Prezado Fabiano,
Parabéns pelo artigo sobre concursos de arquitetura – sem dúvida, muito oportuno (1).
Só estranhei você sequer mencionar o tema que, a mim pelo menos, parece ser o mais importante quando se trata de discutir concursos de arquitetura no Brasil: a urgente necessidade de flexibilização do regulamento de concursos do Instituto de Arquitetos do Brasil/IAB – instituição que, na prática, monopoliza a organização de concursos de arquitetura no Brasil. Ou por acaso você acredita que sem esta flexibilização haverá algum dia generalização de concursos de arquitetura no Brasil?
Eu sei: o tema é espinhoso, e, pelo que percebo, quase todo mundo tem receio de tocar no assunto (não digo que seja esse o seu caso, muito pelo contrário). A razão é simples: flexibilizar o regulamento de concursos do IAB implica necessariamente considerar a incorporação de modalidades de concursos outras que não a do concurso dito aberto (aberto, claro está, a todos aqueles que têm tempo e dinheiro para produzir “de graça” estudos preliminares e mesmo ante-projetos para promotores – públicos e privados – endinheirados). E isso, aos olhos de muita gente, contraria o espírito de uma instituição (o IAB) “historicamente comprometida com os valores democráticos etc”. Ou seja, é – no mínimo – coisa de neoliberal.
Dito isso, creio que o quadro comparativo que você apresenta pode dar margem a interpretações equivocadas. Pois, nesses 1200 concursos anuais que você cita para o caso da França (contra dez – isso mesmo, dez! – brasileiros), há de haver, imagino eu, uma parcela significativa de concursos ditos “fechados”, quer dizer, concursos cujos competidores foram previamente selecionados e receberam as famosas “cartas-convite” (as quais, por regra, vêm acompanhadas de remuneração condizente). Ora, como você bem sabe, esta é uma modalidade de concurso vedada pelo atual regulamento de concursos do IAB, uma vez que, segundo a interpretação de muitos de nossos colegas, trata-se de prática anti-democrática, e que, portanto, ”contraria o espírito de uma instituição “historicamente comprometida com os valores democráticos etc”. 1200 contra dez: curioso conceito de democracia...
Vale lembrar, de resto, que a – oportuníssima – batalha pela mudança da Lei 8.666, se vencida, não terá impacto (não diretamente, pelo menos) no mercado privado de projetos de arquitetura. De modo que, enquanto não vem o socialismo, seria bom ter em mente – em tempos de desenvolvimentismo redivivo - estratégias que visem a um mercado que, ou ignora ou despreza o que pessoas como você e eu julgamos ser a “arquitetura de qualidade”. Um mercado que – seus números comprovam, Fabiano: dez, isso mesmo, dez concursos anuais!... –, num momento de máximo aquecimento da economia, quer distância do IAB e de seus concursos “democráticos” de arquitetura – et pour cause...
No mais, minhas saudações cordiais.
Nota
1. SOBREIRA, Fabiano. Concursos: pela qualidade da Arquitetura e dos espaços públicos. Drops, São Paulo, 11.036, Vitruvius, set 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.036/3596>.
sobre o autor
Otavio Leonídio Arquiteto, doutor em História, professor da PUC-Rio