Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Análise crítica do papel das publicações de turismo em idiomas estrangeiros na perpetuação de ícones arquitetônicos modernos e consolidação de um discurso e visualidade referente à imagem do Brasil ao olhar internacional.

english
Critical analysis of the role of tourism publications in foreign languages in the perpetuation of modern architectural icons and consolidation of a discourse and visuality referring to the image of Brazil in the international view.

español
Análisis crítico del papel de las publicaciones de turismo en lenguas extranjeras en la perpetuación de los íconos arquitectónicos modernos y la consolidación de un discurso y una visualidad referentes a la imagen de Brasil en la mirada internacional.


how to quote

CAVALCANTE, Julia; BARROSO, Carlos. Publicações de turismo em idiomas estrangeiros. Construção e difusão da imagem do Brasil através da arquitetura moderna. Arquitextos, São Paulo, ano 23, n. 274.02, Vitruvius, mar. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/23.274/8730>.

Capa da publicação Brasile, 1963
Imagem divulgação [Editora Sepro]

No amplo campo da historiografia da arquitetura moderna brasileira, inúmeros foram os momentos e modos de iconização e canonização de determinadas produções arquitetônicas reconhecidas como emblemáticas ou de valor excepcional. Assim como inúmeras foram as formas de difusão destes destaques um dia selecionados. Entre esses meios, as publicações de turismo cumprem um papel fundamental na propagação da imagem do Brasil no exterior, particularmente pautada na arquitetura moderna nacional enquanto atrativo turístico cultural do país.

Partindo historicamente das práticas iniciais de tombamento do patrimônio moderno para uma compreensão da seleção dos primeiros ícones arquitetônicos e seus desdobramentos; em seguida é realizada uma seleção de guias de turismo sobre o Brasil, publicados no exterior ou no Brasil, destinados ao mercado externo, por importantes editoras e de amplo alcance em função dos idiomas mais utilizados no turismo internacional. Em um recorte que compreende o final na década de 1950, pré-inauguração de Brasília, até a década de 2010 quando há uma redução destas no formato impresso, tornando-se digital.

Com um enfoque direcionado à quantidade de aparições da imagem da obra arquitetônica moderna, é possível identificar em que medida e como se dá a seleção das obras modernas propagadas; qual o sistema de interpretação adotado; e de que modo contribuem para a difusão e consolidação de obras emblemáticas do movimento moderno.

Origens da produção de ícones e cânones do movimento moderno

Segundo o arquiteto Horácio Torrent, “a arquitetura brasileira — e em parte a latino-americana, por extensão —, esteve internacionalmente associada ao processo de afirmação do cânone estilístico levada a cabo pela arquitetura moderna no pós-guerra” (1). Ao remontarmos as primeiras formas de reconhecimento e valorização de cânones estilísticos ligados à arquitetura moderna brasileira, para em seguida compreender como o mesmo será propagado pelas publicações de turismo; podemos vincular este ato inaugural ao próprio processo de seleção dos bens modernos inicialmente tombados. Processo fundamental na produção de ícones e cânones que conformaram introdutoriamente uma imagem nacional através da arquitetura.

O arquiteto Renato Alves ao discorrer em sua tese (2) sobre o processo de tombamento do patrimônio moderno indica a produção inicial de obras emblemáticas do movimento moderno; demonstrando ser predominante a seleção desta produção no que tange a proteção e preservação assegurada pelo governo, através do tombo.

Este processo inicial é também claramente desenvolvido por Márcia Chuva, em seu livro Arquitetos da memória. Sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 30 e 40) (3), onde a autora vincula a origem dessa patrimonialização e consequente iconização da arquitetura moderna à atuação de arquitetos na formação inicial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Sphan.

Segundo Márcia Chuva, foi por meio de arquitetos, os quais chama de arquitetos da memória que a produção de memória e as práticas de conservação se institucionalizaram no Sphan. O que justifica a formação das práticas de preservação do patrimônio nacional consagrando inicialmente objetos arquitetônicos. De uma perspectiva crítica, a autora destaca a contradição no modo como a construção da memória tem início como resultado de um discurso proveniente de um grupo restrito, liderado por Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Em sua abordagem, com a criação do Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, sendo criado também o Conselho Consultivo do Sphan, o órgão alcançou legitimidade ao longo dos anos. Servindo não só de parâmetros das legislações criadas por estados e municípios, como também implantando suas ações através dos procedimentos previstos no decreto e assim, afirmando a exclusividade dos seus agentes nessa tarefa. Reiterando esta exclusividade, Lauro Cavalcanti complementa que,

“Os arquitetos modernos conquistaram a posição de dominantes, desde a década de 1940, ao vencerem o debate com seus oponentes neocoloniais e acadêmicos nas seguintes frentes: a construção de monumentos estatais para o Estado Novo e a instauração de um Serviço de Patrimônio responsável pela constituição de um capital simbólico nacional — com a seleção e a guarda das obras consideradas monumentos nacionais” (4).

No regime interno do Sphan a divisão de estudo e tombamento era chefiada por Lucio Costa, que ficava responsável pela seleção e escolha dos bens a serem tombados ou que seriam prioridade para as obras de restauração. Segundo Márcia Chuva, com a concentração de arquitetos ocupando cargos do Sphan, na hierarquização do patrimônio histórico e artístico nacional, a maior concentração de bens tombados era, consequentemente, de arquitetura.

“Rodrigo Melo Franco de Andrade, fechado o escritório de Lúcio Costa à avenida Rio Branco, convocou Oscar Niemeyer para o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Sphan, que então dava os primeiros passos. Rodrigo procurava atrair para tal repartição do MES grandes artistas e intelectuais, nomes da maior expressão no país, como Lúcio Costa, José Reis, Renato Soeiro, Mário de Andrade, Prudente de Moraes Neto, Joaquim Cardozo, Luís Jardim” (5).

Ou seja, os mesmos agentes do Sphan, que vivenciavam a renovação modernista, influenciados pelas ideias de Le Corbusier e os seus princípios modernos, eram os que também implementavam as práticas de preservação cultural no Brasil. Neste sentido, a própria arquitetura moderna brasileira conquistou também legitimidade como produção nacional, de modo que os modernistas do Sphan consagraram a própria arquitetura que produziam. Como autêntica e formadora de uma nova temporalidade, representando a Nação Moderna.

Com uma consolidada aceitação estatal, esta produção permaneceu no quadro da memória nacional com legitimidade e reconhecimento, de modo que é quase impossível não reconhecer a nação por meio dos ícones e cânones nacionais da arquitetura moderna, um dia selecionados.

Difusão da arquitetura moderna: as publicações de turismo

Quanto às publicações de turismo, se tratando de um veículo inserido em uma atividade econômica que abarca o deslocamento de pessoas entre países, cidades e regiões diversas, com particular foco na atratividade, experiências e vivências a elas voltadas; as mesmas são majoritariamente ilustradas e dotadas de informações essenciais sobre determinado país, cidades, regiões e localidades.

Abordam desde pontos práticos e úteis ao turista como questões de mobilidade, hospedagem e comércio, até tópicos como a história, as tradições, a culinária, atrativos e lazer. E, em certos casos, tópicos mais específicos como dados populacionais e aspectos geográficos e paisagísticos. No que se refere à cultura, nas publicações são destacadas as artes, literatura, cinema, música e, particularmente, a arquitetura, recorte a ser aqui analisado.

Partindo de um levantamento de dezoito publicações impressas especializadas em turismo sobre o Brasil; em sete idiomas, e em um recorte que engloba desde o final na década de 1950 — pré-inauguração de Brasília — até a década de 2010 quando há uma redução destas publicações no formato impresso, tornando-se digital e outros meios e formatos. E com particular enfoque na quantidade de aparições da imagem da obra arquitetônica moderna, é possível constatar nas mesmas uma continuidade na consolidação e difusão de obras emblemáticas deste movimento, assim como os respectivos arquitetos e cidades a ele ligados.

Publicações de turismo
Elaboração dos autores, 2022

Idiomas e respectivas quantidades de citações à iconografia da obra moderna
Elaboração dos autores, 2022

Décadas e respectivas quantidades de citações à iconografia da obra moderna
Elaboração dos autores, 2022

Cidades e respectivas quantidades de citações à iconografia da obra moderna
Elaboração dos autores, 2022

Arquitetos e respectivas quantidades de citações à iconografia da obra moderna
Elaboração dos autores, 2022

Obras e respectivas quantidades de citações à iconografia da obra moderna
Elaboração dos autores, 2022

As cidades e a magnitude de Brasília

De modo geral, em função das linhas editoriais das publicações de turismo, há uma maior ou menor quantidade de imagens nas mesmas, ainda assim, quando há um número reduzido delas, percebe-se que a prioridade de seleção das imagens correspondem às obras, cidades e arquitetos destaques nas estatísticas.

No que diz respeito ao quadro referente às cidades, com Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte ocupando 98% de predominância das imagens nas publicações de turismo; o protagonismo e visibilidade das mesmas reflete uma relação direta com a atuação destas no processo de modernização do Brasil, sobretudo do ponto de vista econômico e cultural, ambas direcionando-se ao novo em detrimento do antigo, pois:

“É nos anos de 1950 que pela primeira vez na história do Brasil o mundo urbano sobrepuja o rural em termos de imaginário da sociedade brasileira. Foi consagrado nessa época um discurso no qual o mundo rural era identificado como atrasado, velho, passado, enquanto o mundo urbano seria visto como adiantado, novo, moderno” (6).

As cidades mais expressivas para as publicações de turismo formaram-se em um contexto de desenvolvimento e industrialização ascendente, onde “a arquitetura recebeu um papel proeminente, porque com ela o progresso das cidades tornava-se visível” (7). Tratam-se de cidades centrais também no âmbito cultural, em particular no que tange à experimentação de novas formas na arquitetura e nas artes em consonância com o espírito moderno que se estabelecia.

Visto que neste momento “estávamos de fato em um tempo cultural acelerado marcado pelo espírito do ‘novo’ e pela vontade de mudança, tudo é novo: Novacap, cinema novo, bossa nova" (8). Assim como em São Paulo e o desenvolvimento do Brutalismo e o Concretismo; o Rio de Janeiro com a Escola Carioca e o Neoconcretismo; Belo Horizonte e a exploração das curvas por Niemeyer na Pampulha; e Brasília com a concepção de uma cidade inteiramente moderna no Oeste brasileiro, atendendo a uma necessidade geopolítica de interiorização da população no país. Há de se destacar ainda o cenário econômico favorável, pois:

“A arquitetura moderna brasileira surge como expressão positiva e reconfortante de uma sociedade satisfeita com a prosperidade dos seus negócios e consciente da necessidade de adequar o seu próprio modo de vida a uma condição de bem-estar econômico” (9).

Embora parte da sociedade ainda apresentasse níveis socioeconômicos baixos e analfabetismo elevado, sendo uma parcela significativa do Brasil considerada invisível. Em complemento a este cenário propício para o desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil (10), afirma Mário Pedrosa:

“O desenvolvimento rápido da nova arquitetura não é tampouco uma consequência exclusiva das condições políticas da época, mas, em última análise, uma consequência das condições econômicas anormais: prosperidade econômica devida à guerra e à inflação. As construções eram então realizadas um pouco por toda parte, ao acaso, segundo a marcha frenética da especulação” (11).

Seguindo a uma compreensão de Brasília assumindo primeiro lugar entre as cidades, com 75% das imagens de obras modernas, nas publicações de turismo sobre o Brasil; esta concentração pode ser relacionada a uma continuidade no modo como a nova capital foi apresentada e referenciada pela opinião internacional no final dos anos 1950, com destaque para o tom otimista sobre a cidade.

O livro Brasília e a opinião mundial (12), de 1958 parte de uma série de publicações das realizações do Governo Juscelino Kubitschek sobre a nova capital engloba um clipping de importantes jornais e revistas de diversos países; assim como a posição de chefes de estado e autoridades que visitaram o Brasil no período de construção da futura capital.

Erik Frandsen, no Borsen, de Copenhague, em 1957, por exemplo, irá declarar à época que "Brasília será a primeira Capital a ser construída dentro da arquitetura contemporânea, quase ultra-moderna, podendo portanto converter-se em um marco na história da cultura universal" (13). De maneira similar, em artigo no Diário de Notícias, do Funchal, de 1958 será exposto que "Brasília será a primeira grande cidade do mundo integralmente traçada e ordenada segundo os princípios mais audaciosos e rasgados da arquitetura contemporânea e vai abrir a esta horizontes novos de larga projeção mundial" (14).

Em tom confiante e esperançoso, a opinião mundial transparece admiração pela cidade que se constituía, com particular foco para a modernidade de suas formas. Trata-se de abordagens cujas ênfases serão retomadas pelas publicações de turismo.

Neste período, Juscelino Kubitschek dedicava-se à sua imagem no exterior como forma de minimizar as críticas internas que sofria, sobretudo em decorrência dos altos gastos acerca da construção da nova capital. Condição observada por Juliuz Golden, no Cincinnati Enquirer, em 1958, ao apontar que "os críticos argumentam que o dinheiro gasto com Brasília seria mais bem empregado no desenvolvimento econômico. Mas quando a Capital estiver mudada, em 1960, uma visão do passado se tornará em realidade" (15).

Assim o presidente obteve a perpetuação de sua imagem de forma positiva, em particular no exterior, com a vinculação de uma cidade moderna ao seu governo. Reconhecimento este também exposto por André Malraux, que em 1958 ao tratar do desenvolvimento da cidade afirmou que “muitas vezes as grandes nações encontraram o seu símbolo e, indubitavelmente, Brasília é um símbolo desse gênero" (16). Em geral, interpretações as quais as publicações de turismo irão se pautar, em particular o próprio tratamento de Brasília como símbolo nacional em continuidade à definição de Malraux.

Entre outras capitais criadas no século 20 nenhuma outra atingiu o grau de visibilidade e notoriedade que a capital do Brasil. Ficando a frente, em nível de difusão de sua imagem e história, até mesmo de Camberra, projetada por Marion Mahony Griffin e fundada em 1927 como capital da Austrália. E Chandigarh, projetada por arquitetos como Le Corbusier e fundada em 1947 como capital dos estados do Punjabe e de Haryana, na Índia. Sendo ambas criadas via concurso para o planejamento urbano das mesmas e em um período de prosperidade acentuada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.

Ainda acerca do reconhecimento de Brasília, a mesma elevou seu prestígio ao ser declarada Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura — Unesco, em 1987; após aprovação do comitê do Patrimônio Mundial. E em 1990 ao ter seu conjunto urbanístico-arquitetônico inscrito no Livro de Tombo Histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Iphan.

Com as capitais dos países geralmente bem representados nas publicações de turismo, Brasília obteve destaque e reconhecimento por corresponder a um ápice no movimento arquitetônico moderno, consagrando a cidade com um caso excepcional na representação turística da capital brasileira.

As obras marcantes, arquitetos de destaque e a notoriedade de Oscar Niemeyer

Em relação às obras arquitetônicas mais citadas nas publicações de turismo, não coincidentemente as mesmas são de autoria do arquiteto mais citado e estão localizadas nas cidades mais citadas. Correspondendo a quase dois terços do total das imagens publicadas, e novamente reafirmando a notabilidade de Brasília. Em resumo, o que de modo frequente e predominante essas publicações indicam como as principais obras da arquitetura moderna brasileira são obras de Oscar Niemeyer presentes no urbanismo de Lucio Costa, em Brasília.

Com base nos dados relacionados à concentração de obras de Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Roberto Burle Marx (17) nas publicações, correspondendo a 95% do total de imagens pesquisadas. Este dado pode ser inicialmente vinculado, sobretudo a uma continuidade do olhar e perspectiva das falas também presentes no livro Brasília e a opinião mundial (18). Onde os relatos concentravam-se predominantemente no reconhecimento dos principais autores das obras arquitetônicas e paisagísticas, a serem enfatizados pelo turismo, ou seja: Niemeyer, Lucio Costa e Burle Marx.

Flava Bella, em La Capital, por exemplo, já apontava o “lugar de privilégio que homens como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx e outros conquistaram na História da Arte Mundial" (19). Assim como em artigo na revista Se, onde se vincula o trabalho conjunto dos dois primeiros para a realização de Brasília, "Oscar Niemeyer, que desenhou os edifícios públicos: de mãos dadas com Lucio Costa, deu à cidade uma forma completamente sensacional" (20).

Similarmente também expôs Roberto Marchant, em La Libertad, de Santiago, ao colocar que "desenhada em seu conjunto por Lucio Costa e com a arquitetura de Oscar Niemeyer marcando os principais edifícios, Brasília será um trabalho de equipe de cabeças mais famosas do país em arte, arquitetura e construção" (21). Ou seja, trata-se de um enfoque e realce aos mesmos arquitetos já desde a década de 1950, os quais permaneceram com a mesma proeminência e visibilidade anos depois, assim como em mesmo tom assertivo, nas publicações de turismo.

Como a edição "Brazil", publicada pela Lonely Planet em 2008, uma das maiores editoras de guias de viagem do mundo. Em seu espaço referente à arquitetura, a publicação enfatiza e eleva a importância de Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Roberto Burle Marx e, sobretudo, a própria cidade de Brasília a eles vinculada:

“A década de 1930 também viu o surgimento de uma nova geração de arquitetos brasileiros, liderada por Oscar Niemeyer e influenciada pelas ideias modernistas de Le Corbusier. Niemeyer foi fundamental na quebra do estilo neoclássico e desenho sem ornamentação […]. Ele é considerado um dos grandes pioneiros do modernismo, e seu alcance é global. No Rio, a obra mais conhecida de Niemeyer é seu Museu de Arte Contemporânea. Seu projeto de maior destaque, no entanto, não foi um edifício, mas uma cidade inteira. A nova capital do país, Brasília, foi criada na década de 1950 e 1960 do zero pelo urbanista Lúcio Costa, por Niemeyer, e com o paisagismo de Burle Marx” (22).

Similarmente, e em complemento à visibilidade e foco nestes dois arquitetos e paisagista, a Insight Guide, uma empresa de viagens fundada em 1970 publica em 1999 a edição “Brazil”; onde em um específico tópico de página inteira destinado à arquitetura moderna ressalta que "o urbanista Lúcio Costa, o paisagista Roberto Burle-Marx e o arquiteto Oscar Niemeyer deixaram dezenas de monumentos em grandes cidades do Brasil" (23). Ou seja, trata-se de uma constante na ênfase às atuações dos três, uma concentração que se apresenta como um desdobramento da visão internacional já formada nos anos 1950.

Nesta perspectiva de compreensão do destaque de individualidades, cabe analisar que é a partir dos anos 1940 que atributos definidores da arquitetura moderna brasileira serão escritos e consolidados em sua historiografia. Como o desenvolvimento do Brazilian Style, a partir do qual “a segunda geração modernista passa a ter o Brasil, em geral e Oscar Niemeyer, em particular, como uma de suas mais fortes referências” (24).

Considerando uma "circunstância importante da nossa historiografia: a extrema valorização das individualidades" (25), a posição de Niemeyer em primeiro lugar na aparição em publicações de turismo nos mostra esta valorização permanente do arquiteto enquanto individualidade. Ou seja, a visibilidade não só de suas obras como também de sua própria imagem e atuação.

Notabilizando em primeiro lugar com 73% de imagens de suas obras nas publicações de turismo, esta concentração na figura de Niemeyer, e, consequente valorização do mesmo não se deu espontaneamente. Trata-se de uma construção realizada gradualmente a partir dos agentes legitimadores dos discursos referentes ao movimento moderno no Brasil, visto que em 1936, ao eleger Niemeyer para o projeto do Ministério da Educação e Saúde — MES, Lucio Costa já se referia a Niemeyer como “nosso gênio nacional que se expressou por meio da personalidade eleita desse artista" (26).

No que se refere especificamente a Brasília, hoje a presença de Oscar Niemeyer na concepção das edificações da cidade nos parece naturalizada, de modo que dificilmente concebemos o fato de que poderiam ter tido destaque outros arquitetos e consequentemente outras obras concretizadas. Podemos dizer que o motivo desta escolha vem acima de tudo preenchido e carregado pelo viés político.

Sob este aspecto, Ferreira Gullar em “A Fundação de Brasília” (27), afirma que “é incontestável que certos fatores políticos foram os principais responsáveis pela escolha presidencial ter recaído em Niemeyer” (28). E aponta como esta escolha foi ditada pelo fato de Niemeyer ter atuado profissionalmente enquanto arquiteto no Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha; projeto este que, era já uma obra instaurada plenamente vinculada à imagem de Juscelino Kubitschek, na época prefeito de Belo Horizonte. Portanto, Brasília, como reitera Mário Pedrosa,

“A oportunidade de levá-lo para frente a toque de caixa, é duvidosa, em face da inflação galopante em que nos encontramos. Sabemos que para JK se trata, na realidade, de fazer uma nova Pampulha, isto é, uma obra, embora bela, mas suntuosa e prefeitural e na qual várias paredes poderão ser reservadas à sua figura, em várias posses e atitudes” (29).

Trata-se, portanto, de agenciamentos pautados em escolhas e exclusões que foram não somente moldando a visualidade da cidade e instaurando discursos, como também afirmando determinados protagonistas em detrimento de outros. E neste longo processo histórico a figura de Niemeyer, através de seus inúmeros projetos concretizados, gradualmente consolidou-se adquirindo um reconhecimento continuamente perpetuado; sendo os mesmos apresentados nas publicações de turismo vinculados à imagem do Brasil para o exterior.

A retórica da originalidade, a difusão de ícones e a consolidação de uma imagem nacional através de obras modernas

Torrent ao apresentar uma ampla e minuciosa análise dos cânones interpretativos do movimento moderno brasileiro evidenciou como as abordagens teóricas de revistas de arquitetura se consolidaram e atravessaram completas inversões nos modos de interpretação da arquitetura, conformando o que definiu como “sistemas de significação”; visto que as obras e projetos “derivam das possibilidades das interpretações no campo cultural” (30).

Partindo de uma extensa análise de revistas e publicações especializadas em arquitetura, sobretudo voltadas ao campo teórico de debate e discussão, o autor identifica um sistema de interpretações atuante no processo de construção da imagem da arquitetura moderna como produto cultural.

Sob esta perspectiva, ainda sob o olhar da opinião mundial, das décadas de 1950 e 1960, obtemos base para a compreensão do sistema de interpretação adotado pelas publicações de turismo acerca da arquitetura moderna. Embora cada editor possua uma maneira de abordar o assunto, com determinados enfoques, a retórica predominante pauta-se no tom assertivo e favorável direcionada à originalidade.

Diferente de periódicos, artigos, e produções acadêmicas, as publicações de turismo ao apresentarem a arquitetura moderna brasileira, em particular as obras, arquitetos e cidades selecionadas como representativas do Brasil, limitam-se ao fornecimento de dados, informações e atrativos ao turista. Desse modo, a principal chave interpretativa das publicações de turismo acerca da apresentação dessa arquitetura baseia-se em sua originalidade, no que se refere a uma produção nacional autêntica, distante da importação de estilos estrangeiros, uma contribuição brasileira internacionalmente reconhecida. Conforme expôs Torrent:

“O Brasil oferecia à arquitetura moderna uma imagem consistente de suas possibilidades de sucesso, algo que não havia sido alcançado na Europa, nem nos Estados Unidos até então. Oferecia mais do que apenas um conjunto de obras experimentais; o que mostrava era singularidade interpretativa e coerência plástica inelutáveis” (31).

Acerca da originalidade, esta afirmativa procede no que tange à nova gramática de características que gradualmente adquiriu robustez e densidade em relação à importação de estilos estrangeiros. Esta produção arquitetônica compatível com o cenário do pós-guerra, ao mesmo tempo em que consagrava-se e propagava-se, despertava o interesse internacional; particularmente devido ao edifício do Ministério da Educação e Saúde, inaugurado em 1945, e ao Pavilhão do Brasil na exposição mundial de 1939, em Nova York. Obras as quais:

“Faziam com que a arquitetura brasileira deixasse de ser vista como uma simples manifestação cultural de um paíz exótico e começasse a despertar interesse internacional, especialmente pela possibilidade de verificação prática das aplicações do brise-soleil, proposto por Le Corbusier em seus projetos para Barcelona e Argel, de 1933, mas até então não construído” (32).

Ainda nas palavras de Graeff e sua experiência à época, “nesse período, graças ao trabalho desses arquitetos, ao alto nível da sua produção, se iniciou, no meu entender, o processo de superação da nossa dependência cultural no que concerne à arquitetura” (33). Assim ocorreu com a exposição “Brazil Builds: architecture new and old”, realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York, onde o famoso catálogo dela proveniente trouxe um “argumento narrativo que se tornaria recorrente na historiografia e se apoiaria essencialmente na ideia de indissociabilidade entre a ‘originalidade’ — e o consequente reconhecimento internacional” (34).

Ou seja, as publicações de turismo pautam-se, sobretudo neste atributo ao abordar a arquitetura moderna brasileira: a originalidade. Realçando particularmente a notoriedade e singularidade das curvas exploradas por Niemeyer e o ineditismo executado em Brasília, as publicações pautam-se neste cânone formal como retórica no modo de apresentar o país através de sua arquitetura.

Diferente de periódicos, artigos e revistas especializadas em arquitetura que se debruçaram no oposto, enfocando outros arquitetos, outras obras e outras chaves de interpretação, conforme indicou Torrent:

“O interesse latino-americano marca a diferença com as publicações mundiais: o arquiteto mais publicado foi sem dúvida Rino Levi, provavelmente em função do interesse pela condição funcional da sua arquitetura, que estava longe de representar a liberdade das curvas ou de qualquer academicismo moderno” (35).

Ainda no que tange aos modos de propagação da arquitetura moderna via publicações, Torrent aponta que “as imagens têm um efeito chave na formação e, sobretudo, quando atingem um vasto público” (36). Nas publicações de turismo o uso da imagem como instrumento visual é essencial a sua proposta de apresentação de uma localidade enquanto atrativo. Direcionadas a um público mais amplo e, sobretudo internacional, este meio pauta-se essencialmente em uma retórica imagética.

A crítica de Max Bill publicada em 1953 (37), ao risco do formalismo e desvinculação da dimensão social na arquitetura brasileira já nos apresentava este ponto priorizado pelas publicações de turismo: o uso e presença marcante da imagem. Onde o arquiteto apontou a direção à espetacularidade da arquitetura moderna:

“Na verdade, ele também não gostava do que via, porque lhe parecia ‘muito fotogênica e espetacular’, provavelmente porque a conheceu mais pelas fotos do que nos poucos dias em que esteve no Brasil. O pouco que havia visto confirmava suas ideias, ou simplesmente ele confirmava suas ideias mesmo sem ver muita coisa. O que ele claramente não gostava era o caminho que a interpretação canônica da arquitetura moderna estava propondo” (38).

De fato, a arquitetura moderna brasileira é “fotogênica”, como acertadamente atestaram Marcel Gautherot, José Medeiros e Jean Manzon. Por meio da imagem as publicações de turismo propagaram uma visualidade brasileira através de sua arquitetura moderna, constituindo uma abordadem e produção de significados baseada em imagens. Circulação e difusão a qual fixou e consolidou a imagem dessas obras, arquitetos e cidades brasileiras no imaginário do olhar de outro país.

Portanto, enquanto veículos de difusão e afirmação de uma imagem do Brasil, as publicações de turismo contribuíram ao longo dos anos para a consolidação de consensos em torno de cânones do movimento moderno. Com uma retórica de apresentação do país fundamentada na visibilidade de determinados marcos arquitetônicos e individualidades um dia selecionados, as mesmas construíram uma imagem nacional para o cenário internacional.

notas

NE — A pesquisa aqui apresentada contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Capes, processo n. 88887.686203/2022-00.

1
TORRENT, Horácio. O sistema Brasil: paradigmas construídos e produção de significados. In ZEIN, Ruth Verde (org.). Revisões historiográficas. Rio de Janeiro, Rio Books, 2022, p. 52.

2
SILVA, Renato Alves. Tombamentos do patrimônio moderno: uma análise comparativa sobre as ações praticadas pelos órgãos de preservação cultural no Rio de Janeiro. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, PPGAU UFF, 2020.

3
CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). Rio de Janeiro, UFRJ, 2009.

4
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro, Zahar, 2006, p. 10.

5
SODRÉ, Nelson Werneck. Oscar Niemeyer. Rio de Janeiro, Graal, 1978, p.27–28.

6
OLIVEIRA, Lúcia. Tempos de JK: a construção do futuro e a preservação do passado. In MIRANDA, Wander (org.). Anos JK. Margens da modernidade. São Paulo/Rio de Janeiro, Imprensa Oficial do Estado/Casa de Lucio Costa, 2002, p. 31.

7
MEURS, Paul. Modernismo e tradição. Preservação no Brasil (1995) In GUERRA, Abilio (org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira. Parte 2. São Paulo, Romano Guerra, 2010, p. 77.

8
OLIVEIRA, Lúcia. Op. cit., p. 41.

9
ARGAN, Giulio Carlo. Arquitetura moderna no Brasil. In XAVIER, Alberto (org.). Depoimento de uma geração: arquitetura moderna brasileira. São Paulo, Cosac Naify, 2003, p. 170.

10
Acrescente-se o fato de as principais editoras turismo estarem publicadas no idioma inglês; não somente por possuir sedes nos principais países emissores de turismo, como também por corresponder historicamente aos laços antes traçados entre o Brasil e EUA, quando as políticas oficiais estimularam meios de aproximação no âmbito cultural, a exemplo da exposição Brazil Builds: architecture new and old.

11
PEDROSA, Mário. Op. cit., p. 101.

12
Brasília e a opinião mundial. Rio de Janeiro, Serviço de Documentação da Presidência da República, 1958.

13
Idem, ibidem, p. 35–36.

14
Idem, ibidem, p. 49.

15
Idem, ibidem, p. 21.

16
MALRAUX, André. Brasília na palavra de André Malraux. Rio de Janeiro, Serviço de Documentação da Presidência da República, 1959, p. 17.

17
Apesar de não ter sido arquiteto, tornou-se internacionalmente conhecido como arquiteto paisagista.

18
Brasília e a opinião mundial (op. cit.).

19
Idem, ibidem, p. 11.

20
Idem, ibidem, p, 57.

21
Idem, ibidem, p. 15–16.

22
CHANDLER, Gary; GEGOR, Clark; REGIS St, Louis. Brazil. Fort Mill, Lonely Planet, 2008, p. 68.

23
Brazil. Insight Guide, 1999, p. 125.

24
CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928–1960. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2001, p. 21–22.

25
ARANHA, Maria Beatriz de Camargo [1993]. Rino Levi: arquitetura como ofício. In GUERRA, Abilio (org.). Op. cit., p. 49.

26
Idem, ibidem, p. 49.

27
GULLAR, Ferreira. Fundação de Brasília. Jornal do Brasil, n. 57 [Suplemento Dominical], 1957.

28
Idem, ibidem, p. 9.

29
PEDROSA, Mário; ARANTES, Otilia (org). Textos escolhidos: acadêmicos e modernos. São Paulo, Edusp, 1998, p. 396.

30
TORRENT, Horácio. Op. cit., p. 46–47.

31
Idem, ibidem, p. 53.

32
MARTINS, Carlos Alberto Ferreira [1999]. Há algo de irracional…Notas sobre historiografia da arquitetura brasileira. In GUERRA, Abilio (org.). Op. cit., p. 137.

33
GRAEFF, Edgar. A superação da dependência cultural. In XAVIER, Alberto (org). Op. cit., p. 277.

34
MARTINS, Carlos Alberto Ferreira Martins. Op. cit., p. 139.

35
TORRENT, Horácio. Op. cit., p. 57.

36
Idem, ibidem, p. 46.

37
AQUINO, Flávio de. Max Bill critica nossa moderna arquitetura. Manchete, n. 60, Rio de Janeiro, 1953, p. 38–39.

38
TORRENT, Horácio. Op. cit., p. 61.

sobre os autores

Julia Cavalcante é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em História da Arte pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e integrante do grupo de pesquisa Preservação e Restauração do Patrimônio Edificado — RestaurArq.

Carlos Barroso possui mestrado em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em Publicidade e Propaganda pelo Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, é fundador e atual Presidente do Instituto Memória da Arquitetura Brasileira — Imearb.

comments

274.02 arquitetura moderna brasileira
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

274

274.00 ensino e projeto de arquitetura

Construir o projeto

Uma experiência didática sobre o espaço da casa em transformação

Maria Isabel Imbrunito

274.01 educação patrimonial

A pesquisa e o ensino na área da história e da conservação da arquitetura e do urbanismo

Experiências docentes na disciplina voltada à salvaguarda e intervenção em patrimônios culturais

Sávio Tadeu Guimarães and Yara Regina OLIVEIRA

274.03 história da arquitetura

Qualquer

Anyone Corporation e suas conferências no final do Milênio

Alexandre Dias Guarino

274.04 arquitetura da paisagem

A paisagem no planejamento e projeto do território

Um breve percurso entre objetividades e subjetividades

Maria Cecília Pedro Bom de Lima, Jéssica Ragonha and Luciana Bongiovanni Martins Schenk

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided