A retomada do desenvolvimento econômico do Rio vem se refletindo na construção de novos edifícios empresariais e sedes de empresas, especialmente no Centro e na Cidade Nova. Em geral, são edifícios com avançados recursos tecnológicos e dotados de elementos de sustentabilidade aplicados à arquitetura. Todavia, no aspecto formal, ainda prevalecem os indefectíveis blocos prismáticos revestidos integralmente com vidros espelhados coloridos. Em suma, trata-se de uma beleza sitiada e atrelada a um modelo estético cuja imagem representa, simbolicamente, o poder econômico das empresas instaladas nesses edifícios. Paradoxalmente, recupera-se, hoje, um modelo que simbolizou – pasmem – na década de 1950, o progresso econômico dos Estados Unidos. É lamentável observar essa subserviência criativa num momento em que o Rio recupera o seu papel de capital da cultura nacional.
Esse tema vem sendo debatido entre arquitetos e estimulando o exercício crítico da arquitetura como forma de expressão cultural. A mais contundente das críticas feitas a esse modelo de concepção formal recaiu sobre a mesmice estética desses volumes prismáticos, encapsulados com vidro e destituídos de qualquer expressão formal significativa. Outra crítica recorrente diz respeito ao fato dos edifícios se apresentarem como unidades autônomas, fechadas e sem qualquer relação com o espaço urbano no seu entorno. Numa cidade como o Rio, a concepção formal de um edifício não pode desprezar a relação de contigüidade urbana, entendida como um componente indissociável da sua arquitetura. Refutando essas críticas, um dos arquitetos envolvidos com projetos dessa natureza alega que a preocupação deve ser, primordialmente, com a qualidade das edificações e que não é possível conceber uma cidade onde todas as construções sejam necessariamente marcos arquitetônicos. O próprio Prefeito, em depoimento recente, reconhece que a discussão estética sobre arquitetura estimula os arquitetos a refletirem e que ele mesmo vem fazendo essa reflexão ao apreciar o resultado dos últimos concursos de projetos promovidos pela Prefeitura.
Ao contrário dos países europeus onde a arquitetura e o urbanismo se impõem como requisitos indispensáveis para a valorização das cidades, no Brasil esse entendimento vem perdendo a importância há muitos anos. Coincidência ou não, o resultado desse desinteresse se reflete na má qualidade estética das edificações na cidade. Raros são os exemplos que conseguiram superar, criativamente, as limitações que lhes são impostas. Infelizmente, o deslumbramento diante de certos modismos arquitetônicos importados vem influenciando a concepção dos edifícios empresariais, tornando-os completamente desprovidos de valor cultural.
Parodiando Caetano Veloso, eu diria que a força da grana que já ergueu coisas belas, hoje, se limita a construir edifícios tecnologicamente avançados que mais parecem com aquários monumentais. Os argumentos de que esses edifícios são “sustentáveis e inteligentes” – expressão mercadológica muito utilizada – não basta para justificar a aparência anódina e despersonalizada que eles possuem. Numa cidade como o Rio, a conceituação de um edifício deve considerar a sua expressão formal incorporando as relações de contigüidade urbana como um componente indissociável do projeto. A arquitetura conceitual, que tanto incomoda os tecnicistas e tecnocráticos, não pode se curvar diante de modelos restritivos que impedem a liberdade de criação. A estética urbana e arquitetônica não é uma abstração. Ela é o resultado de uma articulação harmoniosa com a ambiência que a envolve.
E o que dizer da qualidade arquitetônica das demais construções que se espalham pelos bairros do Rio? A verdade é que os interesses mercadológicos que condicionam a produção arquitetônica atual, não são e não poderiam ser os mesmos que produziram as antigas residências, os sobrados e os modestos prédios que emolduraram as ruas cariocas no passado. O que passou, passou, mas não se pode deixar de lamentar a obsolescência de certos bairros tradicionais cariocas em decorrência do processo desvairado de expansão urbana da cidade. Os deslocamentos populacionais dessas localidades para as novas áreas urbanizadas e a ocupação informal dos vazios urbanos existentes nesses bairros contribuíram para romper a relação respeitosa dessas localidades com a ambiência local.
Convém frisar que o pensamento crítico da arquitetura e do urbanismo não é um fim em si mesmo e muito menos a solução para os problemas e questionamentos existentes. A crítica é apenas uma forma intelectual de manter viva a discussão e a reflexão sobre temas relevantes da arquitetura e da cidade.
nota
NE
Publicação original do artigo: JANOT, Luiz Fernando. Beleza sitiada. O Globo, Rio de Janeiro, 03 set. 2011.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU-UFRJ.