“A criança é feita de cem...
(Loris Malaguzzi)
“Após o término da Segunda Guerra, as mulheres de Villa Cella, cidade no nordeste da Itália, próxima a Reggio Emilia, decidiram erguer e administrar uma escola para os filhos, pois todas as da região haviam sido devastadas. Essa escola ficou universalmente conhecida pela abordagem pedagógica para a educação infantil. O pedagogo e educador de Régio-Itália, Loris Malaguzzi , foi o criador da idéia de Reggio Emília, sendo até hoje seu incentivador primordial. Foi este educador quem constituiu um princípio de ensino em que não existem as disciplinas formais e que todas as atividades pedagógicas se desenvolvem por meio de projetos. Estes projetos, no entanto, não são antecipadamente planejados pelos professores, mas, surgem através das idéias dos próprios alunos, e são desenvolvidos por meio de diferentes linguagens. O ensinamento que sustenta todo esse princípio, é a Pedagogia da Escuta, que foi sistematizada pelo educador italiano. Esta abordagem de Reggio Emilia se vincula a tudo o que a linguagem visual pode apresentar” [Amelia Hamze, Educadora Profª UNIFEB/CETEC e FISO, Barretos].
Convidada a conversar com colegas educadores da FAE–UFMG, senti-me feliz de poder escrever também este pequeno texto à guisa de artigo. Então enquanto escrevo, penso que sem afetividade não existe cognição. Sem afetividade também não se constrói um projeto pedagógico ou sequer uma escola, um pensamento ou um grupo que sonhe um mundo mais justo. Este sonho de mundo foi o que me levou a conhecer, estudar e desejar a Pedagogia da Escuta, ou pedagogia de projetos.
Eu já havia estudado Celestin Freinet quando lecionava numa escola de música em Campinas, num modesto ateliê de artes. Lá tive contato com a aula passeio, o projeto e o jornalzinho escolar. Muitas voltas deu minha vida, mas em todas as escolas que lecionei pensava/desejava trabalhar com um grupo de professores que almejassem este jeito de ver o mundo. Mas deparava-me com o ensino franqueado e apostilado, que muitas vezes não permite espaço para a invenção e para a conversa estética. Trabalhos e objetos feitos para datas comemorativas inventadas pelo comércio tiravam a força das aulas de arte, que eu sentia serem feitas para algo muito maior. Em Freinet encontrei algo bem próximo de um ensino almado e passei a valorizar com meus alunos suas histórias de vida e suas relações afetivas, buscando nestas falas e gestos o pretexto da aula de arte.
Lecionando em uma escola de política mista – com recursos privados, mas recebendo doações de poderes públicos –, encontrei a pedagogia de Loris Malaguzzi e encantei-me. Tive a oportunidade de viajar para a Itália e lá conhecer Reggio Emilia, a cidade das pracinhas e fontes de pedra (nesta época eu estava terminando meu doutorado em Dante e saia deambulando em busca de coisas dantescas...esta é uma história para contar na palestra, mas sempre achei que quando estamos nos movendo na pesquisa, as coisas se apresentam a nós, como escreveu o Agostinho).
Também nesta época eu vivia no interior de Minas e estudava com outras colegas que também se inquietavam diante das idéias pobrezinhas sobre ensino e ensino de arte que eram testemunhadas por nós. A idéia de uma escola que funcionava escutando os alunos e assim surgia o plano de curso parecia coisa revolucionária, Summerhill.
Porém, estudando mais a fundo e vendo os projetos Reggio, percebi que havia um ponto de referencia verdadeiro, algo que se moviahonestamente e que ressonava com minhas idéias internas – já pressentidas na graduação – de uma escola feita em pedra, sonho e desejo.
Reggio Emilia me pareceu uma cidade afrescada, parecia com Bologna e com Ravenna. Em cada cidade que eu visitava eu encontrava outra. Achei natural, portanto, estar procurando Dante e encontrar um pensamento, uma escola almada. Meus movimentos de pesquisa partiam da bibliografia, mas flertavam com o cinema e o desenho. Estava sempre me deixando seduzir pela cidade mais distante, além do arco da paisagem. Natural foi então esta descoberta (acho fundamental que nossas inquietações gerem suas próprias respostas, isto sim faz a pesquisa viva, a escola viva).
A pedagogia de projetos, como também ficou conhecida a pedagogia de Loris Malaguzzi trabalha basicamente com três instantes: compartilhamento de saberes e múltiplas linguagens, o pensamento através de projetos e a interação entre criança e adulto.Facilitando a inter-relação de linguagens através de atividades artísticas nascidas da reunião-para-o-que fazer, os projetos vinculam saberes adultos – o mundo do trabalho, o sistema econômico, as relações sociais- e o infantil- as descobertas, a latência, a fantasia e as angustias. Também a civilidade, a cidadania esta presente como o Projeto Rei Midas, que propõe a utilização de refugos beneficiados para a concretização de sonhos plásticos, na fala das crianças de Reggio, Rei Midas é o lugar de nascimento dos objetos.
Sempre que estou com um grupo narrando minha experiência de estudo e ensino da pedagogia de Loris Malaguzzi encontro perguntas de espírito prático e especialista, as perguntas sobre o currículo e suas especificidades e como uma escola assim aberta pode congraçar o sonho e o desejo. Eu fecho os olhos e viajo até outras cidades, existentes ou imaginadas, como aquelas que Marco Pólo narrava a Kublai Khan, nos contos de Calvino. Nestas cidades inventadas – recortadas de outras e coladas – reinava o improvável e o fantástico. Cidades pontes, cidades imóveis, cidades iguais e cidades de símbolos e emblemas...tantos lugares são possíveis à imaginação. Aqui a vontade do autor faz surgir o cenário digno de nossos desejos mais puros. Bastou a Calvino aproximar uma torre, uma colina deserta, um grande sino, uma coleção de colunas em meio ao campo, um rio avermelhado que corta uma cidade murada... e pronto! Esta escrita uma memorável coleção de descrições de lugares e pessoas. Suas cidades estão em toda parte na Itália e em outras cidades por onde caminhou pela Europa.
O que é o desejo de um autor? A vontade manifesta de um sonho de mundo. Cada palavra é a chave de um reino. Então, todas juntas vibram na narrativa, seja ela qual for, um conto, uma poesia, um projeto... Eu não consigo responder a esta pergunta do como fazer... Estamos aqui reunidos e podemos aproveitar e fazer uma reunião-do-que-fazer, ouvindo e criando cidades. Nestas cidades terão bibliotecas, coleções de selos, escadas de pedras-pomes, meninos e dromedários. Quem sabe também tenha uma escola Diana, com seus múltiplos espelhos a criar outras escolas no coração do mundo
referencia bibliográficas
Catálogo em italiano de todo o material publicado pelas escolas Diana http://zerosei.comune.re.it/pdfs/rechildnews05ITA.pdf.
EDWARDS, Carolyn. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre, Artmed Editora, 1999.
BOYER, Ernest. The basic school: a community for learning. The Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, 1995].
Maria do Céu Diel de Oliveira, Belo Horizonte, Brasil