O Estatuto da Cultura passa gradativamente a ganhar espaço nos estudos e debates dos fóruns de Dirigentes de Cultura. Lançado nos debates públicos da 1ª Conferência Estadual de Cultura, realizada no dia 30 de novembro de 2005, no Centro Cultural CEEE – Érico Veríssimo, em Porto Alegre, com a participação de mais de 300 inscritos, a proposta foi incluída no documento final, encaminhado à consideração da 1ª Conferência Nacional de Cultura. A idéia é de que o Estatuto da Cultura passe a integrar a legislação do Sistema Nacional de Cultura, sendo importante instrumento legal das políticas oficiais da União, dos Estados e dos Municípios e, portanto, imprescindível para a implementação dos Planos Diretores de Desenvolvimento Cultural e dos Planos de Ação de Governo. O Estatuto da Cultura foi recomendado, também, como tema central das pautas de reuniões, seminários, encontros, audiências, fóruns e conferências da responsabilidade dos órgãos públicos responsáveis pela política de desenvolvimento cultural, das universidades, das entidades de classe e da comunidade cultural.
É o momento propício para reflexões, por parte dos gestores públicos e privados, sobre as novas diretrizes da política cultural e seus instrumentos que objetivem a valorização, o fortalecimento e o desenvolvimento da cultura no contexto atual. A União e os Estados estão gradativamente superando etapas e buscando o aperfeiçoamento das estruturas organizacionais para a gestão da cultura. Entretanto, no âmbito dos Municípios muito ainda deve ser feito, em especial para a regulamentação do Capítulo da Cultura da Constituição Federal, conforme os artigos 215 e 216, dando ênfase à organização e à colaboração da comunidade, a criação dos Conselhos de Cultura e os órgãos técnico-administrativos, seguindo as determinações do Estatuto da Cidade, onde vários dispositivos na gestão municipal da cultura estão disciplinados.
Fundamental para o desenvolvimento da política cultural, diante do enfoque da economia da cultura e da gestão urbana prevista nos Planos Diretores Municipais, é a adoção de instrumentos de fomento e de incentivo ao desenvolvimento urbano e à construção civil, além dos já existentes incentivos fiscais, como a Lei Rouanet e as leis implementadas em diversos Estados. As municipalidades devem intensificar a utilização dos instrumentos e incentivos criados pela Lei Federal 10.257/01, que instituiu o Estatuto da Cidade. As Medidas Compensatórias e os denominados Créditos de Cultura devem ser universalizados e incluídos nos Planos Diretores, proporcionando, desta forma, aos cidadãos o retorno dos investimentos em infra-estrutura, obras, edificações, empreendimentos de desenvolvimento urbano e ambiental, principalmente nos casos de obras de grande impacto e que geram danos às comunidades urbanas, não atendendo muitas vezes as necessidades de equipamentos culturais.
Outro instrumento que deve ser estimulado e apoiado é o Fundo Municipal de Cultura, como reforço orçamentário adicional à gestão local, supervisionado pela comunidade representada no Conselho Municipal de Cultura. A Lei de Dação, já há muitos anos em vigor na França, poderá também de imediato ser adotada, podendo os Poderes Públicos receber em pagamento bens móveis e imóveis de valor cultural, como quitação de dívidas e impostos de obrigações com o fisco.
O Censo Nacional da Cultura está sendo considerado primordial, por outro lado, para o estabelecimento das políticas públicas na área da cultura. É impossível suportar demandas e propostas de gestão da cultura sem o aprofundamento de estudos, aferições, medições, avaliações estatísticas e diagnósticos baseados na realidade brasileira, dimensionados com base nos Censos da Cultura. Prognósticos só poderão ser esboçados, no momento em que as Instituições Culturais se comprometerem a efetivamente planejar e implementar, técnica e cientificamente, políticas fundamentadas em índices de desenvolvimento cultural.
Surge daí a definição e a necessidade da adoção de padrões de aferição, de parâmetros de avaliação e metodologias de análise e de diagnósticos nos estudos sobre cultura. O Índice de Desenvolvimento Cultural – IDC, para a medição do desempenho do país na área da cultura é, pois, uma importante ferramenta de trabalho. O grau de inserção do povo brasileiro na vida cultural, nas esferas nacional, estaduais e municipais, poderá, portanto, ser aferido de forma assemelhada ao Índice de Desenvolvimento Humano instituído pela ONU. O IDC examinaria, em três aspectos básicos, 1) a expectativa de vida com participação na área da cultura, 2) o acesso ao conhecimento na área da cultura (taxas de instrução, escolaridade ou matrícula) com a inserção e participação na área da cultura e 3) o padrão de vida com participação cultural (PIB dividido pelo número de habitantes e ajustado pela paridade do poder de compra da população e pelos seus dispêndios e participação em atividades culturais).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU tornou-se referência mundial, quando foi divulgado, pela primeira vez, em 1990, no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Nada mais oportuno, pois, que o Índice de Desenvolvimento Cultural - IDC possa servir de instrumento adequado para a medição dos padrões e estágios de desenvolvimento cultural da sociedade. Assim, no Brasil poderíamos melhor aferir o estágio de desenvolvimento cultural, orientando de forma mais ajustada as políticas de investimento neste setor, melhor dimensionando os esforços para a formação de recursos humanos para a cultura e para o reordenamento do quadro de prioridades nos planos e projetos culturais.
A definição, portanto, de políticas públicas da cultura deve estar baseada em princípios como o da Sustentabilidade e o da Subsidiariedade, incentivando parcerias público-comunitárias no desenvolvimento da cultura. Sustentabilidade pressupõe co-responsabilidade de todos os cidadãos para o desenvolvimento e a manutenção da política cultural. Subsidiariedade, por seu turno, implica no compromisso dos Entes Públicos da organização do Estado, no entendimento de que não deva a União fazer o que os Estados possam fazer melhor, de que não devam os Estados fazer o que os Municípios possam melhor realizar e de que não devam os Municípios realizar o que as comunidades, as instituições, organizações e empresas possam melhor empreender.
Finalmente, importa salientar que, na área da arquitetura e do exercício da profissão do arquiteto, como tem sido acentuado pelas Entidades Nacionais de Arquitetos, o Ministério da Cultura, as Secretarias Estaduais de Cultura e as Instituições Municipais de Cultura devam assumir mais intensamente a promoção, o apoio e o incentivo à preservação do patrimônio edificado. Estimulada, a comunidade, suas organizações e o meio empresarial da construção civil, como previsto no Estatuto da Cidade, poderão direcionar os investimentos para a promoção da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, como expressões da cultura, da ciência e da tecnologia. Estão previstas na Constituição Federal as referências de que as edificações, os conjuntos edificados, as cidades e a paisagem se inserem dentre os bens de inestimável valor cultural. A arquitetura do presente é, pois, prioridade na valorização da produção cultural e necessita do compromisso do Estado para a sua regulamentação no contexto da política de desenvolvimento da cultura. Falta no Brasil, todavia, a valorização da profissão do arquiteto e urbanista, como na quase totalidade dos países que já a regulamentaram, encarando-a como área de formação específica, independente e com instituição própria de gestão. Por este motivo, para a arquitetura brasileira, a criação do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo deve ser assumida pelos Ministérios do Trabalho, da Cidade e da Cultura, para encaminhamento de Projeto de Lei à Presidência da República. Assim procedendo, sem dúvida, dariam um importante passo na promoção da arquitetura como contribuição ao desenvolvimento nacional.
sobre o autorJosé Albano Volkmer é arquiteto e Professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.
José Albano Volkmer, Porto Alegre RS Brasil