Durante os anos de 1920 na União Soviética, segundo De Feo, podia-se contar com mais de cinqüenta arquitetos em plena atividade segundo a tendência moderna.
Porém, excetuando-se os arquitetos mais antigos, ex-acadêmicos agora convertidos à nova ordem revolucionária – Shchusev, Fomin e Zholtovsky –, que nunca deixaram de receber encomendas antes, durante e após o curto mas inigualável período de explosão criativa arquitetônica que vai de 1923 até 1932, quando Stalin proibiu toda e qualquer manifestação criativa, só Melnikov pode ser considerado um arquiteto de sucesso.
Numa Moscou em que se digladiavam cortesmente Ladovsky, Ginzburg, Barshch, Barkhin, Lissitzky, os Irmãos Vesnin, Ilya Golosov, Pantelemon Golosov, Nikolaev, Nikolsky, Vladimirov, Burov, Miliutin, Kornfeld, Vegman, Khidekel, Chernikhov e Leonidov, para citar alguns dentre os mais atuantes, só Melnikov (1) teria o privilégio de construir e morar em sua própria criação arquitetônica sem nunca vir a ser “expropriado” pelo Estado, fato impensável àquela época.
Sua contribuição, enquanto arquiteto engajado nos rumos da revolução, foi decisiva para a criação dos famosos clubes de trabalhadores que incendiaram a imaginação da população russa e viriam a se converter em ícones da arquitetura moderna vindo a influenciar um sem número de arquitetos em todo mundo, mais de trinta anos após, na chamada arquitetura brutalista inglesa em que James Stirling foi um dos seus expoentes.
Sua residência é de uma genialidade que não cabe em poucas linhas e mereceria um estudo de caso.
É precursora na forma – dois cilindros engastados em níveis desiguais –, na distribuição dos espaços e usos e no resgate do imaginário ancestral da Moscóvia medieval – na síntese paradigmática das aberturas hexagonais (janelas) do cilindro posterior.
É tão extraterrestre para o seu tempo, que levaria mais de 50 anos para um jovem arquiteto do Ticino ser alçado à condição de promessa inovadora da arquitetura minimalista, com um dos plágios mais rotundos de que se tem notícia e que só foi possível devido à desinformação de grande parte dos críticos e historiadores de arquitetura ocidentais que, como todos nós, sofreram as graves conseqüências do boicote à vanguarda soviética dos anos de 1920.
Numa das minhas curtas mas preciosas viagens à Rússia a partir de 2001, tive o privilégio de conhecer o Prof. Anissimov, arquiteto emérito da federação russa, mais alto grau atribuído pela Academia de Ciências, título inexistente no Brasil, que conheceu pessoalmente o nosso homenageado e privou de informações que poucos eleitos puderam compartilhar. E a mais privilegiada delas, sem dúvida, para quem conhece os russos, foi saber onde, naquela magnífica arquitetura, Melnikov escondia da esposa a sua garrafa de vodka.
Hoje, quando a casa de Melnikov, uma das obras mais significativas do modernismo russo, está em risco, a comunidade mundial de arquitetos pressiona o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, para preservar o imóvel, criando no lugar um museu de valor mundial.
notas
1
Sobre Melnikov: www.worldwhitewall.com/konstantinmelnikov.htm
Pitanga do Amparo, São Paulo SP Brasil