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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Articulamos a relação entre arquitetura e psicologia, enfatizando a ligação entre projeto arquitetônico, percepção do ambiente e a importância de saber para quem se está projetando, uma vez que influencia a autopercepção do usuário.

english
We articulate the relationship between architecture and psychology, emphasizing the link between architectural project, perception of the knowing for whom one is designing once it influences the user's self-perception.environment.

español
Articulamos la relación entre arquitectura y psicología, enfatizando el vínculo entre proyecto arquitectónico, percepción del entorno, y la importancia de saber para quién se está diseñando una vez que influye en la autopercepción del usuario.


how to quote

, ; FIGUEIREDO, Pedro Paulo Viana. Entre arquitetura e psicologia. A psicologia ambiental como intercessão entre áreas outrora distintas. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 284.01, Vitruvius, jan. 2024 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.284/8963>.

A arquitetura desde seus primórdios sempre foi carregada de significados para quem a vê e vivencia todos os dias, seja na antiguidade e suas mais diversas expressões arquitetônicas, seja na contemporaneidade e as mais extraordinárias e ordinárias interpretações e releituras de antigos estilos arquitetônicos. No entanto, compreende-se que a arquitetura vai para muito além de algo visual e meramente estético, e a exemplo disso, basta observar a maneira como é feito o uso de figuras de linguagem e expressões que fazem alusão à Arquitetura para descrever a mente humana e seus mais diversos tipos de transtornos em muitos momentos, em que “nos acostumamos a pensar em relações espaciais, de modo que qualquer tentativa de compreender a mente provavelmente recorrerá a metáforas espaciais” (1).

Ao observar esta temática sob a ótica do campo de pesquisa da psicologia ambiental, torna-se possível afirmar que o meio no qual o indivíduo está inserido, tanto definitivamente ou temporariamente, bem como seja a curto ou longo prazo, possui poder de influência sobre ele e ainda é possível afirmar que o ambiente funciona como uma espécie de espelho do inconsciente, apresentando de forma material o que existe no campo imaterial, ou em termos populares, externando por meio da Arquitetura construída, escolhas de decorações, organização ou desorganização do espaço o que pode estar se passando dentro da cabeça do usuário, conforme Lucy Huskinson discorre, embasada na visão junguiana:

“De acordo com Jung, não são apenas aqueles edifícios — imaginários ou reais — que nós mesmos criamos que nos moldam e nos transformam, mas também os edifícios e cidades com os quais interagimos diariamente. Dentro dos ambientes construídos de nossas cidades existe, afirma Jung, um ‘espírito que ali impera’. A arquitetura das cidades pode ser apreciada esteticamente, diz ele, mas também pode afetar você ‘no fundo do seu ser a cada passo” (2).

A psicologia ambiental, surgida nos meados da década de 1950, no período pós guerra, traz à tona os primeiros debates científicos mais aprofundados sobre a relação do indivíduo com o espaço habitado, sendo ela um campo de conhecimento que proporciona as relações bidirecionais pessoa-ambiente (3), podendo esta ser lida como uma ponte entre as áreas de estudo da Arquitetura e da psicologia, proporcionando trocas e o compartilhamento de conceitos e teorias; para tais estudos, são observados os aspectos construtivos e funcionais do local, por conseguinte é feita a análise comportamental dos indivíduos que o ocupam (4), assim, chegando a compreensão de como se dá a vivência e impactos do ambiente sobre o habitante.

Assim, a psicologia ambiental tem por objetivo a análise do ambiente no aspecto macro e micro (5), uma vez que os efeitos do ambiente sobre o usuário podem ser observados por meio da dinâmica em pequenos espaços individuais, como o quarto de um adolescente, com suas características estéticas e espaciais e o que, tomando por base a análise destes elementos, ele diz sobre quem o habita, tal qual uma sala de aula e o modo como esta afeta o comportamento e sensação de pertencimento dos alunos.

No entanto, é válido destacar que o ambiente, de maneira isolada dos demais fatores influenciadores, não possui inteiramente o poder de uma influência extraordinária, mas trata-se de uma troca, e o que de fato pode vir a definir a essência de dado local é seu uso, histórias ali vivenciadas e sensações passíveis de potencialização (6), bem como, os significados a ele atribuídos, sejam em a. esfera individual, como o significado pessoal de cada um, por meio de gostos pessoais, histórias vividas pelo sujeito em sua formação enquanto pessoa e/ou traumas experienciados no decorrer de sua história, e b. esfera social, no que se refere aos conceitos que cada sociedade, em suas formações cívicas e conjuntos de ideias sobre determinados tipos de comportamentos, pode atribuir aos ambientes e suas características; como exemplo é possível observar a diferença de significados que um ambiente religioso católico, como um catedral, pode vir a ter para um cidadão formado em uma cultura cristã e a distinta relação que um cidadão formado em uma cultura sem contato os cristianismo podem vir a ter. Assim, faz-se destaque que a psicologia ambiental não está focada apenas na ideia do que é o ambiente físico, mas sim no âmbito social e ambiental de maneira interrelacionada (7).

A relação entre a arquitetura e a pessoa

Compreendendo que a arquitetura pode interferir na relação da pessoa com o ambiente, tal qual uma via de mão dupla, onde este também interfere no ambiente, pois as características arquitetônicas são “expressões de nós mesmos” (8). No entanto, faz-se necessário destacar que esta jamais evocará emoções inexistentes, ou comportamentos nunca antes pensados, mas sim algo que já foi conhecido pela pessoa, uma vez que a influência do ambiente sobre o comportamento e emoções varia de acordo com cada um/a em particular (9); ou seja, a percepção do ambiente pode vir a frutificar em múltiplos sentidos e estímulos simultaneamente (10), variando de acordo com o tipo de ambiente que o indivíduo experiencia e também suas experiências passadas e os significados anteriormente construídos (11). Como afirma Bachelard, “as moradas do passado permanecem em nós para sempre […] Para além das nossas lembranças, a casa em que nascemos está fisicamente inscrita em nós” (12). Deste modo, pode-se compreender que o ambiente não é um mero local no qual o sujeito caminha e de algum modo supre suas necessidades, mas, de acordo com a ideia de Kuhnen “é rico em significações por intermédio do qual a humanidade desenvolve-se” (13).

Por exemplo, para pontuar o modo como a arquitetura do ambiente pode interferir nas sensações do usuário, segundo Kowaltowski (14), ambientes com muita iluminação artificial, vidros opacos, que não permitam a contemplação da paisagem para além do ambiente em si, e excesso de ordem são menos satisfatórios. Mas a grande questão não se refere apenas ao prazer momentâneo desfrutado durante alguns insignificantes instantes, mas sim como o ambiente é projetado e a forma como este pode, a longo prazo, por meio da visitação constante, como a exemplo de uma sala de aula, em que os alunos diariamente por um ou mais anos frequentando, vir a gerar efeitos negativos sobre o usuário, tanto na esfera funcional e física, como no quesito emocional do sujeito (15). No entanto, essa relação, pessoa-ambiente nem sempre é percebida a primeiro contato, em muitos casos é frequente que outras questões sejam levantadas para além da arquitetura, pois é comum que seus efeitos se enraízem na mente do usuário de modo inconsciente (16). Como questiona Botton:

“Sensibilidade à arquitetura tem também seus aspectos mais problemáticos. Se um único aposento é capaz de alterar o que sentimos, se a nossa felicidade pode depender da cor das paredes ou do formato de uma porta, o que acontecerá conosco na maioria dos lugares que somos forçados a olhar e habitar?” (17).

Assim, chega-se à conclusão, e base investigativa para o presente trabalho, que a qualidade do projeto arquitetônico está diretamente relacionada com o bem-estar do usuário, podendo contribuir para o desenvolvimento pessoal, mental e possui relação direta com o foco e concentração em atividades nele exercidas (18). Ou seja, para quem convive com o projeto, são mais que meras paredes, e para quem projeta, é muito mais do que cálculos de área, escolhas de cores e reflexões sobre a estética a ser adotada para a produção de um produto comercial.

Além disso, o ambiente não precisa ser apenas funcional, mas também atrativo, para que o usuário se sinta convidado a habitá-lo (19) de modo que seja um espaço em que o habitante não apenas deseje ir, mas principalmente deseje continuar frequentando, pois quando ele não sente tal convite, ou sente-se incomodado por alguma característica ali presente, como uma cor de parede, um item decorativo e até mesmo questões estruturais como janelas, pilares e vigas, tende a buscar modificá-lo favoravelmente segundo o seu interesse pessoal de gostos e necessidades ou um interesse comunitário (20).

Quando um instinto ou emoção é mais evocado que outro em detrimento das características projetuais somadas à história de formação da pessoa, a situação pode levar à ansiedade espacial, que são conhecidos como claustrofobia e “agorafobia”, e essas consequências devem ser pensadas durante a concepção do projeto arquitetônico, pois como afirma Huskinson: “Pode-se dizer, portanto, que os edifícios nos projetam e nos constroem ou reconstroem, tanto quanto nós os projetamos e construímos” (21). Embora seja importante frisar que, em especial espaço públicos, não se faz possível compreender como cada pessoa individualmente pode vir a se sentir em um dado espaço, como exemplo uma praça ou restaurante, mas é possível que o profissional de Arquitetura analise, por meio de estudos ou conversas diretas com a população, as características e preferências do público-alvo daquele projeto. Pois, uma vez construído, a sociedade tende a ocupar o espaço à sua maneira, e caso haja identificação com este e, posteriormente, são executadas mudanças inesperadas no ambiente, surge a grande porta aberta para explorar quais identificações e apegos emocionais foram construídos e desconstruídos a cada alteração no espaço, e o modo como isso impacta o senso de self (22) do sujeito, tal qual discorre Huskinson:

“A desorientação experienciada com a destruição do edifício familiar ou a imposição de um edifício desconhecido, embora perturbadora e frequentemente desagradável, pode ser o prelúdio de uma nova orientação do ego; oferece uma oportunidade para que a pessoa reavalie a si mesma e seus vínculos, superando, assim, preconcepções antiquadas de si e de seu ambiente” (23).

O modo como o ambiente construído e natural é percebido por quem o usa pode proporcionar o debate sobre suas potencialidades e o modo como ele afeta os comportamentos individuais e coletivos (24), atuando como uma espécie de comunicação não verbal, onde a interpretação e significados, especialmente os sociais, são percebidos mediante o uso contínuo e a observação das emoções nele desenvolvida, sejam estas positivas ou negativas (25).

Além disso, cabe aqui destacar que a arquitetura e suas expressões construtivas não afetam o sujeito, no que tange às suas emoções, em uma esfera superficial, mas perfura a película externa em níveis mais profundos, a ponto de interferir em pontos como sua identidade (26), sendo assim, o ambiente um fator crucial em sua formação, podendo levar a pessoa a descobrir uma parte ausente em si mesmo (27). Esse processo tende a evoluir mediante as vivências e possíveis modificações “no meio físico e no contexto social no qual se vive” (28) de modo que, como exemplo, pode-se dizer que as impressões de um sujeito sobre o ambiente escolar em uma escola pública podem vir a ser completamente diferente das impressões daquele que frequenta uma escola particular com estrutura mais bem desenvolvida e bem estabelecida.

Simplificando, pode-se articular, segundo Kuhnen(29), que a identidade é dinâmica e constante no processo evolutivo, não sendo ela um reflexo automático, mas uma construção entre o sujeito, suas experiências e o investimento afetivo (ou abertura que se dá para este) com o local em que se vive constantemente ou que se frequenta com certa assiduidade. Estas interferências, diferente do que é comum se pensar na sociedade, não se dá apenas mediante o contato com o extraordinário da arquitetura, mas também com o ordinário, o mais que comum, por mais que este muitas vezes pareça insignificante e passe despercebido diante dos olhos de quem os vê, sua mente sente, vivencia e sua identidade é pouco a pouco configurada por eles (30) de modo que não incomumente são agregados, psicologicamente, à pessoa em si, em virtude que aquele espaço em que se convive a longo prazo, como a casa por exemplo, torna-se um local seguro para despir-se de todas as máscaras sociais e torna-se o local onde se pode ser humano, na mais pura essência, fraco e fragilizado e, normalmente, neste mesmo local o indivíduo pode ter momentos de reflexão e se recuperar mediante crises oriundas da vida.

O que tudo isso significa? Significa que o ambiente vivido faz parte da pessoa e das suas memórias de seu processo evolutivo e construtivo enquanto pessoa, de maneira que sua história pessoal se mistura com a história do ambiente e este deixa de ser um genérico ou insignificante plano de fundo e se torna um dos personagens da trama, podendo inclusive, a depender os valores a ele atribuídos, tornar-se um dos principais personagens. Como exemplificação da interação que pode ser formada entre sujeito-ambiente, em especial a casa para o morador, veja o que aponta Huskinson:

“Em relatos de roubo, a vítima (via de regra o proprietário) em geral descreve a provação de ter sua casa invadida e saqueada como uma violação de sua pessoa, comparando-a a um ataque físico ao seu corpo; alguns chegam a ponto de descrever a provação em termo de estupro ou agressão sexual. Nos casos em que a segurança de um edifício foi violada, aqueles que se identificaram com o edifício muitas vezes sentirão que também foram violados” (31).

Essa ideia da autora traz um excelente exemplo de como o ambiente e o usuário podem tornar-se parte um do outro. Assim, faz-se compreender que o projeto arquitetônico deve proporcionar uma boa interação entre ambiente-usuário, o que por sua vez depende totalmente da boa concepção de projeto arquitetônico, compreendendo não apenas questões climáticas e construtivas, como normalmente o arquiteto aprende em sua formação profissional, mas é necessário também o tato e sensibilidade para com que habitará o espaço projetado.

A importância de conhecer para quem se projeta, além da estética

Para que um bom projeto de arquitetura funcione de maneira assertiva e saudável para quem o habita, é fundamental conhecer a mente e seus modos de funcionamento e, não raro, o cliente tem demandas e desejos que nem sempre estão claros para ele próprio, quiçá para o arquiteto, logo, faz-se importante entender os silêncios não ditos, colocações mal expressadas e até atos falhos, pois embora alguma fala possa parecer “despropositada ou gerar desconforto, vai revelando o que de mais importante está para ser colocado” (32). Somado a isso, deve-se compreender a cultura de quem habitará o projeto, ou da comunidade a qual se tem como público-alvo, pois, tomando como princípio que a identidade se expressa de maneira individual ou em grupo ao analisar um contexto ou comunidade, é possível encontrar índices coletivos que se unificam mesmo com as particularidades de cada sujeito (33), em detrimento que as relações com o ambiente se dão em consequência de questões socioculturais e estas impactam diretamente na relação do usuário e seus modos de compreender um dado espaço e suas reações mediante o mesmo (34).

Além disso, o projeto muitas vezes, erroneamente, é fundamentado apenas em princípios da utilidade, eficiência, prazos de construção, custos e sua estética, mas se esquece de que esses são itens que devem estar em função de quem habita, e não o inverso. Conforme Huskinson (35) a qual critica fortemente em sua obra, é necessário que os arquitetos compreendam para quem projetam e quais as reais necessidades dos usuários, o que de fato é necessidade e o que é apenas desejo momentâneo, quais suas expectativas e o que pode vir a proporcionar o bem estar, pois “o caráter de nossos ambientes construídos é vital para nosso bem-estar porque nossa identidade pessoal é amplamente moldada por nossas identificações inconscientes com eles”.

A autora desenvolve severas críticas bem fundamentadas aos projetos que, em muitos casos, tende a priorizar “o máximo de aproveitamento do espaço com custo mínimo e de acordo com um modelo genérico, com embelezamento e ornamentação também mínimos”, o que não é raro de ser visto, ainda mais a expansão imobiliária desordenadas nas cidades e a produção de “projetos” (se é que assim pode-se os chamar, para além do sentido literal da expressão) que não contém a personalidade, a identidade, a “cara” do morador, como anteriormente apresentado. Conhecendo para quem se projeta, o traço da lapiseira e esquadro não mais passam a seguir padrões “da moda”, ou tendências do momento, mas passam de fato se importar e comportar a pessoa interior do morador. Desse modo, a visão artística não é apenas excêntrica e idiossincrática, que não contempla as expectativas do sujeito nem os princípios utilitários gerais mas passa a de fato representar sua identidade.

A interação Sujeito-Arquitetura é desenvolvida pelo tato, a dinâmica de trocas e influências entre o sujeito que usa o espaço e o espaço que é usado, vivenciado, pelo sujeito, conforme desenvolve Huskinson:

“A natureza evocativa da arquitetura, seja ela estranha, sublime ou numinosa, é estabelecida no intercâmbio inconsciente entre sujeito e edifício e, portanto, pela interação corporal entre os dois. Requer a intimidade de uma fusão mimética de formas, e não simplesmente a contemplação abstrata de seus componentes visuais” (36).

Assim sendo, é possível validar mais ainda a importância da compreensão de que o projeto é muito além do desenho da casa, da escola, do hospital e afins, mas trata-se de um espaço de trocas e interações que podem interferir diretamente na saúde não somente física, mas também psíquica do indivíduo (37).

No entanto, mais que comum, a população tende a associar a boa experiência no espaço com a reputação do projeto, de modo tal que é corriqueiro ligar a boa arquitetura (mais a frente será debatida a subjetividade da boa arquitetura) com a iconicidade do projeto, seja por suas associações históricas ou sua complexidade construtiva, mas é necessário o questionamento: em quantos espaços assim o cidadão transita durante os seus dias? Será que seus momentos de prazer se resumem apenas ao extraordinário, ou ao incomum? Certeiramente toda e qualquer pessoa desfruta de bons momentos, de prazer e boas interações com o espaço no seu cotidiano, no ordinário dos dias, na simplicidade do chalé e até quem sabe, na palafita cheia de significados e história para quem usa (38).

Conforme discorre o psicólogo junguiano James Hillman (39), a modernidade desenvolveu uma fixação pela arquitetura extraordinária, ou como ele chama, “obsessão pela geometria”, em que o foco é a construção de espaços cada vez mais expressivos e mais altos, o que pode diariamente ser observado na janela do ônibus ou do carro nas cidades brasileiras, como o caso do Recife PE, em que há a disputa por lotes cada vez maiores e melhores para construção das grandes torres brancas, genéricas e sem personalidade, que não contemplam sequer as necessidades mínimas de conforto ambiental para o usuário em que, a população infelizmente adquire, dominada por propagandas falaciosas e que fazem alusão a uma qualidade de vida, ou até se referem a um contato com a natureza, mas quando se analisa de maneira honeste, vê-se que o dito contato com o meio natural é a verdade dado por espaços verdes ínfimos, inseridos em um meio completamente urbano, que se estreitam entre as grandes torres e em nada representam de fato um retorno à natureza, como frequentemente é vendido nas publicidades esdruxulas estampadas nos outdoors dos bairros mais nobres das cidades. Ou seja, essa arquitetura é apenas fruto das demandas da consciência do ego, sendo uma verdadeira ilusão, uma mentira de quem vende e uma mentira para si próprio de quem compra e insiste em acreditar que o jardim que ocupa 5% do lote, em disputa a 95% de estacionamento e construção é qualidade de vida.

Considerações finais

Diante da argumentação apresentada nesse texto, vê-se que a relação entre o ambiente em que se vive e a saúde psicológica do usuário não são elementos distantes, mas sim interligados diretamente, de tal modo que o estado psíquico do momento, adjunto a construção psicológica enquanto pessoa, tende a influenciar a percepção do espaço e a maneira como o espaço é experienciado e utilizado. Além disso, o espaço possui poder de agregar efeitos e sensações a quem o utiliza, gerando assim a necessidade ao arquiteto de compreender de quais maneiras o seu projeto poderá influenciar positivamente e negativamente a vida do usuário.

Sabendo que o ambiente pode espelhar o interior de quem o habita, a observação deste pode auxiliar na compreensão do real estado psicológico do usuário e seus traços de personalidade e como se dá sua dinâmica com o meio, seja ela de modo individual, seja em conjunto social, através de sua interação com outras pessoas. Funcionando assim o ambiente como um local instigador ou bloqueador de interações e posicionamentos do indivíduo ou grupo. Assim, faz-se necessário analisar como os componentes artificiais, atrelados aos elementos naturais, podem ser utilizados a fim de proporcionar o bem-estar para o usuário, por meio do uso elementos, cores e texturas, bem como a disposição destes no ambiente e o modo como cada um se relacionam com a história da pessoa.

No entanto, vale enfatizar que o projeto e análise projetual não deve ser limitar à caixa restritiva da funcionalidade, mas deve-se observar a estética e o modo como a relação pessoa-ambiente é percebida pelo usuário e se este sente-se convidado ou repelido pelo ambiente, assim proporcionando a compreensão do que seria, para aquela pessoa ou grupo, um ambiente agradável e acolhedor, por meio de suas memórias e afetividades construídas no decorrer de sua formação.

Assim sendo, é fundamental conhecer para quem se está projetando, pois, ao compreender que a percepção espacial propriamente dita varia a cada pessoa e principalmente entre grupos sociais, deve-se conhecer como funciona a cultura social no qual o indivíduo ou grupo estão imersos e sua história enquanto pessoa, resultando assim em um projeto que de fato representa quem se é e seus reais desejos e necessidades.

notas

1
BREUER. Apud HUSKINSON, Lucy. Arquitetura e psique: um estudo psicanalítico de como os edifícios impactam nossas vidas. São Paulo, Perspectiva, 2021, p. 2.

2
HUSKINSON, Lucy. Op. cit.

3
CAVALCANTI, Silvia; ELALI, Gleice A. Temas básicos em psicologia ambiental. Petrópolis, Vozes, 2011.

4
ELALI, Gleice Azambuja. Psicologia e arquitetura: em busca de um locus interdisciplinar. Estudos de Psicologia, v. 2, n. 2, 1997 p. 349-362.

5
MOSER, Gabriel. Psicologia ambiental. Estudos de Psicologia, v. 3, n. 1, 1998, p. 121-130.

6
ELALI, Gleice Azambuja. Op. cit.

7
PATO, C.; DELABRIDA, Z.N.C. Proposta transdisciplinar em contextos formativos: chave mestra para a sustentabilidade. In HIGUCHI, M.I.G.; KUHNEN, A.; PATO, C (Org.). Psicologia ambiental em contextos urbanos. Florianópolis, Edições do Bosque/CFH/UFSC, 2019, p. 34-58.

8
HUSKINSON, Lucy. Op. cit.

9
PINHEIRO, José Q. Psicologia ambiental: a busca de um ambiente melhor. Estud. Psicol. (Natal). vol. 2, n. 2, jul./dez. 1997, p. 377-398.

10
GÜNTER, Hartmut. Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoa-ambiente. Estud. Psicol. (Natal). vol. 8, n. 2, mai./ago. 2003, p. 273-280.

11
RAPOPORT, Amos. Human aspects of urban form. Oxford, Pergamon, 1977.

12
Apud HUSKINSON, Lucy. Op. cit., p. 57.

13
KUHNEN, Ariane. Interações humano-ambientais e comportamentos socioespaciais. In KUHNEN, Ariane; CRUZ, Roberto Moraes e TAKASE, Emílio (org.). Interações Pessoa-Ambiente e saúde. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2009, p. 15-35.

14
KOWALTOWSKI, DCCK. Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São Paulo, Oficina de textos, 2011.

15
CARDEAL, C. C.; VIEIRA, L. R. C. Neurociência como meio de repensar a arquitetura: formas de contribuição para a qualidade de vida. Cadernos de graduação ciências humanas e sociais, v. 6, n. 3, 2021, p. 55-70.

16
BENCKE, Priscilla. Como os ambientes impactam no cérebro? Qualidade corporativa, [s. l.], 2018.

17
BOTTON, Allain de. Arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro, Rocco, 2007, p. 13.

18
BENCKE, Priscilla. Op. cit.

19
BOTTON, Allain de. Op. cit.

20
KUHNEN, Ariane. Op. cit.; SILVEIRA, BB, & KUHNEN, A. (2019). Psicologia ambiental e saúde na relação pessoa-ambiente: uma revisão sistemática. PSI UNISC, v. 3, n. 1, Santa Cruz do Sul, jan./jun. 2019, p. 89-105.

21
HUSKINSON, Lucy. Op. cit.

22
Para Jung o self pode ser compreendido como a imagem da totalidade da psique, como seu centro e também como símbolo dessa unidade, abrangendo consciente e inconsciente e o próprio eu. Para uma síntese, conferir: RAFFAELLI, Rafael. Imagem e self em Plotino e Jung: confluências. Rev. Estudos de Psicologia, v. 19, n. 1, PUC Campinas, jan./abr. 2002, p. 23-36.

23
HUSKINSON, Lucy. Op. cit., p. 57.

24
ELALI, G. A. Op. cit.

25
VALERA, S. & POL, E. El concepto de identidad social urbana: una aproximación entre la psicología social y la psicología ambiental. Anuario de psicología/The UB Journal of psychology, v. 62, 1994, p. 5-24; MANZO, L. Beyond house and haven: toward a revisioning of emotional relationship with places. Journal of Environmental Psychology, v. 23, 2003, p. 47–61; FELIPPE, M. L. Ambiente pessoal: o papel da personalização na construção de espaços saudáveis. In KUHNEN, Ariane; CRUZ, Roberto Moraes e TAKASE, Emílio (org.). Op. cit.

26
“O arquiteto Neil Leach, por exemplo, descreve a identidade como um ‘vaívem contínuo’ entre duas tendências humanas contrastantes: sentir-se ‘conectado’ ao ambiente e ‘distinto’ dele. Elas funcionam, diz ele, como uma ‘relação figura fundo’, e de modo que a identidade é, ‘em última análise, uma questão de primeiro e segundo plano. É uma questão de definir o self’ por meio desses movimentos oscilantes, ‘contra um determinado ambiente’”. HUSKINSON, Lucy. Op. cit., p. 48.

27
HUSKINSON, Lucy. Op. cit.

28
KUHNEN, Ariane. Op. cit., p. 28-29.

29
Idem, ibidem.

30
HUSKINSON, Lucy. Op. cit.

31
Idem, ibidem, p. 58.

32
ZONIS, S. Arquitetura no divã: a quarta dimensão do espaço. São Paulo, Olhares, 2019, p. 11.

33
ALMEIDA, Maristela M. Análise das interações entre o homem e o ambiente: estudo de caso em agência bancária. Dissertação de mestrado. Florianópolis, PPGEP UFSC, 1995.

34
TUAN, Y. F. Topofilia: um estudo de percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Londrina, Eduel, 2012; ZACARIAS, Elisa Ferrari Justulin; HIGUCHI, Maria Inês Gasparetto. Relação pessoa-ambiente: caminhos para uma vida sustentável. Interações, v. 18, n. 3, Campo Grande, 2017, p. 121-129.

35
HUSKINSON, Lucy. Op. cit.

36
Idem, ibidem.

37
CARDEAL, C. C.; VIEIRA, L. R. C. Op. cit.

38
Destaca-se aqui a não romantização da pobreza e insalubridade dos espaços, mas sim a compreensão de que, independentemente das condições construtivas do ambiente, o indivíduo pode construir memórias afetivas com o espaço e suas características em detrimento de suas vivências e histórias ali desenroladas.

39
HILLMAN, James. Cidade e alma. São Paulo, Studio Nobel, 1993.

sobre os autores

Marcos Henrique Lins de Oliveira é graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Ciências Humanas Esuda.

Pedro Paulo Viana Figueiredo é psicólogo (2007) e mestre em Psicologia (2010) pela UFPE e doutor em Psicologia Social pela PUC SP (2014). Docente na Faculdade de Ciências Humanas Esuda nos cursos de Psicologia e Arquitetura.

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