Meu primeiro contato com Jorge Glusberg aconteceu em 1983, quando Vicente Wissenbach, então diretor da revista Projeto, levou à Buenos Aires o trabalho de vários arquitetos brasileiros para uma exposição no CAYC – Centro de Artes Y Comunicación, fundado por esse reconhecido crítico de arte argentino em 1968. A Semana de Arquitetura Brasileira resultou em surpreendente sucesso e me valeu uma extensa matéria no jornal O Estado de São Paulo (a revista AU ainda não existia). O que se projetava na Amazônia, no Ceará, no Rio Grande do Sul e não apenas no eixo São Paulo-Rio-Brasília pôde ser conhecido, confrontado e analisado na mostra apresentada nos espaços modernos do Cayc, situado num edifício antigo no centro da cidade, e nas palestras que se seguiam em vários lugares.
Glusberg explicou, na ocasião, que a arquitetura latino-americana não provocava grande interesse, ao contrário da europeia e norte-americana, que reuniam grande público quando exibidas na Argentina. “É função dos críticos corrigir essa atitude”, advertia ele. Grande defensor de uma arquitetura regional “não comprometida com modelos internacionais, mas com necessidades históricas, políticas e culturais de seu povo”, ele era um dos maiores cultores do chamado racionalismo crítico, cuja manifestação já podia ser vista no Park Hotel de Friburgo, projetado por Lucio Costa, e nas obras de Severiano Porto, na Amazônia, ou mesmo em algumas do mineiro Éolo Maia, bastante festejado pelos argentinos.
Criador e responsável pela Bienal Internacional de Buenos Aires, iniciada em 1985, organizada quase inteiramente por ele, em todas as etapas e esquemas, inclusive as exposições, palestras, recepções generosas e, principalmente, a presença de personalidades do mundo todo. Através desses bem organizados encontros, que eu tive o privilégio de acompanhar por décadas, foi possível conhecer e conversar com participantes, desde os celebrizados argentinos – Clorindo Testa, sempre presente e atento nas palestras, Mario Roberto Alvares, Dujovne, César Pelli, radicado nos Estados Unidos – até os de outros países – Kisho Kurokawa, Richard Meier, Franco Purini, Herman Hertzberger, Ricardo Legorreta, Kenneth Frampton, Baudrillard, Mario Botta... Todos tão longe de nosso alcance, geograficamente (ainda não havia internet).
Glusberg, envolvido com videoarte e videoperformance, já havia trazido para a XIV Bienal de São Paulo, em 1977, o Grupo Los Treze, artistas do Eco Sistemas Artificiais, recebendo então a premiação maior da exposição. Ele compareceu a vários outros eventos brasileiros, inclusive a homenagem do Congresso Brasileiro de Arquitetura em São Paulo a Lucio Costa, no Anhembi em 1991, ou acompanhando comissões de Críticos de Arte da América Latina (CICA), entidade que ajudou a fundar com Bruno Zevi, Max Blumenthal e Louise Noelle, em 1978 no México, e que presidiu por anos.
Antes dessas atuações, foi diretor do Departamento de Arte da Universidade de Nova York (1975), professor em várias universidades na América do Norte; escreveu ainda inúmeras obras: Origens da Modernidade, Para uma Crítica de Arquitetura, Semiótica da Arquitetura, entre outras E foi presidente do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) da capital Argentina entre 1994 e 2003, gestão muito polemizada.
No dia 2 de fevereiro, Jorge Glusberg faleceu aos 79 anos. Com certeza a Bienal de Buenos Aires não terá mais o brilho de antes.
sobre o autor
Haifa Yazigi Sabbag é jornalista formada pela ECA/USP, ex-editora da revista AU - Arquitetura e Urbanismo e da seção AC – Arquitetura e Crítica, do Portal Vitruvius. Autora de JKMF – Julio Kassoy e Mario Franco, e Rocco Associados – residências unifamiliares, ambas da editora C4.