimentar é demasiado grande e complexo para conseguir ser facilmente compreendido, no entanto, é visto como um dado adquirido nos países desenvolvidos, tornando-se invisível. Todavia, a agricultura urbana emerge como um fenômeno capaz de transformar não apenas paisagens, mas também estruturas políticas, espaços públicos, relações sociais, cidades.
Numa grande parte da Europa, inclusive em Portugal, após uma gradual descentralização, o planejamento do uso do solo foi transferido para os municípios. Segundo Coline Perrin (19), este nível municipal de ordenamento do território tem sido alvo de críticas na França e na Itália devido ao fato de se considerar que as autoridades locais estão sujeitas a pressões por parte dos proprietários dos terrenos e dos promotores que especulam sobre a conversão dos solos agrícolas em solos urbanos. Outra das críticas relaciona-se com o fato de a agricultura e o abastecimento alimentar serem apoiados por políticas regionais e nacionais, enquanto o planejamento do uso do solo é municipal, excluindo muitas vezes a integração com as escalas regionais e nacionais.
Nos últimos anos observou-se um crescente reconhecimento da importância da agricultura urbana no planejamento das cidades. Além disso, têm surgido iniciativas extraordinárias por parte de alguns municípios para colocar as políticas e estratégias relacionadas com os alimentos no topo das suas agendas, como é o caso de Bristol (Reino Unido), Toronto (Canadá) e Belo Horizonte (Brasil), nesta última cidade a produção agrícola é reconhecida como um uso do solo legítimo, sendo promovida pela política de agricultura urbana do governo municipal que a vê como um contributo para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (20). Em 2015, o Brasil reconheceu e promoveu a agricultura urbana através do Edital n. 4 do Apoio a Projetos de Agricultura Urbana e Periurbana do Ministério de Desenvolvimento (21).
O caso do Rio de Janeiro é interessante. Por baixo deste cartão postal perfeito e de uma ação governamental da prefeitura local, a cidade, além de manter parques, um belo jardim botânico e a floresta da Tijuca, que guarda parte da mata atlântica (quase extinta hoje), também tem espaços pequenos, alguns abandonados (descuidados), outros que já são utilizados como jardins comunitários ou hortas urbanas no coração da cidade onde seus citadinos ganham mais do que áreas para recreação, espaços de integração social e de agricultura. São os espaços que, de acordo com Jane Jacobs (22), quanto mais nichos para a diversidade de vida e de habitantes em qualquer tipo de ecossistema, maior é a capacidade para viver, muitos espaços pequenos e obscuros, encontrados em uma observação superficial devem ser vitais para o todo, fora de proporção para sua própria escala.
Criado há oito anos pela Prefeitura do Rio de Janeiro, o projeto Hortas Cariocas (23) tem reduzido os índices de ocupação irregular de terrenos ociosos, elevando os níveis de inclusão social, além de propiciar alimentação livre de transgênicos e agrotóxicos aos moradores das comunidades. São quarenta hortas espalhadas pela cidade – em localidades como o Morro da Formiga, na Tijuca, e o conjunto de favelas de Manguinhos, ambos na Zona Norte – que incentivam a prática da agricultura urbana e oferecem gêneros alimentícios de qualidade a custo acessível e, às vezes, uma paisagem linda.
No Morro do Vidigal a ideia de tornar um depósito de lixo num parque ecológico surgiu de dois moradores. Com o passar do tempo, tornou-se um projeto comunitário que realiza atividades de reflorestamento, reciclagem, paisagismo, agricultura urbana e design. Hoje, são 8.500m2 de jardim, horta comunitária e espaço de entretenimento que se abre a uma bela paisagem, a do Leblon, em que pneus velhos foram transformados em escadas e assentos sanitários tornaram-se vasos de plantas. A iniciativa ganhou reconhecimento a nível mundial e já recebeu vários prêmios internacionais (24).
Verifica-se que cada horta apresenta situações que permitem concluir a importância do contato com a natureza para a população e a contribuição de projetos como os da prefeitura Municipal do Rio de Janeiro para uma melhor qualidade de vida dos usuários, não só física, mas também psicológica, assim como a importância para a paisagem urbana. Benefícios também conhecidos e referenciados por vários autores, como Dunnett e Qasim (25), Donna Armstrong (26), Dan Hurley (27) e Boukharaeva et al. (28).
Reflexão final
Kevin Morgan (29) argumenta que a política de planejamento urbano e o controle do mercado de solos, por si só, são insuficientes para preservar os solos agrícolas situados nos perímetros urbanos se os regulamentos não estiverem integrados numa estratégia global que relacione o planejamento urbano com a agricultura e com o sistema alimentar que reconheça o caráter multifuncional da agricultura urbana, isto é, as suas funções produtivas, culturais e ecológicas.
O principal objetivo é trabalhar no sentido de alcançar uma transição para economias de baixo carbono que consigam suportar as cidades e a vida urbana(30). As cidades que estarão mais bem preparadas para esta transição e que têm os melhores recursos e competências para fazê-la serão certamente as cidades que ainda mantêm a agricultura urbana e periurbana, que estão menos dependentes do mercado externo e que têm as maiores concentrações de conhecimentos, de bens e serviços. Por outro lado, as cidades mais vulneráveis são aquelas que estão extremamente dependentes do mercado externo e, especialmente, aquelas onde as áreas agrícolas urbanas e periurbanas foram substituídas por usos mais lucrativos do solo, perdendo a sua capacidade agrícola.
Torna-se necessário desenvolver soluções atraentes para o uso do solo e satisfazer as muitas procuras que se dão sobre os escassos espaços de terra nas cidades e nos seus arredores. Muitas dessas combinações podem ter como base a agricultura urbana, por exemplo, Deelstra e colaboradores (31): agricultura combinada com instalações educativas e creches; cultivo de gramíneas para ração combinado com lazer e tratamento de águas residuais; aquicultura combinada com armazenamento de água e lazer; processamento de produtos agrícolas agregando-lhes valor combinado com lazer; silvicultura urbana, que oferece benefícios para a saúde e o microclima, combinada com cultivos energéticos (lenha), lazer e a paisagem.
A agricultura urbana, traduzida em hortas urbanas promovidas pelas prefeituras ou grupos de usuários, pode também constituir-se como um equipamento comunitário que privilegia a interação social e a qualidade ambiental da cidade. É, acima de tudo, uma infraestrutura de custos extraordinariamente reduzidos e com um grande potencial de retorno na vida econômica das famílias. Assim, é preciso repensar o papel dessas infraestruturas como elementos de inovação urbana com a possibilidade de conferir sentido e oportunidade a áreas negligenciadas e de difícil manutenção (32). A horta urbana é a tipologia que poderia se relacionar mais diretamente com o desenho urbano e com a infraestruturação de unidades funcionais integrantes tanto da componente ecológica como da rede de espaços públicos e da paisagem de uma cidade.
Sob outra perspectiva, mas que contribuirá também para a sustentabilidade urbana, surge a necessidade de restabelecer e/ou manter a paisagem com sua diversidade tanto vegetal como animal (biodiversidade). Os processos de urbanização envolvem, constantemente, mudança significativa na paisagem através de uma aparente substituição dos elementos naturais por edifícios, ruas e outras infraestruturas, “as espécies introduzidas e a perturbação dos ciclos naturais colocam pressão nos fragmentos restantes” (33). Com a perda da diversidade cultural (natural, humana e construída) se perdem não só espécies que deixam de ter condições de sobrevivência como, também, importantes conhecimentos sobre formas sustentáveis de viver em ambientes particulares dos lugares que habitamos.
Áreas verdes urbanas, como as hortas urbanas (34),além de parques, praças, jardins públicos e arborização do viário (35), são consideradas relevantes para a promoção do desenvolvimento sustentável da paisagem urbana e para a oferta de funções que agregam bem-estar à vida humana.
Mas a principal constatação é a de que não há uma única tipologia de horta, nem uma paisagem, mas uma grande variedade importante de ser levada em consideração na tentativa de compreender a diversidade dessas iniciativas de agricultura urbana e estabelecer bases para sua integração na paisagem urbana. Consequentemente, não há uma maneira única de tratar as hortas urbanas no planejamento urbano, devendo se adotar soluções flexíveis o suficiente para responder à diversidade de espaços de produção agrícola e a natureza social e paisagística do entorno.
notas
1
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sobre o autor
Juan José Mascaró possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (Faculdades Integradas Ritter dos Reis, 1989) e Doutorado em Tecnologia na Arquitetura (Universidad Politécnica de Catalunya, 1995). Pós-doutor em Urbanismo Sustentável (Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, 2015). Atualmente é professor titular da Universidade de Passo Fundo.