Da peça de andaime, um pavilhão
Anos atrás, em uma entrevista, Carla Juaçaba afirmava: "O material não é uma escolha secundária, é uma escolha primeira. Deve-se pensar um projeto a partir da matéria que você escolheu" (1). Tal afirmação é extremamente esclarecedora, se analisamos cada obra elaborada pela jovem arquiteta carioca, sobretudo o pavilhão Humanidade.
Feito em parceria com Bia Lessa, o projeto partia da premissa que, para a ocasião do evento Rio+20, era necessária a construção de uma grande edificação efêmera para abrigar exposições, seminários e oficinas que abordavam a temática do meio ambiente. Faz-se compreender pela brevidade da existência do edifício o motivo pelo qual o projeto se fundamentou no uso de andaimes.
Esse elemento construtivo pré-fabricado é largamente utilizado para a criação de estruturas temporárias na indústria brasileira de produção de eventos, que podemos considerar razoavelmente desenvolvida e que já contém modelos pré-organizados de montagem, como em palcos para apresentações e galpões para encontros.
Entretanto, Carla Juaçaba fugiu da pura aceitação do modelo pré-concebido de galpão, buscando, como a própria arquiteta afirma, "conhecer e respeitar a natureza dos materiais" (2). Houve um cuidadoso estudo tectônico na articulação das peças, nos modos de montagem e desmontagem, no cálculo estrutural geral, nas estratégias de transporte para locar tal estrutura naquele sítio. Para valorizar esse trabalho de concepção e execução, a arquiteta não escondeu o elemento construtivo atrás de algum tecido tensionado. Juaçaba optou por expor o andaime, explorando seu potencial estético.
Percebe-se isso quando se cumpria a promenade "interior", composta por rampas por meio à estrutura expostas às variações climáticas, acentuadas pelo fato de estar rodeado pelo Atlântico em quase todo perímetro da edificação. A orla, a cidade e as montanhas da capital fluminense podiam ser admiradas, entre os andaimes, por ângulos nunca antes vistos. Caixas fechadas em meio à profusão estrutural abrigavam as salas expositivas, auditórios e biblioteca.
O grandioso objeto arquitetônico é especialmente impactante por ter, de fato, transformado uma imagem tão marcante da paisagem carioca: o Forte de Copacabana esteve, por cerca de um mês, sob um pavilhão de 170 metros de comprimento, por 40 metros de largura e 20 metros de altura.
O pavilhão Humanidade foi uma espécie de Crystal Palace (3) do Rio de Janeiro do século 19. Carla Juaçaba concretizou a mais instigante edificação produzida pela arquitetura carioca dos últimos anos.
Tão rápido quanto seu aparecimento, foi sua desmontagem. Acreditando na possibilidade de reaproveitamento, que segue a lógica de respeito ecológico do evento em questão, é provável que suas peças estruturais passaram a escorar várias construções da metrópole carioca neste momento de olímpicas transformações.
notas
1
PERROTTA-BOSCH, Francesco et al (Org.). Entre – Entrevistas com arquitetos por estudantes de arquitetura. Rio de Janeiro, Viana e Mosley, 2012, p. 94.
2
Idem, ibidem, p. 94.
3
Referência ao projeto do Palácio de Cristal, de Joseph Paxton, feito para a ocasião da Grande Exposição de 1851, no Hyde Park de Londres.
sobre o autor
Francesco Perrotta-Bosch é arquiteto e ensaísta. Foi editor assistente do portal Vitruvius entre 2012 e 2014. Vencedor do Prêmio de ensaísmo da revista Serrote em 2013, com o texto "A arquitetura dos intervalos". Coautor do livro Entre: entrevistas com arquitetos (Viana e Mosley, 2012). Pesquisador da X Bienal de Arquitetura de São Paulo,em 2013. Colaborou com os escritórios de Christian de Portzamparc e SIAA.