Tsunami na Indonésia, furacão Katrina nos Estados Unidos, terremoto no Haiti, são desastres ambientais que nos anos recentes surpreenderam o mundo por conta dos danos humanos e materiais causados. Não foi –e não seria possível evitá-los.
Embora todos monumentais, tiveram desdobramentos muito diferentes, em função das possibilidades dos países em que ocorreram.
Infelizmente, pelas dificuldades econômicas e políticas do Haiti, ainda não se conseguiu minorar os danos do terremoto. Não será uma solução fácil; talvez sequer seja possível, visto que no Haiti falta o essencial, a começar pela água. Sem a recriação de um sistema hídrico minimamente sustentável, o próprio país fica sem um horizonte de desenvolvimento.
Outras importantes cidades também sofreram danos ambientais em nível de tragédia ao longo da história, como é emblemático no caso de Pompéia, destruída pelo vulcão Vesúvio. A grande enchente de Paris, de 1910, atingiu todo o sistema de metrô subterrâneo. A enchente do rio Arno, em Florença, nos anos 1960, causou danos sérios à histórica cidade toscana. O Rio, nessa mesma década, em dois anos seguidos foi palco de chuvas exageradas que causaram desabamentos e mortes. Enfim, a natureza não é plenamente previsível, nem domesticável.
Esse é o dado incontestável.
É daí que precisamos partir ao nos defrontarmos com a tragédia que se abateu sobre as cidades serranas do Rio de Janeiro.
As cidades constituem-se como o maior artefato da cultura. E, justamente, se opõem à natureza. Qualquer condição urbana é um intervento sobre as condições naturais, que desequilibra o status quo.
O convívio é algo necessariamente conflituoso, tenso, perigoso. E como não temos o controle sobre a natureza, precisamos trabalhar com o imponderável e revesti-lo de cuidados compatíveis com as possibilidades do universo em convivência.
A ocupação das margens de rios é um modelo convencional na produção urbana. Todas as culturas o fizeram. Muitas cidades já sofreram com enchentes –e mesmo assim se mantiveram no mesmo lugar. É que razões mais determinantes foram escolhidas.
Também a ocupação de encostas e de morros é outro modelo universal. Mas há encostas firmes, há encostas frágeis. Há encostas que rompem sem ação antrópica e outras onde é a ação do homem que causa a derrubada.
No entanto, as cidades vitoriosas foram aquelas que souberam ajustar suas razões às da natureza. Mas, para o fazerem, planejaram, escolheram, construíram sistemas próprios, capazes de alcançar um patamar de confiança e conforto que pudessem superar as incertezas do meio.
O Rio de Janeiro é uma cidade que tem aprendido. Das tragédias da década de sessenta, emergiu o serviço de geotecnia extremamente bem sucedido da GeoRio. Nesses quarenta anos, a cidade tem investido poderosamente na contenção de encostas e na eliminação de risco.
O Rio também tem investido na proteção a famílias em risco. É claro que não é simples, considerando-se que a ausência de política habitacional é uma realidade no nosso país. Mas é considerável o esforço do município no reassentamento de famílias, pelo menos desde a década de 90, através do Programa Morar Sem Risco.
O monitoramento das condições meteorológicas é outro trabalho importante que obviamente não previne as chuvas mas pode ser útil na prevenção do dano. Monitorar e informar, alertar as famílias em risco, é tarefa complexa, de grande exigência tecnológica, que hoje já pode ser feita com bom resultado.
Agora, ante a dor, a melhor resposta será a busca da cooperação.
Nós podemos juntar esforços governamentais, da sociedade, da academia, dos empresários e dos trabalhadores, da mídia e da população, para construirmos um novo modelo de enfrentamento do problema das enchentes, das enxurradas e dos desmoronamentos, que parta da realidade vívida e busque soluções viáveis –sem preconceitos, sem fórmulas prontas.
A região serrana pode ser estudada em um modelo reduzido no qual as diversas disciplinas capazes de contribuir para o enfrentamento do problema sejam chamadas a dialogar. Os instrumentos técnicos disponíveis são poderosos. A condição política me parece favorável. Os governos federal, estadual e municipais são parceiros. A academia dispõe de instrumentos teóricos importantes. Instituições da sociedade, empresariais e profissionais poderão ser chamadas a colaborar. Desde logo, digo que o Instituto de Arquitetos do Brasil, que represento no Rio de Janeiro, está solidário e disponível para a colaboração. Por certo, outras instituições co-irmãs, de representação profissional, também o estarão.
A hora é da cooperação, do trabalho por uma resposta ampla e profunda. Pela recuperação plena das cidades serranas, para que voltem a nos orgulhar a todos por sua beleza, pujança e possibilidades infinitas de uma vida saudável e segura.
nota
NE
MAGALHÃES, Sérgio. O debate sobre a cidade. Globo, Rio de Janeiro, 12 fev. 2011.
sobre o autor
Sérgio Magalhães é arquiteto e presidente do Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil.