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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo analisa o edifício-sede do Instituto Vital Brazil em três tempos: o projeto original, a situação atual com as alterações não criteriosas ao longo do tempo e o projeto de revitalização.

english
The article analyzes the Instituto Vital Brazil's headquarters in three stages: the original project, the current situation with the non-judicious alterations over time and the revitalization project.

español
El artículo analiza la sede del Instituto Vital Brasil en tres etapas: el proyecto original, la actual situación con las alteraciones no juiciosas en el tiempo y el proyecto de revitalización.


how to quote

PUPIM NETO, Manoel Hermes; ALVES, André Augusto de Almeida; SILVA, Priscila Fonseca da. Um patrimônio arquitetônico moderno brasileiro da saúde em três tempos. O edifício-sede do Instituto Vital Brazil, 1938–2012. Arquitextos, São Paulo, ano 23, n. 269.04, Vitruvius, out. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/23.269/8629>.

Instituto Vital Brazil, perspectiva e fotografia do edifício central, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

O edifício-sede do Instituto Vital Brazil, projetado pelo engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil, constitui importante exemplar da arquitetura moderna brasileira. O rigor na organização das funções e dos fluxos, na concepção estrutural, na implantação, bem como no emprego de técnicas construtivas de caráter industrial, revela os valores, os atributos e as qualidades da arquitetura de Álvaro Vital Brazil, ainda que em descompasso com a realidade cultural local da época (1).

Apesar do reconhecimento precoce da qualidade arquitetônica do conjunto — mesmo antes de sua conclusão, a obra constou na exposição “Brazil Builds” em 1943 em Nova Iorque — e seu processo de tombamento em nível municipal de 1995 (2), inúmeras reformas, ampliações e demolições não criteriosas foram realizadas desde a sua inauguração em 1943, a fim de adaptar o edifício às novas demandas programáticas e tecnológicas, e resultam em prejuízos do ponto de vista patrimonial.

Diante deste cenário, o escritório Fábrica Arquitetura elabora, em 2012, um projeto (não construído) por ele definido como de “revitalização” (3), que ao remover usos laboratoriais e consolidar o uso exclusivamente administrativo no edifício-sede, lhe confere uma arquitetura de caráter corporativo.

O presente artigo insere-se em pesquisa mais ampla sobre o edifício-sede do Instituto Vital Brazil enquanto exemplar significativo do patrimônio arquitetônico moderno brasileiro da saúde. Dedica-se à sua modelagem computacional, considerando o bem em sua dimensão urbana e arquitetônica — enquanto arquitetura e cidade — e enfatizando aspectos relativos à sua implantação, volumetria, geometria e construção, entendidos em sua relação com os usos, os fluxos e os programas de necessidade, em três momentos de sua trajetória: os espaços originalmente concebidos e executados, a situação atual e o projeto de revitalização.

Para tanto, atenta-se a conceitos fundamentais de HBIM, em especial a possibilidade de atribuição da informação de tempo ao modelo BIM do edifício histórico; a necessidade de um conhecimento holístico do projetista, tanto acerca do objeto quanto do objetivo do modelo, a fim de que este tenha informações precisas, sem acréscimos irrelevantes ou imprecisos (4); o paralelismo entre a produção de informações do bem edificado e a sua modelagem, enquanto condicionante para seu planejamento e execução e, finalmente, a impossibilidade em definir um Level of Development específico para modelos de edificações históricas, pela limitação dos métodos de levantamento in loco, perda de documentos acerca do bem ou inacessibilidade visual ou material (5).

De posse desse instrumental, que aponta para o caráter dinâmico do HBIM e sua operacionalização, parte de revisões bibliográficas sobre o engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil e sobre o edifício-sede do Instituto Vital Brazil, visando identificar elementos que informam sua arquitetura, em específico no que se refere ao exemplar em tela. Diante da não localização do projeto arquitetônico original, obtém os desenhos utilizados como base para a modelagem no livro publicado sobre a obra do arquiteto (6), complementados por desenhos publicados na Revista Municipal de Engenharia (7) e fotografias da época. As plantas do edifício, conforme levantamento realizado por Bitencourt (8), em conjunto com a visita de campo e o levantamento fotográfico, servem de base para análise do edifício em sua situação atual. Quanto ao projeto de intervenção do escritório Fábrica Arquitetura, utiliza-se as imagens e os desenhos publicados na revista Projeto Design (9), dada a impossibilidade de acesso aos autores do projeto e seu acervo.

As recorrentes citações do edifício-sede do Instituto Vital Brazil enfatizam a aliança entre a racionalidade e a técnica advinda de seu programa de necessidades específico e os atributos plásticos de extração corbusiana típicos da arquitetura moderna brasileira. Essa leitura se perpetua na historiografia e na crítica e marca, por sua vez, a proposta de intervenção do escritório Fábrica Arquitetura, no início do século 21. Entretanto, o estudo da edificação projetada por Álvaro Vital Brazil, conforme proposto, revela conteúdos e significados inauditos desse importante exemplar da arquitetura moderna brasileira da saúde.

O edifício-sede do Instituto Vital Brazil e a cidade

Fundado em 1919 por Vital Brazil Mineiro da Campanha (1865–1950) como instituto de pesquisa e produção de soros, vacinas e outros fármacos, o Instituto ocupa primeiramente um sobrado na rua Gavião Peixoto, no bairro de Icaraí, em Niterói. Entretanto, por se tratar de um laboratório que lidava com animais de grande porte, suas instalações carecem de um espaço mais apropriado, afastado do núcleo da cidade. A partir de 1920, o Instituto Vital Brazil passa a ocupar as instalações de uma olaria desapropriada pelo Governo do Estado, então distante da malha urbana, no bairro de Santa Rosa. Em razão da precariedade das instalações da antiga olaria e com a renegociação do contrato por parte de um governo mais liberal (Ernâni do Amaral Peixoto), o que possibilita ao Instituto dispor do lote em que se situa (10), o cientista Vital Brazil se propõe a construir uma nova sede, convidando seu filho, Álvaro Vital Brazil, para a elaboração do projeto, em 1938.

A implantação concebida por Álvaro Vital Brazil enfatiza a escala urbana pretendida para o complexo de edifícios do instituto e seu sistema viário, além da intenção de qualificar sua relação com a cidade que, no futuro, o alcançará. O sítio, de aproximadamente 350.000 m², é conformado pelo morro, as instalações preexistentes ao seu pé, e o rio canalizado. Vias curvas e as áreas verdes de formato orgânico por elas envolvidas — indicadas com a legenda “parque” no desenho de implantação — efetuam a transição entre o sítio, a futura cidade e o instituto, e garantem o necessário ar puro ao complexo. O sistema viário desse último, opostamente, possui contornos e formas ortogonais, enfatizando a racionalidade e funcionalidade dos volumes, seus usos e circulações, com acesso frontal para os usuários e nas adjacências para materiais, insumos e serviços.

Instituto Vital Brazil, implantação, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Álvaro Vital Brazil elabora um projeto a ser executado em duas fases: a primeira com instalações primordiais para o funcionamento do instituto, incluindo o edifício-sede, oficina, estábulos e cocheiras, pocilga e sangria, serpentários e residência dos cientistas; e a segunda fase, não construída, com depósito, química industrial, museu, sala de conferências e um clube.

Instituto Vital Brazil, implantação, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Após a morte de Vital Brazil, em 1950, o terreno é desmembrado e parte é vendida ao município, sendo posteriormente loteado. O antigo serpentário, situado a oeste do edifício-sede, é demolido, sendo que esse trecho passa a ser ocupado por imóveis privados.

As vias previstas ao sul não foram construídas, alterando o fluxo previsto inicialmente e gerando, posteriormente, ruas sem saída do referido loteamento. Tanto a perspectiva do projeto quanto a fotografia da edificação recém concluída sugerem a intenção de integração com o meio ambiente, inexistindo obstáculos entre o conjunto e o tecido urbano; o seu cercamento posterior completa seu isolamento da cidade, junto com a venda, parcelamento e edificação das áreas adjacentes, em oposição à transição antes referida, planejada por Álvaro Vital Brazil.

Instituto Vital Brazil, perspectiva isométrica do conjunto principal as-designed, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Ao buscar a recuperação do caráter urbano do projeto original, o projeto do Fábrica Arquitetura focaliza o paisagismo com áreas de lazer e estar de uso acessível ao público, não só no nível térreo mas também na cobertura do edifício. Entretanto, mantém o cercamento do conjunto e não explora uma possível relação com a praça ao norte, remanescente do parcelamento referido, a despeito da presença dessas premissas no projeto original.

O projeto original pressupõe uma intenção compositiva entre o edifício-sede ao fundo, mais verticalizado, o museu a frente, de caráter mais horizontal, e o volume da sala de conferências, cujo potencial formal é explorado por meio de uma configuração em leque e, possivelmente, cobertura inclinada — ainda que não haja peças gráficas em elevação, outros auditórios projetados por Álvaro Vital Brazil sugerem essa solução. O edifício-sede e os outros dois volumes não construídos seriam acessados por meio de port-cochère, além de serem conectados por passagens cobertas, que se justaporiam à marquise de acesso ao edifício-sede, complementando-a.

Instituto Vital Brazil, figura-fundo do projeto original, situação atual e projeto de intervenção, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Junto à fachada norte, o pavimento térreo possui espaços de estar e circulação sob a projeção do edifício. Justaposto ao edifício-sede, ao sul, o almoxarifado desempenha importante função na dinâmica produtiva do complexo, além possuir qualidades arquitetônicas relevantes, que serão objeto de discussão à frente.

Com o passar do tempo, esses espaços de estar e lazer no térreo são ocupados e volumes precários são construídos junto às fachadas norte e sul e nas adjacências do almoxarifado. A leste, na área originalmente destinada ao museu, é construído um anexo destinado inicialmente à produção de vacinas antitetânicas, e que passa a ser posteriormente utilizado pela farmácia popular (11).

O projeto de intervenção do Fábrica Arquitetura prevê a demolição dos volumes precários justapostos ao edifício, bem como de parte do anexo ao leste, visando soltá-lo do edifício em lâmina.

Instituto Vital Brazil, fachada sul e almoxarifado do original e projeto proposto, situação atual e projeto de intervenção, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Entretanto, verifica-se demolições problemáticas. No caso do almoxarifado, a demolição dá lugar a um edifício de estética aparentemente desconstrutivista intitulado Espaço de Ciência e Cultura que, idealizado pelo escritório Rua Arquitetos, rompe com a horizontalidade e com as visuais do conjunto; no caso de outros ambientes originais sob o edifício em lâmina, o escritório Fábrica Arquitetura impõe um conceito de pilotis, originalmente inexistente na arquitetura de Álvaro Vital Brazil e ademais questionável, por conta do número excessivo de pilares, da assimetria e das pequenas dimensões de seus vãos.

Instituto Vital Brazil, cortes do almoxarifado, situação atual e projeto de intervenção, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

A arquitetura do edifício-sede do Instituto Vital Brazil

O projeto original

O acesso de cientistas e de funcionários administrativos ao edifício-sede do Instituto Vital Brazil se dá pela entrada principal, provida de porte-cochère e marquise, entrada essa que leva ao hall e ao núcleo de circulação vertical do edifício, onde se situa também os sanitários e serviços. As áreas abertas sob a projeção, junto aos vestiários, servem ao acesso, estar e circulação de operários. A entrada desses últimos no edifício se dá lateralmente, pela antecâmara alinhada ao vão estrutural central, que por sua vez leva diretamente às escadas e daí aos postos de trabalho distribuídos principalmente no pavimento térreo +1 e térreo +2.

O almoxarifado, aos fundos, possui uma circulação independente do restante do edifício, com setores de recepção e expedição e fluxos otimizados de insumos e de produtos acabados. A sala de entrega de insumos às áreas de produção e a sala de coleta de produtos acabados delas provenientes situam-se entre estes fluxos, já sob a projeção do edifício principal. A estrutura do almoxarifado é independente da estrutura do bloco principal, e integra cobertura e mobiliário ao criar uma laje denteada que provê iluminação zenital, e em cujos intercolúnios são fixadas prateleiras (12).

Instituto Vital Brazil, fluxos previstos no projeto original, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Além dos diferentes fluxos de pessoal administrativo, científico e operários, há também: 1. o fluxo dos insumos, a partir da sala de entrega de insumos, por meio de pequenos elevadores próximos ao elevador principal; 2. o fluxo dos produtos acabados, por elevador desde o “armazenamento” situado no pavimento térreo +1 até a sala de coleta de produtos acabados, e então para o almoxarifado; e 3. o fluxo dos pequenos animais utilizados em experimentos, por meio de um elevador que se situa próximo à casa de máquinas no térreo, e que possui apenas uma outra parada, no pavimento térreo +3, próximo ao biotério. Álvaro Vital Brazil, portanto, setoriza a linha de produção ao longo dos pavimentos, alocando produção e estoque no primeiro pavimento, produção no segundo, administração e pesquisas no terceiro pavimento.

Instituto Vital Brazil, planta do projeto as-designed, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Os vestiários ocupam grande parte do pavimento térreo, e desperta curiosidade a diferença considerável entre a área do vestiário feminino sobre o vestiário masculino, sugerindo que a maior parte dos funcionários eram mulheres. Sua ventilação era permanente, por meio de vão entre a parede e o teto, o que marcava o edifício original, volumétrica e espacialmente.

Instituto Vital Brazil, eixos horizontais do layout dos pavimentos 1, 2 e 3 as-designed, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Álvaro Vital Brazil projetou uma área destinada ao atendimento ao público à oeste, com varanda de espera que circundava o edifício. Ao sul, havia três consultórios para a aplicação de vacinas e soros, como também para o tratamento de vítimas de animais peçonhentos. O espaço contava com importantes elementos arquitetônicos de ambientação: o espelho d’água sinuoso, parede em blocos de vidro e banheiros de acesso público. O fluxo era guiado por paisagismo com espécies arbustivas de poda geometrizada e caminhos pavimentados em blocos de concreto.

Nos pavimentos térreo +1, térreo +2 e térreo +3 explicita-se o rigor modular do edifício. As paredes divisórias que compõem o layout desses pavimentos são moduladas longitudinalmente em quatro faixas, utilizando como eixos principais, na sequência: a fachada norte, o segundo eixo de pilares leste-oeste (circulação horizontal), a parede ao sul do elevador, o terceiro eixo de pilares leste-oeste ao centro das áreas de produção e, finalmente, a fachada sul.

Instituto Vital Brazil, aberturas quadradas na fachada norte e corte esquemático com modulação vertical das aberturas, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

De norte a sul, a primeira faixa conforma o corredor principal de cada pavimento (ciano), sendo que na extremidade oeste, essa faixa é incorporada ao depósito (térreo +1) e ao ambiente de trabalho (térreo +3). A segunda faixa (amarelo) conforma os ambientes de apoio, de uso transitório, em que a iluminação e a ventilação naturais são desnecessárias ou mesmo indesejadas, como no caso de atividades de esterilização ou câmaras frigoríficas. A terceira faixa (verde) serve aos fluxos secundários de produção, e é absorvida, quando necessário, por áreas de uso maiores. A última faixa (vermelho), junto à fachada sul, comporta as áreas de trabalho principais.

Em elevação, o padrão constante de distanciamento vertical das pequenas aberturas quadradas da fachada norte, apontado como artifício compositivo visando prover proporções clássicas à fachada principal do edifício (13), na verdade, decorre da sequência de pavimentos (corredores) e shafts horizontais que abrigam as tubulações de ar-condicionado, o que denota a racionalidade técnica do autor do projeto. De fato, o arquiteto concebe o edifício de dentro para fora, a partir de seu esqueleto e instalações, rebatendo as soluções estruturais e técnicas de modo controlado e consciente na plástica externa do edifício.

Instituto Vital Brazil, planta da cobertura do projeto original, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Na fachada sul, os vidros são fixos, engastados em caixilhos de concreto armado. Os conjuntos de montantes e travessas entre os pilares ressaltados compõem uma fachada ritmada, configurando um módulo de nove panos de vidro quadrados em cada vão estrutural. Os laboratórios são vedados para garantir a sua assepsia, em especial frente aos estábulos mais ao sul. A ventilação era realizada artificialmente por um grande ventilador de doze HP, o qual renovava o ar a cada cinco minutos (14).

Na cobertura, o arquiteto prevê um pavimento técnico com volumes funcionais que incluem, além da caixa d ́água — cuja forma amebóide é bastante conhecida e associada aos projetos de Le Corbusier e à arquitetura moderna carioca —, uma série de outras instalações, como casas de máquina, exaustores, tanques de salmoura e outros. Essas instalações revelam-se significativas para a arquitetura do edifício, em especial no que tange à expressão plástica de seus atributos funcionalistas, conforme exposto. A área coberta abriga o sistema de refrigeração, avançado para a época, bem como uma caixa d’água secundária, tanques de salmoura e outros.

Instituto Vital Brazil, plantas da edificação com alterações, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Situação atual

As intervenções não criteriosas efetuadas ao longo da vida do edifício buscam adequar os espaços a novos usos e envolvem tanto novas construções quanto demolições e reformas. O instituto ainda mantém parte de sua produção e pesquisa no edifício. Entretanto, novos setores de caráter administrativo foram introduzidos, requerendo novas configurações espaciais. Elementos marcantes, como o espelho d’água sinuoso e as esquadrias curvas próximas às clínicas, foram demolidos para a ampliação de áreas de trabalho no pavimento térreo. Também foram edificados alguns volumes justapostos ao prédio original.

Instituto Vital Brazil, fachada sul descaracterizada, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Foto dos autores

Nos pavimentos superiores, as alterações consistem, em sua maior parte, na construção de novas paredes divisórias que subdividem os ambientes existentes. O padrão original de divisão de ambientes é reconhecível ainda hoje. Também é marcante a instalação de aparelhos de ar-condicionado de janela na fachada sul, a adaptação de janelas basculantes no lugar de vidros fixos e a aplicação de película em alguns trechos do pano de vidro, descaracterizando-o.

Instituto Vital Brazil, planta do pavimento térreo do projeto de revitalização, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

No terraço, há o acréscimo de unidades condensadoras de ar-condicionado, assim como de tubulações e fiações diversas, em geral precárias. Alguns volumes foram edificados e cobertos por telhas metálicas, também precariamente, possivelmente para abrigar instalações técnicas.

Projeto de revitalização do escritório Fábrica Arquitetura

O projeto de revitalização reproduz, em geral, relações espaciais da situação atual, descartando conceitos da implantação originalmente previstos, como aqueles relativos à disposição dos edifícios, sua espacialidade e a sua relação com o entorno.

Instituto Vital Brazil, pavimentos superiores do projeto de revitalização, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

As áreas à frente do edifício-sede recebem paisagismo do escritório Burle Marx, com formas sinuosas e espaços de convivência, o que esmaece os fluxos de acesso de funcionários graduados, operários etc., bem definidos e de caráter funcionalista, da edificação original. Como afirmado anteriormente, parte do bloco da Farmácia Popular é demolido, afastando-o do edifício original e recuperando a soltura da volumetria. O restante do volume da Farmácia Popular é reformado para abrigar o edifício acadêmico. Este último dialoga com o edifício-sede ao reproduzir seu esquema de aberturas, com a fachada sul translúcida, as fachadas leste/oeste protegidas com tela metálica, e a fachada norte mais estanque, com os ambientes sendo iluminados por meio de um rasgo horizontal na empena de concreto aparente. Outra característica do edifício original reinterpretada no anexo é a previsão de instalações aparentes.

A localização da prumada de elevadores é alterada, visando criar um hall que permita o contato do corredor ao norte com o pano de vidro da fachada sul, de modo a “liberar um eixo de visão para o exterior no corredor central de circulação” (15). O layout original é alterado, com a demolição da totalidade das paredes divisórias internas, sendo que até mesmo as longas paredes das circulações horizontais são demolidas e substituídas por divisórias de vidro com estantes. O layout proposto despreza, portanto, os materiais e vedações originais, imprimindo uma arquitetura de interiores de estética corporativa. O projeto prevê a restauração do pano de vidro da fachada sul, com a retirada dos aparelhos de ar condicionado e a instalação de uma central de ar-condicionado no terraço, que ocupa toda a sua porção a oeste do volume de circulação vertical e serviços. Os sanitários são alterados e não são compatíveis com as aberturas originais, sendo que a ausência de peças gráficas mais específicas torna impossível aferir os efeitos dessas alterações na fachada do volume em que se situam.

Instituto Vital Brazil, corte do projeto de revitalização, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Uma área de estar com espelho d’água e um jardim ocupa a cobertura, demolindo-se volumes técnicos originais. Partes da laje também são demolidas, gerando um jardim e uma nova escada no pavimento térreo +3 e abrindo um fosso de luz à oeste para os ambientes da alta administração. O corte publicado na Revista Projeto (16), permite inferir a escolha projetual de manter a abertura na laje simétrica em relação à escada, por meio de caixas, vazios e enchimentos, o que contraria a racionalidade e objetividade do projeto original.

Finalmente, há a construção de um anexo de circulação vertical, a leste, para cumprir as normas atuais de acessibilidade e saída de emergência em edifícios. Fica evidente, ao modelar o anexo, a escolha projetual de destacar o volume plasticamente, ao alinhar as fachadas e centralizar a passarela ao edifício-sede. Para atingir esse resultado, abriu-se mão de utilizar as aberturas originais existentes na extremidade dos corredores, fechando-as e abrindo novos vãos nas empenas.

Instituto Vital Brazil, perspectivas isométricas as-designed, alterações não criteriosas e projeto de revitalização, Niterói RJ, 1943. Engenheiro-arquiteto Álvaro Vital Brazil
Imagem divulgação

Conclusão

O edifício-sede do Instituto Vital Brazil é reconhecido desde a sua inauguração como relevante exemplar da arquitetura moderna brasileira da saúde, sendo consagrado precocemente pela crítica e pela historiografia. Ao analisar o projeto original de Álvaro Vital Brazil, destaca-se o caráter funcionalista de seu conjunto, pela organização racional tanto dos diferentes fluxos de usuários e materiais, quanto da implantação, do layout, da modulação estrutural e das instalações. Estes atributos, menos lembrados pela literatura, resultam numa plástica sintética e ritmada, que dialoga, mas não coincide com as expressões mais conhecidas da arquitetura carioca contemporâneas ao conjunto do Instituto Vital Brazil — expressões essas recorrentemente relacionadas a Le Corbusier, de que o edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública — Mesp, atual Edifício Palácio Gustavo Capanema, é o exemplo mais emblemático.

As mudanças de uso da edificação ao longo dos anos, de majoritariamente laboratorial para majoritariamente administrativo, acarretam diversas alterações construtivas, em sua maioria compostas por acréscimos de pequenos e precários volumes edificados adjacentes ao edifício principal, por subdivisões de ambientes e por instalações diversas. Embora se justifiquem por adequarem o espaço construído às novas necessidades, desconsideram a preservação da obra enquanto bem patrimonial (17), descaracterizando elementos relevantes de sua arquitetura, tal qual a fachada sul, o acesso das clínicas, as diretrizes de organização do layout dos pavimentos, a cobertura enquanto pavimento de caráter técnico, assim diluindo o rigor construtivo e projetual original.

O projeto de revitalização do Fábrica Arquitetura recupera aspectos relevantes da arquitetura original, de caráter notadamente formais, ao restaurar o pano de vidro da fachada sul e restabelecer a soltura do edifício, demolindo anexos construídos posteriormente. Entretanto, impõe alterações irreversíveis à obra em outros quesitos, demolindo porções consideráveis da construção original para dar espaço a novas configurações espaciais, impondo conceito de pilotis originalmente inexistente, efetuando tabula rasa de soluções construtivas e de layout em favor de uma arquitetura de feições corporativas. Prejudica, assim, a leitura da arquitetura inicial, ao descartar o conceito funcionalista da obra e do arquiteto, em prol de uma leitura superficial que identifica ambos a uma estética exclusivamente corbusiana, considerada por sua vez, apenas em termos dos cincos pontos de uma nova arquitetura, lançados por esse arquiteto na década de 1920.

O processo de modelagem propiciou o estudo da obra em seus três tempos, esclarecendo o caráter funcionalista do projeto original, a natureza das alterações empreendidas ao longo de sua existência e, também, aspectos da intervenção proposta pelo escritório Fábrica Arquitetura, para além de atributos plásticos. Aponta para uma diversidade de conteúdos e aspectos pouco comentados ou mesmo inauditos, relacionados mais ao uso do edifício e seus atributos técnicos e construtivos que a suas características plásticas — tão enaltecidas —, o que amplia sua importância enquanto exemplar pioneiro da arquitetura moderna brasileira e patrimônio arquitetônico moderno da saúde, assim como o alcance da contribuição de Álvaro Vital Brazil à arquitetura brasileira.

notas

1
CONDURU, Roberto. Vital Brazil. Coleção Espaços da Arte Brasileira. São Paulo, Cosac Naify, 2000.

2
Tombado como remanescente da obra de Álvaro Vital Brazil em Niterói, através do processo n. 110/006/95 Depac.

3
PERROTTA-BOSCH, Francesco. Completar o ciclo moderno. Projeto Design, n. 418, jan. 2015, p. 90–95.

4
PENTILLÄ, Hannu; RAJALA, Marko; FREESE, Simo. Building Information Modelling of Modern Historic Buildings. ECAADe, 2007, p. 607–613.

5
BANFI, Fabrizio. Building information modelling: a novel parametric modeling approach based on 3D surveys of historic architecture. EuroMed 2016, part 1, 2016, p. 116–127.

6
BRAZIL, Álvaro Vital. 50 anos de arquitetura: Álvaro Vital Brazil. São Paulo, Nobel, 1986.

7
BRAZIL, Álvaro Vital. Instituto Vital Brazil. Revista Municipal de Engenharia, n. 3, 1943, p. 15–24.

8
BITENCOURT, Fábio. Arquitetura do Instituto Vital Brazil: um patrimônio modernista da saúde. 90 anos de história. Rio de Janeiro, Rio Books, 2009.

9
PERROTTA-BOSCH, Francesco. Op. cit.

10
SEGAWA, Hugo. O herói desconhecido da moderna arquitetura brasileira. Entrevista de Álvaro Vital Brazil a Hugo Segawa. Projeto, n. 96, 1987, p. 59–64.

11
BITENCOURT, Fábio. Op. cit.

12
BRAZIL, Álvaro Vital. 50 anos de arquitetura: Álvaro Vital Brazil (op. cit.).

13
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1981.

14
BRAZIL, Álvaro Vital. 50 anos de arquitetura: Álvaro Vital Brazil (op. cit.).

15
PERROTTA-BOSCH, Francesco. Op. cit.

16
Idem, ibidem.

17
Processo n. 110/006/95 Depac.

sobre os autores

Manoel Hermes Pupim Neto é arquiteto e urbanista pela Universidade Estadual de Maringá (2022) e foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica — Pibic CNPq FA UEM pela Fundação Araucária.

André Augusto de Almeida Alves é arquiteto e urbanista (1999), mestre (2003) e doutor (2008) em Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP. Professor Associado do DAU UEM e membro do corpo docente permanente do PPU UEM UEL.

Priscila Fonseca da Silva é arquiteta e urbanista pela UFF (2015) e mestre em arquitetura e urbanismo pelo PPU UEM UEL (2020). Doutoranda em arquitetura e urbanismo pelo PPU UEM UEL.

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