A gestão de Carlos Augusto Calil à frente da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (2005-2012) se destaca por um conjunto de ações que situam firmemente a defesa e a promoção da cultura no plano do espaço urbano, articulando patrimônio histórico e urbanismo segundo uma concepção firme sobre o que é o bem público e o sentido de coletividade na cidade.
Uma das suas marcas distintivas é, sem dúvida, a Virada Cultural, um evento artístico e festivo policlassista que reúne multidões de pessoas nas ruas do centro de São Paulo durante o dia e a noite. Em sua política cultural, Calil não teve medo de assumir o centro como o lugar da convergência identitária da cidade, o locus simbólico por excelência de uma metrópole imensa, disforme e quase sem história. Nesse sentido, se distingue das políticas de revitalização da área através de grandes equipamentos culturais que provocam gentrificação. A gestão Calil reformou o Teatro Municipal, a Biblioteca Mário de Andrade, criou o conjunto chamado Praça das Artes a partir do Conservatório Dramático e Musical, e conseguiu a desapropriação de importantes cinemas de rua do centro da cidade, como os Cines Marrocos, Art Palácio e Ipiranga (os dois últimos projetados por Rino Levi), para resgatar os seus usos originais, recriando a Cinelândia paulistana.
Fora da região central, a Secretaria reformou bibliotecas de bairro, estabeleceu pontos de leitura, e criou um Centro de Formação Cultural em Cidade Tiradentes, no extremo leste da área metropolitana. Assim, sem privilegiar uma dimensão em relação à outra, sua administração compreendeu a relação centro/periferia não como uma oposição binária e estanque, mas, ao contrário, como uma grande unidade dialógica, complexa e heterogênea. Significativamente, fazendo um balanço de sua gestão em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo, declarou, citando Hermano Viana, que “o centro hoje é a nova periferia”.
Sendo o prêmio da APCA um sinal de distinção que extrapola em muito o âmbito corporativo da arquitetura, julgamos importante destacar a visão de urbanidade posta em pauta pela gestão Calil na Secretaria Municipal de Cultura. Visão que reconhece – através dos ensinamentos de Mário de Andrade – a arquitetura e o urbanismo como artes determinantes na construção da esfera pública de uma sociedade formada a partir de uma herança colonial e patrimonialista.
sobre o autor
Guilherme Wisnik é arquiteto, crítico e curador. Autor de Lucio Costa (Cosac Naify, 2001) e Estado crítico (Publifolha, 2009), é professor da Escola da Cidade e curador da 10a Bienal de Arquitetura de São Paulo (2013).