“As relações sociais – todas – são regradas por essa fantasia de dominação, ou seja, são relações fundamentalmente baseadas na possibilidade de exercer uma violência real sobre o outro” (Contardo Calligaris)
Caros e caras,
Já se passou muito tempo desde que me comuniquei com Abílio Guerra, propondo dar uma seqüência ao debate, comentando o artigo que tinha saído (19/07) no site da Associação Vivo o Centro sobre o Vale. Desde então saíram outras contribuições neste espaço e as várias questões do centro não ficaram paradas. Houve a notícia da “adoção”, pela iniciativa privada, de vários espaços públicos no centro e hoje mesmo chegou o novo número da revista Urbs. Assim, o que era para ser um simples comentário sobre um artigo num site, foi crescendo, crescendo... Está na hora de enviar, para não ficar comentando sem compartilhar. Já que não existe coincidência, procurando sustento para algumas idéias e convicções, ou seja, vasculhando minha biblioteca, encontrei um livro que deve ter sido o primeiro que comprei sobre São Paulo, logo depois de me ter fincado nesta cidade, A Cidade Polifônica de Massimo Canevacci, e, pasme, no meio, as amareladas paginas de uma entrevista com Contardo Calligaris, sobre a “fantasia da escravidão” (2), da qual tirei as palavras que cito acima. Acho que tem a ver...
Bom....
O Abílio Guerra e o Jorge Wilheim estão de parabéns, como facilitadores e puxadores deste debate, bem como o foi Renato Anelli com seu artigo “Calçadões paulistanos” (3), que lançou a discussão neste “universo paralelo”. Dando o título "Da Casa Anglo-Brasileira às Casas Bahia" eu quero sublinhar o que Jorge Wilheim nos diz sobre as fatuais mudanças que o centro “sofreu” nos últimos tempos.
Receio que cito muito Jorge Wilheim e de forma nem sempre amigável. Como justificativa tenho que suas posições representam algo comum: de um lado, um legado tecnocrático, de formação, que ele aliás passa como crítica aos que o sucederam, só ele sendo o bom profissional com as melhores intenções; e de outro lado o ser humano que nós todos somos, diariamente prestando contas à absurda discrepância econômica e social que inviabiliza qualquer solução “profissional”. Frente a esta realidade, muitos nem sequer se dão mais à fatiga de pensar; vão tomando a sua cerveja, reclamando da empregada e da falta de segurança e levando a vida como se Brasil fosse a lua. No entanto, no que Wilheim nos diz, não vejo nada refletido da prática cotidiana daqueles que não sossegam, dando – até de graça – assessoria em situações que se criaram e continuam se criando numa cidade sem parâmetros nem perímetros. Espero que fique claro que meu alvo é antes de tudo o Centro e suas contradições. Ainda sobre o ataque que o Jorge Wilheim lançou à atual administração: um jovem arquiteto, que conseguiu emprego urbanizando favelas, há pouco me disse que o que está na Sehab agora é “a velha turma do Pitta”. Beleza!
Dito isso, se abre um grande “vazio” quando Wilheim nós fala que é necessário que o centro seja reabitado por todas “as classes sociais”. Há algo de lugar comum, uma espécie de tantra repetida à exaustão. Até por aqueles que têm outras idéias mas não se arrisquem a expo-as em público, deixando que as águas passem. Sem ficar contemplando à beira do Anhangabaú, ao contrário.
Nem me sinto confortável com frases do tipo: "todas as grandes cidades em que se cuida do bem estar do povo, abria, conservava e embelezava os espaços destinados a pontos de encontro...". Parecem sair de um imaginário mágico que pouco tem a ver com a realidade que nosso “povo” vem enfrentando. Se o paradigma ainda é que o urbanista cria “espaços” para que a população os transforme em “lugares”, há de se perguntar o por quê de tantos “espaços” e tão poucos “lugares”. A “população” tem o direito de tomar os “espaços” e transformá-los em seus “lugares”? Temos no centro a nova favela do moinho, mas imagino que não é a isso que Jorge Wilheim se refere. Estamos, há um bom tempo, num processo contrário, que transforma tudo que tem certo potencial de virar “lugar” público em “espaço” privado, inclusive os “públicos”, pela disciplina imposta aos ambulantes, aos moradores de rua e até aos demais usuários não-motorizados, que só atrapalham o trânsito dos carros-fortes e a vocação turística do centro.
Meus amigos-turistas-visitantes sabem em que “terra arrasada” eles estão pisando: não temos só belezas (muitas), como temos os absurdos: espaços / lugares (?) (privados) vazios. Um desperdício de capital, se não fosse pelas expectativas de uns poucos, dizendo que não pagam seus impostos esperando lucrar com a valorização (4). E não vamos esquecer que já se liqüefez muito da propriedade pública urbana, com as privatizações de bancos estaduais, redes ferroviárias, empresas de telecomunicações, entre outros, num processo forçado de “globalização”, de uma desenfreada abertura do mercado. Não é de se estranhar que a Associação Viva o Centro surgiu bem na época que tudo começou... Ela adorava e ainda diz adorar a idéia de ver São Paulo entrar na lista das global cities, na qual ela já está, bem que não seja exatamente por causa deste centro. Até a criadora da Associação Viva o Centro já se mudou para a Avenida Berrini. Mas, pelo jeito, ainda há perspectivas de lucro.
Voltamos ao Vale do Anhangabaú e a como dar uma real valorização ao centro pela ocupação de um espaço público pelo BankBoston. No dia 19 de julho a Associação Viva o Centro publicou uma notícia sobre uma “carta de alerta” (5) que ela mandou ao prefeito, dizendo que o Vale é hoje o cartão postal da cidade, que o “Anhangabaú tem que ser preservado” (justamente o título da matéria). E o motivo? O “palco de vandalismo” que a Avenida Paulista se tornou depois do São Paulo Futebol Clube ganhar a final da Libertadores da América e do Vale ter sido apontado pelo subprefeito e pelo presidente da São Paulo Turismo, em declarações à imprensa, como alternativa à Paulista. Junto ao artigo há duas fotos que – de maneira stalinista ou, se quiser, “Salgado”, que ela adota em todas as publicações, sempre retratando a “sua” realidade do centro em tons indefinidos mas sempre tristes, de dar pena – mostram eloqüentemente a situação do Vale antes (de “terra arrasada”, “após um grande evento de massa”) e depois (“pequeno parque central” sob tutela do BankBoston). Num chute, menciona o Vale junto com a Praça Ramos, como se fosse uma coisa só, que não são, a não ser por ambos “espaços” estarem “ocupados” pelo mesmo esquema de cuidados privados. Além de alertar contra os eventos de massa (os “vândalos”!), ele menciona outras propostas de uso apresentadas pela Viva o Centro e no finalzinho lembra que ela "propõe à Municipalidade a refuncionalização do Vale, no sentido do que o mesmo retorne a sua vocação natural de portal de acesso ao Centro, sem perda de suas qualidades". Sim, justamente aquilo que é o assunto que motivou a discussão neste site e da qual ela se ausenta. Bom, não sou jornalista, mas é mais ou menos isso, podem ler no link.
Realmente, um belo jogo. O que importa não é bem o que está escrito no artigo, mas o que está atrás das palavras e como se dá. A águia do BankBoston paira sobre o centro e finge muito bem, incorporando a “sociedade civil organizada” do Centro. Conseguiu engaiolar uma voada de bem-te-vis em um sistema paralelo de participação democrática, subjugado a ela, por um programa de “Ações Locais”; e ela regimentou tudo que há de “bom” numa Viva o Centro. O esquema consegue confundir a percepção de qualquer um sobre o centro, se pondo como a única legítima representante dos anseios da sua população e se impondo inclusive às administrações atuais e antigas.
Qual é o real papel da Associação Viva o Centro – cujo presidente, aliás, não é a pessoa que está na sua linha de frente (BankBoston), mas o Henrique Meirelles, atual Presidente do Banco Central do Brasil (ex. BankBoston) – e como entender suas ações sempre mais "voluntaristas"?
Cito a última divagação do presidente executivo da Associação Viva o Centro, no último número da sua revista Urbs: “Com o início da gestão Serra, o que ele encontra é uma priorização do Centro, mas nenhum projeto consistente a ser seguido, ainda que, ao lado do Ação Centro, haja também o chamado Plano Regional para o Centro, que faz parte do Plano Diretor. A confusão impera e, além disso, a sociedade civil organizada (sic!) não chegou a debater de fato nenhuma dessas formulações anteriores” (6).
Não sei por onde ele andou, mas eu cansei de saber e de comparecer aos debates, reuniões, etc., no Fórum de Ação Centro e sobre o “chamado” (sic!) Plano Regional. Até me lembro da presença dele na cerimônia por ocasião da assinatura da entrega do centro ao BID, pela então prefeita, na recém ocupada sede da prefeitura – que ela deu o nome “Palácio do Anhangabaú”, mas depois o novo prefeito quis dar o antigo nome de “Edifício Matarazzo”, com os MMM´s de Mussolini – veja o que diz Massimo Canevacci a respeito (7). Durante o discurso de boas-vindas, ela olha a platéia e diz ao representante da Viva o Centro: "Soube que comprou um apartamento no Centro. Fez bem, os preços já estão subindo". Gostos não se discutem, mas eu achei constrangedor ter que ouvir isso naquela hora. Aliás, ainda acho uma brincadeira de péssimo gosto, reveladora de uma falta de estatura, de noblesse, que deu no que deu.
Lembro outra discussão, entre Flávio Villaça e Ivan Maglio na Rede Plano Diretor. Cito o último, que coordenou "em SEMPLA sob a batuta de Jorge Wilheim (um) gigantesco esforço de promover e retomar o processo de planejamento participativo" (8), sobre as reuniões na elaboração dos planos diretores regionais: "A elite e os setores consolidados em sua maioria observaram à distância, ou atuaram nos 7 bairros centrais onde se travou as maiores batalhas para não alterar o zoneamento funcionalista, elitista e defasado de 1972, ou preferindo como é o caso dos agentes do mercado imobiliário em atuar por meio de seus representantes no Parlamento".
Ivan Maglio diz muita coisa que merece discussão, mas o que me interessa no momento é a última parte, sobre o fenômeno lobby, no seu caso dos agentes do mercado imobiliário. Mas a águia faz outra coisa? Se ela não foi para estas reuniões e diz que nem sequer ocorreram, é porque prefere fazer lobby, brinca de democrata, mas faz o que ela quer. Águia não entra em discussão, mas vai direto ao que a interessa: ao poder. Se inicialmente ainda era articuladora de opiniões, cooptando profissionais, como diz o Jorge Wilheim: "uma associação que já teve e tem outros méritos", agora age como dona do que é dela, que há o perigo de perder o “seu” cartão postal, "espaço civilizado e bonito, ícone da São Paulo de hoje" (Wilheim) e nega que houve e há discussão em curso sobre o uso do Vale: isso para ela é “proposta de refuncionalização”, já fora de discussão. O que ela quer é valorizar. Revitalizar (que, desgastado, caiu em desuso) ou requalificar, para quê e para quem, é mera questão retórica. Ela fala em rambla e outras coisas exóticas, cutucando a fantasia. Mesmo hoje, no seu site, se refere ao espaço no Metrô São Bento, que se criou depois de ter expulsado os hiphoppers de lá, como dando a “sensação [...] semelhante à dos subterrâneos de Paris”. Tenho a impressão que alguém viaja mais do que eu.
Não podemos aqui esquecer o papel do BID e suas contribuições em viabilizar sonhos e criando pesadelos, com, nas palavras do Jorge Wilheim: "bem fundamentados projetos de financiamento aprovado" por ele. Estamos falando do seguinte: uns 100 milhões de dólares, que além de irrisórios, têm o mérito de aumentar nossa crescente dívida e ainda ganhamos um auditor externo que não só fiscaliza, mas influencia decididamente nas nossas “políticas públicas”. A administração anterior gastou uns bons anos (e a paciência de todos nós), cortejando o BID. Isso é doença, é vício. A CDHU, não exatamente uma instituição sem recursos, entra em “parceria” com o BID para sanear cortiços, com o argumento que “agrega valor” ao projeto. Há inglês, lendo, para ver? E não é só o Wilheim. Nádia Somekh, em várias ocasiões, critica o atual governo por querer rever o que foi acordado anteriormente. Doce engano. Nunca teremos “políticas públicas” se continuarmos a achar que podemos “blindar” a nossa incompetência (melhor, a nossa instabilidade e a insegurança crônicas em termos de “políticas”) contratando dívidas junto a um banco que não tem sequer ‘hum’ compromisso com os governos que vão e vêm. O policy dele segue outra lógica. É interessante observar que a águia também reclama de uma falta de continuidade, mas isso, além de um alto teor retórico, diz respeito à continuidade dos projetos dela.
Não temos “políticas públicas”, é tudo política. Não temos sequer uma palavra em português que define o que poderia ser, como é o caso (só para dar exemplos) de policy em inglês, beleid na minha língua materna, termos definindo áreas de atuação bem distintas de politics e politiek. Nádia Somekh, quando presidente da Emurb e do “Ação Centro'” insistia (não sei se ainda insiste) que estávamos numa sociedade capitalista e que isso colocava uma série de limites à “Ação”. Bom, no meu ver estamos basicamente ainda mergulhados num feudalismo tardio, com suas fortalezas e seus war lords, senhores de guerra, que, nesta fase da república, a cada quatro anos ganham o “poder” de direcionar o que há de “público” nesta cidade, do qual sobrou nada ou pouco, colocando uma série de limites às suas ações. No feudalismo, “l´état c´ést moi”, dizia Louis XIV, e dele também é a frase “après moi, la déluge”. Apesar de “visionário”, na França demorou mais um pouco para isso se confirmar e aqui ainda estamos na espera. Depois de um seminário na FAU-USP, hoje posso acrescentar que nossos “intelectuais” ainda estão numa fase enciclopedista-iluminista, tentando extrair fatos de um universo dominado por uma magia econômica. Pode ser que Umberto Eco considere que o arquiteto é o último “humanista”, como Francisco Lauande cita no seu belo artigo neste site (9), mas acho que ele se refere a um mundo lá fora, como alías, pelo que entendo, Francisco Lauande também acha.
Não quero dizer que aqui não há capitalismo: são os que fazem a festa, criando e se aproveitando de todo que é brecha que se abre nesta luta contínua entre nossos war lords, num espécie de local governance, aplicado na manutenção do poder colonial nas índias britânicas e holandesas e que consiste em deixar que os locais “governem” o que é deles e nós “governamos”o que achamos que é nosso. Um conceito que nunca morreu, está ganhando até novo fôlego, como tento “provar” aqui, com a “nossa” águia pairando no céu do “nosso” Centro.
Não concordo com Jorge Wilheim sobre o Parque Dom Pedro, nem sobre o Vale. Pode ser que os profissionais estejam entre os melhores, mas quem diz que não podem errar ou simplesmente foram atrapalhados na execução dos projetos? O Parque Dom Pedro teve um projeto sim, melhor e mais radical, que não foi retomado, para dar lugar a algo meio-termo, equivocado, por falta de coragem ou por imposição do BID. O projeto do Vale, ou o que sobrou dele, já que pelas próprias palavras do Jorge Wilheim ficou claro que foi bem mais abrangente, do jeito que está pode servir de “cartão postal” para valorizar o centro, se é isso que ele quer. Mas eu não “gosto” de praça que não posso cruzar, de praça que quer brincar de parque. Aliás, nos croquis há uma aglomeração de gente no Vale, não há nada que anuncia o que de fato hoje há em termos de linhas e planos, impedindo a livre circulação, E continuo achando que o lugar / espaço há uma vocação para ser um “palco”, sim (sem desprezar a importância histórica da Paulista, ao contrário, eles se complementam), e ainda mais porque por cima de um túnel, não temos obrigação alguma, nenhum compromisso, com uma cobertura de grama.
Não entendo o que “eles” pensam em fazer naquela Jaula da República, dando-a aos seus “traços originais”. Em qual época é que vivemos? No passado? Vai voltar a ser um “passeio público”, que me parece ser a intenção? Aí seria melhor manter as grades e tirar a feira. Mas então que haja uma discussão pública! Quero ver. Idem sobre abrir o calçadão para carros. Somos muitos. Vão ver como está o teste na 7 de Abril! Aliás, vão ver como estão todas as tentativas de tirar o “povo” da rua.
Em pleno domingo, contemplando do alto de um prédio na Júlio Prestes a praça em baixo, me lembrei como era. Nenhuma beleza, mas ela vivia. Depois da reforma emergencial por causa da inauguração da Sala São Paulo, ela ficou o quê? Um nada mais ninguém. Um “pequeno parque central”, com muros por vários lados, fechando toda circulação. Vale lembrar que foi levantado o nível da praça, em alguns pontos, em quase 2 metros, para dar destaque ao prédio situado “do outro lado”. Resultado? O prédio afundou visualmente na mesma medida em que a praça foi levantada. Parece lógico, mas quem quer saber de lógica? Perdemos uma praça. Agora uma empresa privada vai cuidar dela.
Junto à Sala São Paulo foi construído um estacionamento para 800 carros (para preparar o terreno foram derrubadas 200 árvores adultas). Naquele domingo pude observar, agora do alto, o que é o real valor agregado à vizinhança por tais complexos culturais: quase nulo. Poucos saiam a pé pela porta de frente, a grande maioria dos amadores de música saiam pela porta dos fundos, indo para o seu carro no dito estacionamento. Tudo isso sem grande surpresa, os defensores vão dizer que ainda está em vias de “requalificação”. Desde que se discute a necessidade dos estacionamentos subterrâneos no centro, a questão não é "onde vou deixar o meu carro", mas é "como chego sem precisar pisar na rua". Agora fala-se em 100 metros, mas isso é conversa fiada. Nós ainda vamos assistir a muita coisa totalmente equivocada, baseada em leituras daqueles que já não tem mais o costume de freqüentar o centro, e nem vão mais, com seus “alfas”.
Mas já que é um “problema” que exige solução e uma Associação Viva o Centro exige que o Vale “retorne a sua vocação natural de portal de acesso ao centro”: dê o acesso, com estacionamentos, de maneira que a “sociedade'” por alças subterrâneas, entre diretamente de carro neles, seguindo subterraneamente para até onde ela quer chegar! Há bons exemplos em Roma e Florença como os poderosos na época resolveram não ter que pisar na rua, em tempos de tumulto. Pelo que dá para entender, os nossos estão querendo se preparar para o pior, com os vândalos no horizonte, e seria uma boa solução. Nós, do centro, continuaremos tocando a nossa vida na superfície, à luz do sol e debaixo do seu reflexo pela lua, porque o que Jorge Wilheim imagina sobre "as atividades diversificadas, para que as noites sejam tão vibrantes e seguras quanto as horas diurnas já o são" posso dizer que tais atividades já existem. Elas podem não ser tão diversificadas, vibrantes e seguras, como ele as imagina, mas têm. O centro de uma cidade não morre tão facilmente, pelo abandono da “sociedade'” Pararemos de viajar nas asas da águia para pisar no nosso chão!
O Rogério Marcondes merece uma indicação especial, para lembrar que “nós arquitetos ainda estamos em dívida com a cidade”, meio triste. Bem, primeiro, há uns “arquitetos” como os Bratkes e Neves que, em dívida ou não com a cidade, se deram muito bem, obrigado, e segundo, quem – logo incluindo todos e todas que se acham compromissados(as) com esta cidade – não se sente “em dívida”? É convidar todos(as) para uma sessão solene no Vale para enchê-lo de lágrimas. Mas talvez seja melhor, antes disso, pensar um pouco mais sobre as razões de tanta tristeza. Estamos em dívida com a cidade, mas não é por falta de tentar. A situação não é das mais fáceis. Não há regras ou talvez haja regras demais. A “beleza” que Amsterdã se encontra não se originou nas regras, mas na negação delas. No final dos anos setenta, em plena democracia, o exército entrou na cidade e não veio a passeio. Ele perdeu e a cidade ganhou. É impressionante a rapidez como se cria leis, bons costumes e fundos, quando parcela da “população” sai às ruas, ocupando prédios, opondo-se à sórdida especulação desenfreada. Não é para fazer comparações, Brasil e São Paulo têm sua própria rica tradição. Talvez seja o caso de resgatar esta da memória. O que me dá muita alegria é de ver muitos profissionais, artistas, estudantes, de arquitetura, entre outros disciplinas, envolvidos nos movimentos do Centro, para um Centro Vivo. Com ou contra o governo, algo há de mudar. Um dia teremos que agradecer ao Viva o Centro, pelo incentivo. Os tempos são outros.
notas1
NE – O presente texto foi enviado como comentário do seguinte artigo: WILHEIM, Jorge. "Vamos preservar o Vale do Anhangabaú". Minha Cidade, nº 135. São Paulo, Portal Vitruvius, jun. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc135/mc135.asp>. As fotos de Nelson Kon, que ilustram esta matéria, fazem parte de ensaio fotográfico para o projeto Arte/cidade II – A cidade e seus fluxos, ocorrido no Centro de São Paulo, em 1992, com curadoria de Nelson Brissac.
2
“Fantasia da escravidão invade as relações no Brasil, diz psicanalista”.Contardo Calligaris em entrevista com Mauricio Stycer. Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, 27 abr. 1993, p. 4.1 e 4.6.
3
ANELLI, Renato. "Calçadões paulistanos – em debate o futuro das áreas de pedestres do centro de São Paulo". Arquitextos, nº 060. São Paulo, Portal Vitruvius, maio 2005 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq060/arq060_00.asp>.
4
É o caso de um empresário, um dos proprietários de imóvel desvalorizado no centro da cidade com R$ 4,5 milhões em IPTU a descoberto, que quer anistia da dívida argumentando que a desvalorização é fruto da degradação da região. Ver "Empresário quer anistia de dívida com a prefeitura". Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, 14 jul. 2005.
5
”Anhangabaú tem que ser preservado”. Seção Informe OnLine. Associação Viva o Centro < http://www.vivaocentro.org.br/noticias/arquivo/190705_a_infonline.htm>.
6
ALMEIDA, Marco Antonio Ramos de. "O Centro de São Paulo aguarda um rumo". Revista Urbs, ano IX, nº37. São Paulo, Associação Viva o Centro, abr./maio 2005. Versão na internet: <http://www.vivaocentro.org.br/publicacoes/urbs>.
7
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. Ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo, Studio Nobel, 1993, p. 168-171.
8
Os dois textos mencionados circularam por email na internet, enviados pelo programa "Rede Plano Diretor" da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, Ministério das Cidades. 1. VILLAÇA, Flávio. "Sem os erros do presente". Folha de São Paulo, 20 maio 2005 [enviado por email em 8 jul. 2005]; 2. MAGLIO, Ivan. "Sem os erros de sua análise do processo do PDE" [enviado por email em 15 jul. 2005].
9
LAUANDE, Francisco. “As velhas e novas máscaras do arquiteto”. Arquitextos, nº 062. São Paulo, Portal Vitruvius, jul. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq062/arq062_00.asp>.
sobre o autor
Eric Verhoeckx, holandês, autônomo, antropólogo, arquiteto, morador do centro desta cidade.
Eric Verhoeckx, São Paulo SP Brasil