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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Esta investigação sobre a arquitetura religiosa dos arquitetos Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi, qualifica-os como parte do fenômeno de disseminação dos ideais da arquitetura moderna para o interior do país, na década de 1950.

english
This investigation into the religious architecture of the architects Edoardo Rosso and Yoshimasa Kimachi, qualifies them as part of the phenomenon of dissemination of ideals of modern architecture to the interior of the country, in the 1950s.

español
Esta investigación sobre la arquitectura religiosa de los arquitectos Edoardo Rosso y Yoshimasa Kimachi, los califica como parte del fenómeno de difusión de los ideales de la arquitectura moderna al interior del país, en la década de 1950.


how to quote

MORAES, Rafael Rodrigues de; SUZUKI, Juliana Harumi. Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi. Dois arquitetos peregrinos no Paraná. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 284.02, Vitruvius, jan. 2024 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.284/8964>.

O professor Eduardo Kneese de Mello entre Yoshimasa Kimachi e Edoardo Rosso, em viagem com o GFAU
Acervo Edoardo Rosso, 1953

As décadas de 1940 e 1960 assistiram à substituição de templos de arquitetura tradicional por novos edifícios alinhados ao processo de modernização da Igreja Católica e da sociedade. Tal cenário é concomitante ao movimento de difusão da arquitetura moderna para o interior do país através de agentes, denominado de arquitetos peregrinos, nômades e migrantes (1).

Dentre os arquitetos peregrinos estão Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi, egressos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo — FAU USP no ano de 1955 e integrantes do Grêmio Estudantil GFAU. Eles formaram sociedade em um escritório de arquitetura entre 1957 a 2009, sediado no edifício Itália, entre 1964 e 1993.

Embora atuassem em diversas frentes projetuais, Rosso e Kimachi destacam-se pelos projetos de arquitetura religiosa, como demonstram as publicações em periódicos e a pesquisa no acervo dos arquitetos, que identificou a existência de 26 trabalhos dessa natureza.

Este artigo é parte da pesquisa realizada para a elaboração da dissertação de mestrado que apresenta um panorama da atuação de Rosso e Kimachi no campo da arquitetura religiosa, examinando particularmente os seguintes projetos elaborados para a cidade de Londrina, no Paraná: igreja Imaculada Conceição (1956-1961), Igreja Nossa Senhora de Fátima (1966-1975) e Igreja Nossa Senhora de Lurdes (1966-1976), com destaque para a Catedral Metropolitana de Londrina (1968-1972).

Considerações biográficas

Edoardo Rosso nasceu em Roma, na Itália, em 1930 e, em 1947, migrou para o Brasil, naturalizando-se brasileiro, em 1955. Seu pai é Giulio Rosso (1897-1976), artista plástico, designer italiano e colaborador de Marcello Piacentini e Giò Ponti.

Rosso pai também atuou profissionalmente no Brasil — dentre seus trabalhos destacam-se o mosaico do átrio do Edifício Matarazzo, instalado em 1946, e o projeto de interiores do Cine Trianon, na rua da Consolação, em 1956, em colaboração ao arquiteto italiano Giancarlo Palanti. Até os dezessete anos, Edoardo Rosso acompanhou o trabalho de seu pai e conviveu com amigos próximos, como Marcello Piacentini e Gio Ponti. As influências culturais e o convívio com os arquitetos italianos, amigos e contratantes dos trabalhos desenvolvidos por seu pai foram decisivos para sua formação (2).

Yoshimasa Kimachi nasceu em 1931 em Guaimbê, próximo dos municípios de Lins e Marília, no interior de São Paulo. Primogênito de imigrantes japoneses, seu pai era proprietário de uma serraria e construtor de tulhas de café e estruturas de madeira, conhecimento que Kimachi adquiriu e desenvolveu nas treliças de madeira que projetaria no decorrer da atividade profissional. Seu irmão, Tsuneo Kimati, formou-se engenheiro civil e trabalhou em parceria com os arquitetos, elaborando o cálculo estrutural e executando as obras.

A primeira geração de estudantes da FAU USP

Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi estudaram na FAU USP entre 1951 e 1955, em uma turma que incluía, entre outros, nomes que se destacariam em várias frentes da profissão, como Nestor Goulart Reis Filho e Rosa Grena Alembick, atualmente conhecida como Rosa Grena Kliass. Entre os docentes da turma de 1951 destacam-se Caetano Fracarolli, nas disciplinas de Plástica I e Plástica II, Zenon Lotufo e Ícaro de Castro Mello em Composição de Arquitetura, Vilanova Artigas em Composição de Arquitetura II, Augusto de Vasconcellos em Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções, Carlos Lemos e Eduardo Corona em Teoria da Arquitetura, Ernest Robert de Carvalho Mange em Plástica IV e Plástica V, Kneese de Mello em Arquiteturas no Brasil, Rino Levi e Roberto Cerqueira César em Composições de Arquitetura III, Lina Bo Bardi em Composição Decorativa, entre outros (3).

Rosso e Kimachi tiveram ativa participação como membros do grêmio estudantil GFAU. no período entre 1948 e 1955, as viagens promovidas pelo Grêmio Estudantil aproximaram os estudos dos estilos históricos através do olhar etnográfico e influenciaram a formação acadêmica dos alunos (4).

É certo que a experiência acumulada por Mário [de Andrade] como “turista aprendiz” desde os anos 1920 constituiu um passo decisivo na história das viagens de formação no Brasil, não somente porque ultrapassou o registro puramente folclórico dos repertórios regionais, mas também porque a inversão dos roteiros habituais a Paris assumiu um caráter transgressivo também ao repropor também as categorias estéticas do “nivelamento” e do “desnivelamento” como justificativa para uma reaproximação não hierárquica, e interessada do ponto de vista da criação contemporânea, entre o erudito e popular (5).

Assim, “as primeiras gerações de estudantes da FAU USP, enlaçando arte moderna, patrimônio e humanidades na constituição ética e estética da escola”, tornaram-se arquitetos e urbanistas com repertórios, saberes e abordagens singulares para a prática profissional (6).

O Escritório Técnico Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi

Após a graduação, Rosso e Kimachi atuaram profissionalmente com o colega de turma Rodolpho de Almeida Fernandes. Em 1957, já sem Fernandes, constituíram formalmente a sociedade, denominada Escritório Técnico Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi, que funcionava no apartamento onde Rosso morava com os pais, no Edifício Daniel Martina Ferreira, no Largo do Paissandú. Em 1964, o escritório mudou-se para o Edifício Itália, onde atuaram até 1993, quando se mudaram para uma residência/escritório em Perdizes. Em 2007, Kimachi se retirou do escritório, por problemas de saúde, vindo a falecer em 2009. Em 2015, com 85 anos de idade e sessenta anos de profissão, Rosso encerrou suas atividades profissionais. Ao longo de 58 anos de ofício, o Escritório Técnico Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi produziu um acervo aproximado de duzentos projetos, sendo 26 de arquitetura religiosa, com obras localizadas em São Paulo e no Paraná.

Além de obras de caráter religioso, o escritório elaborou projetos de variados programas: residencial, comercial, industrial e executou projetos de outros colegas arquitetos, muitos desses não sistematizados e perdidos ao longo dos anos de atividade. O arquiteto Rosso afirma: “como importantes destacaria os projetos para a IBM, para o Grupo Zogbie para os Estaleiros Ishikawagima do Rio de Janeiro, além dos mais de vinte projetos para Edifícios Religiosos” (7). Ilustra-se, para referência de pesquisas futuras, como exemplo deste inexplorado repertório, o vestiário da piscina da Residência Antônio Pinto Duarte, na cidade de Americana SP, com cobertura em casca de concreto armado.

Entre os trabalhos de execução foi possível resgatar a construção da Residência Miguel Pereira e Helga Miethke, em 1996, localizada na Serra da Cantareira, projetada pelo arquiteto Miguel Pereira (1922-2014) para abrigar dois ateliês: o seu próprio e o da sua esposa, a artista plástica Helga Miethke.

Entre os projetos industriais, destaca-se a Editora Ave Maria, localizada à rua Martim Francisco, n. 636, Vila Buarque, em São Paulo. A execução desse trabalho, em 1956, proporcionou convites para projetos de igrejas no norte do Paraná. Esse edifício foi construído ao lado da edificação histórica da Congregação Missionário Filhos do Imaculado Coração de Maria, sede da ordem dos Claretianos no Brasil. Na inauguração, estava presente o então padre Geraldo Fernandes (que posteriormente seria nomeado bispo de Londrina), membro da ordem dos Claretianos, que se interessou pelo trabalho de Rosso e Kimachi. Foi o início da parceria entre Dom Geraldo e os arquitetos, a quem convidou para elaborar primeiramente o projeto da igreja Imaculada Conceição, em Londrina, dando início a uma série de mais três projetos na cidade e a outros, para municípios do interior do Paraná.

Publicações em revistas especializadas

As obras de Rosso e Kimachi foram publicadas em revistas como Habitat, Acrópole e AU. A Acrópole faz quatro referências aos arquitetos. Duas delas são publicações de trabalhos acadêmicos: uma matéria sobre o Projeto da Sede da Secretaria Municipal (8) apresentado na disciplina de Grandes Composições, do 4º ano da FAU USP (1954), dos professores Hélio Duarte e Ernesto de Carvalho Mange; e um projeto sobre O problema do estacionamento em São Paulo (9) desenvolvido pelos alunos do 5º ano, sob supervisão dos professores Rino Levi e Roberto Cerqueira Cesar, que deu aos então estudantes Rosso e Kimachi, conjuntamente com os alunos Roberto F. de Carvalho, Rodolpho Almeida Fernandes e José F. Fleury de Oliveira, o primeiro prêmio Governador do Estado no IV Salão Paulista de Arte Moderna. Após a graduação, foram publicados dois trabalhos: o Anexo de uma residência (10), em 1958, que trata de uma residência em Americana SP e o Projeto para uma igreja (11), sobre a Igreja Nossa Senhora do Sabará, em 1958.

Na revista Habitat apresentam-se três matérias: a sede social para um clube interiorano (12), de 1955; o centro da Penha (13), de 1956 e a Capela para o Jardim Virginia, em Guarujá (14), de 1957.

Na revista AU constam duas referências: a primeira citando-os como arquitetos responsáveis pela construção da Residência Miguel Pereira e Helga Miethke (15), em 1997; a segunda como autores do projeto da Capela Ecumênica projetada para o sítio em Caucaia do Alto, no interior de São Paulo, no artigo Comunhão com a Natureza (16), de 2002.

Capela para o Jardim Virgínia

A Capela para o Jardim Virgínia, no Guarujá, recebeu o Prêmio Governador do Estado no 21º Salão Paulista de Belas Artes.

Edoardo Rosso, Rodolpho Almeida Fernandes e Yoshimasa Kimachi com um projeto de capela bastante interessante pelo tradicionalismo que sugere com sua com sua solução limpa e honesta, tão querida de nossos antigos construtores. A estrutura do telhado com caibros armados aparentes, tão brasileiras, exige que se dê à torre sineira independente, da nossa tradição também, um tratamento semelhante, mais leve (17).

Trata-se de uma capela para duzentas pessoas, solucionada em planta retangular, com pátio lateral. A cobertura é uma treliça de madeira, pré-fabricada. Sua composição arquitetônica apresenta linhas simples e modernas. O único elemento escultórico é uma cruz sem ornamentações no altar (18).

Perspectiva da Capela para o Jardim Virgínia, no Guarujá
Acervo Edoardo Rosso

Sobre o projeto publicou-se: “a resultante plástica possui uma simplicidade tocante […] conseguiram os arquitetos tramar com a própria imagem da cruz uma decoração singela e de grande efeito” (19). Embora seja uma capela modesta, apresenta indícios de uma técnica apurada e singela, sem perder de vista os valores da arquitetura vernacular, como preconiza o olhar etnográfico de suas formações acadêmicas.

Igreja Nossa Senhora do Sabará

A igreja, situada no bairro Sabará, no distrito de Santo Amaro, em São Paulo, tem capacidade para setecentas pessoas e apresenta um campanário externo e acesso principal através de adro coberto executado em laje cogumelo. O campanário foi executado a partir de estudo de visibilidade e monumentalidade em relação ao entorno (20).

Perspectiva da Igreja Nossa Senhora do Sabará
Acervo Edoardo Rosso

 

A nave apresenta nas suas laterais “reentrâncias, constituídas pelas pilastras estruturais”, onde se apoiam as treliças de madeira da cobertura, fechadas por paredes de vedação, alternadas com estreitas faixas verticais de iluminação, acentuando a independência da vedação com a estrutura. Os vidros das esquadrias são executados em vidro tipo fantasia coloridos, desprovidos de iconografia (21).

O forro de tábuas de madeira natural é executado no sentido longitudinal da nave, reforçando a visão do altar em perspectiva. O espaço destinado ao altar-mor é resultado da disposição de paredes independentes, com o objetivo de proteger passagens e dar acesso aos demais ambientes: capela, sacristia e casa paroquial (22).

A presença do adro, construído em lajes cogumelo, com a função de proteger os usuários das intempéries, reformulado em uma linguagem contemporânea os “antigos adros da época colonial” (23).

Além da utilização do adro, a igreja apresenta cobertura em volume prismático triangular, mezanino, campanário lateral e batistério contíguo à entrada. No frontão há a subtração de volume para constituir os vitrais e a cruz. A mesma estratégia de subtração de volumes é utilizada na cruz do campanário. Há, ainda a adição do volume da marquise, cobrindo o adro. Através de estratégias de adição e subtração, a planta e as fachadas laterais são compostas por reentrâncias que internamente organizam nichos com fins ritualísticos, como o local do confessionário e capelas de oração.

Internamente, há câmara entre as portas principais, solução utilizada posteriormente na Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Londrina, como também um mezanino para o coro. O altar-mor, em disposição anterior ao Concílio Vaticano II, (movimento de modernização da Igreja Católica que ocorreu entre 1962 e 1964, resultando em mudanças teológicas e espaciais, como a disposição do altar e o posicionamento dos corais de canto e o deslocamento da pia batismal da entrada da igreja para o altar), é semelhante aos da Igreja Imaculada Conceição e igreja Nossa Senhora de Lurdes, em Londrina.

As soluções adotadas para esta igreja foram incorporadas ao repertório compositivo dos arquitetos, sendo posteriormente empregadas nas demais igrejas, especialmente nos templos construídos em Londrina.

Os projetos de arquitetura religiosa

A pesquisa documental no acervo do Escritório Técnico Edoardo Rosso-Yoshimasa Kimachi Arquitetos, elaborada em 2016, identificou os seguintes projetos com o tema de arquitetura religiosa:

Acervo Técnico de Arquitetura Religiosa — Rosso e Kimachi
Elaboração dos autores

Entre as 26 referências encontradas nos arquivos, quinze são templos religiosos construídos e seis não foram executados. Existem duas edificações sociais agregadas: o Centro de Animação Missionária da Ordem Xaveriana, em São Paulo, e o Centro Comunitário Imaculada Conceição, realizado ao lado da Igreja Imaculada Conceição, em Londrina. Há ainda três jazigos familiares, em cemitérios de São Paulo, construídos com linhas racionalistas.

Linha do tempo dos templos construídos de Rosso e Kimachi conforme datas de inauguração
Elaboração dos autores

A arquitetura religiosa de Rosso e Kimachi no Paraná

Os arquitetos Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi, após trilharem os primeiros anos da vida profissional projetando e executando obras de arquitetura em São Paulo, iniciaram uma nova jornada migrando suas atividades do grande centro urbano para o interior. Por convite do novo bispo de Londrina e se beneficiando da crescente intenção da Igreja em se modernizar, a dupla de profissionais realizou uma série de projetos no interior do estado do Paraná: Cianorte, Japurá, São Tomé e Novas Laranjeiras. Personificam, assim, a figura de arquitetos migrantes (24), auxiliaram a disseminar a arquitetura moderna pelo interior do país. Embora atuassem em vários municípios paranaenses, foi em Londrina, contudo, que Rosso e Kimachi lograram executar uma de suas obras mais relevantes: a Catedral Metropolitana.

Na cidade de Londrina, localizada no norte do Paraná, projetada em 1929, o desejo pelo moderno, desde sua fundação, foi recorrente. Sua planta apresenta malha retangular, tangenciada por fundos de vale, sendo penetrada pelas vias de acesso regionais da ferrovia e rodovia. Entre o final da década de 1940 até a década de 1970, a cidade passou por transformações significativas de sua paisagem urbana, conduzida por uma sociedade ávida em demonstrar seu desenvolvimento e modernidade por intermédio de suas edificações (25). Em seu planejamento original, previa-se o espaço dedicado à igreja matriz, no local mais elevado, em contraponto à estação ferroviária, em cota de nível mais baixa. Entre esses dois locais foram organizadas as atividades comerciais e a prestação de serviços (26).

A relação entre o Norte do Paraná e São Paulo, nos anos 1950, foram intensas, motivadas pela economia cafeeira e pelos meios de escoamento da produção até a cidade de São Paulo e, posteriormente, ao porto de Santos. Londrina e Maringá, para além da conexão rodoferroviária, iniciaram uma década movimentada pelos seus aeroportos. O Aeroporto de Londrina, entre 1958 e 1962, “foi o terceiro do país em pousos e decolagens, ficando atrás apenas de Congonhas, em São Paulo, e do Santos Dumont, no Rio de Janeiro” (27). Com a ascensão da economia cafeeira, as cidades norte-paranaenses tornaram-se um vasto campo de possibilidades, proporcionando uma troca de “modelos arquitetônicos e práticas de urbanismo” entre empresas paulistas e o Norte do Paraná (28). Esta propagação de ideias proporcionou ao cenário interiorano a imagem vanguardista desejada pela sociedade local, fato que promoveu a atuação de profissionais forâneos ou migrantes nestes locais, sobretudo em Londrina e Maringá.

Entre as décadas de 1950 e 1960 surgem novos templos religiosos no país, derivados das transformações decorrentes do Concílio Vaticano II, bem como de uma estratégia de modernização da Igreja Católica (29). Os fatores econômicos favoráveis aliados aos ideais de planejamento destes novos territórios proporcionaram o cenário adequado para atuação de Rosso e Kimachi no norte paranaense. Também, neste momento, o governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961) promoveu a industrialização do país através de um Plano Ação de modernização em curto prazo, que proporcionou a industrialização da construção, através de processos pré-fabricados de sistemas construtivos que constituíram-se em alternativa ao concreto armado (30).

A primeira igreja que materializa tais mudanças em Londrina é a Imaculada Conceição, de autoria de Rosso e Kimachi, com capacidade para duzentas pessoas, cujos primeiros projetos datam de 1956, sendo inaugurada em 1961. Foi construída pela comunidade nipônica, liderada pelo padre Haruo Sasaki — que celebrava as missas em língua japonesa — e apoiada pelo bispo local Dom Geraldo Fernandes.

A Igreja Imaculada Conceição é anterior ao Concílio Vaticano II (1962-1965), e demonstra a sintonia da sociedade londrinense com o Movimento Litúrgico do Papa Pio XII. Sua construção ocorre em um período em que os templos religiosos locais eram construídos em estilos historicistas, particularmente o neogótico.

Ela apresenta elementos compositivos similares à Igreja Nossa Senhora do Sabará (1958). Entre eles destacam-se a cobertura prismática, o adro coberto, o campanário externo, a cruz compositiva em subtração aos volumes do campanário e frontão, mezanino interno, aberturas laterais ritmadas, uso de materiais como o granito em pedra bruta, litocerâmica, piso cimentício e treliças espaciais para vencer os vãos da nave.

A segunda igreja construída pelos arquitetos é a Catedral Metropolitana de Londrina, com capacidade para 2 mil pessoas, cuja obra ocorre de 1968 a 1972, em substituição ao antigo templo em estilo historicista. Duas outras igrejas, dos mesmos autores, embora projetadas em 1966, foram construídas somente na década seguinte: a Igreja Nossa Senhora de Fátima, com capacidade para 420 pessoas, cuja inauguração ocorreu em 1975 e a Igreja Nossa Senhora de Lurdes, com capacidade para 620 pessoas, de 1976, substituindo respectivamente um templo de madeira e outro em linhas Art Déco. O atraso na conclusão das obras explica-se, em parte, pela queda da economia cafeeira — a principal fonte de renda da cidade — a partir de 1970.

As quatro igrejas de Rosso e Kimachi, em Londrina PR [Acervo do Escritório Técnico Edoardo Rosso e Yoshimasa Kimachi]

A Catedral Metropolitana de Londrina reflete o ideário de modernização que predominou na paisagem local desde a década de 1940. A busca por este ideal explica a demolição do templo antigo, por ser modelo inadequado às aspirações modernas. Deste modo, a nova catedral, por seu papel simbólico, é um marco de consolidação das transformações urbanas que estavam em curso na paisagem urbana londrinense. Constitui-se, também, em uma evolução no que tange à produção de projetos de arquitetura religiosa pelos arquitetos.

Ao contrário das igrejas anteriores, a cobertura da Catedral é uma treliça espacial metálica pré-fabricada. Para sua execução, por se tratar de uma estrutura de grandes proporções e especificidades técnicas, foi necessária a contratação de uma empresa de Curitiba, a Castelo Construções Metálicas, sendo a primeira estrutura metálica de grande porte a ser projetada em Londrina.

As telhas, originalmente de alumínio, foram trocadas em 2014 por telhas termoacústicas, sem prejuízo da estética original. Na ocasião constatou-se através de laudo técnico que o aço da estrutura é patinável, um tipo de liga muito resistente e superior ao aço comum. Verificou-se, também que, embora a estrutura tivesse naquele momento 42 anos de uso, estava em perfeitas condições, sem corrosão ou deformações.

A Catedral Metropolitana de Londrina diferencia-se dos demais templos projetados por Rosso e Kimachi pela escala, pela relação com sua implantação e composição das aberturas laterais, pela extrema ordenação geométrica na composição de sua elevação frontal, sintetizando soluções empregadas nas igrejas anteriores e as aprimorando.

Também é singular a utilização dos vitrais transparentes com o objetivo de integrar a visibilidade do espaço sagrado com o entorno, em particular com a Praça Marechal Candido Rondon, conhecida como Bosque, ao lado sul e os eixos visuais do centro verticalizado, ao lado norte. O emprego dos contrafortes objetiva valorizar o volume prismático, enfatizando a geometria pura. Esses foram utilizados, de maneira muito similar, na Matriz de Japurá-PR (1963) e na Igreja de São Manoel, em Leme SP (1970), em período posterior ao projeto de Londrina.

Estrutura da cobertura da Catedral Metropolitana de Londrina em dois momentos: a. andaimes montados no templo para içar e montar as treliças; b. treliças já montadas onde é possível observar operário fixando as telhas [Acervo da Catedral Metropolitana de Londrina]

O projeto da Catedral de Londrina sintetiza os valores racionalistas aplicados ao espaço sagrado, sem ornamentações e iconografias próprias dos estilos historicistas, sendo substituídos pelos sentidos de ordenação, razão estrutural, inovação e tecnologia.

As igrejas de Nossa Senhora de Fátima (1966-1975) e Igreja Nossa Senhora de Lurdes (1966-1976) tardaram ser concluídas por falta de recursos, o que levou a um enxugamento das soluções estruturais, no último caso.

A igreja Nossa Senhora de Fátima apresenta estreita semelhança com o projeto da Catedral de Londrina, com a Igreja Nossa Senhora do Sabará e a Igreja Imaculada Conceição, através da composição arquitetônica de suas formas geométricas e a repetição de elementos compositivos, como o volume prismático de sua cobertura, o adro coberto e o campanário externo, que neste caso não foi executado. A solução formal encontrada para a marquise é a mesma empregada na igreja do Leme (1970), em São Paulo. A volumetria e a elevação frontal são variações da Igreja Nossa Senhora do Sabará e da Catedral em Londrina. Aqui, o acesso principal é centralizado, com adro coberto. Os revestimentos são novamente similares: litocerâmica e granito cinza bruto. A composição da abertura frontal, com a cruz vazada é mais marcante na perspectiva, porém ela não foi executada em concreto. Neste caso, o projeto arquitetônico não foi localizado em nenhum dos acervos pesquisados e não foi possível registrar as variações entre o projeto e a obra edificada. O sistema construtivo é em estrutura de madeira para a cobertura, com telhas cerâmicas. A estrutura é em concreto armado e a vedação em alvenaria, alternadas por estreitas faixas verticais de iluminação.

Já a igreja Nossa Senhora de Lurdes, aparentemente dissonante aos templos realizados em Londrina, por conta do jogo de volumes da cobertura, assemelha-se a outros exemplares dos arquitetos, como a igreja do Santíssimo Sacramento (1962), e a igreja do Leme (1970), ambas em São Paulo. Em 1968, outra igreja havia sido inaugurada, a igreja matriz de Cianorte, sendo executada em madeira, demonstrando que houve um período de experimentações até o amadurecimento projetual. Enquanto em Cianorte as aberturas laterais apresentam composições formais em arcos paraboloides, a igreja Nossa Senhora de Lurdes apresentava composição triangular, similar à Catedral de Londrina. Neste projeto houve algumas alterações entre projeto e obra, onde as mais significativas são: o campanário, que deveria ser construído acima do altar, não executado; a cobertura e composição laterais que passaram por adaptações na execução. A demora da construção, a falta de contato com os arquitetos e o declínio da economia cafeeira a partir da década de 1970 podem ter sido fatores determinantes para as diferenças entre o projeto e a obra executada, já que a construção dependia de doações da comunidade.

Em todas as igrejas a solução adotada para o volume e cobertura é o prisma triangular, aliado a estratégias projetuais subtrativas ou aditivas, as igrejas apresentadas apresentam variações da mesma estratégia de composição arquitetônica. Elementos menores, mas igualmente importantes, como os volumes do adro coberto, do mezanino para o coro e campanário externo, são transformados em cada nova versão.

Conclusão

A atuação dos arquitetos Rosso e Kimachi no norte do Paraná inicia-se com o projeto da igreja Imaculada Conceição, em 1958 e inauguração em 1961. A difusão de valores formais e construtivos se dá através da replicação de experiências anteriores, principiada na Igreja nossa Senhora do Sabará, em São Paulo e propagada nos exemplos posteriores.

O período de formação acadêmica e o olhar do viajante apreendido nas viagens do GFAU, quando ainda estudantes, demonstraram-se essenciais para a escolha de elementos compositivos das propostas projetuais. O olhar etnográfico examina a arquitetura primitiva e vernacular, reinterpretando-a sob a óptica moderna. Os elementos de construções mais simples — porém não simplórias —, como a treliça de madeira, o tijolo, o assentamento de pedra rústica, o piso de cimento são incorporados e reintroduzidos em treliças pré-fabricadas, litocerâmica industrial, revestimentos de pedra não polida e o pisos cimentícios. As soluções formais também remetem ao respeito à tradição, como o adro coberto, o campanário, o mezanino para o coro, a monumentalidade da cobertura do templo.

Estas igrejas apresentam características alinhadas aos processos socioeconômicos de urbanização, industrialização, modernização e metropolização de Londrina. Já seus projetistas, os arquitetos Rosso e Kimachi, são autênticos representantes de uma geração de arquitetos que atuaram como agentes de difusão cultural e tecnológica dos grandes centros para o interior do país. Nesse sentido, dada à expressiva atuação no âmbito da arquitetura religiosa, são, mais do que arquitetos nômades, arquitetos peregrinos.

notas

1
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900–1990. São Paulo, Edusp, 2014, p. 131.

2
FREITAS, Valéria Tramontini. A Igreja matriz Nossa Senhora de Fátima edificada em madeira em Cianorte: patrimônio cultural arquitetônico. Dissertação de mestrado. Maringá, UEM, 2018.

3
GASPAR, Natália Maria. O debate sobre a industrialização da arquitetura na FAUUSP durante as décadas de 1950 e 1960. 2016. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2016.

4
SODRÉ, João Clark de Abreu. Arquitetura e viagens de formação pelo Brasil (1938 — 1962). Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2010.

5
Idem, Ibidem. p.19.

6
Idem, Ibidem. p.17.

7
FREITAS, Valéria Tramontini. Op. cit.

8
Projeto da sede da secretaria municipal. Revista Acrópole, n. 198, São Paulo, abr. 1955, p. 278-279.

9
O problema do estacionamento em São Paulo. Revista Acrópole, n. 207, São Paulo, jan. 1956, p. 113-120.

10
Anexo de uma residência. Revista Acrópole, n. 242, São Paulo, dez. 1958, p. 68-69.

11
Projeto para uma igreja. Revista Acrópole, n. 242, São Paulo, dez. 1958, p. 68-69.

12
A Sede social para um clube interiorano. Revista Habitat, n. 20, São Paulo, 1955, p. 30-31.

13
O Centro da Penha. Revista Habitat, n. 26, São Paulo, jan. 1956, p. 18-21.

14
Capela para o Jardim Virginia, em Guarujá. Revista Habitat, n. 40-41, São Paulo, mar./ abr. 1957, p. 44-45.

15
Residência Miguel Pereira / Helga Miethke. Revista AU, n. 73, São Paulo, ago. 1997.

16
Comunhão com a natureza. Revista AU, n. 104, São Paulo, nov. 2002.

17
LEMOS, Carlos. Arquitetura de Salão. Revista Acrópole. São Paulo, n. 218, dez. 1956, p. 9.

18
Capela para o Jardim Virginia, em Guarujá (op. cit.).

19
Idem, ibidem, p. 44-45

20
Projeto para uma igreja (op. cit.).

21
Idem, ibidem, p. 68-69

22
Idem, ibidem, p. 68-69.

23
AVELAR, Ana Paula Borghi de. A arquitetura moderna religiosa brasileira: nas revistas Acrópole e Habitat entre os anos de 1950 a 1971. Dissertação de mestrado. Uberlândia, UFU, 2017.

24
SEGAWA, Hugo. Op. cit., p. 131.

25
SUZUKI, Juliana Harumi. Idealizações de modernidade: arquitetura dos edifícios verticais em Londrina 1949-1969. Londrina, Kahn, 2011.

26
BORTOLOTTI, João Baptista. Planejar é preciso: memórias do planejamento urbano de Londrina. Londrina, Midiograf, 2007.

27
SUZUKI, Juliana Harumi. Artigas e Cascaldi: Arquitetura em Londrina. Cotia, Ateliê Editorial, 2003.

28
REGO, Renato Leão; DESTEFANI, Wilian da Silva.; CRISTO, Joice Ellen de. Entre os pioneiros do urbanismo do Paraná. Urbana — Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, v. 5, n. 2, Campinas, 2013, p. 5–19.

29
SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2011.

30
KOURY, Ana Paula. Arquitetura construtiva: proposições para a produção da arquitetura no Brasil (1960-1970). Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, n. 34, 2009, p.189-203.

sobre os autores

Rafael Rodrigues de Moraes é mestre em Arquitetura e Urbanismo (UEL, 2019), coordenador e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo em Londrina. Pesquisador do NuPACT (2021-2022), coordenador da pesquisa M.A.A.U.(2014_) e coautor dos livros Arquitetura in foco (2018) e Metodologia de projeto aplicada ao design de interiores (2017).

Juliana Harumi Suzuki é mestre (2001), doutora (2007) e pós doutora (2019) em Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP e professora associada da UFPR desde 2009. Autora dos livros Artigas e Cascaldi: arquitetura em Londrina (2003) e Idealizações de modernidade: arquitetura dos edifícios verticais em Londrina 1949-1969 (2011).

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