A poluição luminosa pode ser percebida por meio do brilho exagerado direcionado ao céu noturno (sky glow), pelo ofuscamento resultante de fontes de iluminação (glare), por um conjunto de luminárias posicionadas de tal forma que configuram um agrupamento brilhante caótico (clutter) e ainda, pela parcela de luz intrusiva que ultrapassa os limites da área a ser iluminada e pode adentrar o espaço construído (light trespass) (1). A ocorrência da poluição luminosa não é consequência inevitável do uso da iluminação elétrica, mas sim do seu emprego inadequado. Por meio da instalação de luminárias sem a proteção ideal e distribuição indevida do facho luminoso, são formadas áreas demasiadamente iluminadas e por vezes ofuscantes, ainda que em alguns casos a iluminação seja desnecessária, o que evidencia a ineficiência do sistema (2).
Segundo publicação de Fabio Falchi et al (3), 83% da população mundial é afetada pela poluição luminosa, cenário que pode ser agravado, sobretudo ao se considerar a tendência de crescimento da urbanização, fenômeno que até 2030 deve resultar em 60% da população global vivendo em áreas urbanas (4). O monitoramento remoto da radiância luminosa, emitida à noite, sinaliza a presença de atividade humana (5),e é um importante indicador de poluição luminosa, o que permite estabelecer associações entre o adensamento urbano e a luz excessiva direcionada ao céu noturno (6). Além do aumento da emissão de luz para o céu noturno, outro indicativo da poluição luminosa é a perda da visibilidade das estrelas, sobretudo nas grandes cidades.
Em consonância ao que se sucede na iluminação pública em outros países, já está em curso, na cidade de São Paulo, a troca das antigas luminárias com vapor de sódio e mercúrio, por novas com LED. Esta substituição foi viabilizada pelo lançamento de um edital, em 2015, para uma parceria público privada ― PPP, que deve assegurar a continuidade da prestação do serviço de iluminação pública, a manutenção, a expansão e a modernização da rede no município, de modo que apenas o fornecimento de energia fique à cargo da concessionária local (7). Após entraves judiciais o edital foi retomado em agosto de 2019 e até outubro de 2021 já haviam sido instaladas mais de 600 mil luminárias com LED, na cidade de São Paulo, o que representa cerca de 90% de toda a rede de iluminação do município (8). Apesar da redução de pouco mais de 50% dos gastos públicos com energia elétrica (9), proporcionada pela substituição das luminárias antigas e acréscimo de novos pontos, a introdução acelerada do LED na iluminação pública de São Paulo desperta atenção pelos potenciais efeitos nocivos à saúde e agravamento da poluição luminosa (10).
Especialmente em fontes de iluminação com LED, a maior proporção de comprimentos de onda curtos na composição do espectro da iluminação pública é preocupante pois pode ser altamente impactante aos ritmos biológicos humanos e ocasionar consequências negativas ao meio ambiente (11). Além dos prejuízos à saúde humana e de espécies animais e vegetais, a luz com grande parte da energia radiada nos comprimentos curtos possui alto potencial de impacto sobre a poluição luminosa, pois a luz compreendida nas bandas curtas do espectro, correspondente à luz azul, é mais facilmente difundida pelas moléculas e partículas pequenas em suspensão na atmosfera, o que se justifica pelo fenômeno da dispersão de Rayleigh, em que a difusão é inversamente proporcional à quarta potência do comprimento de onda (12). Outro aspecto que deve ser considerado em relação ao uso de fontes com elevada porção de comprimentos de onda curtos, é o de que o asfalto e o concreto refletem menos luz de comprimentos curtos comparado à reflexão de comprimentos longos. Portanto, luminárias públicas com LED resultarão em menor luminância comparada à iluminação por lâmpadas de sódio de alta ou baixa pressão (13), o que deve resultar na especificação de valores mais elevados para a iluminância, a fim de compensar a menor percepção luminosa.
Ainda que existam diferenças regionais na emissão de luz em direção ao céu noturno, a radiância luminosa global percebida pelos satélites aumentou em 49%, de 1992 a 2017, fenômeno que ainda pode estar ocorrendo, mas em ritmo exponencial com a utilização do LED na iluminação pública (14). A redução da poluição luminosa em todo o planeta deve ser tratada como uma questão emergencial pois apesar de ser rapidamente atenuada, seus impactos negativos, como os efeitos sobre a saúde humana e de espécies animais e vegetais, são duradouros (15). Assim, a compreensão da dinâmica, em escala local, deve permitir a adoção de estratégias que possam efetivamente diminuir a emissão de luz elétrica em direção ao céu noturno e que estejam em concordância com aspectos culturais, sociais, ambientais e econômicos.
Objetivo
O objetivo deste trabalho foi verificar a variação nos níveis de radiância luminosa, emitida entre 2013 a 2020 no município de São Paulo, e seu potencial de impacto no agravamento da poluição luminosa.
Procedimentos metodológicos
Por meio de uma metodologia descritiva, foi realizado o levantamento dos dados existentes para a radiância luminosa emitida em São Paulo, no período de 2013 a 2020, pela iluminação pública, para caracterizar sua contribuição na poluição luminosa. As informações obtidas para radiância foram relacionadas a dados socioeconômicos do município, de modo a permitir maior compreensão da variação registrada para a emissão de luz e que podem sinalizar não apenas aumento da poluição luminosa como também maior risco de prejuízos à saúde humana, animal e vegetal.
Levantamento de dados de radiância luminosa
A coleta de informações referentes à luz noturna global necessita da utilização de sensores fixos em satélites, lançados em órbita terrestre, e que possuem alta sensibilidade para detectar baixos níveis de iluminação e com sensibilidade espectral compatível àquela emitida por fontes de iluminação elétrica (16). Entre 1992 a 2013, os dados disponíveis para o sensoriamento da iluminação noturna global foram registrados pelo sensor do radiômetro Operational Linescan System ― OLS presente no satélite Defense Meteorological Satellite Program ― DMSP, do Departamento de Defesa da Força Aérea dos EUA. Em 2011 foi apresentado o satélite Suomi National Polar-orbiting Partnership ― Suomi NPP, que levaria a bordo o Visible Infrared Imaging Radiometer Suite ― Viirs, cujo sensor passou a disponibilizar os dados mensais e anuais para as imagens noturnas globais, a partir do mês de abril de 2012, com melhorias na qualidade da resolução espacial e radiomêtrica dos dados aferidos (17).
As informações obtidas pelas imagens aferidas de ambos os sensores são disponibilizadas pela National Oceanic and Atmospheric Administration’s National Geoscience Data Center ― Noaa NGDC. Os dados resultantes do sensoriamento remoto da luz noturna oferecem um panorama da presença de atividade humana vinculada à iluminação elétrica, o que justifica sua utilização em estudos sociais, culturais, econômicos e de impacto biológico, que associem a emissão de luz ao céu noturno com a taxa de urbanização, presença de poluição luminosa e ao crescimento econômico (18).
Neste estudo, as informações para a radiância emitida em todo o município de São Paulo foram extraídas da versão online do aplicativo Light Pollution Map e permitiram a compreensão da variação da luz emitida à noite, entre 2013 e 2020. Os dados obtidos foram capturados pelo sensor Viirs, com sensibilidade na banda Day/Night Band ― DNB, entre 500nm e 900nm, capaz de registrar imagens diurnas e noturnas, com alta qualidade de imagens, inclusive em condições de baixa luminosidade. Os desenvolvedores do aplicativo reprojetaram os dados coletados pelo sensor numa malha em grid, de modo que cada pixel equivale a uma imagem e possui resolução de cerca de 500 metros, diferente da resolução do sensor de 750 metros.
O município de São Paulo
O município de São Paulo é um dos 39 municípios que compõem a região metropolitana de São Paulo, está localizado no Estado de São Paulo, na região sudeste do Brasil. De acordo com os dados do último censo demográfico, realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ― IBGE (19), a população total do município é de 11.253.503 pessoas (população estimada em 12.396.372 pessoas para o ano de 2021), que habita uma área de 1.521,110 km². Trata-se do município mais populoso do estado de São Paulo e de todo o país.
Ainda segundo dados do IBGE, São Paulo apresentou um Produto Interno Bruto ― PIB per capita de R$58.691,90 no ano de 2018, ocupando a 271ª posição na comparação com todos os 5.570 municípios do Brasil e o 54º maior PIB dos 645 municípios do estado. Por sua consolidação como uma das maiores economias do país, não por acaso, foi o município que registrou o maior pessoal ocupado em todo o estado e no país, com 5.766.720 pessoas, dado importante na composição da População Economicamente Ativa ― PEA.
A abordagem, em escala regional, do cenário socioeconômico para o ano de 2010, das 32 subprefeituras que compõem o município de São Paulo, mostrou que a subprefeitura com a maior população foi Campo Limpo, com 607.105 habitantes, em oposição à Parelheiros, que registrou a menor população do município, com 139.441 habitantes e também a menor densidade demográfica, de 394 habitantes/km². Parelheiros também foi a subprefeitura com o menor Índice de Desenvolvimento Humano ― IDH municipal e renda per capita em 2010, com R$ 0,680 e R$ 499,68, respectivamente, enquanto Pinheiros apresentou o maior valor de IDH municipal, 0,942, e renda per capita, R$ 6.125,59. Vale ressaltar que os dados de IDH municipal e renda per capita da subprefeitura de Sapopemba não foram levantados em 2010, pois ainda era um distrito pertencente à subprefeitura de Vila Prudente. Os dados de área, população e densidade demográfica de Vila Prudente, para o ano de 2010, consideram o desconto dos dados de Sapopemba.
Extração dos dados de radiância luminosa
Os dados para a radiância luminosa foram obtidos da plataforma online do aplicativo Light Pollution Map (Jurij Stare, versão 2.8.1). As informações utilizadas foram capturadas pelo sensor Viirs e disponibilizadas sob a forma de um mapa interativo, cuja base oferece dados coletados para todo o planeta desde 2012. Foram extraídos desta base interativa os dados para um período com início em 2013 e término em 2020. A escolha deste recorte temporal se deu em função do primeiro ano em que começou a ocorrer a instalação mais expressiva de luminárias com LED integrado em vias públicas de destaque em São Paulo, como a avenida Brigadeiro Faria Lima (20) e pontos da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, localizada no Butantã (21), e o último ano que, até a data de realização do estudo, exibiu dados completos para os doze meses, uma vez que foi utilizada a média anual da radiância emitida.
A partir das ferramentas disponíveis, incialmente, foi feita a seleção, no mapa online, de uma área retangular que contém todo o município de São Paulo e que foi descarregada como uma imagem, com dados brutos para a radiância emitida pelo sensor Viirs, no formato Geo Tiff. Foram descarregadas oito imagens, uma para cada ano do período de interesse, 2013 a 2020. Todas as imagens Geo Tiff extraídas do portal online Light Pollution Map já estão georreferenciadas e, portanto, seus dados já estão associados às coordenadas geográficas, o que facilita sua visualização, tratamento e análise em softwares Geographic Information System ― GIS, como o Qgis, software gratuito e de código aberto utilizado neste estudo, na versão 3.16.7, atualização lançada em maio de 2021.
Uma vez importadas no software QGis, o intervalo das faixas de radiância das imagens Geo Tiff foi reclassificado e mais classes acrescentadas, de modo a manter a mesma quantidade de classes e o mesmo intervalo numérico presente na legenda do mapa online. Os dados coletados pelo sensor são do tipo raster, o que significa que suas informações estão contidas numa malha de tamanho regular composta por um conjunto de pixels. Cada pixel corresponde a um quadrado com lateral medindo cerca de 500 metros.
É importante ressaltar que os dados produzidos pelo sensor Viirs não aferem diretamente a poluição luminosa, mas são um indicativo desse fenômeno. A radiância horizontal emitida possui associação direta com a poluição luminosa, que pode ser analisada ainda pelo brilho do zênite celeste e pelo brilho médio do céu (22). Além disso, o sensor captura a emissão radiada no plano horizontal, a partir de uma vista área noturna da Terra como percebida no espaço, mostrando a localização exata das fontes emissoras de luz. Contudo, vale lembrar que o sensor deixa de registrar a parcela da luz no plano vertical que é emitida diretamente ao céu noturno, como a presente nos equipamentos de sinalização da cidade e nas fachadas dos edifícios. Também não é capaz de identificar o tipo e as características das fontes luminosas (23). Os dados do mapa também não levam em conta as condições climáticas, o que significa que locais úmidos devem dispersar o brilho emitido ao céu por distâncias maiores, assim como locais poluídos.
Os dados extraídos pelas imagens do sensor ainda podem indicar focos temporários de luz, que não estão relacionados à iluminação elétrica, como erupções vulcânicas, incêndios, atividades em petrolíferas (24). Se mantidas, essas informações podem gerar distorções na interpretação e análise dos dados, por isso devem ser desconsideradas. Neste trabalho, considerando o município de São Paulo como o objeto de estudo, não foi necessária nenhuma intervenção para remoção de valores destoantes.
Após a reclassificação, as oito imagens passaram por um processo de transformação dos pixels em feições vetoriais, do tipo polígono, operação que permitiu a extração dos valores de radiância das subprefeituras e do município de São Paulo. Cada polígono equivale a um quadrado e é caracterizado por um valor que corresponde a radiância luminosa. Contudo, ao dividir um polígono, o dado numérico a ele associado não é divido proporcionalmente à área resultante. No exemplo do mapa das subprefeituras de Sapopemba e São Mateus, alguns polígonos são interseccionados por linhas limítrofes a duas ou mais subprefeituras, como o polígono em destaque na cor amarelo. Neste polígono, cada porção resultante da divisão, pela linha que faz divisa entre as subprefeituras de Sapopemba e São Mateus, tem o mesmo valor do polígono original. Por isso, a soma da média anual da radiância emitida em todas as subprefeituras será maior que a média anual do município. Ainda assim, os valores obtidos permitem a comparação entre as subprefeituras.
Organização dos dados de radiância luminosa
Ao final, foram obtidas oito camadas com feições vetoriais do tipo polígono, correspondentes ao período de 2013 a 2020, para o município de São Paulo e para cada uma de suas 32 subprefeituras, a partir do qual foi possível extrair, da tabela de atributos de cada camada, os valores de radiância de todos os polígonos. Os dados para radiância foram tabulados numa planilha no software Excel, onde foram calculadas as médias para as emissões anuais do município e de cada subprefeitura.
Resultados
Os dados, a seguir, apresentam a variação da radiância luminosa emitida no município de São Paulo, entre os anos de 2013 à 2020, e é mostrado o comportamento em cada subprefeitura do município para uma compreensão mais aprofundada do fenômeno. Nos mapas é possível perceber que na região central do município, houve diminuição da radiância emitida em 2020 quando comparada ao ano de 2013 e um aumento expressivo na emissão em 2014, percepção que se confirmou nos dados quantitativos do gráfico para os valores médios anuais do município.
Em 2013, a radiância emitida foi de 33,21 x 10-9W/cm² x sr, já em 2014 houve um aumento considerável elevando os valores para 39,56 x 10-9W/cm² x sr. A partir de 2014, percebe-se uma tendência de queda, atingindo 32,05 x 10-9W/cm² x sr em 2020.
Apesar da tendência de queda percebida em São Paulo, os valores obtidos no município representam um comportamento médio. A análise da radiância média anual emitida em cada subprefeitura mostra que em algumas, como Brasilândia, Jabaquara, Campo Limpo, Mboi Mirim, Capela do Socorro, Parelheiros, Aricanduva e Cidade Tiradentes, houve aumento da radiância emitida em 2020 quando comparada ao início do período analisado, em 2013. Contudo, para todas as subprefeituras a radiância média em 2020 foi menor que a emissão em 2014, ano em que foi percebido o pico no valor da radiância para o município e a maioria das subprefeituras.
Também se percebe que, embora a maioria das subprefeituras tenham apresentado valor máximo de radiância em 2014 e o valor mínimo em 2020, confirmando a média para o município, em algumas subprefeituras os valores máximo e mínimo ocorrem em outros anos, dentro do período de análise, o que confirma as diferenças na radiância emitida dentro dos limites administrativos do município de São Paulo. Entre 2013 e 2020, a maior radiância média se deu na Sé, com emissão de 81,88 x 10-9 W/cm² sr, muito próxima à emissão média de Pinheiros, de 81,78 x 10-9 W/cm² sr, enquanto que a menor emissão média de radiância foi de 2,86 10-9 W/cm² sr, registrada em Parelheiros. Nesta tabela, os dados em verde indicam os maiores valores da radiância do município e subprefeituras obtidos entre 2013 e 2020 e os maiores valores médios para o período considerado (foram destacados dois, Sé e Pinheiros por possuírem valores muito próximos). Em oposição, em vermelho, foram destacados os menores valores.
Discussão dos resultados
A análise dos resultados obtidos para o município de São Paulo indica a tendência de redução da radiância emitida, o que numa primeira interpretação poderia sinalizar a diminuição da poluição luminosa em São Paulo. No entanto, as imagens resultantes indicam uma parte das emissões, compreendida na porção do espectro que vai de 500 a 900nm. Este é um intervalo que consegue detectar parte da chamada luz visível, aquela que pode ser percebida pelo olho humano, mas também a luz infravermelha (>780nm), o que mostra que a sensibilidade do sensor difere daquela percebida pelo olho humano, que vai de 380 a 780nm.
A insensibilidade do sensor para a energia liberada nos comprimentos de onda inferiores à 500nm não é problemática para lâmpadas tradicionalmente utilizadas na iluminação pública, como as de vapor de sódio e mercúrio, pois nestas fontes de iluminação o pico e a maior parte da energia são liberados acima de 500nm. Entretanto no LED, o pico de energia radiado concentra-se na faixa de 420 a 480nm, abaixo portanto do comprimento de onda mínimo percebido pelo sensor. Dessa maneira, a diminuição da poluição luminosa pode ser uma percepção equivocada, pois com a troca das antigas luminárias públicas, com fontes de iluminação tradicionais, e acréscimo de novas luminárias com LED, a principal contribuição da nova iluminação sobre a radiância emitida deixa de ser aferida. Assim, a queda nos valores, a partir de 2019, pode refletir a introdução massiva do LED nas vias de São Paulo e um possível aumento da radiância e da poluição luminosa. Além disso, a maior eficiência energética do LED, comparada às lâmpadas de vapor de sódio e de mercúrio, pode gerar um efeito rebote resultando em valores de iluminância média horizontal mais altos (25), efeito intensificado pela maior dispersão, para a atmosfera, da luz nos comprimentos de onda curtos (26).
Os dados de radiância emitida pelas subprefeituras evidenciam as diferenças na contribuição da iluminação pública, em escala municipal, para a poluição luminosa. Sé e Parelheiros, foram as subprefeituras com a maior e a menor radiância média emitida, respectivamente, entre 2013 a 2020, diferença que pode ser melhor compreendida na análise do retrato socioeconômico, uma vez que foram relatadas correlações entre a poluição luminosa e indicadores de urbanização e renda per capita (27). Segundo Peter R. Boyce (28), a densidade populacional e sua renda per capita atuam direta e conjuntamente sobre a poluição luminosa de uma determinada região, de modo que locais com maior renda e densidade populacional apresentarão maior poluição luminosa em comparação a locais com menor renda e densidade urbana.
A comparação entre as informações referentes ao contexto socioeconômico das subprefeituras de São Paulo e os valores de radiância emitida mostra que Parelheiros exibiu não somente a menor radiância média de 2013 a 2020 como também é a subprefeitura com a menor renda per capita e densidade demográfica. O menor valor de radiância emitida nesta subprefeitura pode ser justificado pela presença da maior reserva de área verde do município e que também compõe a maior parte do seu território. As demais áreas de Parelheiros possuem ocupação essencialmente residencial, caracterizada por construções baixas e fachadas com revestimento de baixa refletância.
Por outro lado, a Subprefeitura da Sé apresentou a maior radiância média e está classificada entre as cinco subprefeituras com as maiores rendas per capita e densidade populacional. O maior valor de radiância registrado na Sé também pode ser entendido por se tratar de uma subprefeitura extremamente verticalizada, concentrando os edifícios mais altos do município, como o Mirante do Vale, o Edifício Itália e o Edifício Altino Arantes, além da contribuição da reflexão da iluminação exterior pelo material reflexivo, e por vezes luminoso, de suas fachadas.
Vale ressaltar que nem sempre a associação entre a renda per capita e densidade populacional com a radiância emitida será observada, pois outros fatores locais devem ser considerados. Um exemplo é a subprefeitura de Pinheiros, que mostrou quase a mesma radiância média que a subprefeitura da Sé, com diferença registrada de 0,1 e possui a maior renda per capita do município, entretanto, sua densidade populacional não é elevada. Ainda assim, figura entre as maiores médias de radiância, o que possivelmente pode ser explicado pela presença de importantes vias de alto fluxo de veículos como é o caso da Marginal Pinheiros e da avenida Faria Lima. A existência de uma consolidada infraestrutura de transportes, com grande quantidade de vias pavimentadas também é outro fator que pode elevar a contribuição sobre a poluição luminosa (29). Assim como a Sé, Pinheiros apresenta grande concentração de elevadas construções e fachadas envidraçadas o que aumenta a contribuição da luz emitida em direção ao céu noturno. Ambas as subprefeituras também possuem grande quantidade de bares, restaurantes e outros serviços que estimulam a economia noturna e que também podem contribuir para a poluição luminosa.
Conclusão
O uso de luz elétrica para iluminar áreas públicas à noite está associado a diversas necessidades humanas, que deverão resultar em melhor aproveitamento do espaço urbano noturno, configuração de espaços mais inclusivos e que ofereçam maior percepção de segurança. Tais atributos devem ser equacionados com a necessidade de otimização dos recursos e gastos energéticos. Nesse sentido a utilização do LED, em substituição às fontes tradicionais na iluminação pública do município de São Paulo, resultou na redução de, pelo menos, metade dos gastos públicos com energia. Contudo, o uso crescente do LED na iluminação do meio externo, impulsionada pelo edital da PPP da iluminação pública, pode aumentar a contribuição da parcela da luz emitida em direção ao céu, intensificando a poluição luminosa. Indícios desse comportamento podem estar sendo observados no município de São Paulo, mesmo com a tendência de queda na radiância emitida, entre 2013 a 2020.
A iluminação pública implica em efeitos inevitáveis sobre a poluição luminosa. Entretanto, os impactos sobre a astronomia e a ecologia podem ser minimizados por meio da correta especificação da iluminação para o exterior. Apesar do potencial de agravamento da poluição luminosa, o uso do LED permite flexibilidade e maiores possibilidades de controle de características da luz, além da associação de equipamentos e acessórios para melhor distribuição e direcionamento do facho luminoso, de modo a adequar a luz ao propósito a que se destina. Vale lembrar que a adoção de diretrizes voltadas à iluminação de espaços públicos externos deve considerar a dinâmica e o contexto socioeconômico do local. Assim, os resultados apresentados neste trabalho mostraram um panorama da variação da radiância emitida, em escala municipal e regional, e evidências preliminares, que necessitam de mais dados para análise de possíveis correlações, como a quantidade anual de pontos com LED na iluminação pública, no município e em suas subprefeituras, para o período de 2013 a 2020.
notas
1
Light Pollution. International Dark-Sky Association <https://bit.ly/2E6OVcQ>.
2
Idem, ibidem.
3
FALCHI, Fabio et al. The new world atlas of artificial night sky brightness. Science Advances, v. 2, n. 6, 2016.
4
UNITED NATIONS, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2018). World Urbanization Prospects: The 2018 Revision <https://bit.ly/2KXANHt>.
5
LEVIN, N. et al. Remote sensing of night lights: A review and an outlook for the future. Remote Sensing of Environment, v. 237, n. 111443, 2020; BUSTAMANTE-CALABRIA, M. et al. Effects of the COVID-19 Lockdown on Urban Light Emissions: Ground and Satellite Comparison. Remote Sensing, v. 1, n. 2, 2021, p. 258; LI, X. et al. Night-Time Light Dynamics during the Iraqi Civil War. Remote Sensing, v. 10, n. 6, 2018, p. 858.
6
GALLAWAY, T.; OLSEN, R. N.; Mitchell, D. M. The economics of global light pollution. Ecological Economics, v. 69, v. 3, 2010, p. 658-665.
7
PPP de iluminação pública aparece como solução para os municípios. Revista O Setor Elétrico, 2017 <https://bit.ly/3Hx0ee1>.
8
Prefeitura avança na modernização com LED da rede de iluminação pública de São Paulo. Cerca de 90% do parque de iluminação da cidade já são atendidos por essa tecnologia que oferece melhor iluminação e menos consumo de energia. Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo, 2021 <https://bit.ly/3kKRA2D>.
9
Idem, ibidem.
10
SCHULTE-RÖMER, N.; MEIER, J.; SÖDING, M.; DANNEMANN, E. The LED Paradox: How Light Pollution Challenges Experts to Reconsider Sustainable Lighting. Sustainability, v. 11, n. 21, 2019, p. 6160.
11
GASTON, K. J. et al. The ecological impacts of nighttime light pollution: a mechanistic appraisal. Biological reviews of the Cambridge Philosophical Society, v. 88, n. 4, 2013, p. 912-927; DOMINONI, D. M.; NELSON, R. J. Artificial light at night as an environmental pollutant: An integrative approach across taxa, biological functions, and scientific disciplines. Journal of experimental zoology. Part A, Ecological and integrative physiology, v. 329, n. 8-9, 2018, p. 387-393.
12
LUGINBUHL, C.B.; BOLEY, P.A.; DAVIS, D.R. The impact of light source spectral power distribution on sky glow. J. Quant. Spectrosc. Radiat. Transfer, v. 139, 2014, p. 21-26; PEÑA-GARCÍA, A.; SĘDZIWY, A. Optimizing Lighting of Rural Roads and Protected Areas with White Light: A Compromise among Light Pollution, Energy Savings, and Visibility. Leukos, v. 16, n. 2, 2020, p. 147-156.
13
FALCHI, F. et al. Op. cit.
14
SÁNCHEZ DE MIGUEL, A. et al. First Estimation of Global Trends in Nocturnal Power Emissions Reveals Acceleration of Light Pollution. Remote Sensing, v. 13, n. 16, 2021, p. 3311.
15
FALCHI, F. et al. Op. cit.
16
ELVIDGE, C. D. et al. Why VIIRS data are superior to DMSP for mapping nighttime lights. Proceedings of the Asia-Pacific Advanced Network, v. 35, 2013, p. 62-69.
17
MA, J. et al. Constructing a New Inter-Calibration Method for DMSP-OLS and NPP-VIIRS Nighttime Light. Remote Sensing, v. 12, n. 6, 2020, p. 937; DÓRIA, V. E. M.; AMARAL, S.; MONTEIRO, A. M. V. Avaliação do potencial das imagens de luzes noturnas para estimativa e distribuição espacial de população urbana: um estudo para a região metropolitana de São Paulo, Brasil, com o sensor Visible/Infrared Imaging Radiometer Suite (Viirs). Anais do 19º. Encontro Nacional de Estudos Populacionais: População, Governança e Bem-Estar, São Pedro, Abep, 24 a 28 nov. 2014.
18
LI, X. et al. Remote sensing of night-time light. Int. J. Remote Sens., v. 38, 2017, p. 5855–5859.
19
IBGE Cidades: panorama São Paulo. IBGE <https://bit.ly/3XVBXnl>.
20
FERRAZ, A. Faria Lima tema 1ª rede de iluminação a distância de SP. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2012 <https://bit.ly/3j44NTB>.
21
Iluminação pública. Prefeitura do Campus USP da Capital <https://bit.ly/3HwszRy>.
22
FALCHI, F.; BARÁ, S. Computing light pollution indicators for environmental assessment. Nat Sci.; v. 1, e10019, 2021.
23
GORONCZY, E. E. Light Pollution in Metropolises: Analysis, Impacts and Solutions. 1ª edição. Springer, 2021, p. 123-125.
24
ELVIDGE, C. D. et al. VIIRS night-time lights. International Journal of Remote Sensing, v. 38, n. 21, 2017, p. 5860-5879.
25
SCHULTE-RÖMER, N.; MEIER, J.; SÖDING, M.; DANNEMANN, E. Op. cit.
26
LUGINBUHL, C.B.; BOLEY, P.A.; DAVIS, D.R. Op. cit.; PEÑA-GARCÍA, A.; SĘDZIWY, A. Op. cit.
27
GALLAWAY, T.; OLSEN, R. N.; Mitchell, D. M. Op. cit.
28
BOYCE, Peter R. The benefits of light at night. Building and Environment, v. 151, 2019, p. 356-367.
29
GALLAWAY, T.; OLSEN, R. N.; Mitchell, D. M. Op. cit.
sobre os autores
Rose Raad é arquiteta e urbanista graduada pela FAU USP (2019). Durante a graduação, foi pesquisadora do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética e bolsista de iniciação científica Fupam (2014−2015) e Fapesp (2017−2018). Atualmente é mestranda da FAU USP, na área de concentração de Tecnologia da Arquitetura, e bolsista Fapesp.
Rodrigo Galon é arquiteto e urbanista graduado pela Faculdade Brasileira Univix (2015). Possui especialização em Arquitetura e Lighting pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação (2019). Atualmente é mestrando da FAU USP, na área de concentração de Tecnologia da Arquitetura.
Mariana Ferreira Martins Garcia é arquiteta e urbanista graduada pela Universidade de Uberaba (2011) e mestre em arquitetura e urbanismo pelo IAU USP (2016). Atualmente é gestora do Centro de Ensino Grau Técnico, localizado em Sumaré SP e doutoranda da FAU USP, na área de concentração de Tecnologia da Arquitetura.
Leonardo Marques Monteiro é arquiteto e urbanista graduado pela FAU USP (2002), possui graduação em Letras pela Fflch USP (2007), é doutor (2008), pós-doutor (2011) e livre-docente (2018) pela FAU USP. Atualmente é professor associado da FAU USP, bolsista produtividade do CNPq e membro associado do Plea.