O marketing urbano é um instrumento urbanístico utilizado pela lógica neoliberal no modo de reprodução do espaço urbano e tem como objetivo produzir e reproduzir localizações para a geração de renda. Este instrumento garante que, por meio dos grandes projetos urbanos, a renovação da cidade seja realizada (1). Com o empresariamento da gestão pública, estratégias de empreendedorismo passaram a ser aplicadas na cidade como uma forma de acumular o capital através da criação de localizações (2). Para isso, conforme Rose Compans, instrumentos do nicho empresarial foram adaptados, dentre esses estão o marketing urbano, o urbanismo flexível, o planejamento estratégico e a parceria público-privada (3).
Apesar dos instrumentos citados estarem interligados, este artigo propõe o debate sobre o marketing urbano, o qual possui um papel importante na ação conjunta e na aplicação dos demais (4). Ele promove a especulação imobiliária do projeto, publicando antecipadamente uma localização privilegiada sobre uma região na qual o projeto ainda será implantado. Do mesmo modo, o instrumento propicia a criação de consensos de massa populacional sobre uma intervenção urbana, a fim de que a sociedade aceite a implementação de determinado projeto e o veja como um benefício, como algo que irá colaborar no desenvolvimento da cidade, o que não necessariamente exprime a realidade (5).
Para cumprir suas funções, o marketing urbano usufrui de táticas como a espetacularização da arquitetura (6) e a arquitetura de marca (7), dois conceitos que se inter-relacionam e colaboram para a especulação.
Conforme Guy Debord, o espetáculo é definido como as “relações sociais entre as pessoas mediadas em imagens” (8), se apresentando como algo que busca impossibilitar o debate crítico. A espetacularização da arquitetura ocorre quando o marketing urbano fomenta a relação entre sociedade e o projeto, por meio de imagens da obra arquitetônica, as quais poderão ser vinculadas a sua forma e/ou a sua autoria. Essa lógica é aplicada no momento de reprodução do espaço urbano e pode causar uma “falsa consciência” na população sobre determinado projeto (9).
Nas imagens de arquitetura espetacular são reconhecidos alguns padrões de representação gráfica, como a utilização de uma tipologia arquitetônica mais anamorfa, o uso de sistemas construtivos high tech e a assinatura de arquitetos reconhecidos no mercado, como o exemplo do Museu Guggenheim, em Bilbao (10).
A arquitetura de marca, por sua vez, está em grande parte atrelada também a uma arquitetura espetacular, não pelo formato arquitetônico em si, mas pelo autor da obra. Arquitetos com carreiras consolidadas e reconhecidas nacionalmente e internacionalmente se tornam marcas passíveis de rotular um projeto arquitetônico e dar maior credibilidade a uma intervenção urbana ao assinarem tal projeto, atribuindo valor ao mesmo (11).
Tendo em vista que o marketing urbano é um instrumento que possui funções e artifícios de aplicação, infere-se que esse é sempre utilizado por alguns dos agentes produtores do espaço urbano, com o propósito de lucrar a partir da renovação e da propaganda da cidade (12), como ocorreu em exemplos de cidades do mundo todo, amplamente pesquisadas: Baltimore, Barcelona, Bilbao, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Curitiba, entre outras (13).
Desse modo, a cidade de Maringá se insere nesse contexto como mais um exemplo de como a renovação urbana foi promovida pelo marketing urbano, mesmo sendo uma cidade de menor porte. Também indica uma tentativa de evidenciar essa cidade-empresa (14) ao mercado competitivo nacional, para atrair investidores e consumidores. Por isso, com o objetivo de compreender como os discursos midiáticos especificamente promovidos pelos agentes produtores do espaço se relacionam com as inflexões jurídicas urbanísticas, adota-se Maringá (15) como estudo de caso e o projeto Eurogarden como objeto de análise.
Maringá, com pouco mais de 357 mil habitantes (16), é um dos polos político-administrativos da região Noroeste do Paraná, o qual foi colonizada pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná — CMNP. O município surgiu como um empreendimento imobiliário em 1947, projetado com ressonâncias da cidade-jardim pelo engenheiro urbanista Jorge Macedo Vieira (17). Ressalta-se que a promoção da narrativa sobre a cidade é utilizada desde a sua gênese (18).
O local para o qual foi proposto a renovação urbana denominada Eurogarden, em 2010, possuía a função de aeroporto na planta de Macedo Vieira, e passou a ser utilizado antes mesmo da construção da ferrovia em Maringá. Após anos com a função de transporte aéreo, em 2001, o Aeroporto Gastão Vidigal foi desativado, pois necessitava de ampliações que foram consideradas inviáveis devido à malha urbana consolidada estar no seu entorno próximo (19).
Dez anos após o encerramento das atividades de aviação, um empresário do ramo imobiliário propôs a construção de um outro centro cívico em conjunto com um empreendimento habitacional privado na área pública do aeroporto desativado e na área privada adjacente. Essa proposta de renovação urbana foi denominada Eurogarden, e veio à público por meio de promoções de imagens. O lançamento do Eurogarden em 2011 se deu por meio de um vídeo disponibilizado na plataforma do YouTube (20).
Para atingir o objetivo proposto neste estudo, estabeleceu-se uma análise crítica relacionando cronologicamente as inflexões jurídicas e as promoções de discursos midiáticos que envolveram a execução do Eurogarden, utilizando a metodologia do estudo de caso com uma abordagem quanti-qualitativa.
As fontes dos dados analisados se concentraram nos veículos de comunicação que divulgaram matérias sobre o “novo Centro Cívico-Eurogarden”. Para isso, foram analisadas 109 reportagens e notícias, entre veículos impressos e online, dentro do recorte temporal de 2008–2018. O recorte estabelecido se deve ao fato que, em 2008, foi publicado o primeiro texto afirmando a mudança do centro cívico e, em 2018, houve a revogação da Lei Complementar n. 946/2013. Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden (21). Em seguida, deu-se início às obras de execução do sistema viário do projeto proposto pela iniciativa privada.
Portanto, este trabalho discorre conforme a cronologia do recorte temporal, dado que o tempo é um elemento essencial para compreender o delineamento do marketing urbano do Eurogarden, entretanto, isso não exclui que, por vezes, seja necessário retomar alguns fatos de anos anteriores ao projeto.
A execução de um projeto é iniciada na comunicação: a construção da narrativa de marketing urbano como ação conjunta à mudança de leis urbanas
Para que se tenha uma visão de todo o processo em perspectiva, apresenta-se uma linha do tempo que possui duas frentes. Acima da linha, estão as mudanças legislativas propostas e as informações destacadas em vermelho representam as mudanças aprovadas pela Câmara dos Vereadores. Na parte de baixo da linha, em lilás, estão os fatos relacionados às ações de marketing urbano.
É notável que o recorte temporal começa em 2008, porque no início do processo, entre os anos de 2008 e 2009, noticiavam a transposição do centro cívico de Maringá para o Aeroporto Gastão Vidigal, apesar das notícias serem curtas e ainda sem ilustrações do projeto. Outro aspecto importante dos primeiros anos é que o veículo de comunicação que mais mencionou o termo “centro cívico” se referindo ao projeto urbano, foi a Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Maringá.
Apesar do pequeno volume de matérias e de não haver diversos meios de comunicação noticiando o projeto, a expressão “novo centro cívico” surgiu em 2010. A partir disso, inferiu-se que o projeto urbano de mudança do centro cívico de Maringá iniciou uma outra etapa, que, apesar de naquele momento ainda não ter sido divulgada pela ampla mídia da cidade, veio a se confirmar no ano seguinte com o lançamento do Eurogarden.
Entretanto, antes de avançarmos cronologicamente, ressaltamos que os adjetivos de qualificação utilizados na divulgação do centro cívico são muito importantes nesse processo de construção do imaginário, pois são utilizados com o intuito de estabelecer os consensos (22) através da escrita e não só pelas imagens. Observa-se que, em cerca de 67,70% das matérias analisadas na pesquisa, o adjetivo mais utilizado para qualificar o projeto Eurogarden foi “novo”. A transmissão da ideia de novidade, de algo que surgiu para superar o que está ultrapassado por meio do termo “novo” foi complementada pela desqualificação do local ao se referir ao Aeroporto Gastão Vidigal.
Em 77% das notícias analisadas foi citada a utilização da área pública no Eurogarden, entretanto, o termo utilizado ao se referir ao local foi “antigo aeroporto”. É fato que a expressão é popularmente utilizada pelos maringaenses, mas, ao utilizá-la em contraste com a qualificação divulgada do projeto e ser mostrada pelos meios de comunicação como uma intervenção benéfica para cidade, reforçou-se a necessidade de renovação da cidade por meio da demolição dos espaços que estavam obsoletos, dando seguimento a lógica de reprodução do espaço para a acumulação do capital corroborando com as teorias de David Harvey e Otília Arantes (23).
Ainda no ano de 2010, concomitantemente com o surgimento da expressão “novo centro cívico”, foi criada a Zona Especial 16 — ZE16 pela Lei Complementar n. 797/2010 (24), que transformou áreas privadas (25) em Zonas Especiais. Segundo a definição da legislação urbana de Maringá, as Zonas Especiais devem ser destinadas aos usos especiais, entretanto, os usos permitidos na ZE16 são usos comuns na cidade, como comércio, serviços centrais e vicinais e ocupação multifamiliar.
Ao analisarmos reportagens e anúncios imobiliários, percebemos a recorrência da expressão "novo centro cívico" e a relevância da criação da ZE16. Os textos dos veículos de comunicação mencionaram a localização virtual cujo projeto Eurogarden estava criando e, por sua vez, contribuíram para uma a atmosfera especulativa na região de implantação do futuro empreendimento, pois se tornava, mesmo que por meio de imagens, um ponto de referência na cidade, como descrito em algumas matérias. Isso demonstra as ações de marketing urbano para fomentar a especulação imobiliária e a valorização do solo, correspondendo à tese de Vainer (26).
No ano de 2011, ocorreram mudanças legislativas importantes para a execução do Eurogarden. As alterações se concentraram na Lei Complementar n. 888/2011 de Uso e Ocupação do Solo (27), ao criar novos parâmetros urbanísticos para a zona que abrange parte da área pública, e na Lei Complementar n. 886/2011 das Diretrizes Viárias (28), ao aprovar as diretrizes viárias propostas do projeto. Ambas as modificações ocorreram sem serem discutidas no órgão de gestão democrática do município, o Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial de Maringá — CMPGT.
Todavia, ainda em 2011, houve um aumento considerável em matérias sobre o projeto de renovação urbana. Apesar das mudanças legislativas, o conteúdo das matérias não abordava um debate acerca dessas inflexões jurídicas, o que corrobora com a ideia de o marketing urbano criador de consensos (29). Dentre as divulgações, era evidenciada, não somente a especulação imobiliária dos vazios urbanos da cidade, como também o lote público do Aeroporto Gastão Vidigal (81 ha) e a área adjacente privada (58,4 ha). Ainda, havia a problemática de acesso aos lotes privados por meio das principais vias da cidade, dado que aqueles são contíguos ao lote público, o qual não pode ser loteado para fins imobiliários (30). A partir dessas manifestações, compreendem-se os motivos da iniciativa privada ter proposto um projeto que abrange ambas as áreas, garantindo o seu objetivo de obtenção de lucro.
No mesmo ano, o Eurogarden foi destaque na capa e no caderno do jornal O Diário do Norte do Paraná, um veículo de comunicação tradicional em Maringá. A matéria intitulada “Um projeto de R$ 4 bilhões de reais” deu destaque às imagens da maquete eletrônica do projeto, reforçou a importância ecológica do mesmo e sugeriu que a aprovação da Prefeitura Municipal de Maringá e a comunidade em geral eram obstáculos a serem superados para a aprovação do projeto, colocando, assim, a participação popular em uma função somente de aceitação da renovação e não como promotora do debate crítico acerca do projeto.
Destaca-se que, apesar das imagens divulgadas serem do Eurogarden, no corpo do texto jornalístico não houve menção ao nome do empreendimento, referindo-se ao mesmo apenas como “novo centro cívico”. Há no conteúdo a espetacularização da arquitetura considerando o porte da cidade de Maringá, para tanto, foram utilizadas imagens que reforçaram o imaginário do progresso e da modernização por meio da monumentalidade, dos formatos dos edifícios, das grandes fachadas de vidro e da iconicidade, elementos encontrados em outros grandes projetos urbanos com fins especulativos, como o Porto Maravilha no Rio de Janeiro (31). Além disso, a proposta foi assinada pelo escritório francês Archi5, proporcionando maior credibilidade ao projeto. De acordo com Philip Kotler e David Gertner (32), o aspecto do nome da marca ser de outro país, atribui valor ao produto a ser comercializado, independente da qualidade do produto em si.
Outro aspecto importante da notícia foi a apresentação do slogan do empreendimento privado que atribuiu parte de seu sucesso imobiliário à divisão do sistema viário da área pública, considerando o valor da acessibilidade de um loteamento. O slogan “O lugar que você gostaria de morar e não sabia onde ficava” cria o desejo de um local ideal e exclusivo para se viver, o que ficou ainda mais evidente no vídeo publicado no YouTube pouco tempo depois.
Após três meses da matéria que mencionava o problema do sistema viário, no dia 8 de dezembro de 2011, foi lançado o vídeo do Eurogarden com as imagens de sua maquete eletrônica, configurando novas proporções midiáticas ao projeto. O referido vídeo foi divulgado na plataforma online YouTube, tem duração de cerca de quatro minutos, e possui, até o dia 13 de abril de 2021, mais de 40 mil visualizações.
O produto audiovisual foi uma peça de marketing emblemática por ser de fácil e rápida compreensão e por ser o primeiro material a utilizar o nome Eurogarden. O vídeo ilustrou elementos que fazem parte do imaginário de Maringá, como a sustentabilidade, e reforçou alguns conceitos por meio das cenas, como a qualidade de vida que supostamente se adquire ao comprar um apartamento no empreendimento, além de definir o público-alvo ao acrescentarem na representação pessoas da classe alta que consomem marcas de luxo. O vídeo foi essencial ao marketing urbano do projeto Eurogarden, pois possuiu um valor icônico, representou a renovação urbana e promoveu a imagem da cidade.
Dando continuidade a cronologia, em 2012, a narrativa do marketing urbano sobre o projeto diminuiu, apesar do grande volume de notícias sobre ele. Esse comportamento neste ano se justifica, pois, a apresentação do Eurogarden ao CMPGT se deu no final de 2011, mesmo depois de ter sido amplamente divulgado na mídia e após as mudanças legislativas aprovadas na Câmara. O Eurogarden foi apresentado conjuntamente com uma proposta de criação de uma nova Zona Especial, a ZE 23. Todavia, houve manifestações em publicações importantes de membros do CMPGT debatendo e questionando os benefícios para a Prefeitura Municipal de Maringá e para a cidade, ao implementar uma legislação que criaria uma zona específica para o projeto. As oposições surtiram efeito e impediram a aprovação da lei exclusivamente voltada à execução do Eurogarden.
Entretanto, em 2013, identificou-se que as estratégias de marketing urbano relativas ao Eurogarden ocorreram de forma concomitante às mudanças legislativas. A primeira delas foi uma alteração do instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir por meio da Lei Complementar n. 941/2013 (33) que pode ter impactado a produção de habitação de interesse social no município, pois a exclusividade da arrecadação da outorga onerosa, que antes se dirigia exclusivamente para o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social — FMHIS, foi modificada.
Também, pela Lei Complementar n. 1.064/2016 (34), outros meios de pagamento que não a moeda, passaram a ser permitidos, como contrapartida para a prefeitura municipal conceder o aumento do potencial construtivo, autorizando, assim, que o pagamento da outorga onerosa fosse feito por meio da execução da infraestrutura pública. Dessa forma, ao analisar o projeto Eurogarden, é notável que essa modificação iria beneficiar ainda mais o empreendedor, sem que a Prefeitura Municipal de Maringá tivesse algum tipo de retorno, dado que a execução da infraestrutura da área pública do Aeroporto Gastão Vidigal propiciaria uma benfeitoria para a construção do empreendimento imobiliário adjacente, mas não necessariamente para o poder público.
No mesmo ano, criou-se Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden (35) como uma forma de institucionalizar a Parceria Público Privada — PPP para a execução do projeto. Seria um alto investimento público, dado às imagens divulgadas da maquete eletrônica, com a contrapartida do proprietário através da doação de 150 casas populares destinadas à algum terreno da Prefeitura Municipal de Maringá. Essa legislação foi aprovada pela Câmara dos Vereadores sem um debate e um parecer do Órgão Colegiado de Política Urbana, o CMPGT, instituição representativa da gestão democrática da cidade. Após essa tática utilizada pelo agente público, uma conselheira do CMPGT denunciou ao Ministério Público a Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden (36), por irregularidades em relação à Lei Maior, Estatuto da Cidade (37).
Ao analisarmos as mudanças e as divulgações das matérias, é evidenciado que, apesar de serem o mesmo projeto, a narrativa de marketing construiu a impressão de dois projetos independentes, o Novo Centro Cívico e o Eurogarden. Nos textos de jornais e revistas, os dois nomes foram citados separadamente ou apenas um deles apareceu, mesmo as imagens ilustrando sempre a mesma obra.
Salienta-se que durante toda construção da narrativa de marketing a expressão mais utilizada foi Centro Cívico, apesar do mais emblemático ser o nome Eurogarden. Infere-se, a partir desta análise, que a aprovação da Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden (38) foi uma estratégia para dar credibilidade ao projeto diante da União, proprietária da área pública do Aeroporto Gastão Vidigal, em vez de divulgar para a população como um único projeto, como era de fato, dado que a expressão Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden só apareceu na mídia nos anos seguintes — 2016, 2017 e 2018. Essas observações se completam quando, em 2014, houve a aprovação por Decreto n. 1.629 que autoriza a execução do loteamento Eurogarden, mesmo com a criação da Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden (39). Observa-se que nesse ano houve uma queda brusca nas menções midiáticas ao Eurogarden, não destacando essa dupla aprovação pelo poder público.
Em 2015, uma reportagem do jornal O Diário do Norte do Paraná anunciou a doação do sistema viário correspondente à área pública do projeto Eurogarden por parte da União para o município de Maringá (40). A matéria exposta utilizou as imagens da maquete eletrônica que exprimiram a monumentalidade e a iconicidade do projeto na escala urbana da cidade média, corroborando com aspectos da espetacularização da arquitetura (41).
Proporcional à diminuição das alterações legislativas relacionadas ao projeto Eurogarden, a narrativa de marketing foi sendo direcionada para outros elementos midiáticos. Entretanto, não foi identificada pela pesquisa a divulgação do pedido de autorização emitido pela Prefeitura Municipal de Maringá para o início das obras do sistema viário do empreendimento, que ocorreu em 2016.
No ano seguinte, 2017, uma nova etapa das intervenções na área pública surgiu, o Hospital da Criança. Mesmo com a Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden (42) em vigor, divulgaram a notícia da conquista de um hospital privado voltado ao tratamento do câncer infantil para a cidade de Maringá, o qual está sendo implantado na área pública do extinto aeroporto. Esse fato corrobora com a hipótese apresentada de se estabelecer uma legislação somente pela credibilidade que ela propiciaria, visto que há incoerência em implantar um centro de saúde de grande porte em uma área que deveria ser um centro político-administrativo da cidade, principalmente sem que se tenha realizado um Estudo de Impacto de Vizinhança, como prevê o Estatuto da Cidade (43). No caso do hospital, o estudo foi realizado tardiamente, após a aprovação e o início da execução do edifício.
Outro aspecto importante relacionado com a construção da narrativa do marketing urbano, é que as imagens divulgadas do Eurogarden possuem características marcantes e emblemáticas como citadas no texto. Entretanto, as imagens da maquete eletrônica do Hospital da Criança não correspondem à linguagem arquitetônica prevista pelo projeto Eurogarden, reafirmando que as imagens são apenas mecanismos de criação de consenso de massa sobre um projeto e não necessariamente uma representação gráfica de um projeto arquitetônico e urbano real. Este caso se diferencia de outros grandes projetos urbanos, como o Museu Guggenheim Bilbao e o Museu do Amanhã no Rio de Janeiro, em que a forma arquitetônica se concretiza na realidade.
Posteriormente ao lançamento do Hospital de Criança, no ano de 2018, o proprietário do empreendimento Eurogarden fez um requerimento na Prefeitura Municipal de Maringá para a averiguação das inflexões jurídicas relacionadas à Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden, utilizando como argumento o parecer do Observatório das Metrópoles (44). Após alguns meses desse requerimento, a Lei Complementar n. 946/2013 — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden foi revogada pela Lei Complementar n. 1.115/2018 (45). Dessa forma, percebe-se que a Operação Urbana Consorciada foi revogada devido ao referido parecer publicado em 2013, mas só foi validado após a doação do sistema viário por parte da União, em 2015. Apesar de não ter sido executado como uma operação urbana, esse processo exemplifica a teoria de Ermínia Maricato e João Sette Whitaker, estabelecida a partir da Operação Urbana Consorciada de São Paulo, ao afirmarem que os instrumentos urbanísticos podem ser distorcidos dos objetivos do Estatuto da Cidade (46), demonstrando que essa problemática independe da escala do município e do projeto.
Ao final do recorte temporal estabelecido na pesquisa, ainda no ano de 2018, seguidamente à revogação da Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden, é possível verificar o início das obras do sistema viário na área pública e na área privada por meio das imagens de satélite do local. Na figura do ano de 2019, a construção do hospital e as diretrizes viárias são mais evidentes.
A execução está legalmente aprovada devido às outras legislações que foram alteradas e criadas paralelas à Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden, e vem sendo realizada de acordo com as diretrizes viárias propostas pela iniciativa privada, sem que houvesse a participação popular, mas, ainda assim, aprovada pela Câmara dos Vereadores, Lei Complementar n. 886/2011 (47).
Entretanto, com a análise do processo, percebe-se as estratégias jurídicas utilizadas para que o empreendimento Eurogarden fosse executado da forma mais lucrativa. Para tal, era também importante que o empreendimento se conectasse com as vias estruturais da cidade, facilitando o acesso ao mesmo, independente do resultado do parcelamento do solo na área pública.
Percebe-se que muitas características de todo o processo são comuns em projetos urbanos propostos para grandes metrópoles, como as propagandas, as mudanças legislativas a favor do mercado imobiliário e a privatização de áreas públicas, mesmo que neste caso se refira a uma cidade média. Devido às proporções de alcance midiático e à relevância no cenário nacional, pode-se afirmar que o marketing urbano em Maringá construiu uma narrativa semelhante à dos grandes centros urbanos, e que ela contribuiu para a valorização e comercialização da cidade.
Considerações finais
Diante da análise realizada, percebeu-se a ausência da participação popular efetiva, considerando que os órgãos representativos democráticos e as audiências públicas foram negligenciadas na maior parte do processo de legalização do Eurogarden. Além disso, foi evidenciado que a maioria das matérias divulgadas foram lançadas após a mudança legislativa incidente no local. Isso seria coeso se o conteúdo publicado expusesse as alterações nas leis e suas possíveis consequências para a cidade. Entretanto, as matérias possuem um teor diferente, voltado à aprovação do projeto pela população, atuando como uma ferramenta importante na construção do consenso de massa pelo o marketing urbano. Portanto, a pesquisa depreende que o marketing urbano tem um papel legitimador e neutralizador.
O papel legitimador ocorreu ao omitirem as mudanças legislativas em função do benefício privado nas publicações que ressaltavam as imagens. A única legislação que pautou o benefício público — Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden — foi revogada em 2018. Há também o papel neutralizador, pois a cada alteração na lei uma matéria era divulgada reafirmando a estética, o suposto desenvolvimento da cidade por meio do projeto e as imagens espetaculares, estabelecendo um imaginário citadino positivo para a execução do Eurogarden, neutralizando, assim, possibilidades de debates críticos que poderiam acontecer caso todas as informações sobre o projeto tivessem sido publicadas. A exemplo do ocorrido com uma oposição a criação da ZE23, proposta de lei que foi barrada pelo debate crítico estabelecido e pela participação popular em audiência pública.
Deste modo, vê-se que marketing urbano foi uma estratégia utilizada concomitantemente às alterações legislativas urbanas para a legalização do projeto Eurogarden.
notas
1
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. 2ª edição. São Paulo, Annablume, 2006, p. 171–172; HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17ª edição. São Paulo, Loyola, 2008, p. 69–73.
2
VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. (org.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 83–90; OLIVEIRA, Clarice Misoczky. Entrepreneurialism: empresariamento ou empreendedorismo urbano — duas traduções, dois significados. Anais do 16º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, Belo Horizonte, Anpur, 2015 <https://bit.ly/3EmM9Or>.
3
COMPANS, Rose. Empreendedorismo urbano: entre o discurso e a prática. São Paulo, Editora Unesp, 2005, p. 108–109.
4
Idem, ibidem.
5
SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó, Argos, 2003, p. 439.
6
ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. Op. cit., p. 23.
7
Idem, ibidem, p. 62.
8
DEBORD, Guy. Sociedade do espetáculo. 8º edição. Rio de Janeiro, Contraponto, 2006, p. 14.
9
ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. Op. cit., p. 16–17.
10
ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma. São Paulo, Editora 34, 2012, p. 54–58.
11
DEBORD, Guy. Op. cit., p. 8.
12
KOTLER, Philip; GERTNER, David. Country as Brand, Product, and Beyond: A Place Marketing and Brand Management Perspective. The Journal of Brand Management, v. 9, abr. 2002, p. 249–261; NOREÑA, Jenny Paola Sierra. Marketing urbano, forma de gobierno neoliberal en la ciudad de Medellín. Iconofacto, v. 12, n. 19, jul./dez. 2016, p. 128–129 <https://bit.ly/3EKF3n9>.
13
ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. Op. cit.; SÁNCHEZ, Fernanda. Op. cit.
14
VAINER, Carlos. Op. cit.; OLIVEIRA, Clarice Misoczky. Op. cit.
15
A escolha de Maringá, além de pesquisas citadas que comprovam uma lógica empreendedora de renovação urbana na cidade, é justificada pela proximidade de alguns dos autores com o processo de implementação do projeto Eurogarden no Conselho Municipal de Gestão Territorial de Maringá e com os agentes envolvidos. A disponibilidade do banco de dados de um dos principais meios de comunicação local, todo o acervo do Jornal O Diário do Paraná digitalizado, foi um critério determinante por possibilitar uma análise qualitativa das imagens e textos veiculados à intervenção urbana. Este texto é resultado de uma pesquisa de mestrado, desenvolvida no grupo de pesquisa Laboratório de Pesquisa em Habitação e Assentamentos Humanos — UEM.
16
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Maringá. IBGE, Rio de Janeiro, 2010 <https://bit.ly/3xA1UxF>.
17
CORDOVIL, Fabíola. A aventura planejada: engenharia e urbanismo na construção de Maringá, PR. 1947–1982. Tese de doutorado. São Carlos, EESC USP, 2010, p. 96.
18
GONÇALVES, José Henrique Rollo. Quando a imagem publicitária vira evidência factual: versões e reversões do Norte (Novo) do Paraná — 1930/1970. In Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá, Eduem, 1999, p. 96–98; SILVA, Beatriz Fleury e. A recente produção imobiliária no aglomerado metropolitano Paiçandu-Maringá-Sarandi: novos arranjos, velha lógica. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2015, p. 109; TÖWS, Ricardo Luiz. Grandes projetos urbanos como reprodução da lógica do capital em Maringá (PR). Tese de doutorado, Maringá, PGE UEM, 2015, p. 239–242.
19
CARDOSO, Luiz Fernando. Donos de imóveis esperam valorização. O Diário do Norte do Paraná, Maringá, ano 37, n. 11.470, 13 jul. 2011, caderno Cidades, p. A4.
20
R125689A. Eurogarden final 4. YouTube, San Bruno, 8 dez. 2011 <http://bit.ly/2Y35gpl>.
21
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Lei Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico — Eurogarden n. 946/2013. Autoriza a Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico-Eurogarden, no município de Maringá e dá outras providências. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 7 jun. 2013.
22
DEBORD, Guy. Op. cit., p. 16–19.
23
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço (op. cit.); HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (op. cit.).
24
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Lei Complementar n. 797/2010. Altera a Lei Complementar n. 331, de 23 de dezembro de 1999, que regula o Uso e a Ocupação do Solo no município de Maringá. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 12 jan. 2010.
25
De acordo com a letra da Lei Complementar n. 797/2010 os lotes que são regulamentados pela ZE16 não englobam os lotes públicos do Aeroporto Gastão Vidigal. Apesar disso, a Lei Complementar n. 888/2011 de Uso e Ocupação do Solo coloriu todas as zonas especiais de uma única cor, o que deixa uma dúvida gráfica sobre quais são os limites da ZE16.
26
VAINER, Carlos. Op. cit.; OLIVEIRA, Clarice Misoczky. Op. cit.
27
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Lei Complementar n. 888/2011. Substitui a Lei Complementar n. 331/1999, que dispõe sobre o Uso e Ocupação do Solo no Município de Maringá e dá outras providências. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 26 jul. 2011.
28
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Lei Complementar n. 886/2011. Altera o Anexo I da Lei Complementar n.º 333/1999, que dispõe sobre o Sistema Viário Básico do Município de Maringá. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 18 jul. 2011.
29
SÁNCHEZ, Fernanda. Op. cit.
30
PACHECO, Edmundo. Ocupação da área do antigo aeroporto segue indefinida. O Diário do Norte do Paraná, Maringá, ano 37, n. 11.352, 18 fev. 2011, caderno Zoom, p. A3.
31
JAGUARIBE, Beatriz. Imaginando a “cidade maravilhosa”: modernidade, espetáculo e espaços urbanos. Revista Famecos, v. 18, n. 2, 2011, p. 327–347.
32
KOTLER, Philip; GERTNER, David. Op. cit.; NOREÑA, Jenny Paola Sierra. Op. cit.
33
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Lei Complementar n. 941/2013. Dispõe sobre a aplicação da Outorga Onerosa do Direito de Construir, bem como dá outras providências. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 5 abr. 2013.
34
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Lei Complementar n. 1.064/2016. Dispõe sobre a aplicação do instrumento da Outorgar Onerosa do Direito de Construir, bem como dá outras providências. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 13 jul. 2016.
35
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Op. cit.
36
Idem, ibidem.
37
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Vigência Regulamenta os artigos n. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Estatuto da Cidade. Brasília, Câmara dos Deputados, 2001 <http://bit.ly/2ZDiucM>.
38
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Op. cit.
39
Idem, ibidem.
40
GATTI, Murilo. União faz doação do sistema viário do Novo Centro Cívico. O Diário do Norte do Paraná, Maringá, ano 40, n. 12.678, 22 jul. 2015, caderno Zoom, p. A3.
41
VALENÇA, Márcio Moraes. Arquitetura de grife na cidade contemporânea: tudo igual, mas diferente. Rio de Janeiro, Mauad, 2016, p. 10–11
42
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Op. cit.
43
PREFEITURA MUNICIPAL DE M.ARINGÁ. Lei Complementar n. 888/2011. Substitui a Lei Complementar n. 331/1999, que dispõe sobre o Uso e Ocupação do Solo no Município de Maringá e dá outras providências (op. cit.).
44
OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES — NÚCLEO MARINGÁ. Parecer sobre Eurogarden, UEM/OBS, Maringá, 21 mai. 2013 <https://bit.ly/41N9zWg>.
45
PREFEITURA MUNICIPAL DE M.ARINGÁ. Lei Complementar n. 1.115/2018. Revoga a Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico — Eurogarden, no município de Maringá e dá outras providências. Maringá, Câmara Municipal de Maringá, 26 abr. 2018.
46
MARICATO, Ermínia; WHITAKER, João Sette. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In OSÓRIO, Letícia Marques et al (org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 218–238
47
R125689A. Op. cit.
sobre os autores
Maysa Pinhata Battistam é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e mestra pelo Programa Associado UEM UEL de pós-graduação em Metodologia de Projeto da Universidade Estadual de Maringá.
Beatriz Fleury e Silva é doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP. Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Habitação e Assentamentos Humanos.
Ricardo Luiz Töws é doutor em Geografia pelo PGE UEM, com pós-doutorado pel IPPUR UFRJ. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos e do Observatório das Metrópoles — Núcleo Região Metropolitana de Maringá.