O que o Rio de Janeiro precisa para enfrentar o desafio de sediar as Olimpíadas de 2016? Idéias e opiniões não faltam. Mas, nesse momento, o que mais interessa é definir o legado que esse mega evento irá deixar. Enquanto as competições duram um mês, as obras de infra-estrutura e equipamentos urbanos se incorporam definitivamente ao contexto da cidade. Portanto, é de se supor que a Prefeitura esteja angariando para si o poder de decidir qual a melhor forma de proceder a reconfiguração urbana desejada. É nesse aspecto que reside a nossa preocupação. Que critérios de planejamento urbano estão sendo utilizados? Que argumentos estarão prevalecendo na escolha e definição das prioridades a serem executadas? Afinal nós sabemos que o Rio de Janeiro é uma metrópole complexa onde não cabem decisões desarticuladas ou ações tomadas de afogadilho.
Os questionamentos levantados não decorrem do momento circunstancial que o Rio de Janeiro está vivendo. Outras cidades, em circunstâncias semelhantes, tiveram que incluir nos processos de planejamento urbano condicionantes de diversas naturezas que extrapolam a sua própria problemática. Essa condição é uma característica das metrópoles que formam conurbações urbanas com cidades menores no seu entorno, com as quais mantêm um estreito relacionamento econômico, social, cultural e político.
Entre os projetos propostos pela Prefeitura, alguns parecem ser perfeitamente adequados às atuais circunstâncias, enquanto outros, lamentavelmente, não possuem a mesma coerência. No primeiro caso, destacamos a elogiável iniciativa de buscar recursos para urbanizar todas – digo todas - as favelas até 2016. Essa iniciativa, além de oferecer melhores condições de habitabilidade e mobilidade, representa o fim de um ciclo que não considerava a favela como parte integrante do tecido urbano da cidade. Outro exemplo que merece destaque é a transferência da Vila da Mídia, do Centro de Imprensa e de alguns equipamentos esportivos da Barra da Tijuca para a Zona Portuária. Essa transferência irá contribuir com o processo de requalificação urbana dessa área.
Em contrapartida, outros projetos lançados na mídia não se coadunam com os interesses maiores da cidade. Dentre eles, destacamos a escolha da ligação por metrô entre a Gávea à Barra da Tijuca. Mesmo reconhecendo que essa ligação é um anseio de diversos segmentos da população carioca, especialmente dos moradores da Barra da Tijuca e da Zona Sul que enfrentam constantes congestionamentos de trânsito em ambas as direções, entendemos que a prioridade deveria ter sido dada ao transporte suburbano por envolver um contingente populacional infinitamente superior àquele que vive na Barra da Tijuca e que tem tanta ou mais dificuldade para se locomover. É importante que se saiba que a metade do valor previsto para executar essa ligação metroviária seria suficiente para transformar integralmente o ramal ferroviário suburbano em metrô de superfície. A concentração de outros tantos equipamentos na região portuária, inclusive a Vila Olímpica, justificaria plenamente essa iniciativa. Mas, na verdade, o que se privilegiou foi a expansão do mercado imobiliário na Barra da Tijuca e arredores em detrimento da ocupação de vazios urbanos em terrenos do subúrbio onde a população residente é infinitamente maior.
Vemos também com grande preocupação o projeto apresentado para a transformação da emblemática Avenida Rio Branco em uma espécie de “parque urbano” (?), incorporando espacialmente vários cruzamentos subterrâneos para veículos, um imenso calçadão central cercado por duas ruas de serviço e uma parafernália de veículos alternativos de transporte para atender a demanda local de mobilidade. Para comprometer ainda mais a ambiência no local está sendo incentivada a transferência da Câmara dos Vereadores e da sede do Banco Central para a Zona Portuária com o pretexto de acelerar o início da ocupação daquela área. Não podemos compreender as razões que levam o poder público a querer ocupar uma determinada área da cidade às custas do esvaziamento de outra.
Enfim, o que se espera das autoridades municipais, no âmbito da reconfiguração urbana, é que não se deixem levar por uma espetaculosidade urbana e arquitetônica decorrente do determinismo econômico e financeiro e adotem uma postura consistente apoiada num planejamento de longo alcance, que traga para a cidade benfeitorias que só um evento desse porte pode propiciar.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Globo, 22 maio 2010.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.