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research

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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este artigo apresenta parte da política habitacional para cortiços na cidade de São Paulo, sobretudo, a partir de 1990. Ainda, resgata-se experiências da política de atuação nos cortiços desenvolvidas na cidade de São Paulo.

english
This article presents part of the housing policy for tenements in the city of São Paulo, especially from 1990. In addition, experiences of the policy of action in the tenements developed in the city of São Paulo.

español
El artículo presenta la política de vivienda de los conventillos de la ciudad de São Paulo, especialmente a partir de 1990. Además, se rescatan las experiencias de la política de actuación en los conventillos desarrollada en la ciudad de São Paulo.


how to quote

SAMPAIO, Celso Aparecido; SANCHES, Débora. Política habitacional para cortiços em São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 23, n. 272.05, Vitruvius, jan. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/23.272/8770>.

Introdução

Verifica-se a realidade velada da situação dos cortiços no município de São Paulo que reflete na falta de informação e dados, a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão – Sempla em 1983, estimou o número em 2,58 milhões de habitantes morando em cortiços, representando 29,3% da população do município daquela época. Em 1994, a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica – Fipe realizou pesquisa amostral, que apontou uma população de aproximadamente 595.110 pessoas, que morava em 23.688 cortiços nas vinte administrações regionais de São Paulo. Já em 2001, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade efetivou outra pesquisa em área menor da cidade, abrangendo setores da Barra Funda, Bom Retiro, Bela Vista, Belém, Brás, Cambuci, Liberdade, Mooca, Santa Cecília e Pari, correspondendo a uma estimativa de 38.512 habitantes (1). A pesquisa realizada para a formulação do Plano Municipal de Habitação de 2016, apontou 80.399 domicílios em cortiços, atualmente, a empresa Qualitest Ciência e Tecnologia Ltda – EPP foi contratada para a realização do censo de cortiços na região delimitada pelo perímetro da Operação Urbana Consorciada Centro – OUC Centro, segundo publicação do Diário Oficial da Cidade de São Paulo no dia 14 de agosto de 2021 (2).

Este artigo tem o intuito de discorrer uma narrativa que registre as disputas que estão colocadas na implementação da política habitacional e na legislação que regulou nos últimos anos, a tentativa da erradicação da condição da precariedade da moradia encortiçada. Ao mesmo tempo, tais ações garantiram a manutenção da população original e a sua preexistência, com a perspectiva de entender em que circunstâncias tais condições foram favoráveis ao êxito dos projetos que foram implementados, considerando um cenário onde as flutuações das diferentes gestões públicas convivem com a permanência, resistência e resiliência dos movimentos sociais de moradia, que desde a redemocratização, lutam pela moradia digna na área central de São Paulo. Também, para que seja utilizado como referência para futuras políticas públicas de habitação de interesse social.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

Arcabouço legal

A consciência sobre a precariedade habitacional, em especial na área central da cidade de São Paulo, tem repercussões nas iniciativas públicas a partir da década de 1980.

Vale lembrar que os cortiços enumeram condições desumanas em relação: exploração perversa nas locações (paga-se muito caro para morar muito mal), conforme estudo recente de Benedito Roberto Barbosa, Juliana Avanci e Luiz Kohara, que demonstram a partir de pesquisa do Secovi que:

“Hoje um cômodo de 12 m² em um cortiço no Centro está em torno de R$ 900,00, correspondentemente ao valor próximo de R$ 75,00/m², enquanto, conforme o Secovi, as locações de residências em abril de 2020, de 1 a 3 dormitórios, variavam entre os valores R$ 14,07/m² nos bairros populares e R$ 40,80/m² nos bairros de classe média alta; no Centro essa variação fica entre R$ 21,71 m² e R$ 31,59 m²” (3)

Além de contrato verbais e despejos ilegais, verifica-se nos cortiços: condições de insalubridade e habitabilidade com superlotação, falta de ventilação, multiplicidade de funções no mesmo cômodo e riscos de incêndio; ausência do poder público na fiscalização, controle e regulamentação. Destaca-se nos últimos trinta anos algumas normativas e leis foram criadas de maneira a possibilitar o enfrentamento da problemáticas da moradia em cortiços, apresenta-se a seguir aquelas que julgamos definidoras das políticas implementadas.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

A Lei Moura – Lei Municipal 10.928/1991 (4) – é um instrumento legislativo municipal referente aos cortiços, uma das principais ferramentas para enfrentar a situação, destaca-se por caracterizar o cortiço como moradia coletiva, ao mesmo tempo, cria diretrizes e critérios para melhoria destas habitações, garantindo condições básicas e mínimas de habitabilidade e salubridade para as famílias que residem nesta tipologia habitacional.

Desde a sua aprovação, durante o governo da prefeita Luiza Erundina, 1989-1992 (5), a Lei Moura é utilizada para fiscalização, posteriormente, nos projetos do Programa de atuação de Cortiços – PAC, parceria da Prefeitura de São Paulo com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU, de 2003 até 2010. A lei, mesmo vigente há 31 anos, precisa de uma atualização e as novas condições impostas pela pandemia da Covid-19, pois vem demonstrando nos últimos dois anos os moradores de cortiços na região central de São Paulo são mais atingidos pela doença em função da coabitação (6).

Em 1992, a Prefeitura de São Paulo promulgou um novo código de obras através da Lei Municipal 11.288/1992 (7), instrumento que permite a administração pública através do licenciamento, exercer controle e fiscalização do espaço construído, garantindo o conforto ambiental, segurança e salubridade das edificações. O código incorporou algumas das questões trazidas pela Lei Moura de 1991, como a flexibilização das exigências em programas habitacionais, dimensões mínimas para aberturas como janelas, com o intuito de garantir a salubridade, o espaço mínimo de 15,00 m2por pessoa em uma moradia, bem próximo dos 12,00 m2encontrados em média em cortiços.

Na sequência é aprovada a Operação Urbana Centro, Lei Municipal 12.349 de 6 de junho de 1997 (8), com objetivos específicos que se destacam no artigo 2º: melhorar, na área objeto da Operação Urbana Centro, a qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores e usuários permanentes, promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e da qualidade ambiental. Apesar de objetivos importantes, na prática não melhorou a condição da vida dos moradores, desde a sua criação, tema para um artigo futuro.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

Posteriormente, o Programa Morar no Centro implementado em 2001, pela Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo, tinha como objetivos melhorar as condições de vida dos moradores do centro, viabilizar moradia adequada para pessoas que moram ou trabalham na região e evitar a gentrificação.

O Plano Diretor Estratégico de São Paulo – PDE, Lei Municipal n. 13.430/2002 (9), determina 686 áreas de Zonas Especiais de Interesse Social – Zeis, áreas reservadas para a construção de habitação social, garantindo a permanência da população de baixa renda no lugar onde já habitam, a serem edificadas pela iniciativa privada ou pública.  Em destaque está a participação dos movimentos de moradia que contribuíram para a demarcação das Zeis 3, a partir da preexistência e a colaboração de assessorias técnicas que participaram do mapeamento das potencialidades de reserva de imóveis vazios ou subutilizados na área central para futura produção de habitação social. O PDE de 2014, através da Lei Municipal n. 16.050/2014 (10), amplia as Zeis, mas também não garantiu a produção de moradias necessárias.

Por outro lado, são reflexos na falta de continuidade administrativa com consequências, sobretudo, a quem necessita de programas públicos, o Decreto Municipal 43.592/2003 (11), que regulamenta o Serviço de Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social, é retomado na elaboração do Plano Municipal de Habitação – PMH, São Paulo, 2016 – ainda não votado na Câmara, apesar de protocolado em dezembro daquele ano – destina um capítulo para um programa para cortiços em duas modalidades, uma para a “ação em cortiços isolados” e outra para “ação integrada em cortiços agrupados”, ambas contam com uma política estruturada de assistência técnica (12) dada a característica e peculiaridade do trabalho com moradias encortiçadas. De formas distintas: a primeira no atendimento através da assistência técnica à comunidade, por meio de selecionamento público e outra através de escritório local de assistência técnica ao munícipe, esta segunda modalidade ligada a estrutura institucional da Prefeitura Municipal de São Paulo (13).

Ainda em 2015, em acordo com Plano Diretor Estratégico – PDE, e com as definições da Lei Federal 10.257/2001, Estatuto da Cidade (14), combinado com a forma de fomento às associações e cooperativas habitacionais de interesse social para contratação de equipes técnica, através do Programa Minha Casa Minha Vida-Entidades – PMCMV-E, a prefeitura de São Paulo editou o Decreto Municipal 56.550/2015, propondo “apoiar as iniciativas das entidades organizadoras habilitadas nos programas de habitação de interesse social executados pela União, pelo Estado de São Paulo ou pelo município, por meio da concessão de subsídio a contratação de equipe técnica” (15), a política então definida pelo novo decreto poderia atender as demandas selecionadas no programa federal, o que não aconteceu, mas se trata de discussão para outra oportunidade. Os programas para cortiço não estavam entrelaçados a esta política pública que no âmbito federal e municipal tratava o problema habitacional de forma quantitativa e no âmbito do atendimento ao déficit e não a precariedade habitacional, tema do nosso artigo. A Unificação de Lutas de Cortiços e Moradia – ULCM, participou do processo de credenciamento e seleção para construção de unidades habitacionais voltadas as famílias encortiçadas e reformou alguns imóveis no centro de São Paulo entre os anos de 2015–2018 (16).

A Lei Municipal 16.587/2016, promulgada a partir do Projeto de Lei n. 12/15, do Vereador Nabil Bonduki, dispõe sobre a autogestão na moradia (17) e pode ser um instrumento importante combinado com uma política de assistência técnica nas áreas: física, social e jurídica, nesse sentido a proposta do PMH de 2016, poderia associar e combinar Assistência Técnica com Autogestão em cortiços combinando modalidades diferentes de atuação em cortiços.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

O Código de Obras e Edificações – COE, Lei Municipal n. 16.642/2017 (18), propõe um capítulo específico sobre edificações existentes, tratando sobre: regularização; reforma; requalificação e reconstrução, abertura importante para se intervir no parque construído da cidade e que necessitam de atualização, principalmente aqueles das áreas consolidadas. Ainda assim, outras questões como a flexibilização de exigências; linhas de fomento e financiamento para estas obras; destinação e discussão sobre demanda prioritária para estas intervenções carecem de aprofundamento.

O Programa Requalifica Centro aprovado com a Lei Municipal n. 17.577/2021 (19), estabelece incentivos e o regime específico para a requalificação de edificações situadas na Área Central. Uma análise do processo de discussão desta lei municipal, apresentado em ritmo acelerado, foi debatido e aprovado na câmara municipal em menos de trinta dias. Nabil Bonduki (20) reconstitui a trajetória e os prazos céleres para cada etapa do processo dentro da Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo, uma leitura mais atenta do documento sancionado pelo executivo municipal evidencia a despreocupação com a demanda mais necessitada ou seja, aquela que reside em caráter informal, através do aluguel ou que paga valores sobre-elevados em imóveis encortiçados ou ainda aqueles que ocupam imóveis como forma de resistência e para forçar o Estado a empreender uma política que coloque o estoque ocioso e/ou vazio da cidade a disposição da função social da propriedade como indica o Estatuto da Cidade de 2001 e seus instrumentos.

Reformar ou requalificar os imóveis ociosos sem ter claro para quem será, coloca os moradores originários numa total insegurança, trata-se de uma lei que define claramente uma ação atenta a produção atual do mercado imobiliário, na busca por garantias financeiras que sustentem o ganho e lucros da iniciativa privada, mas não reconhece os moradores de baixa renda que residem em alguns destes imóveis e poderiam se beneficiar das benesses da Lei 17.577/2021. Evidenciando o desprezo por colocar na lei uma discussão sobre os imóveis ocupados, deixando estes para uma discussão meramente judicial, o que vem acontecendo com ocupações que sofrem pressões por vias judiciais para serem desembaraçadas e desimpedidas, através de processos de reintegração de posse.

O município fica autorizado a promover chamamentos públicos para a operacionalização de consórcios imobiliários na área central, em imóveis ocupados por movimentos de moradia, mas não indica a participação dos movimentos, nem tão pouco o destino destas famílias, declara a invisibilidade do visível, como se fosse possível fazê-las evaporar.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

A Lei 17.577/2021, descrita acima, não foi debatida no Conselho Municipal de Habitação – CMH, o que reflete a falta de transparência e inclusão da moradia digna para quem mora na área central. O CMH – que tem conselheiros que representam para além o poder público, a sociedade civil, movimentos sociais de moradia, assessorias técnicas – vem realizando amplo debate e discussões importantes sobre as políticas para cortiços, autogestão, locação social e regularização fundiária, pautas que refletem as necessidades mais prementes que atinge a população de mais baixa renda e que disputa cada espaço nesta cidade de São Paulo, da favela ao loteamento irregular, nos cortiços, nas ocupações e aqueles atingidos pelos altos valores impostos para mercado formal de locação de imóveis.

Vale resgatar a origem do CMH, as políticas de habitação de interesse social desde os anos de 1980, foram alimentadas pelos recursos do Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal – FUNAPS, criado em 1979, e substituído pelo Fundo Municipal de Habitação – FMH. Para gerir os recursos do FMH, o Conselho do Fundo Municipal de Habitação – CFMH, foi criado a partir de 1994, pela Lei n. 11.632/94 (21) que está em vigor até hoje. Em 2002, o CFMH foi substituído pelo atual CMH, através da Lei n. 13.425, promulgada pela prefeita Marta Suplicy a partir do Projeto de Lei n. 352/99, do vereador Adriano Diogo (22).

As pautas do CMH é tema relevante para outras pesquisas, mas nos interessa aqui destacar a Resolução CMH n. 15, de 7 de dezembro de 2004 (23), que aprovou o Programa de Cortiços e reabilitação de moradia coletiva, permitindo que a Lei Moura fosse retomada e que a Prefeitura de São Paulo pudesse estabelecer a parceria com o Governo do Estado de São Paulo, através da CDHU com o Programa de Atuação em Cortiços – PAC, em vigor de 2003-2010.

Experiências da política de atuação nos cortiços

A inovadora e importante referência de política habitacional realizada em parceria com os movimentos sociais moradia, gestão Luiza Erundina (1989-1992), destacam-se principalmente os programas de Habitações Populares da Região Central de São Paulo e o de Recuperação de Cortiços, demonstrando ser possível avançar na conquista do direito à cidade e da habitação, foi possível realizar obras e projetos de forma integrada em cogestão – com as comunidades, assessorias técnicas e o poder público – nas diversas regiões da cidade.

O Programa de Produção de HIS tinha um caráter mais estratégico, pois, dava ênfase a implantação de projetos na escala maior, com imóveis acima de 4.000 m2, na intenção de aportar recursos e obter um maior controle do poder público durante todo o processo de implantação do projeto, a ideia era atuar principalmente em bairros centrais e no anel intermediário do centro, áreas passíveis de adensamento segundo estudos da antiga Sempla. O Programa envolvia a preocupação com a produção de novas moradias, novos equipamentos para o bairro e regularização registraria e tributária dos imóveis envolvidos no projeto, através do programa de recuperação de cortiços.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

Foram executados dois projetos no âmbito deste programa, o Casarão Celso Garcia e o Madre de Deus, ambos construídos em mutirão com autogestão, apesar dos pressupostos iniciais de gestão direta da prefeitura e lotes maiores que 4.000m2, estes projetos foram concebidos por meio de remembramento de lotes menores e envolvendo cortiços existentes no local.

Enquanto o Programa de Recuperação de Cortiços tratava da constituição e implementação de instrumentos públicos de cogestão, o programa também, financiava a aquisição de imóveis às associações de moradores originários dos cortiços e posterior, reforma ou reconstrução conforme as condições do edifício e de acordo com as exigências das famílias moradoras, estes instrumentos foram constituídos, através de subprogramas em duas modalidade, a primeira para aquisição dos imóveis e a segunda para as obras necessárias.

Durante o período de 1989-1992, foram adquiridos cinco imóveis, mas estes imóveis somente passaram por obras entre 2001-2004, no âmbito do programa Morar no Centro, desvinculado do programa original de recuperação em cortiços, mais uma vez, o grande problema da falta de continuidade de gestão pública. As experiências de atuação nos cortiços do governo municipal nos períodos das gestões de Luiza Erundina (1989-1992) e Marta Suplicy (2001-2004) tiveram os seguintes resultados: o Programa de Produção de HIS realizou 227 unidades habitacionais e o Programa de Recuperação de Cortiços, 89 unidades habitacionais.

Entre 1993 até 2000, a gestão municipal optou por dar ênfase principalmente ao problema da favela, por meio do Programa de Melhorias em Favelas – Prover, também conhecido como Projeto Cingapura, paralisando as iniciativas anteriores.

No Programa Morar no Centro – 2001-2004, o tema do cortiço é retomado com a implementação do Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat – PRIH, que contratou assessorias técnicas e em conjunto com os movimentos sociais por moradia desenvolveram pesquisas e estudos procurando identificar oportunidades imobiliárias que pudessem atender uma diversidade de usos, entre eles a da habitação de interesse social, em perímetros destacados pela municipalidade na região central e anel expandido da cidade.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

Também, foram realizados estudos e uma atuação mais efetiva em cortiços com a constituição em 2003 do “Programa de Cortiços: reabilitação da moradia coletiva” (24), ligado à Superintendência de Habitação Popular – HABI, que desenhou as etapas de fiscalização junto as subprefeituras da Sé e Mooca em parceria com a CDHU (25), que posteriormente se consolidou como o Programa de Atuação em Cortiços – PAC, nas gestões seguintes.

O PAC possibilitou em parceria com o Banco Interamericana de Desenvolvimento – BID investimento na política de erradicação da precariedade habitacional, com os objetivos do programa, em três modalidades: Unidade construída ou reformada; Carta de Crédito para aquisição de imóvel no mercado; Ajuda de Custo, para as famílias que não possuíam renda suficiente ou interesse em assumir financiamento habitacional. Um elemento indispensável foi “a intervenção nos imóveis encortiçados de origem”, determinando “a elegibilidade das famílias para acesso às soluções habitacionais a serem financiadas pelo Programa” (26).

Conforme o relatório do PAC/BID de 2012, as ações realizadas para atingir os objetivos descritos acima, 1.927 imóveis foram vistoriados nas subprefeituras da Sé e Mooca, utilizando como Arcabouço Legal a Lei Moura de 1991 e o Decreto Regulamentar de 33.189/93 para fiscalizar e verificar as condições de uso, possibilitando reforma para o proprietário ou em caso do não cumprimento das adequações, determinando a interdição do imóvel. O resultado foram 316 imóveis adequados a Lei e foram encaminhadas 2801 famílias para atendimento da CDHU no programa PAC/BID com produção de unidades novas e Cartas de Crédito.

O inventário da pesquisa de Débora Sanches (27) demonstra que foram realizados dezoito empreendimentos pelo programa PAC/BID na área central de São Paulo, onde concentram os cortiços na cidade, totalizando 1.739 unidades habitacionais, com diversidade de tipologias entre construção nova ou reforma, construídas muitas vezes nos terrenos do próprio cortiço de origem.

A gestão municipal do prefeito Fernando Haddad (2013-2016) se debruçou sobre o problema da produção habitacional investindo recursos técnicos e financeiros para aquisição de imóveis, terrenos e edifícios voltados a uma política habitacional, estimulado pelos fartos recursos do Programa Federal Minha Casa Minha Vida – PMCMV, porém, sem resultados expressivos na diminuição do déficit habitacional, apenas no último ano da gestão elaborou-se um plano municipal de habitação – PMH 2016 –, mas ainda sem aprovação pela Câmara Municipal. Em linhas gerais, o Plano estabelece o que são as precariedades e as necessidades habitacionais e no âmbito de uma política diversa propõe para o problema do cortiço um planejamento de ações.

Ensaio "Portas de cortiços paulistanos"
Foto Celso Aparecido Sampaio

Desde então, os cortiços não receberam atenção pelo poder público, assim como as políticas necessárias à superação da desigualdade habitacional, o PMH de 2016, que poderia dar lastro a uma política estruturada, aguarda o tramite necessário na Câmara Municipal. Conforme se verifica na discussão apresentada acima, a municipalidade vem centrando esforços em empreender parcerias com a iniciativa privada através das Parceria Público Privada – PPPs, dando viabilidade aos imóveis adquiridos durante a gestão do prefeito Fernando Haddad no intuito de ver atendido os compromissos firmados com a cidade, no entanto, com o esgotamento dos recursos para investimento em produção e reforma, até hoje permanecem sem uso adequado. Enquanto que as parcerias com o privado não viabilizam o atendimento das famílias de mais baixa renda e que deveriam ser demanda prioritária da política habitacional do município.

Considerações finais

Com isso, verifica-se que as políticas públicas de atuação para cortiços, oscilam conforme o interesse e disposição das gestões municipais em enfrentar a questão, sempre que ascende ao poder, políticos comprometidos com a problemática dos cortiços, constituem equipes de técnicos capacitados e envolvidos no debate no âmbito das políticas públicas - da prática profissional com assistência técnica para os movimentos sociais de moradia e/ou pesquisadores que desenvolvem nas universidades, estudos da realidade local, com pesquisas e formulações, que refletem em avanços com propostas e formulações de leis adequadas - apesar do arcabouço legal para enfrentar a questão, nota-se que este tema, também envolve muitos interesses financeiros de proprietários e sublocadores, e sobretudo, pelos empreendimentos imobiliários de apartamentos com áreas reduzidas que estão em larga construção pela cidade (28).

Como resultado desse breve levantamento de produção da política habitacional para cortiços em São Paulo, encontramos 2.055 unidades habitacionais novas produzidas, 316 cortiços adequados a Lei Moura, que melhoraram as condições de habitabilidade, e 2.801 famílias atendidas (produção ou carta de crédito). São números extremamente baixos em relação à grande demanda por moradia digna que existe no munícipio (29).

Percebe-se que após o Plano Diretor de 2012 que permitiu o adensamento nas áreas de concentração de mobilidade, grande dificuldade de produção de habitação social em área central em função do valor da terra e dos imóveis, principalmente, porque o poder público é omisso na gestão do uso do solo e da terra urbana e tem dificuldade em utilizar os instrumentos urbanísticos para garantir a função social da propriedade e da cidade.

As políticas públicas integradas e articuladas nos três níveis de governo dificilmente acontecem, refletem dificuldades para o desenvolvimento de um programa habitacional abrangente e eficiente. O artigo 23 da Constituição Federal de 1988 estabelece que a política habitacional é competência comum da União, dos Estados, dos Municípios e deveriam promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais, assim como, de saneamento básico (30).

notas

NA – Este trabalho foi elaborado a partir das pesquisas de doutorado dos dois autores: SAMPAIO, Celso Aparecido. Cortiço: política pública habitacional em São Paulo (1989-2020). Orientador Abilio Guerra. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2022 <https://bit.ly/444qg1j>; SANCHES, Débora. Processo participativo como instrumento de moradia digna: uma avaliação dos projetos da área central de São Paulo (1990-2012). Orientadora Angelica Alvim. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2015, p. 204 <https://bit.ly/41Ws76K>.

1
CARICARI, Ana Maria; KOHARA, Luiz Tokuzi. Cortiços de São Paulo: soluções viáveis para habitação social no centro da cidade e legislação de proteção à moradia. São Paulo/Salvador, Mídia Alternativa/Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos/Cese, 2006.

2
SÃO PAULO (Prefeitura). Secretaria da Habitação, Gabinete do Secretário. Pregão eletrônico n. 002/Sehab/2021. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ano 66, n. 159, São Paulo, 14 ago. 2021, p. 82 <https://bit.ly/3Ls4Jrd>.

3
BARBOSA, Bendito Roberto; AVANCI, Juliana L.; KOHARA, Luiz T. Pandemia nos cortiços de São Paulo e as mortes (in)visíveis em uma cidade que ninguém quer ver. São Paulo, LabCidade – Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade, FAU USP, 22 jun. 2020<https://bit.ly/3ArIKeI>.

4
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n° 10.928/1991. Dispõe sobre as condições de habitação dos cortiços e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ano 36, n. 110, São Paulo, 08 de jan. 1991, republicado em 15 de jun. 1991, p. 25 <https://bit.ly/3oHJM3I>.

5
A gestão Luiza Erundina instituiu dois programas: Produção de Habitação de Interesse Social e o Programa de Recuperação de Cortiços, que tinham a premissa de aproveitar infraestrutura existente em terrenos vagos ou em áreas com cortiços.

6
BARBOSA, Bendito Roberto; AVANCI, Juliana L.; KOHARA, Luiz T. Op. cit.

7
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 11.288 de 23 de novembro de 1992. Dispõe sobre a obrigatoriedade da assistência de saúde aos adolescentes na Rede Municipal de Saúde do Município de São Paulo. São Paulo, 23 nov. 1992 <https://bit.ly/3oGTmDS>.

8
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 12.349 de 6 de junho de 1997. Estabelece programa de melhorias para a área central da cidade, cria incentivos e formas para sua implantação, e dá outras providências. São Paulo, 6 jun. 1997 <https://bit.ly/3V6deMJ>.

9
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 13.430 de 13 de setembro de 2002. São Paulo, 13 set. 2002 <https://bit.ly/3L4STD3>.

10
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 16.050 de 31 de julho de 2014. Aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a Lei n. 13.430/2002. São Paulo, 31 jul. 2014 <https://bit.ly/40zolil>.

11
SÃO PAULO (Prefeitura). Decreto n. 43.592 de 6 de agosto de 2003. Regulamenta a Lei nº 13.433, de 27 de setembro de 2002, que dispõe sobre o Serviço de Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social, autoriza o Executivo a celebrar convênios e termos de parceria. São Paulo, 27 set. 2002 <https://bit.ly/3n4Aiz2>.

12
BRASIL (Presidência da República). Lei n. 11.888/2008. Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social e altera a Lei n. 11.124, de 16 de junho de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, 24 de dez. 2008 <https://bit.ly/3NcrIZC>.

13
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 13.433/2002. Dispõe sobre o Serviço de Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social, autoriza o Executivo a celebrar convênios e termos de parceria e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ano 47, n. 185, São Paulo, 28 set. 2002, p. 1 <https://bit.ly/3N9H0yk>.

14
BRASIL (Presidência da República). Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, 10 jul. 2001 <https://bit.ly/41BghPu>.

15
SÃO PAULO (Prefeitura). Decreto n. 56.550 de 27 de outubro de 2015. Dispõe sobre as formas de fomento às associações e cooperativas habitacionais de interesse social por intermédio da concessão de subsídio necessário à contratação de equipe técnica e/ou de estudos, projetos e serviços técnicos. São Paulo, 27 out. 2015 <https://bit.ly/3oDQYO9>.

16
Com recursos do PMCMV-E e o acompanhamento da Assessoria Técnica Integra, a Unificação de Lutas de Cortiços e Moradia – ULCM reformou edifícios que abrigam atualmente os conjuntos Dandara (120 UH), Iracema Eusébio (72 UH) e Maria Domitila (245 UH).

17
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 16.587, de 12 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a autogestão na moradia e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ano 61, n. 232, São Paulo, 13 dez. 2016 <https://bit.ly/3LvjdYo>.

18
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 16.642 de 9 de maio de 2017. Aprova o Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo; introduz alterações nas Leis nº 15.150, de 6 de maio de 2010, e nº 15.764, de 27 de maio de 2013. São Paulo, 9 mai. 2017 <https://bit.ly/41DVQS9>.

19
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 15.577/2021, de 20 de julho de 2021. Dispõe sobre o Programa Requalifica Centro, estabelecendo incentivos e o regime específico para a requalificação de edificações situadas na Área Central, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ano 66, n. 141, São Paulo, 21 de jul. 2021, p. 1 <https://bit.ly/3HeeFmA>.

20
BONDUKI, Nabil. Requalifica Centro: um bom projeto que Ricardo Nunes e Milton Leite querem transformar em boiada. UOL, São Paulo, 11. jul. 2021 <https://bit.ly/41WlKAm>.

21
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 11.632 de 22 de julho de 1994. Dispõe sobre o estabelecimento de uma política integrada de habitação, voltada à população de baixa renda; autoriza a instituição, junto à Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP, do Fundo Municipal de Habitação; cria o Conselho do Fundo Municipal de Habitação, e dá outras providências. São Paulo, 22 jul. 1994 <https://bit.ly/3LaGgXa>.

22
SÃO PAULO (Prefeitura). Lei n. 13.425/2002, de 2 de setembro de 2002. Regulamenta o artigo 168 da Lei Orgânica do Município de São Paulo e institui o Conselho Municipal de Habitação de São Paulo. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ano 47, n. 166, São Paulo, 03 de set. 2002, p. 1 <https://bit.ly/3NhOcsa>.

23
SÃO PAULO (Prefeitura). Resolução CMH n. 15, de 07 de dezembro de 2004. Programa de cortiços – Reabilitação da Moradia Coletiva. São Paulo, 7 dez. 2004 <https://bit.ly/3NcLlRi>.

24
A equipe coordenada por Luiz Kohara contou com as participações de Alessandra D’Avila Viera, Ana Maria Caricari, Débora Sanches, Gilberto Santos Silva, Maria Aparecida Abreu, Priscila Guerra Barbosa, Sílvia Mariutti, Vera Fontes e William Cardoso.

25
Em dezembro de 2003, a Sehab e CDHU assinaram Protocolo de Intenções estabelecendo os trabalhos em parceria para o desenvolvimento do Programa Morar no Centro do Município e o Programa de Atuação em Cortiços do Estado de São Paulo. Ver: SÃO PAULO (Município). Programa Morar no Centro. São Paulo, PMSP–SEHAB, 2004, p. 68.

26
SÃO PAULO (Estado). Relatório Geral do programa de atuação em cortiços. São Paulo, CDHU/Sehab/PAC, 2012, p. 7 <https://bit.ly/40EbX0A>.

27
SANCHES, Débora. Processo participativo como instrumento de moradia digna: uma avaliação dos projetos da área central de São Paulo (1990-2012). Orientadora Angelica Alvim. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2015, p. 204 <https://bit.ly/41Ws76K>.

28
SAMPAIO, Celso Aparecido. Cortiço: política pública habitacional em São Paulo (1989-2020). Orientador Abilio Guerra. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2022 <https://bit.ly/444qg1j>.

29
Idem, ibidem.

30
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. BRASIL (Câmara dos Deputados). Constituição de 1988 – publicação original. Brasília, 5 out. 1988 <https://bit.ly/2ZZWHNt>.

sobre os autores

Celso Aparecido Sampaio é arquiteto (FAU Mackenzie, 1988), mestre (EESC USP São Carlos, 2000) e doutor (FAU Mackenzie, 2022). É docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU Mackenzie.

Débora Sanches é arquiteta (FAU PUC-Campinas, 1994), mestre em Habitação (IPT, 2008) e doutora (FAU Mackenzie, 2015). É docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU Mackenzie.

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