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Estádio João Cláudio Machado, o Machadão, em Natal/RN, cairá por terra para fazer nascer o bilionário projeto do estádio Arena das Dunas

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SOBRAL, Gustavo. Demolindo o poema. O triste fim do Estádio João Cláudio Machado, conhecido como Machadão. Drops, São Paulo, ano 12, n. 048.09, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.048/4060>.



Perigo iminente. Não são as dunas, como previu Manoel Dantas, que vão cobrir a cidade, fazê-la desaparecer; mas parte dela há de tombar, um símbolo seu, um poema de concreto, que é o estádio João Cláudio Machado, para dar lugar a uma arena, um estádio novo, o Arena das Dunas, de modo que o vaticínio se completará, uma duna em forma de arena cobrirá parte da cidade, um tempo da sua história, um marco da sua arquitetura, em nome de uma ideia tão antiga quanto o Senado exposto nas crônicas de Machado de Assis, em nome do tal progresso que tremula na bandeira nacional. Um progresso cuja bandeira é o manifesto de todos os desatinos, um deles derrubar o que está pronto, feito, acabado e útil, e bonito, para a megalomania de uma Copa de festim. Num mal intencionado gesto, que não foi o mesmo do poeta moderno Jorge Fernandes, quando disse que era preciso derrubar as cornijas dos versos decassílabos, para fazer um poema novo, uma poesia nova.

O poema de Fernandes, que inaugurou a poesia moderna à Bandeira na sua cidade Natal, podia até propor a derrubada do verso passadista para nascer o verso novo, mas tinha um apelo ali escondido, que todo não pode ser desconsiderado: o novo se fazia pelas bases do velho. Nada se ergue do nada. O todo sólido não pode se desmanchar sem mais nem menos no ar. Projeto de adaptação do Machadão às exigências da Fifa há. O próprio Moacyr Gomes da Costa, arquiteto do Machadão, se dispôs junto à secretária especial do governo do estado para a Copa de 2014, a coordenar uma equipe de arquitetos e engenheiros que trabalhassem o projeto de adequação do Machadão as exigências técnicas da Fifa.  Um estádio que, se remodelado, poderia bem abrigar jogos da Copa e de campeonatos locais e nacionais. Preservar o antigo com uso novo, é consciência ecológica, sentimental, histórica e coerência nos gastos públicos. Disse-nos o arquiteto João Maurício de Miranda, em uma colocação feliz (em palestra aos estudantes de arquitetura da UFRN): sorte de Roma, sorte de Paris, não ter um governante potiguar a fazer frente a esta ideia de progresso em que o novo é apagar o velho, por isso resistem lá os símbolo de Paris, a sua torre Eiffel magnânima; e Roma a sua arena histórica, o Coliseu.

Pois Natal está à mercê do seu perigo iminente. Nome de artigo de fundo e objeto de conferência do advogado e jornalista potiguar Manoel Dantas nas folhas do jornal A República do partido de Pedro Velho, jornal do qual o Manoel Dantas era diretor. O artigo, contou ele mesmo na conferência que proferiu no Palácio do Governo em 1909, surgiu por falta de assunto melhor, a conferência porque nos tempos do futurismo corriam os anos 1910, das máquinas, das revoluções e da urbanização e embelezamento das cidades, começou a se pensar na Natal do futuro, e Manoel Dantas pensou em Natal há cinqüenta anos à frente, era 1909. Não imaginaria que cem anos da sua conferência as dunas cobririam um símbolo da arquitetura local. Manoel Dantas escrevia no tempo em que o foot em Natal, trazido pelos ingleses, era praticado na praça principal, a André de Albuquerque, no bairro de Cidade Alta, defronte à igreja matriz; depois nos anos 1930, seu primeiro estádio, o Juvenal Lamartine, no bairro de Tirol que, passada a Segunda Grande Guerra e a presença americana na cidade e na base de Parnamirim, não comportou mais as emoções dos jogos. O Estádio Machadão foi necessidade de uma cidade cada vez maior. Nos anos 1970, no bairro de Lagoa Nova, surgiu o Machadão, nos festejos da Minicopa de 1972. O cronista João Saldanha, escreveu em sua coluna no Globo, naqueles idos, sobre o novo Estádio (o que virá abaixo):

"Portuga, fácil. Bom o jogo realizado no estádio mais bonito do Brasil e, penso, o de melhor concepção arquitetônica. Magníficas acomodações para o público de arquibancada e geral, o que não é comum em nossos estádios, que nem sempre conseguem dar conforto e comodidade ao público pagante. Quando completado - e isto o Governador prometeu - ficará uma obra-prima. De qualquer parte se vê bem a partida e a entrada e saída do público são feitas por rampas que permitem um escoamento rápido e sem atropelos".

Projeto do arquiteto Moacyr Gomes da Costa, o Machadão é parte da obra de um arquiteto cujo trabalho ainda é pouco conhecido do grande público. Moacyr Gomes é formado arquiteto pela Faculdade de Arquitetura do Brasil no Rio de Janeiro, autor em parceria com o sócio Vigor Artese do projeto premiado para o prédio Centro de Abastecimento de Água da Guanabara (CADEG). Moacyr resolveu nos anos 1950 deixar uma carreira promissora no Rio de Janeiro/RJ para aventurar-se pela e para a arquitetura no seu estado, o Rio Grande do Norte, porque percebeu que lá poderia praticar uma arquitetura total, e assim foi autor de inúmeros projetos entre residências, escolas, prédios públicos, edifícios comerciais, e foi consagrado com a oportunidade de projetar um estádio, que recebeu o nome do presidente Castelo Branco e ficou conhecido como Castelão, posteriormente nomeado Machadão.

O estádio passou a se chamar Machadão em 1989, em homenagem a João Cláudio de Vasconcelos Machado, ex-presidente da Federação norte-riograndense de Futebol. Na inauguração, em 1972, discurso do governador do estado, Cortez Pereira, de quem saiu a feliz colocação de referir-se ao estádio como “poema de concreto”, atributo que o estádio jamais perdeu, e que fez jus a sua curva sinuosa que lhe atribui uma ideia permanente de movimento, que se completa quando, descendo do alto da Candelária, se tem a sensação de apreender todo o movimento e poesia desta estrutura de concreto armado, palco de tantos e tantos jogos e de eventos públicos da cidade. Apesar da precária manutenção, comum a todo edifício que tenha por responsável o poder público, o Machadão passou recentemente por uma reforma que procurou sanar os efeitos do tempo como infiltração na marquise e danos estruturais. E poderia ser perfeitamente adaptado às exigências da Fifa para a Copa de 2014.

Espanta, em tempos que a reutilização dos espaços públicos é a tônica do nosso estágio civilizatório, face também à readaptação possível dos espaços públicos a novos usos, frente ao avanço tecnológico e à capacitação cada mais vez maior dos especialistas aptos a realizá-las, que não seja possível adaptar um estádio existente, em pleno funcionamento, com reparos e adequações que o atualize às necessidades atuais; também é uma atitude coerente e consciente da responsabilidade com os gastos públicos, certo de que na equação entre os gastos com uma reforma de um patrimônio público e a derrubada deste patrimônio e a construção de outro, ganha o que atingir um menor prejuízo com maior benefício. Também se deve levar em conta a carência e necessidade, sobretudo no Brasil, de investimento em educação, saúde e infraestrutura, no momento de assumir uma despesa bilionária. A irresponsabilidade é a causa de prejuízos irreparáveis à sociedade. Ao que se soma o pesar, pela apatia do cidadão e desconhecimento de um dos seus bens mais caros, o patrimônio histórico-arquitetônico. A alienação e a incapacidade de reivindicar responsabilidade dos governantes nas suas decisões é a força que valida a demolição de toda poesia da vida, a começar pelo poema de concreto.

nota

1
SALDANHA, João. O Globo, jun. 1972.

sobre o autor

Gustavo Sobral é Mestrando do Programa em Pós-graduação em Estudos da Mídia-PPGEM, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, graduando do curso de Comunicação Social, Habilitação Jornalismo, pela mesma universidade, Bacharel em Direito, advogado.

 

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