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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A reabilitação da Casa do Estudante Universitário propõe demonstrar que é possível incorporar requisitos de sustentabilidade em edificações históricas com mínima intervenção, garantindo sua renovação e uso adequado.

english
The rehabilitation of the Casa do Estudante Universitário proposes to demonstrate that it is possible to incorporate sustainability requirements into historic buildings with minimal intervention, ensuring their renovation and proper use.

español
En la rehabilitación de Casa do Estudante Universitário es posible incorporar requisitos de sostenibilidad en edificios históricos con una mínima intervención, asegurando su renovación y uso adecuado.


how to quote

SUZUKI, Cristiane Maria Bittencourt; SILVOSO, Marcos Martinez; SALGADO, Mônica Santos. Preservação do patrimônio e sustentabilidade. Projeto de reabilitação da Casa do Estudante Universitário no Rio de Janeiro. Arquitextos, São Paulo, ano 23, n. 272.04, Vitruvius, jan. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/23.272/8699>.

O patrimônio histórico e artístico brasileiro vem sofrendo perdas significativas de importantes exemplares da arquitetura nacional devido à falta de recursos. Nesse contexto, a reabilitação de um patrimônio se torna um elemento necessário para sua preservação. De acordo com José Aguiar, citado por Ana Rita Pereira Roders, a reabilitação de um edifício envolve um “conjunto de ações empreendidas tendo em vista a recuperação e o beneficiamento, tornando-o apto para o seu uso real”. Essas ações buscam “resolver deficiências físicas e anomalias construtivas, ambientais e funcionais” (1).

Por sua vez, o Relatório Brundtland (2) propõe que o desenvolvimento sustentável seja capaz de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer as necessidades das futuras gerações.

Neste sentido, este artigo parte do pressuposto de que a preservação do patrimônio está essencialmente alinhada aos princípios da sustentabilidade, contribuindo relativamente com questões socioeconômicas e com a redução dos impactos ao meio ambiente através da reabilitação das edificações.

Este artigo apresenta parte do estudo realizado no Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio sobre a Casa do Estudante Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro ― CEU UFRJ, importante exemplar da arquitetura eclética do início do século 19, construído em 1922 por Antonio Jannuzzi (3) e tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural ― Inepac em 1989. O estudo teve como objetivo propor alternativas relacionadas à utilização do patrimônio cultural universitário com vistas à sua preservação e longevidade, especificamente com intervenções destinadas ao uso original como hotel, desta vez no modelo de hotel-escola. Para este artigo foi realizada uma análise referente à sustentabilidade ambiental ao definir um perfil de qualidade ambiental para a edificação. Para tanto, foram utilizados como base desta pesquisa os indicadores da certificação Alta Qualidade Ambiental (ou Haute Qualité Environnementale) ― Aqua HQE no confronto entre os novos usos e o perfil pretendido.

Preservação do patrimônio cultural e desenvolvimento sustentável

O patrimônio cultural constitui uma das principais referências de identidade e tradição dos povos, o que mostra a necessidade de ser preservado e valorizado para as futuras gerações como referência da história e cultura da humanidade. Segundo a Carta de Veneza, todos somos responsáveis pela preservação do patrimônio cultural.

“Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as considera um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade” (4).

Em relação ao patrimônio físico, sabe-se que os edifícios sem função estão invariavelmente fadados à destruição ou alterações danosas. Segundo Cyro Lyra, a sobrevivência das edificações depende da sua utilização, que deverá ser adequada e respeitar a tipologia arquitetônica original: “a obra arquitetônica por ser uma arte eminentemente utilitária, necessita ser continuamente usada para sobreviver” (5). Para esse novo uso deve-se ter uma avaliação sobre a preservação do imóvel e o respeito às vocações daquela tipologia arquitetônica. “Assim como a tipologia arquitetônica resulta da função que a motivou, [...] é de concluir que a função original marca definitivamente o edifício, conferindo-lhe um caráter” (6). Dessa maneira, a reabilitação de bens históricos necessariamente deve contemplar atualizações técnicas conforme as melhores práticas, dentre as quais se destacam a sustentabilidade, sendo necessária e indiscutível aplicá-la nos imóveis e ambientes urbanos.

A sustentabilidade é um conceito que surgiu diante do contexto de esgotamento das reservas naturais e de mudanças climáticas que vive a sociedade após a Revolução Industrial, efeitos colaterais nocivos que persistem e precisam ser urgentemente tratados como problema à sobrevivência da espécie humana. Grande parte das nações tem se preocupado com essa questão e, desde a década de 1970, a sustentabilidade vem sendo mais amplamente difundida, inicialmente na Europa, e hoje em todo o mundo. Em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento publicou o inovador Relatório Brundtland (7), que criticava o modelo de desenvolvimento praticado pelos países industrializados. Posteriormente, a ECO 92 (8), conhecida como a Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro, propôs os objetivos da Agenda 21 como uma resposta aos problemas socioambientais globais. Outras importantes conferências ocorreram, e em setembro de 2015, em Nova York, foram definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ― ODS, conhecidos como Agenda 2030. Recentemente, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas ― COP 26 (9), as Nações Unidas reforçaram os compromissos firmados anteriormente.

O atual conceito de sustentabilidade relaciona três princípios fundamentais: ambiental, social e econômico. De acordo com Mônica Salgado, tais princípios são interdependentes e essenciais na construção do desenvolvimento sustentável:

“A sustentabilidade é baseada em um tripé que inclui aspectos ambientais, econômicos e sociais. Nesse sentido, é importante considerar todos os três aspectos igualmente para equilibrar os esforços em direção ao desenvolvimento sustentável. [...] Os sistemas de classificação ambiental que emergiram ao longo dos anos 2000 no Brasil não consideravam os aspectos sociais tão importantes quanto os econômicos e os ambientais. Em resultado os ‘edifícios sustentáveis’ foram avaliados parcialmente (apenas no que se refere aos aspectos ambientais)” (10).

Considerando que desenvolvimento sustentável e preservação têm uma estreita relação, a seção seguinte abordará os antecedentes históricos do edifício em estudo.

O antigo Hotel Sete de Setembro e a CEU

Construído pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, em 1922, para atender aos visitantes na comemoração do Centenário da Independência do Brasil, o Hotel Sete de Setembro foi instalado originalmente à beira-mar, no bairro do Flamengo. Apesar da inauguração com um chá dançante, são poucas as evidências de seu pleno funcionamento como hotel.

Após dois anos fechado, o hotel foi incorporado ao patrimônio federal e desmembrado: as duas edificações frontais serviram como Internato da Escola de Enfermagem Anna Nery, que ali permaneceu por quase cinquenta anos; e as demais edificações foram cedidas para o estabelecimento do Hospital Abrigo Arthur Bernardes, atual Instituto Fernandes Figueira.

Em 1973, as edificações frontais passaram a abrigar a CEU como alojamento de estudantes e assim mantiveram por mais de vinte anos.

Em 1989, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural ― Inepac, reconheceu o conjunto como bem tombado de excepcional importância histórica e artística, denominando-o Casa do Estudante Universitário (11). No parecer do Tombamento elaborado pelo arquiteto Ítalo Campofiorito, é destacada, além do seu valor histórico, “a conveniência em conservar os pontos remanescentes da arquitetura eclético-acadêmica ― no caso, excepcionalmente implantada entre o morro da Viúva e a enseada de Botafogo ― do início deste século” (12).

Em 1995, a UFRJ assumiu a posse do imóvel, que estava em precário estado de conservação, e iniciou processo de intervenção restaurativa, culminando em obras em 2002. A partir de 2009, o Colégio Brasileiro de Altos Estudos ― CBAE, se instala na parte das áreas restauradas do conjunto, especificamente no prédio anexo. No Prédio principal foram realizadas obras pontuais de restauração e conservação da cobertura, fachadas, escadas e esquadrias, porém a maior parte dos ambientes internos está desgastada pelo tempo, apresentando instalações obsoletas e intervenções remanescentes do evento Casa Cor, realizado em 2012.

Arquitetura do edifício

O projeto do antigo Hotel Sete de Setembro, segundo Hermes (13), teve influências da arquitetura hoteleira europeia, em especial da região francesa de Côte D’Azur do final do século 19 e início do 20. Além da semelhança dos elementos decorativos, a valorização da paisagem e a disposição dos aposentos são elementos comuns nesse edifício.

“A arquitetura balneária estabelece uma relação privilegiada com o terreno, a paisagem, a insolação e a luz. Por conta dessa morfologia, há sempre aposentos e espaços projetados para favorecer a conjugação do interior ao exterior, como os terraços, as loggias, os balcões e belvederes, mirantes e terraços” (14).

No pavimento térreo do prédio principal há dois amplos salões, algumas salas menores, sanitários e dois pátios internos. Estes últimos proporcionam iluminação e ventilação naturais aos diversos ambientes. Os pavimentos superiores apresentam configuração típica da arquitetura hoteleira, com diversos cômodos de mesmas dimensões dispostos ao longo de corredores ao redor dos pátios internos. A circulação vertical ocorre por escadarias de madeira e um elevador antigo, que naquele momento estava fora de uso. Balcões e varandas da fachada principal integram os usuários com o exterior.

Salão e jardim interno do prédio principal da Casa do Estudante Universitário no Rio de Janeiro
Foto Cristiane Suzuki, 2019

Varanda do prédio principal da Casa do Estudante Universitário no Rio de Janeiro
Foto Cristiane Suzuki, 2019

Escadaria do prédio principal da Casa do Estudante Universitário no Rio de Janeiro, em madeira torneada
Foto Cristiane Suzuki, 2019

No prédio anexo destaca-se o salão frontal do pavimento térreo, onde funcionava originalmente o restaurante do hotel, que se abre para um balcão elevado em relação ao nível da calçada externa. Através da antiga escada de madeira, chega-se ao salão superior de mesma área, com vista privilegiada para a Baía de Guanabara. O passadiço envidraçado que une os dois prédios é um ponto de destaque e interesse na fachada.

Prédio anexo a Casa do Estudante Universitário no Rio de Janeiro: restaurante do Hotel Sete de Setembro, 1922
Foto divulgação [Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro]

Procedimentos de realização da pesquisa

A intervenção em patrimônio histórico deve ser sempre cuidadosa, seguindo as recomendações de preservação, de maneira a respeitar e valorizar os elementos pré-existentes. Para tal, é necessário ter pleno conhecimento do bem, no que diz respeito às suas estruturas físicas e ao seu significado para a comunidade local. Segundo Flávio Carsalade, devemos nos acercar profundamente do bem antes de intervir.

“Os objetos arquitetônicos, por seu turno e na maioria das vezes, precisam ser adaptados a novos usos para que possam continuar a servir ao homem nos tempos atuais [...]. Para que possamos, portanto, realizar essa tarefa de maneira séria, torna-se necessário acercarmo-nos do bem sobre o qual será realizada a intervenção de maneira múltipla e profunda” (15).

Neste sentido, este trabalho realizou uma pesquisa documental e revisão bibliográfica sobre o bem. O levantamento de dados históricos nos arquivos da Prefeitura, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro ― AGCRJ, da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha ― DPHDM, do Instituto Moreira Salles ― IMS, da Fundação Museu da Imagem e do Som ― FMIS, da Biblioteca Nacional, entre outros, possibilitou a identificação de plantas originais, fotografias, mapas e artigos dos jornais da época. Em pesquisas na internet foi possível recuperar vídeos do período de ocupação da Escola Anna Nery e depoimentos de ex-moradores da então Casa do Estudante Universitário, que mostram a técnica construtiva e fatos ocorridos, que contribuíram com a construção da narrativa histórica do bem e, consequentemente, com a constatação do seu valor como patrimônio cultural.

O Escritório Técnico Universitário da UFRJ contém as plantas cadastrais da CEU, que se tratavam na verdade de projetos de intervenção do prédio anexo (obras já realizadas) e do prédio principal (obras paralisadas). Em pesquisa de campo, os cadastros que serviram de base ao anteprojeto de reabilitação do novo Hotel da CEU foram atualizados e unificados. Nesta ocasião, a autora elaborou um extenso levantamento fotográfico das fachadas e ambientes internos para o registro dos sistemas construtivos e estado de conservação do bem.

Levantamento fotográfico do primeiro pavimento
Foto Cristiane Suzuki, 2021

As fontes de pesquisa textual foram trabalhos acadêmicos e artigos científicos sobre a história da edificação, em especial os artigos de Maria Helena Hermes (16) e Alexandre Vidal (17), que trataram, respectivamente, da história da arquitetura do bem e das ações de preservação empreendidas pela UFRJ.

Foram pesquisadas referências projetuais de hotéis, semelhantes em edificações tombadas, e do modelo de hotel-escola do padrão do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial ― Senac, principal referência nacional. Em relação à legislação técnica foram consideradas as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas ― ABNTe do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro ― CBMERJ, especialmente no que diz respeito à acessibilidade e prevenção de incêndio, além do sistema de classificação para arquitetura hoteleira, o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos ― Cadastur (18).

Quanto aos requisitos de sustentabilidade, realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre as certificações ambientais adotadas no Brasil, na qual se observou que muitos empreendimentos utilizam a Certificação Aqua, método adaptado do modelo francês Haute Qualité Environmental ― HQE. A partir dos textos de Mônica Santos Salgado (19) e Cristiane Vieira Cabreira Brum (20), foram identificados os principais aspectos a serem considerados na análise das diversas certificações e a aplicabilidade no caso de patrimônio cultural. De acordo com Brum, a certificação Aqua HQE é a mais apropriada quando se trata de edifícios históricos, já que se fundamenta na exigência de resultados de desempenho, sem a prescrição de soluções pré-estabelecidas.

“Tal panorama também foi identificado na análise dos seis principais Sistemas de Avaliação de Desempenho Ambiental de Edifícios para certificação: Breeam, Bepac, HQE®, GBC, LEEDTM e Casbee, respectivamente do Reino Unido, Canadá, França, de um consórcio internacional iniciado pelo Canadá, Estados Unidos e Japão. Dentre estes, apenas o sistema francês considera efetivamente a implementação da abordagem nos edifícios históricos. Os demais, ao tratar de edifícios existentes, buscam o monitoramento de recursos naturais e financeiros sem atribuir valor de ordem histórica, patrimonial, cultural ou artística” (21).

Desta forma, foi realizada uma análise do perfil ambiental do projeto da CEU tomando por base a certificação Aqua HQE. Esse conjunto de informações norteou as decisões do projeto que tiveram como desafio a incorporação de soluções de alta tecnologia, necessárias ao atendimento dos atuais requisitos de sustentabilidade.

Novo uso: proposta de intervenção

Atualmente, o conjunto arquitetônico da CEU está parcialmente ocupado pelo CBAE, que possui um projeto arquitetônico de ocupação integral. Entretanto, as obras estão paralisadas há vários anos, sem previsão de retomada.

Por outro lado, a partir da pesquisa histórica, nota-se a expressiva vocação da CEU como local de hospedagem, tendo em vista sua compartimentação interna que ainda remete ao passado de hotel balneário. A utilização do imóvel como hotel-escola revelou-se naturalmente adequada conforme demonstrado nas plantas baixas. Além disso, a inclusão da ação educacional na capacitação profissional representa um alinhamento com a missão da UFRJ.

Assim, o projeto de reabilitação da CEU com mudança de uso para hotel-escola é uma opção ao projeto existente, serve para fins acadêmicos e configura uma alternativa ao projeto de intervenção.

As novas instalações propostas seguem os atuais padrões de qualidade técnica, conforme as normas vigentes, e contemplam as intervenções de sustentabilidade e acessibilidade previstas a partir do perfil de qualidade ambiental definido para a edificação. Dessa maneira, busca-se proporcionar à edificação condições de habitabilidade, evitando o abandono e a deterioração.

A pesquisa das diversas formas de adequação técnicas em prédios históricos para novos usos, considerando os principais requisitos de sustentabilidade, acessibilidade e segurança, representa um grande desafio aos arquitetos e engenheiros que tratam da restauração em patrimônio cultural.

Para melhor definição do projeto, foi necessário um detalhamento sobre a tipologia do novo hotel quanto ao padrão e ao público. O hotel e o restaurante deveriam ser preparados para atividades pedagógicas, em que houvesse a integração com os cursos de gastronomia, nutrição, hotelaria e turismo da UFRJ e do Senac. Os salões de exposição e conferências deveriam atender à programação da UFRJ preferencialmente do CBAE, como ocorre atualmente de forma improvisada. Observando os requisitos da matriz de classificação de meios de hospedagem do Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem do Cadastur ― SBClass na categoria de Hotel Histórico, nota-se que o novo hotel da CEU tem plenas condições de ser enquadrado como três estrelas, tendo em vista que foram atendidas no projeto as questões referentes às áreas úteis e equipamentos das unidades habitacionais. O hotel de padrão econômico pretende atender aos hóspedes que buscam um ambiente descontraído, com boa infraestrutura e que tem espaços comuns compartilhados, conforme os modernos conceitos de coliving e coworking (22).

Foram desenvolvidas plantas baixas dos pavimentos com uma nova configuração para os espaços existentes e indicação do mobiliário básico. Com intuito de melhorar a circulação vertical e a conservação das escadas de madeira originais, bem como atender a necessidade de rota de fuga para o caso de incêndio, foram previstas duas novas escadas: uma externa e metálica no prédio anexo e uma interna enclausurada no prédio principal. A instalação de um novo elevador moderno no prédio principal atende o requisito de acessibilidade.

No primeiro pavimento estão concentradas as principais atividades relacionadas ao público externo, com os grandes salões de eventos destinados a exposições e conferências, salas de coworking e reuniões programadas para usos diversos. As salas de aula e a cozinha didática foram projetadas para atender à escola de gastronomia e hotelaria. No prédio anexo o grande restaurante foi dividido em dois ambientes com parte atendendo ao programa de almoço e jantar e parte de cafeteria para lanches e refeições rápidas. Com relação à cozinha, propõe-se que seja adequada ao treinamento da mão de obra e atendimento da demanda do hotel e do público externo. Complementando o programa do primeiro pavimento, foram previstos sanitários, vestiários, lavanderia e área técnica com implantação das diversas instalações necessárias ao funcionamento da edificação.

Proposta de layouts do hotel da Casa do Estudante Universitário no Rio de Janeiro
Elaboração Cristiane Suzuki, 2021

Qualidade ambiental da edificação

O perfil da qualidade ambiental estabelece diretrizes das intervenções e identifica o nível de desempenho ambiental desejável para o projeto. Devem-se considerar as limitações impostas pela legislação, que trata da preservação do patrimônio histórico, sempre visando à valorização das características originais da edificação.

Um estudo comparativo dos requisitos de qualidade ambiental, com base na certificação Aqua HQE e na avaliação qualitativa dos quatorze indicadores da Qualidade Ambiental do Edifício ― QAE aplicados ao projeto da CEU, permitiu definir o perfil ambiental da edificação e estabelecer recomendações de intervenção que atendessem às questões apresentadas no projeto.

Vale lembrar que foram consideradas as condições ideais com a disponibilização dos diversos recursos necessários à implantação das metas estabelecidas. Nem todos os requisitos puderam ser atendidos em razão das características construtivas preexistentes.

Sobre a relação do edifício com o seu entorno, é possível afirmar que a reabilitação da edificação impactará positivamente na vizinhança, que poderá usufruir dos espaços e serviços oferecidos pelo hotel e restaurante abertos ao público. Com vistas à promoção da integração física ao Parque do Flamengo, foi proposta a instalação de travessias, do tipo traffic calm, com piso elevado ao nível das calçadas, composto por blocos intertravados, promovendo assim a permeabilidade da via e melhoria das condições de acessibilidade. Os materiais propostos seguem as normas vigentes e as melhores práticas de sustentabilidade, conservação e saúde; são do tipo construção a seco, composta de estrutura light steel frame e painéis de drywall em paredes e forros, e lajes de piso em steel deck, dessa forma, atendem aos requisitos de adaptabilidade do edifício e escolha integrada de produtos, sistemas e processos construtivos. Os sistemas construtivos previstos minimizam os resíduos de obras e têm como resultado um canteiro de obras com baixo impacto ambiental.

Em relação à gestão de energia, tomando por base as tecnologias atualmente disponíveis ao profissional que atua na área de preservação do patrimônio, o projeto tem como premissa a implantação de equipamentos e sistemas de alto desempenho energético, além de iluminação em LED e sensores de presença nas áreas de menor permanência. Foi prevista a instalação de sistema de placas solares fotovoltaicas para atendimento parcial da demanda por energia elétrica. Além disso, o sistema de aquecimento de água proposto é do tipo misto considerando bombas de calor e acumuladores a gás.

Sobre a gestão da água, foi prevista a implantação de sistemas que minimizem o consumo de água potável e visem o reaproveitamento das águas pluviais. Neste sentido, a melhor alternativa seria a adoção de equipamentos hidrossanitários eficientes, com válvulas econômicas e torneiras com temporizadores. O reaproveitamento das águas pluviais para descargas das bacias sanitárias depende da possibilidade de conexão com o sistema de calhas e coletores da cobertura e da instalação de um reservatório inferior, com filtros e bombas em área, que não comprometa as fundações remanescentes das oficinas de Antonio Jannuzzi identificadas em escavações realizadas pela UFRJ. Para a definição do local do reservatório inferior, será necessária a realização de prospecções e mapeamento do terreno.

No que diz respeito à gestão dos resíduos de uso e operação do edifício, foi projetada uma área destinada à coleta, armazenamento e reciclagem dos resíduos do edifício, com fácil acesso ao exterior, evitando a circulação cruzada destes resíduos com as demais atividades do hotel.

Foi prevista a implantação de automação das diversas instalações prediais para monitorar e controlar o desempenho ambiental. Os mezaninos e entreforros técnicos facilitam o acesso aos equipamentos, simplificando a conservação e manutenção do edifício.

Apesar da concepção construtiva da CEU ser favorável no aspecto de conforto higrotérmico, em razão da grande espessura das alvenarias e áreas de fenestração, foram previstos sistemas automatizados de climatização. Tais sistemas são necessários em razão das altas temperaturas registradas na cidade em certos períodos do ano e da necessidade de atender às exigências do padrão de hotelaria definido para o projeto. Considerando as alternativas tecnológicas disponíveis, este estudo propôs um sistema de ar-condicionado do tipo Variable refrigerant volume ― VRV, com splits e cassetes conforme o ambiente. O projeto propõe ainda um sistema de exaustão e renovação do ar com filtragem conforme as melhores práticas da atualidade, considerando as peculiaridades dos ambientes e atendendo, desta forma, aos requisitos de conforto higrotérmico, qualidade sanitária do ar e conforto olfativo.

As principais propostas relacionadas ao conforto acústico são a instalação de isolamento acústico (mantas de lã de rocha) nos rebaixos dos forros e novas paredes em divisórias acústicas de gesso acartonado. Em relação às esquadrias, a proposta para os quartos foi a instalação de novas folhas de alumínio e vidro no interior, mantendo as originais de madeira no exterior. Nos salões e restaurante propõe-se substituir os vidros simples por novos do tipo laminados de camada dupla e instalação de vedações em gaxetas de borracha. Os novos forros a serem instalados devem, quando possível, serem compostos de material acústico. Além disso, devem ser instaladas cortinas, tapetes e outros elementos absorventes para o maior conforto dos usuários.

Os ambientes devem atender aos padrões de qualidade e conforto ambientais determinados a hotéis de mesma categoria conforme a classificação do Ministério do Turismo e normas técnicas da ABNT. A valorização da iluminação natural e a implantação de iluminação artificial também foram previstas conforme as atividades a serem desenvolvidas. Os espaços são acessíveis a todos os públicos, com decoração moderna e mobiliário adequado, o que contribui com a qualidade dos ambientes e conforto visual.

O edifício apresenta instalações hidráulicas obsoletas, em especial no prédio principal, que necessitam de renovação. O projeto prevê um novo sistema hidráulico com instalação de filtros conforme as normas técnicas vigentes que garantem a qualidade da água.

Observa-se que a maioria dos requisitos apresentou grande alinhamento com os indicadores do processo Aqua HQE, o que demonstra a possibilidade de bom desempenho em uma possível futura certificação. Apesar das restrições impostas pelos órgãos de preservação do patrimônio, com relação às modificações que podem ser realizadas nas estruturas existentes, este estudo corrobora o que foi manifestado por Brum (23) ao apresentar uma proposta de alinhamento dos requisitos de qualidade ambiental do Aqua HQE com a preservação de um bem de valor histórico.

Conclusões

O patrimônio histórico e artístico brasileiro vem sofrendo com a falta de recursos, que tem provocado perdas significativas de importantes exemplares da arquitetura nacional. A situação é a mesma nas universidades públicas no que diz respeito aos investimentos em conservação de seus bens imóveis. Grande parte do patrimônio universitário brasileiro encontra-se em precário estado de conservação, com sérios riscos à sua integridade. As verbas destinadas às instituições são insuficientes e se faz necessária uma gestão estratégica para o atendimento das demandas mais urgentes.

Concomitantemente observa-se a demanda das Nações Unidas por um desenvolvimento sustentável, por meio da Agenda 2030 e dos ODS. Esse compromisso deve permear os projetos em todas as áreas e envolver diversas disciplinas para um melhor resultado.

Este estudo demonstra que é possível atender, dentro das limitações da edificação, os requisitos básicos da sustentabilidade. Em primeiro lugar, o requisito social por meio do programa educacional para capacitação profissional nas áreas de hotelaria, gastronomia, nutrição e turismo, com vistas à inserção dos estudantes no mercado de trabalho. Em segundo, o econômico, considerando a possibilidade de parcerias para dar autossuficiência econômica, através da gestão profissional à administração do bem cultural e das demandas de espaços a serem utilizados pela UFRJ. Por fim, o requisito ambiental, apresentado através da definição do perfil ambiental obtido por meio da ferramenta de certificação Aqua HQE.

A análise aponta um resultado positivo, evidenciando o potencial de alinhamento do Projeto de Reabilitação da CEU com os aspectos qualitativos dos requisitos de qualidade ambiental, propostos pelo método Aqua HQE, e com a missão da UFRJ, destacando os valores da edificação, promovendo a inclusão social e contribuindo, dessa forma, com a sua preservação e manutenção futura.

notas

1
AGUIAR, José. Apud RODERS, Ana Rita Pereira. Re-architecture: lifespan rehabilitation of built heritage ― basis. Tese de doutorado. Eindhoven, Technische Universiteit Eindhoven, 2007, p. 172.

2
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1987.

3
Construtor italiano responsável por diversos projetos e obras na cidade do Rio de Janeiro no final do século 19 e início do 20.

4
Carta de Veneza [1964]. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro <https://bit.ly/2uzqb69>.

5
LYRA, Cyro Corrêa. A importância do uso na preservação da obra de arquitetura. Arte e Ensaios, v. 13, Rio de Janeiro, 2006 <https://bit.ly/3HrK5Xj>.

6
Idem, ibidem, p. 57.

7
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Op. cit.

8
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992.

9
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia.

10
SALGADO, Mônica Santos. Architecture and sustainability: the role of environmental rating systems ― case study in Brazil. In IOP Conference Series: Earth And Environmental Science, v. 294, Tokyo, IOP, 2019 <https://bit.ly/3WBA7a5>.

11
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL. Casa do Estudante Universitário – CEU. Processo E-03/11.357/83. Rio de Janeiro, Inepac, 1989 <https://bit.ly/3HtTVHW>.

12
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO RIO DE JANEIRO. Memorando n. 7/DPHA/83. Rio de Janeiro, Secretaria de Educação e Cultura/DPHA, 1983.

13
HERMES, Maria Helena da Fonseca. Reflexões sobre as origens da tipologia hoteleira balneária carioca na década de 1920. Anais eletrônicos do Simpósio Nacional de História, n. 24, Fortaleza, Anpuh, 2009 <https://bit.ly/3DaocJB>.

14
Idem, ibidem, p. 9.

15
CARSALADE, Flávio de Lemos. A ética das intervenções. Palestra ministrada na Oficina do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN. Petrópolis, Mimeo, 2012 <https://bit.ly/3WACLwS>.

16
HERMES, Maria Helena da Fonseca. Op. cit.

17
VIDAL, Alexandre. Registros físicos do patrimônio edificado ― Metodologia e importância para o conhecimento do bem tombado. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2007, p. 137-161.

18
Cadastur é o sistema de cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor de turismo. O cadastro garante diversas vantagens e oportunidades aos cadastrados e uma importante fonte de consulta para o turista. O programa é executado pelo Ministério do Turismo, em parceria com os órgãos oficiais de turismo, nos 26 estados e no Distrito Federal. Cadastur, Brasília, Ministério do Turismo, n/d. <https://bit.ly/2HrWvBa>.

19
SALGADO, Mônica Santos. Op. cit.

20
BRUM, Cristiane Vieira Cabreira. Patrimônio sustentável: a experiência francesa e a realidade brasileira. Reflexões para a preservação de edifícios históricos no Brasil segundo o referencial francês da Haute Qualité Environnementale ― HQE. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Proarq UFRJ, 2010.

21
Idem, ibidem, p. 162.

22
Coliving e coworking são conceitos de compartilhamento de moradia e trabalho, visando economia e otimização de recursos, além do aspecto social que envolve o convívio dos usuários.

23
BRUM, Cristiane Vieira Cabreira. Op. cit.

sobre os autores

Cristiane Maria Bittencourt Suzuki é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal Fluminense (1985) e mestranda em Projeto e Patrimônio pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2021). Atualmente é Coordenadora na Superintendência de Restauro da Secretaria de Estado da Casa Civil do Rio de Janeiro. Atuação profissional nas áreas de arquitetura, restauração de patrimônio histórico, planejamento, consultoria e gerenciamento.

Marcos Martinez Silvoso é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia (1997), mestre e doutor pela Coppe UFRJ (2003). Atualmente é professor do Departamento de Tecnologia da Construção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor, vice-coordenador e coordenador de extensão do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ.

Mônica Santos Salgado é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora visitante na Parsons School of Design, pós-doutora na École Nationale Superieure d'Architecture de Toulouse (2010) e doutora em Engenharia de Produção Coppe UFRJ (1996). Atualmente é membro do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ). Cientista do nosso Estado Faperj desde 2021 e pesquisadora do CNPq desde 2011.

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272.04 sustentabilidade e patrimônio
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