Denise Milan apresenta, neste momento, um trabalho que não veio à luz durante anos apesar da publicação do livro Fumaça da terra em 2006, quando já demonstrava seu interesse e sua preocupação com o território frágil, ameaçado e em estado de mudança da mata tropical brasileira. No entanto, aqui, não se trata de extinção, mas da visão de um mundo fascinante da Mata Atlântica sob os olhos e a imaginação da artista. As fotografias que Denise Milan reuniu durante vários anos na comunidade de Cairuçu – na área de Paraty, da mata, da vegetação local, das praias banhadas pelo Atlântico e incluindo a população regional – têm sido utilizadas em um processo de metamorfose para aprofundar seu conhecimento sobre as espécies e compreender a íntima união entre o entorno e seus habitantes. A tragédia provocada pelo progresso sobre a conservação e a biodiversidade da Mata Atlântica entre São Paulo e o Rio de Janeiro preservou, no entanto, algumas áreas de rara e exuberante beleza da mata original que neste momento mais parecem uma peça de ficção, pois a profanação desta natureza privilegiada e única da América do Sul teve início já à época dos descobrimentos, no longínquo século XV.
As fotografias e colagens de Denise Milan são um documento autêntico de enclaves na selva e da variedade de sua vegetação; porém, fundamentalmente, revelam a fertilidade da natureza, incluindo os membros de uma população em que um casal pode gerar dezenas de filhos, netos e bisnetos. Vivem há séculos os caiçaras nesta região, unindo seu sangue indígena às sucessivas campanhas de colonizadores, e ao mesmo tempo fundindo-se à natureza e respeitando seus recursos naturais. A mata multiplica-se de maneira abundante em sua rápida cadeia de vida e morte, alcança o equilíbrio perfeito do jardim ideal onde a humanidade contempla sua própria origem. Frutas, árvores caídas e flores ressecadas iniciam sobre a terra escura um novo ciclo de vida onde surgem as delicadas bromélias, como clepsidras, a marcar com sua água condensada entre as folhas o tempo eterno da selva. A água do Atlântico e dos rios define a selva. Condensa-se na bruma que se levanta ao amanhecer, convertendo-se em extenso e prateado "Mar Branco" – o nome em guarani da cidade histórica dos caiçaras, Paraty, no cenário composto também pelo oceano, que traz a luz e a chuva, e pela mata, que tudo fertiliza.
Denise Milan converte este mundo a ponto mesclar todos os elementos em uma oferenda aos deuses da fertilidade e da abundância, a Kurupi (deus da fertilidade), a Tupã, a Gianderu, e aos infinitos matizes de verde. As esplendorosas tonalidades das flores em suas colagens fragmentadas nos oferecem a chave para não perdermos de vista o caminho da esperança e da recuperação deste paraíso perdido. A quietude própria da selva guarda uma dimensão pictórica da natureza morta, pois nada aqui se move – a vibração de uma pequena folha, isoladamente, mais parece representar o infinito do tempo ao ser tocada, de maneira mágica, por uma brisa intangível que parece chegar de outra dimensão e mostrar o caminho para uma nova vida.
Sobre a autora
Dra. Manuela Mena trabalha no Museu do Prado como Curadora Sênior de Pintura do século XVIII e Goya desde 1996. Historiadora de Arte, escreveu sobre pintura e desenho do século XVII na Espanha e na Itália. Seu interesse inclui aspectos de arte contemporânea e sua relação com a arte do passado.