Toda arte aspira à condição da música
Pater, 1839-1894
A Mostra Internacional de Música em Olinda (MIMO) teve a sua primeira edição em setembro de 2004 (1). Já então, repercutia a máxima de Pater, demonstrando êxito em enfocar a música instrumental, do erudito ao eletrônico, incluindo as mais tradicionais e populares manifestações musicais. Além disso, desde sua segunda edição, em 2005, o festival conta com uma concorrida etapa educativa, congregando, em torno do aprendizado da música, profissionais, estudantes e interessados. Para se aquilatar o quão procurada é a etapa educativa, basta dizer que, neste 2011, ela teve setecentos inscritos.
Tive a felicidade de mudar para Pernambuco justamente no ano inaugural da MIMO. Morando primeiro em Olinda e, depois, no Recife, pude constatar, nos cotidianos locais, que o evento deixa marcas para o ano inteiro, instigando a espera pela próxima edição. No fim do ano de 2005, voltei a morar na minha cidade natal, mas jamais deixei de participar da MIMO, em Olinda. Em meu planejamento de viagens, sempre houve uma estada pernambucana no mês de setembro.
É justamente na condição de frequentadora assídua do evento, desde o seu princípio, que venho, mais uma vez, escrever sobre Olinda (2) neste Vitruvius, desta feita, enfocando o festival, na cidade tombada pela Unesco. Vale dizer que desde 2009 as cidades de Recife (PE) e João Pessoa (PB) aderiram à mostra, na qualidade de sedes de concertos. Neste texto, no entanto, somente Olinda, matriz original do evento, será destacada.
Criado e realizado por uma empresa carioca atuante, em âmbito nacional, no mercado cultural e de entretenimento, a MIMO (3) é anualmente promovida e realizada por meio de parcerias, patrocínios e apoios de importantes empresas e instituições. Para o público, a participação no evento é gratuita. É importante ressaltar que eventos culturais desse tipo são enfatizados como recursos para a conservação patrimonial, tanto em cartas patrimoniais, como na literatura específica. A MIMO, portanto, além de contribuir para a educação musical, o turismo e a cultura, cumpre relevante papel para o conhecimento patrimonial de Olinda e sua conservação.
Em termos gerais, o festival acontece do modo como será descrito nas próximas linhas. Os concertos são realizados nas igrejas, sob os auspícios da Arquidiocese de Olinda e Recife e Cúria Metropolitana. Para tais apresentações, o acesso é feito mediante distribuição prévia de senhas, retiradas em instituição pública local, com horário marcado. Para a plateia sem senha, no entanto, há ainda a chance da assistência em telões colocados no adro das igrejas, o que é usual desde a primeira edição do evento. Desde 2005, a mostra passou a promover também apresentações públicas na Praça do Carmo, para as quais não é necessária a retirada de senhas.
Como um evento público, a MIMO deixa entrever, em alguns momentos, o despreparo brasileiro para o trato com a coisa pública. Infelizmente, cumpre notar que isso se manifesta tanto por parte do público, quanto por parte da organização. Cito, a título de exemplo, dois casos por mim presenciados e protestados, na edição deste 2011.
O primeiro caso se deu na retirada de senhas, no dia 7 de setembro. Nessa oportunidade, uma moça que não estava na fila desde o seu início, achou de nela se inserir. Para tanto, alegou ter estado ali desde sempre, como consorte de um rapaz, este sim, na fila desde o começo. Não teve, porém, êxito em sua pretensão, pois, sob o testemunho e protesto do público ali presente desde o íncio da fila (no qual me incluo), ela se viu obrigada a desistir do intento.
No segundo caso, o desacato veio por parte da organização, na noite de 8 de setembro. Nessa ocasião, a fila para a segunda chamada (entrada para os que não conseguiram senha), assistiu à situação doravante relatada. Uma senhora, na fila, defendia ardorosamente o SUS (Sistema Único de Saúde), ao qual tal fila fora comparada por um dos presentes; pouco depois, aproximou-se dela uma conhecida moradora de Olinda. Com seu prestígio, a moradora acionou uma funcionária, trajada ao modo do alto estafe da organização da MIMO, e apontou para a defensora do SUS. Diante disso, a funcionária assinalou, para dois seguranças, a moradora e a defensora do SUS. Imediatamente, por eles conduzidas, a moradora e a defensora do SUS foram passadas à frente de toda a fila, na maior desfaçatez, tendo acesso imediato à igreja da Sé. O público, como era natural, protestou (eu inclusive o fiz diretamente àquela funcionária da alta organização do evento). Embora tenha presenciado outros casos de desrespeito, penso que os dois destacados já são suficientes para ilustrar a necessidade de uma educação voltada a fruir de modo verdadeiramente público o evento.
Voltando ao escopo da mostra, é preciso ainda destacar o cinema. A sétima arte sempre esteve presente na MIMO, com exibição de filmes de temática musical, primeiro no interior das igrejas, e, a partir de 2005, em telões nos adros. Com o progressivo número de exibições ao longo dos eventos anuais, a edição de 2010 incorporou o cinema de modo mais determinante: criou o Espaço MIMO de Cinema no Mercado da Ribeira e o Festival MIMO de Cinema. Além da assistência mais confortável de filmes, essa inovação oportunizou também workshops e memoráveis debates, com consagrados nomes do cinema e da música nacionais. Entre os debatedores dessa edição inaugural de cinema e música, estiveram Plínio Profeta, Walter Lima Jr. e Wagner Tiso, Marco Abujamra, Fred Zero Quatro, Renato L. e Marcelo Gomes. Além dos eventos já citados, o Festival MIMO de Cinema promoveu o Ciclo Cinema Mudo. Nesse ciclo, filmes do cinema mudo eram musicados, ao vivo, por um acompanhamento de piano, resgatando, destarte, um momento muito caro aos primórdios da arte cinematográfica.
Incorporando o cinema, com uma etapa educativa fortemente estruturada, que inclusive levou à formação, em 2008, da Orquestra MIMO, regida pelo maestro Silvio Barbato; e sempre com excelente curadorias musical e cinematográfica, a MIMO é fadada ao sucesso. O prestígio do grande público consagrou o evento e a sua continuidade. Sua longevidade é desejada por todos, olindenses, pernambucanos, brasileiros e estrangeiros. Ecoando-a, só me resta finalizar por uma ovação amplamente ouvida no evento: Bravo, Mimo, bravo!
notas
1
A MIMO acontece anualmente na época do feriado do Dia da Independência do Brasil, 7 de setembro. Neste 2011, o festival aconteceu entre os dias 5 e 11 de setembro.
2
LORDELLO, Eliane. Feliz aniversário, querida!. Minha Cidade, São Paulo, n. 08.091, Vitruvius, fev. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.091/1903>; LORDELLO, Eliane. Olinda, primeira capital brasileira da cultura. Minha Cidade, São Paulo, n. 06.063, Vitruvius, out. 2005 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.063/1965>.
3
Todo o histórico do evento, sua organização e funcionamento podem ser conhecidos no site oficial MIMO, disponível em: <www.mimo.art.br>. Acesso em: 13 set. 2011.
sobre a autora
Eliane Lordello é Arquiteta e Urbanista (UFES, 1991), Mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) na área de Teoria e Projeto, Doutora em Desenvolvimento Urbano (UFPE, 2008), na área de Conservação Urbana. Pesquisa, sobretudo, os seguintes campos: Memória e Patrimônio Urbanos; Representações Sociais de Arquitetura e Cidade; Poéticas Visuais de Arquitetura e Cidade. Atualmente é analista de projetos e pesquisas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES).