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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A arquitetura de Niemeyer e a bossa nova de Tom tiveram o Rio de Janeiro como inspiração. Houveram encontros transversais entre os dois movimentos, que enxergavam nas paisagens da cidade, o balanço da bossa e a forma da arquitetura moderna carioca.

english
Niemeyer's architecture and Tom's bossa nova were inspired by Rio de Janeiro. There were transversal meetings between the two movements, which saw in the city's landscapes, the rhythm of bossa and the shape of modern architecture in Rio.

español
La arquitectura de Niemeyer y la bossa nova de Tom se inspiraron en Río de Janeiro. Hubo encuentros transversales entre los dos movimientos, que vieron en los paisajes de la ciudad, el ritmo de la bossa y los contornos de la arquitectura moderna de Río.


how to quote

ROSA, Artur Hugo da. Uma conversa entre arquitetura e a bossa nova. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 279.01, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.279/8869>.

Aproximações inevitáveis

“Música do Tom, na minha cabeça, é casa de Oscar”, disse Chico Buarque no documentário A vida é um sopro, em comemoração ao aniversário de noventa anos de Oscar Niemeyer. O músico e escritor queria morar em uma casa projetada por Oscar, mas viu seu sonho diluir quando seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, decidiu vender o terreno onde receberia o tal projeto. Se rebelou, estudou e passou no vestibular para o curso de arquitetura. Foi o pior aluno da classe, segundo ele mesmo. Largou a arquitetura e virou discípulo de Tom Jobim.

Tom Jobim, quando jovem, almejava uma carreira de arquiteto. Em 1946, ingressou no curso de Arquitetura na Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estagiou no escritório do arquiteto Jorge Moreira. Jorge integrou a equipe de projeto do emblemático Ministério da Educação e Saúde, ao lado de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos e Carlos Leão. Tom largou tudo no primeiro ano, “eu recusava aquele mundo de competição, de ter que ser mais esperto que o outro. Não me sentia preparado para aquilo”, disse Tom (1).

A busca por uma identidade nacional, a integração das artes, a sensibilidade e a discussão de temas estruturais rodeavam o meio artístico da primeira metade do século 20, principalmente depois da Semana de Arte Moderna de 1922. Na década de 1950, o Brasil passava por um período progressista em termos culturais. Governo de Juscelino Kubitschek, cinquenta anos em cinco. O presidente bossa nova viabilizou a construção da nova capital do Brasil, com um plano urbanístico pautado nos princípios do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna — Ciam e tendo na sua totalidade de obras, uma arquitetura moderna e brasileira.

Ao contrário do que se estabelecia na Europa, a arquitetura moderna brasileira teve como origem uma produção pautada em encomendas do Estado e concursos de arquitetura. Um período onde o Brasil buscava uma modernização e os presidentes queriam deixar legados. A formação desta nova identidade arquitetônica se dá através da capacidade de os arquitetos modernos conseguirem criar um discurso que abarcasse setores políticos e as camadas mais populares ao mesmo tempo (2).

Lucio Costa lia a cultura para fazer sua arquitetura, tal como Vinícius de Moraes lia os morros para fazer a peça Orfeu da Conceição e Tom Jobim bebia do samba para compor suas músicas. Como Mário de Andrade, Lúcio Costa trazia em suas bases o tradicionalismo, que a modernidade abafava. Também como Mário de Andrade, os dois elegeram as manifestações culturais populares como base da criação da cultura moderna (3). Nesse período também, Oscar Niemeyer estava projetando a cenografia de Orfeu da Conceição, peça de Vinicius de Moraes, com a orquestração de Tom Jobim. Neste mesmo ano, foi lançado Chega de saudade, de Tom e Vinícius, na voz de Elizeth Cardoso, marcando o início da Bossa Nova (4).

Notas de aproximação

Podemos relacionar a música e a arquitetura através de suas similitudes como linguagem. Le Corbusier, em seu livro Mensagem aos estudantes de arquitetura, menciona “Eu disse ‘está certo’ e evoquei o desastre de uma ruptura do encantamento, terminologia que conviria à música… Exatamente, arquitetura e música são irmãs, e proporcionam tempo e espaço” (5). Sobre encantamento, Le Corbusier se refere uma proporção que liga sentimentos e possibilidades, criando assim uma linguagem, que em seu texto ele chama de “linguagem dos deuses”.

Ao unir um espectro de sentimentos e dar possibilidades de significados aos códigos estabelecidos nesta “linguagem dos deuses” é um ato de exercício tanto do arquiteto quanto do músico. Projetar é preparar uma sinfonia. Cada nota, de cada instrumento, tem uma função dentro de um acorde, de uma melodia e de uma harmonia, precisamente dentro de um ritmo. Na sinfonia da arquitetura cada condicionante como orientação, terreno, escala, circulações, fechamentos e aberturas, materiais, programa de necessidades, luz e sombra, entre outros, resulta em uma obra distinta. É uma combinação orquestrada, um arranjo.

Neste sentido, as relações intervalares entre as notas musicais, os contrapontos, modulações e variações rítmicas, ajudam a arquitetar uma atmosfera de sentimentos e possibilidades. Já na arquitetura, a composição dessa atmosfera se dá pelas medidas, alturas, volumes e formas, fazendo com que se crie ritmo e harmonia.

No caso deste artigo, buscou-se refletir sobre influência da arquitetura moderna brasileira — inovadora nas formas e na inserção de elementos culturais de uma identidade nacional, contrapondo o ideal universalista da arquitetura modernista — sobre a bossa nova, que sintetizou elementos rítmicos do samba unindo a uma sofisticação da harmonia provenientes do jazz norte americano e da música clássica, como Debussy e Villa-Lobos.

A ligação entre as linguagens tem origem. Foi na Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro que foram apresentados os primeiros shows oficiais, em especial, o show A noite do amor, do sorriso e da flor, marcando a inauguração deste movimento, que contou com um público de duas mil pessoas (6). Também é impossível falar em bossa nova e não lembrar de seu instrumento mais característico: o violão. O uso do violão foi ampliado pela geração de compositores da bossa nova. Entre os motivos estão a facilidade de mobilidade e a baixa potência sonora. Os encontros aconteciam em apartamentos ou em locais públicos, e dessa maneira, não incomodaria os vizinhos ou passantes.

Marca de um tempo e de uma modernidade, o uso do concreto armado, no século 20, possibilitou a verticalização. Essa nova forma de ocupar a cidade, através dos edifícios de apartamento, também condicionou novas formas de sociabilidades. Outro ponto onde a arquitetura moderna influenciou a música foi na maneira de compor em apartamentos. É da sutileza acústica, delicada no modo de fazer música que nasce a marca da bossa nova, figurada na maneira de tocar e cantar de João Gilberto.

A verticalização das cidades também atribui uma valorização aos objetos e móveis que possam subir conosco pelas escadas e elevadores. Como seria levar um piano ao décimo andar? (7). Tom falava ainda que “o violão se pode carregar para a sacada onde aparece a bem-amada, Julieta” (8). O violão e suas curvas a la Niemeyer tiveram relações além de som e forma. Através de um recorte arquitetônico na obra musical de Tom Jobim, conseguimos ler um Rio de Janeiro se abrindo para novas concepções modernas de cidade.

Em Garota de Ipanema (1962), de Jobim e Vinícius, é evidenciado, para além da garota, o bairro Ipanema. Mas há um detalhe, Tom compôs a música no seu apartamento e somente semanas depois recebeu a letra de Vinícius. Ipanema era conhecida como um lugar de liberdade, principalmente para as mulheres, que desde os anos 1930 lutavam pela independência de frequentar as praias e bares (9). É com a valorização dos espaços públicos, na década de 1950, que se tornou possível a composição dessa música através do uso da praia e do calçadão.

“Se antes o centro do Rio exalava um charme e estilo europeu, inclusive na arquitetura e no projeto de urbanização implantados bem ao estilo parisiense por Pereira Passos, agora era a vez do carioca assumir a sua nova faceta moderna, de mercado consumidor — estilo de vida baseado nos valores norte-americanos, tendo como exemplo as telas dos cinemas e as músicas tocadas nas rádios. […] nos anos 1950, o bairro foi tomado, espaço público para o lazer do carioca, é que a turma da Bossa Nova faria um uso especial da praia, tornando-a um importante espaço de socialização e de referência para o grupo” (10).

Uma outra música de Tom que revela um lado arquiteto de compor e escrever é Corcovado (1960). A atribuição do nome da música a um ponto de referência do Rio de Janeiro revela as raízes de suas inspirações. As descrições são a partir de leituras espaciais. O “cantinho” é um espaço íntimo, onde se pode estar só com seu violão, ter calma para pensar e o tempo para sonhar. O pensamento e o sonho são ferramentas de trabalho, tanto para os arquitetos quanto para os compositores.

Na música Fotografia (1967), a arquitetura moderna proporciona um terraço à beira-mar. Um lugar onde se pode ver o mar, o sol, a lua e o movimento dos carros. Um lugar de contemplação da natureza, de integração visual da paisagem. Onde, na música, é o espaço ideal para se pensar e lembrar do amor. Este amor, que se mistura entre as pessoas e o próprio Rio de Janeiro, é onde ocorre toda a poesia.

Estas músicas citadas, são compostas na década de 1960 e traduzem na sua poesia um Rio de Janeiro de muita beleza, de contemplação a natureza, tal como a escola carioca de arquitetura moderna. Tom redefine a paisagem sonora do Rio, assim como Oscar redefine a arquitetura moderna, com suas curvas que viram referência pelo mundo. São curvas baseadas no Corcovado, que também são acordes na música de Tom (11).

Acordes finais

A bossa nova e a escola carioca de arquitetura se ligam pela leveza de suas estéticas, relacionando a modernidade com a tradição, o colonial com o moderno e o samba com o jazz, a plasticidade do concreto armado e os acordes com notas de extensão, no qual transmitem a mesma mensagem: a beleza é importante.

A beleza está quando os mundos se encontram, quando a arquitetura é invenção e abraça as diferentes artes. Ao mesmo tempo, é possível imaginar que existe uma música por trás de cada obra arquitetônica, que revela o caráter, o ritmo e a harmonia das formas.

Niemeyer encontra inspiração nas curvas das montanhas do Rio de Janeiro. Estas mesmas curvas e tortuosidades são incorporadas nos acordes, com e no balanço das síncopes do violão de João Gilberto. A bossa nova expressa a presença da curva com as notas de extensões e um ritmo sincopado, que foge da acentuação do tempo forte (12). Esta fuga da acentuação de João Gilberto torna a batida leve, tal qual as estruturas de Niemeyer. A arquitetura de Niemeyer é a própria estrutura, assim como o violão de João Gilberto sintetiza as estruturas rítmicas do bumbo e do tamborim.

Esta ligação de linguagens produziu a vitrine brasileira para o mundo, que tornou Brasília um exemplo de projeto urbano e a arquitetura de Niemeyer uma das mais belas e plásticas do mundo. Orfeu Negro, a adaptação para o cinema de Marcel Camus, ganhou o Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, Tom gravou um disco com Frank Sinatra e Garota de Ipanema se tornou a música brasileira mais executada no mundo. Não é à toa que os pilotis, a planta livre, a integração das artes, a busca pela identidade brasileira, os acordes dissonantes e um cantar que não precisa fazer esforço são influências até os dias de hoje.

notas

1
HOMEM, Wagner; OLIVEIRA, Luiz Roberto. Tom Jobim. São Paulo, Leya, 2012, p. 27.

2
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: história de uma nova linguagem na arquitetura (1930–1960). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2006, p. 12.

3
WISNIK, Guilherme. A arquitetura lendo a cultura. In NOBRE, Ana Luiza et al (org.). Lucio Costa: um modo de ser moderno. São Paulo, Cosac Naify, 2004, p. 32.

4
HOMEM, Wagner; OLIVEIRA, Luiz Roberto. Op. cit., p. 27.

5
CORBUSIER, Le. Mensagem aos estudantes de arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 2006, p. 48.

6
BARBOSA, Camila Cornutti. A bossa nova, seus documentos e articulações: um movimento para além da música. Dissertação de mestrado. São Leopoldo, Unisinos, 2008, p. 97.

7
CASTRO, Ruy. Letra e música: a canção eterna e a palavra mágica. São Paulo, Cosac Naify, 2013, p. 47.

8
HOMEM, Wagner; OLIVEIRA, Luiz Roberto. Op. cit., p. 100.

9
CASTRO, Ruy. Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 137.

10
ALMEIDA, Priscila Cabral. Paisagens musicais da Zona Sul carioca: memórias e identidades da bossa nova. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, CCH Unirio, 2007, p. 56.

11
BARBOSA, Camila Cornutti. Op. cit., p. 147.

12
Idem, ibidem, p. 147.

sobre o autor

Artur Hugo da Rosa é arquiteto, músico e mestrando em Urbanismo, Cultura e História da Cidade pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Catarina.

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