Os rios transbordaram, as pedras rolaram pelas encostas, as casas foram soterradas. A imprensa cobre o fato, reportando cenas desesperadoras de sofrimento pessoal, em todas as classes sociais.
De vez em quando, um engenheiro é chamado para um palpite, com tempo limitado e sujeito à argüição daqueles que entendem de tudo: das previsões da astrologia ao acelerador de partículas, com bordões sem profundidade.
Tsunamis, inundações, erupções vulcânicas, nevascas e terremotos são anteriores à espécie humana e, portanto, não podem ser associados a vinganças da natureza ou a manifestações divinas de descontentamento com os habitantes de nosso planeta.
Entretanto, não há como negar que certas ações humanas de transformação ambiental são prejudiciais à manutenção da vida e, tendo em vista os adensamentos populacionais, transformações naturais ou provocadas por nossa espécie produzem catástrofes, desalojando e dizimando quantidades significativas de vegetais e animais.
Esse fato foge à percepção pública, mas vem à tona quando afeta nossos iguais. Principalmente, se ocorre no nosso país, outrora tão orgulhoso por ser livre de tragédias coletivas.
Em meio ao otimismo pelas perspectivas de progresso econômico, somos surpreendidos pela falta de engenharia e pelo elevado nível de investimento necessário para projetos condizentes com a complexidade que as relações humanas passaram a ter no mundo das novas tecnologias.
Temos engenheiros bem formados e aptos a exercerem atividades que vão do projeto à execução e manutenção de obras e equipamentos como belíssimas pontes estaiadas, modernos aviões, sofisticados programas de computadores e complicadas plataformas para exploração de petróleo, mas nossa engenharia ainda engatinha.
O número de engenheiros atuantes é muito baixo, fato que tem sido divulgado e discutido. Apesar disso, vou dar alguns palpites sobre o assunto, começando pela constatação que, nas décadas de 1980 e 1990, o interesse dos jovens pela carreira diminuiu muito.
A principal origem disso está na crença que desenvolver tecnologia é inviável para nosso país. As empresas, pressionadas por planos econômicos e pela pouca visão de seus executivos, preferem soluções prontas, inadequadas à nossa realidade.
O final do século passado, entretanto, presenciou o início de uma mudança silenciosa: estudantes iniciando negócios milionários com aplicações da Internet, indústria aeronáutica crescendo, energia e telecomunicações se modernizando, petróleo e gás desenvolvendo novas tecnologias de prospecção, exploração e refino.
Agora todos dizem: faltam engenheiros com boa formação. Há, então, duas questões a serem solucionadas: o nível dos cursos e o interesse dos jovens. Para a primeira, antes das escolas de engenharia, escolas de professores de engenharia, aprimorando a técnica com envolvimento em projetos reais, sem deixar de lado as modernas demandas de Sustentabilidade, em programas de mestrado bem estruturados e objetivos.
A segunda poderia começar com ações no ensino médio, mostrando aos estudantes que, embora os problemas de engenharia usem Física e Matemática, não têm resultados exatos ou soluções únicas, sendo susceptíveis a incertezas de toda espécie, algumas passíveis de avaliação computacional, outras não.
Projetos pressupõem modelos para os sistemas a serem construídos. Esses modelos, às vezes matemáticos, adotam leis físicas aplicáveis às idealizações, desprezando certos fatos que, supostamente, têm pequena influência no funcionamento do conjunto.
Esses pequenos fatos, aliados à nossa ignorância natural, levam-nos a considerar possíveis perturbações aleatórias. Por exemplo, ao projetarmos uma ponte usamos a Mecânica Newtoniana, mas é possível que seja necessário levar em conta um estudo estatístico dos ventos na região onde ela será construída.
Além disso, mesmo um sistema descrito por equações sem termos aleatórios pode apresentar comportamentos imprevisíveis, por conta das suas não linearidades. Isto é, pequenas mudanças nas condições iniciais produzem grandes alterações de comportamento.
Em meio à tragédia, os administradores públicos decidiram montar um sistema de previsão de catástrofes, em nosso país. É sabido que os problemas relativos à meteorologia são governados pelas equações de Navier-Stokes, que são fortemente não lineares e apresentam sensibilidade às condições inicias.
Assim, essa será uma tarefa que exigirá pessoal com boa base de modelagem e de computação. Há competência estabelecida no país para isso, mas o projeto é complexo, leva tempo e exige vultosos recursos.
Comprar pronto demandará o mesmo nível de investimento sem, entretanto, assegurar domínio da técnica, eternizando nossa dependência.
sobre o autor
José Roberto Castilho Piqueira é vice-diretor da Poli-USP e diretor presidente da Sociedade Brasileira de Automática.