O falecimento de Oscar Niemeyer foi amplamente divulgado na imprensa israelense.
Niemeyer era apresentado ao publico local como o expoente de uma arquitetura que se identificava como a expressão do modernismo brasileiro, ignorando outros nomes igualmente merecedores do reconhecimento internacional.
Mas, à margem da repercussão que o nome de Niemeyer tinha por seu trabalho no Brasil e em países diversos, ele é aqui lembrado por uma série de projetos que deixou quando de sua menos conhecida permanência em 1964.
Niemeyer esteve em Israel por cerca de seis meses, quando se encontrava exilado na Europa fugindo da ditadura militar. Veio a convite de empreendedores oficiais e privados, dos quais recebeu alguns encargos profissionais.
Seu relacionamento com a realidade israelense parece ter sido ambivalente: de um lado admirava a estruturação social-democrática que caracterizava o jovem Estado de então; de outro, sofria de uma visão falsificada proveniente de suas contraditórias e esquemáticas idéias de comunista convicto, que se enquadravam na linha basicamente hostil ao empreendimento sionista ditada pelo Partido Comunista.
Minha impressão pessoal é que – afastado de seu familiar, generoso e exuberante ambiente brasileiro, e encerrado no isolamento solitário de sua condição de exilado – Niemeyer teve em sua estadia aqui pouco incentivo a se aprofundar nas raízes e nos fatores formativos da arquitetura de Israel. E seus projetos israelenses em sua maioria são uma transposição superficial e apressada de gestos e costumes cristalizados na largueza de sua prática brasileira.
Sua aceitação se deve mais ao prestigio pessoal que o acompanhava, do que a uma verdadeira resposta aos programas e às possibilidades que o nascente Estado de Israel podia oferecer ao arquiteto. E, mesmo assim, quando realizados, seus projetos foram levados à execução por arquitetos colaboradores locais, e desvirtuados de seu espírito vital e do rico virtuosismo formal do mestre.
É o caso da Universidade de Haifa, concebida como uma ampla plataforma colocada no topo do Monte Carmel, da qual se ergue uma única torre: a plataforma encerra os ambientes de ensino; a torre, os de administração.
A solução – embora "genial" na simplicidade de seu conceito básico – não prima nem por uma especial sensibilidade pela silhueta da montanha que domina o Golfo da cidade, nem por uma compreensão das exigências mais complexas da população estudantil, que não se adaptam a um rigoroso monolítico volume. Estas antes se manifestam nos deslocamentos e interações próprios da cidade e de sua imagem espacial, da qual a Universidade aspira a ser um espelho e uma expressão.
É o caso também do projeto da "Praça da Nação" (Kikar Hamediná) de Tel Aviv. Neste, o circulo perfeito da praça seria marcado por um anel de edifícios de baixa altura, que delimitariam o espaço central, no qual se ergueriam três altas torres.
Obstáculos jurídicos e de interesses imobiliários impedem até hoje a conclusão da obra, que foi executada somente na fase do anel de edifícios de baixo porte. Mas mesmo estes nada mantêm do espírito de Niemeyer, tendo sido modificados pelos arquitetos associados ao projeto, numa solução de compromisso que reúne muitos dos vícios comuns da construção local com uma arquitetura torturada, nada típica da pureza de linguagem do mestre.
Por fim, é o caso do projeto para um grande conjunto de "Shopping", moradia e escritórios ("Dizengof Center") no centro de Tel Aviv, abandonado e depois retomado por outros arquitetos, novamente numa confusa, eclética e má interpretação das intenções de Niemeyer.
Igualmente, insucesso é o que se aponta na proposta (não realizada) para uma nova cidade no deserto do Neguev. Naquela época o país atravessava um surto de construção e desenvolvimento em face da onda de imigração que se seguiu à fundação do Estado e são desse período alguns dos mais significativos experimentos , patrocinados pelo Ministério da Habitação.
No projeto de Niemeyer discerne-se uma repetição de formulas adotadas em Brasília, pouco estudadas no contexto das condições climáticas do deserto, e pouco apropriadas para os costumes da população destinada a essa cidade.
Apesar das criticas e falhas descritas, a passagem de Niemeyer é um marco singular e importante para a arquitetura de Israel, que – sempre sujeita a tendências de modas importadas de centros mais ativos da produção mundial – ainda busca caminhos e definições próprios.
E mais do que imitar os traços elegantes de Niemeyer, ela deveria procurar nele uma lição de simplicidade essencial e de negação do supérfluo – na forma como na atitude intelectual e programática.
sobre o autor
Vittorio Corinaldi, italiano de nascimento, é arquiteto formado na FAU USP e está radicado em Israel, vivendo atualmente em Tel Aviv.