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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Não é possível limitar o patrimônio cultural, ou circunscrevê-lo a ocorrências isoladas, dispersas no território. Para ilustrar este argumento, toma-se o exemplo de uma experiência recente na FAU Mackenzie.

english
It is not possible to limit cultural heritage, or circumscribe it to isolated occurrences, dispersed in the territory. To illustrate this argument, the example of a recent experience at FAU Mackenzie is taken.

español
No es posible limitar el patrimonio cultural, ni circunscribirlo a hechos aislados, dispersos en el territorio. Para ilustrar este argumento, se toma el ejemplo de una experiencia reciente en la FAU Mackenzie.


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CARRILHO, Marcos. Notas sobre o patrimônio cultural na cidade de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 23, n. 273.01, Vitruvius, fev. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/23.273/8722>.

Para falar sobre patrimônio é preciso inicialmente qualificá-lo. O significado da palavra é amplo, mas aqui não se trata de patrimônio em geral e sim de seu sentido específico como patrimônio cultural. Nas suas origens, o termo se apresenta associado à noção de patrimônio histórico e artístico, conforme definiu no Brasil, seu instrumento legal fundador, o Decreto-lei n. 25 de 1937. Nesta época, o que estava em consideração eram bens culturais que, por sua excepcionalidade ou por sua monumentalidade, se destacavam do mundo corrente. Correspondiam às primeiras ações institucionais visando identificar testemunhos do passado associados à noção de identidade, então entendida como identidade nacional.

Essa perspectiva persistiu até os anos de 1960, inícios da década de 1970, quando o sentido de bens de valor excepcional dá lugar a uma visão mais ampla, dirigida às manifestações representativas em lugar das ocorrências excepcionais. Buscava-se então recolher amostragens de bens capazes de dar testemunho da trajetória histórica de várias regiões e culturas nas suas diferenças e particularidades, fruto de sucessivas etapas de desenvolvimento, decorrentes da ação de grupos sociais ou étnicos que, não obstante os vínculos comuns, projetariam sobre o território distintas formas de manifestação cultural. É quando começa a se afirmar o sentido de diversidade cultural em oposição a uma identidade única. É o momento do reconhecimento de modalidades de arquitetura até então repelidas, compreendendo as manifestações da chamada arquitetura eclética. O repertório de bens culturais passa então a se desdobrar em distintos tipos, correspondentes a vários aspectos da trajetória histórica do final do século 19 e no transcurso do século 20: o patrimônio industrial, o patrimônio ferroviário, o patrimônio da imigração, o patrimônio natural e assim por diante. Até mesmo a arquitetura moderna passa a ser objeto de consideração no campo da preservação de bens culturais.

A expansão do sentido de patrimônio prossegue e se difunde junto à sociedade. Toma corpo a ideia de um patrimônio ambiental urbano (1). Uma noção de difícil caracterização, uma vez que não se trata apenas de objetos de valor excepcional ou representativo, mas de manifestações de identidade local, que incluem até mesmo valores afetivos, os quais, por sua vez, dependem do reconhecimento das comunidades de determinados territórios urbanos, nem sempre fáceis de estabelecer. Nesse processo, há também uma expansão do sentido da memória, das várias modalidades de memória e do próprio caráter controverso da memória, incluindo noções antagônicas de memória (2). Seja como for, na atualidade o sentido de patrimônio cultural alcançou uma notável expansão.

Aceita esta condição, não é mais possível limitar o patrimônio cultural, ou circunscrevê-lo a ocorrências isoladas, dispersas no território. Para ilustrar meu argumento, vou tomar o exemplo de uma experiência recente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie ― FAU Mackenzie.

Aos professores da disciplina de preservação do patrimônio cultural foi solicitado estabelecer uma relação de integração com as demais disciplinas do 8º semestre de nossa faculdade. A cada semestre, é escolhida uma área para a prática didática e, nos três últimos, a escolha recaiu sobre as áreas dos bairros da Lapa, Água Branca e Barra Funda. Em consequência, de imediato se coloca a questão: como tratar o tema da preservação do patrimônio cultural nestas áreas? Como estabelecer a integração entre a temática da preservação e a abordagem das demais disciplinas, em especial com as disciplinas de Projeto e de Planejamento Urbano?

De modo geral, a expectativa é que a disciplina de preservação do patrimônio cultural especifique o repertório de bens tombados na área, indique graus de preservação, restrições de vizinhança etc. Mas disso resultaria um determinado número de bens dispersos na área de estudo, sem relação de conjunto e pouco representativos dos processos de formação e desenvolvimento locais. Portanto, para reconhecer o que possa ser percebido como patrimônio cultural é preciso, ainda que de forma sumária, estudar a formação das áreas em estudo, suas referências de memória e, em alguma medida, delinear a sua história. Assim, é necessário examinar as referências básicas de seu desenvolvimento a partir das fontes documentais disponíveis. Isso, nem sempre foi tarefa simples, mas atualmente, graças aos recursos tecnológicos digitais, não é mais possível alegar ignorância ou dificuldade de acesso às fontes documentais de informação (3). Elas são amplamente disponíveis e de fácil acesso.

Em nosso campo de atividade destacam-se as fontes iconográficas, sob a forma de registros cadastrais, mapas e referências cartográficas, fotos aéreas, registros fotográficos da cidade e seus edifícios e, finalmente, os projetos que lhes deram origem. Examinar estas fontes significa a possibilidade de estabelecer, em pouco tempo ― como num retrato instantâneo ― as características de formação recente destas áreas.

Nos bairros citados, o repertório cartográfico das áreas em estudo (4) permite contemplar a vasta extensão da várzea do Rio Tietê, o seu curso ainda caprichoso e meandrado e as linhas dos antigos caminhos, cujo traçado orientou a implantação da ferrovia, vindo a constituir a diretriz principal de urbanização.

Recorte da “Planta Geral da Cidade de São Paulo”, de 1905, A. M. Coccoci e L. Fructuoso e Costa
Imagem divulgação

Os pontos de paradas das pequenas estações reforçaram núcleos pré-existentes, dando origem a novas frentes de urbanização. Os recursos de transporte de carga e passageiros, por sua vez, ofereceram condições ideais de implantação de estabelecimentos industriais e seu necessário complemento, o alojamento da força de trabalho. Outro tipo de fonte, o Fundo de Obras Particulares do Arquivo Histórico Municipal, apresenta uma amostragem dos projetos entre 1906 e 1914, disponível online (5). Uma rápida consulta de dados relativas às áreas de estudo evidencia as características das edificações neste intervalo.

Projeto de casas seriadas à avenida Monteiro de Mello, bairro da Lapa, São Paulo SP
Imagem divulgação [Arquivo Histórico Municipal Washington Luís/Fundo Obras Particulares]

Já o Sara-Brasil proporciona uma visão acurada e minuciosa destes assentamentos em 1930. Sendo o primeiro levantamento da cidade de São Paulo produzido a partir da técnica de aerofotogrametria, este mapeamento permite observar com notável acuidade a situação da área naquela data. Além do curso do rio e das áreas baixas e alagadiças, é possível identificar as vias de circulação, as características dos parcelamentos urbanos, da divisão fundiária e de suas edificações. A esta altura é possível observar a presença consolidada das instalações industriais, assinalada pelos polígonos de construção de maior porte, distribuídos predominantemente ao longo das linhas férreas. Destaca-se, da mesma forma, em curto espaço de tempo, a expansão dos parcelamentos urbanos que se estendem até a fronteira da ferrovia, ultrapassando-a apenas em alguns núcleos mais antigos, como a sede do distrito da Lapa.

Recorte do setor Lapa ― Água Branca do Mappa Topográphico do Município de São Paulo, f. 22
Imagem divulgação [PMSP, 1930]

A seguir, os registros de fotos aéreas de 1940, oferecem uma visão nítida dos grandes conjuntos industriais e da expressiva quantidade de vilas operárias e de casas seriadas, claramente distintas dos demais padrões de edificações residenciais, também presentes de forma relevante. Estas imagens aéreas permitem verificar o avanço dos parcelamentos, os limites impostos pelos cursos de rios, as áreas alagadiças e a persistência da vasta extensão da várzea do Tietê, ainda contida pela ferrovia, limite da área urbanizada.

Recorte do setor Lapa ― Água Branca das Aerofotos FM5-037 e FM5-055
Imagem divulgação [Geosampa, 1940]

Nos anos de 1950, a retificação do Tietê avançou em quase toda a extensão dos bairros em estudo, mas suas transposições ainda eram limitadas. Entretanto, a área urbanizada a sul da ferrovia preencheu completamente todo espaço disponível. Ao longo da década de 1920 e 1930, sob a coordenação do engenheiro Francisco Saturnino de Brito, a Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê havia formulado a proposta de constituição de um parque na orla do canal retificado, com extensas áreas livres para desfrute público, com a presença de lagos e áreas de recreação compatibilizadas com o traçado das avenidas marginais. Esta alternativa, todavia, não prosperou, o que acabou por favorecer a expansão da ocupação até os limites do novo curso do rio (6).

Recorte das Aerofotos FX04-471 e FX04-473, de 1954, demonstrando o canal retificado e o avanço da área urbanizada ainda delimitada pela ferrovia
Imagem divulgação [Geosampa, 1954]

Uma outra abordagem, por meio da consulta a fotos antigas do Acervo da Cidade de São Paulo, permite conhecer os registros de obras públicas deste período, associadas ao novo traçado do canal retificado e às primeiras transposições por viadutos da linha férrea, proporcionando vistas que documentam as transformações da cidade ao longo do século 20. Da mesma forma, o levantamento de fontes e sua respectiva análise deve prosseguir pela cartografia mais recente até alcançar cobertura de fotos e imagens atuais de satélite.

Esgotado o repertório das fontes documentais externas, o trabalho ainda não foi concluído, pois este tipo de pesquisa não pode prescindir da investigação direta de seu objeto, isto é, de visitas a campo. Em tempos de pandemia, o sistema Google Earth proporcionou a possibilidade de percorrer as áreas de estudo à distância. A alternativa virtual mostrou-se altamente eficaz a ponto de ser incorporada como componente dos levantamentos de áreas em estudo, complementar às insubstituíveis visitas in situ. Por este meio, o observador atento identifica a persistência de testemunhos da ocupação pioneira, sejam as vilas operárias, sejam conjuntos de residências para renda, invariavelmente situadas no alinhamento predial. Em outras áreas, observa a presença de residências unifamiliares de classe média, ora como sequência de sobrados geminados, ora como unidades autônomas, recuadas das divisas. Mas, além disso, observa ocorrências típicas, como a ocupação de esquinas com edificações mistas, comércio no térreo e apartamentos residenciais nos pavimentos superiores, três ou quatro andares, sempre implantadas no alinhamento predial. Aqui e ali, se defronta com edifícios de maior desenvolvimento em altura, ainda regidos pela Lei n. 2332/1920 ou pelo chamado Código Arthur Saboya, de 1929, cujos parâmetros definiam limites de altura em função da largura da rua.

Na Lapa, algumas destas edificações como o Edifício Morais, ou o conjunto de prédios residenciais de três e quatro pavimentos, situados às ruas Fábia, Catão e Coriolano, apresentam altos índices de aproveitamento de seus terrenos, demonstrando a possibilidade de padrões de ocupação de grande densidade, distintos daqueles que vêm sendo praticados como resultado das transformações recentes destas áreas.

Edifício Morais, à rua Faustolo, 955, bairro da Lapa. Embora de menor altura em relação às torres residenciais ao fundo, este edifício, projetado de acordo com o Código Arthur Saboya, de 1929, apresenta o padrão de alta densidade
Foto divulgação [Google Earth]

Nestes bairros industriais ― Lapa, Água Branca e Barra Funda ― o Patrimônio Cultural é formado predominantemente pelas indústrias, pela presença da ferrovia, pelas vilas operárias e pelo casario modesto. Esta é a característica dominante de uma morfologia urbana peculiar de grandes assentamentos industriais distribuídos ao longo do traçado da ferrovia, pontuados por suas instalações típicas, pequenas estações, mas também pelos grandes pátios e oficinas da São Paulo Railway e da Estrada de Ferro Sorocabana. Acrescentam-se, ainda, as áreas livres, compostas pelas várzeas do Tietê e de seus tributários, por áreas alagadiças, cavas e restos de seu traçado meandrado, por áreas recreativas de clubes e áreas onde perdura o futebol de várzea, enfim, por vastas áreas impróprias à urbanização, que deveriam ser conservadas a todo custo, como parques.

Exemplo de casas geminadas à rua Martha, Barra Funda, São Paulo SP
Foto divulgação [Google Earth]

No entanto, o desenvolvimento urbano estabelecido a partir do Plano Diretor da década de 1970 e suas versões mais recentes alteraram brutalmente este padrão. A morfologia urbana pioneira tem sido violentamente rompida, com a presença crescente de conjuntos residenciais verticalizados, sem nenhuma relação quer com os logradouros, quer com as massas construídas pré-existentes. Da mesma forma, a urbanização ocupou toda a área de várzea do rio.

Além disso, nas últimas décadas, o papel da cidade de São Paulo sofreu profundas mudanças. De centro industrial passou a adquirir a condição predominante de centro de programação e planejamento da produção. Em consequência, o parque edificado da vasta concentração industrial que a caracterizou entra em decadência, seja por obsolescência, seja por ociosidade.

Indústria Martins Ferreira à rua William Speers, bairro da Lapa, São Paulo SP
Foto divulgação [Google Earth]

Assim, a década de 1980 assiste ao desaparecimento de significativos testemunhos históricos na área de estudo. O Complexo Industrial Matarazzo da Água Branca ― vasto conjunto edificado que se estendia do viaduto Pompéia ao Viaduto Antártica ― exemplo pioneiro de integração vertical da produção, foi quase todo demolido, tendo sido conservada apenas a Casa das Caldeiras e suas chaminés, hoje amesquinhadas pela sequência de edifícios verticais ao longo da avenida Francisco Matarazzo. Outro notável conjunto industrial que tomava toda uma quadra, a Companhia Melhoramentos, foi demolido, para dar lugar a empreendimentos imobiliários, tendo sido preservado apenas seu edifício administrativo. Da antiga Serraria Americana, origem da Eucatex, pouca coisa resta.

Inteiras áreas residenciais na Lapa, Vila Romana, Pompéia, Água Branca, ou na Barra Funda, tidas equivocadamente como menos importantes, têm constituído outra frente de transformação de padrões urbanos e feições tradicionais desses bairros. Compostas por conjuntos de notável regularidade e singeleza, as vilas operárias integram paisagens urbanas únicas, evocativas da força e do rigor de seus padrões arquitetônicos. Mercê de demandas imediatas e de parâmetros urbanísticos arbitrários, seus remanescentes vêm desaparecendo rapidamente.

Os testemunhos do centro pioneiro e mais dinâmico do desenvolvimento industrial do país correm o risco de serem inteiramente apagados sem deixar vestígios. E, o que é pior, sem sequer serem documentados, estudados e compreendidos em suas várias e distintas características e, em sua dupla dimensão, de evidências da atividade produtiva e do habitat de numerosos contingentes da classe operária e de demais moradores. É, literalmente, a extinção de uma das referências de memória mais significativas da cidade de São Paulo.

Em uma coletânea de artigos reunidos sob o título “Se Veneza morre”, o arqueólogo e historiador da arte italiano, Salvatore Settis, descreve três formas sob as quais as cidades morrem: a primeira, “quando um inimigo impiedoso a arrasa completamente”; a segunda “quando um povo estrangeiro a ocupa à força, expulsando os autóctones e seu deuses” e, finalmente, a terceira, “quando seus habitantes perdem a memória de si, e sem ao menos se darem conta tornam-se estrangeiros a si mesmos, inimigos de si mesmos” (7). São Paulo parece enquadrar-se nesta última. Transforma-se veloz e avassaladoramente, sem se dar conta do que era, de conhecer o que detinha como herança e de imaginar o que poderia conservar.

Atribuir a responsabilidade desta situação à especulação imobiliária é fácil e ineficaz. Tampouco é razoável enquadrar o setor imobiliário como agente promotor único da destruição do Patrimônio Cultural. As regras e os limites de aproveitamento do solo urbano são estabelecidos pelos órgãos de planejamento da cidade, compostos em grande parte por arquitetos planejadores que, em sua atividade têm por função identificar prioridades, formular normas, estabelecer índices de aproveitamento, taxas de ocupação, recuos etc. Desses parâmetros derivam as transformações que assistimos no meio urbano.

A preservação do Patrimônio Cultural não constitui um obstáculo ao desenvolvimento e às transformações contemporâneas. Ao contrário, o Patrimônio Cultural é um importante fator de desenvolvimento, capaz de acrescentar valor ao que possa lhe estar associado. Estou de pleno acordo com o critério geral de conter a expansão urbana e adensar a cidade. Não acredito, contudo, que um planejamento baseado em diretrizes estabelecidas apenas por critérios quantitativos, referidos a parâmetros abstratos, dissociados de seu contexto específico possa contribuir positivamente neste quadro. Tampouco defendo critérios rígidos de preservação do Patrimônio Cultural, especialmente nesses bairros estudados.

Apesar das transformações sofridas, as paisagens culturais (8) da Lapa, Água Branca e Barra Funda (e tantos outros bairros de São Paulo) conservam, ainda, testemunhos materiais significativos de suas respectivas histórias. Não se trata de valores que reafirmam padrões convencionais de beleza, harmonia ou refinamento, mas, ao contrário, de valores que dão sentido ao ambiente, à vida e ao trabalho da população que habita e vive a cidade. São edificações comerciais de pequeno porte e sua relação estreita com os passeios, é o correr de casas modestas e austeras, algumas ornamentadas, outras registrando a transição formal para o Art Decò e para a arquitetura moderna. Em sua feição corriqueira conformam uma paisagem urbana singular, de alto significado para a memória de seus habitantes, que poderia conviver com os novos empreendimentos, a partir de soluções de projeto capazes de assimilar os remanescentes de períodos anteriores e deles se beneficiar ao reconhecer seus valores e estabelecer vínculos locais.

A conservação dos edifícios da antiga Fábrica Nacional de Tambores da rua Clélia teve origem, no final dos anos de 1970, pela mudança provisória da administração do Sesc para um de seus galpões e pelo uso improvisado de suas instalações pelos moradores do bairro. Sensível aos significados e potencialidades desta apropriação, Lina Bo Bardi (Roma, 1914 ― São Paulo, 1992) incorporou a antiga fábrica ao seu projeto, preservando e reestruturando seus pavilhões (9). E, para atender plenamente o conjunto das atividades do Sesc Pompéia, projetou duas novas torres, articuladas por pontes, cujas formas vieram a constituir a marca peculiar desse renomado conjunto. Compromisso e persistência de remanescentes do passado, mas também contraste e contraposição entre elementos de origem e função diversas puderam conviver e extrair de sua conjugação novos atributos de atração e interesse.

Para alcançar uma convergência entre planejamento e preservação nessas áreas ― como de resto em toda a cidade ― é indispensável estudá-las atentamente, de modo a reaproximar as iniciativas de planejamento à escala local. Observando as características da morfologia urbana e dando atenção à arquitetura e ao patrimônio ambiental urbano pré-existentes, é possível definir parâmetros capazes de conduzir ao aproveitamento mais intenso do solo urbano, de forma integrada à continuidade dos valores de memória e de vida ali presentes.

Eis o desafio que parece oportuno apresentar aos estudantes e estender aos profissionais de planejamento urbano e de projeto.

notas

NE ― Este texto foi apresentado no Webinar do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie ― Mesa preparatória do VII ENANPARQ, em 3/10/2022.

1
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Patrimônio ambiental urbano: do lugar comum ao lugar de todos. Campinas, CJ Arquitetura, 1978.

2
HUYSSEN, Andreas. Políticas de memórias no nosso tempo. Lisboa, Editora Universidade Católica, 2014.

3
Entre outros é possível consultar o Geosampa <https://bit.ly/40NcvTh>; o Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo <https://bit.ly/3E1aXuY>; Monografias de História dos Bairros de São Paulo <https://bit.ly/40Hg5OC> e São Paulo Antiga <https://bit.ly/3xebXbx>.

4
A cidade de São Paulo é rica em fontes cartográficas ao longo dos séculos 19 e 20. Para esta análise foram utilizados os mapas de 1897, 1905, 1913, 1916, 1930 e 1954.

5
Sistema de Registro, Controle e Acesso ao Acervo do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís ― Sirca <https://bit.ly/3YMeyoz>.

6
TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Companhia das Artes, 1996.

7
SETTIS, Salvatore. Si Venezia Muore. Torino, Giulio Einaudi Editore, 2014, p. 3.

8
Ver ANDRADE, Francisco Dias de. Paisagem cultural: convite ao passeio. In CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (org). Rumo a navegantes. São Paulo, M. Carrilho Arquitetos, 2004.

9
PERROTA-BOSCH, Francesco. Lina: uma biografia. São Paulo, Todavia, 2021, p. 102−103.

sobre o autor

Marcos José Carrilho é arquiteto (Universidade Federal do Paraná, 1978), doutor em História da Arquitetura (FAU USP, 2004) e Visiting Scholar na Graduate School of Architecture, Planning and Preservation (Columbia University, 1995-1996). Professor do Trabalho Final de Graduação do Estúdio de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo 5 e do Estúdio de Patrimônio Cultural e Técnicas Retrospectivas da FAU Mackenzie e arquiteto da Superintendência do Iphan SP.

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