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drops ISSN 2175-6716

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Marcelo Ferraz apresenta a história da criação das cadeiras "Frei Egidio" e "Girafa" em conjunto com Lina Bo Bardi.

how to quote

FERRAZ, Marcelo. Pequeno relato sobre duas cadeirinhas. Drops, São Paulo, ano 14, n. 075.01, Vitruvius, dez. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.075/4981>.


Auditório com cadeiras Frei Egidio
Foto Nelson Kon


Em 1986, Lina Bo Bardi, eu e Marcelo Suzuki iniciamos um grande e ambicioso trabalho de recuperação do Centro Histórico de Salvador. Juntamente com Roberto Pinho, secretário municipal de projetos especiais, e o prefeito Mário Kertész, armamos um irrecusável convite para que Lina iniciasse sua segunda e profícua etapa de trabalho na Bahia, que durou até 1990.

Nesse mesmo ano de 1986, encorajados e incentivados por Lina, Francisco Fanucci, Marcelo Suzuki e eu – sócios do escritório Brasil Arquitetura – resolvemos criar uma marcenaria, a Baraúna, para executar trabalhos de qualidade no campo do mobiliário.

Havíamos acabado de inaugurar o Sesc Pompeia, e o gosto pelos projetos e execução de móveis em madeira estava ainda fresco. Lina, apesar de incentivar esse novo projeto, nos alertava sobre possíveis frustrações comerciais e de plágios, como as que teve com a sua própria marcenaria, a Pau Bra, ainda nos anos 1950.

Começamos então os projetos para Salvador e, inevitavelmente, chegamos ao momento de definir o mobiliário para alguns deles, como o restaurante da Casa do Benin e o Teatro Gregório de Mattos.

O fato é que Lina odiava tudo o que via no mercado. Foi aí que todos pensamos, igualmente inspirados pelas soluções realizadas no Sesc Pompeia, em nós mesmos projetarmos pelo menos parte do mobiliário para os projetos de Salvador.

Lina, depois de muita resistência (ela repetia sempre: “O industrial design morreu!”), enfim concordou em projetar móveis novamente e topou pensar em algo novo para os novos espaços da Bahia.

Começamos por estudar os móveis de Alvar Aalto: os famosos banquinhos de três pés; que são geniais e universais. Mas Lina, apesar de também achá-los ótimos, tinha com eles certa implicância: “São móveis de sanótorio”, dizia. Afinal, eles haviam sido exaustivamente utilizados no projeto do Sanatório de Paimio, na Finlândia.

Tomamos então esses banquinhos como base de uma nova cadeira, que mais adiante se tornaria a Girafa. Adaptamos o compensado para a madeira maciça brasileira, mais resistente e pesada, e trabalhamos por meses em desenhos e inúmeros protótipos em nossa Baraúna.

Nesse momento, a marcenaria já estava quase que completamente integrada no processo de criação da equipe de Lina. Apesar disso, ela seguia dizendo, bem a sua maneira: “É melhor desistirmos. Vamos comprar umas cadeiras na Baixa dos Sapateiros e está tudo resolvido!”

Com a cadeira Frei Egídio, não foi diferente.

Como deveria ser dobrável e leve, para ser facilmente transportável pelos espectadores do teatro, pensamos logo, como base inicial, nas cadeirinhas que utilizávamos todos os dias para trabalhar em volta da mesa de mármore da sala de jantar da Casa de Vidro: as famosas “fiorentinas”, do século XV, que também foram transformadas popularmente nos banquinhos de bares de beira de estrada, não só no Brasil, mas em muitos outros países.

Lina, mais uma vez, nos alertava que já havia tentado desenvolver algo contemporâneo a partir das tais cadeiras, mas que não havia conseguido e que estávamos perdendo tempo.

A essa altura, felizmente, já éramos “calejados” no modo de trabalho de Lina com seus colaboradores: um toque negativo servia sempre como um desafio. Algo como “se vocês quiserem ir adiante, ok, mas eu estou avisando que não vai dar certo”.

Pois tomamos o desafio.

E nesse caso, o de desenhar e executar a cadeira Frei Egídio, foi ainda mais difícil e complicado. Chegamos mesmo a desistir por um certo tempo porque todas a experiências falhavam. Ora a madeira era inadequada, ora as dimensões estavam erradas ou a ferragem que não funcionava... dificuldades não faltaram.

Mas, o problema maior estava na geometria. Era o desenho que deveria ser mais e mais aprimorado e estudado para que uma cadeira dobrável, quando dobrada, fosse reduzida a mínimas dimensões e volume.

Passamos a desenhar em escala 1:1, dentro da oficina, quase que fundindo papel com madeira. Havíamos conseguido reduzir as muitas ripinhas da antiga cadeira florentina, nosso objeto de “inspiração”, para três gomos somente, transformando uma cadeira de aparência antiga numa cadeira contemporânea mais próxima de um objeto japonês, pela simplicidade formal e síntese construtiva.

Nosso grande teste para os novos móveis foi sentir a reação dos amigos e clientes da Bahia.

Roberto Pinho logo se encantou com a Girafa e fomos ao prefeito entregar o primeiro protótipo acabado. Sucesso total!

Apresentamos também a mesma cadeira a Pierre Verger, Arlete Soares e autoridades do Benin de passagem por São Paulo para tratativas sobre a montagem da Casa do Benin. Foi nesse momento, aliás, que nasceu o nome Girafa.

Com a cadeira Frei Egídio não foi diferente: fomos para Salvador e a apresentamos a Roberto e ao prefeito Mario Kertész pouco tempo depois.

Foi uma surpresa porque, além de terem gostado, toparam utilizá-la no Teatro Gregório de Mattos, mesmo sendo em madeira pura e dura, em tempos de estofados e “pseudo confort”, como dizia Lina.

O nome Frei Egídio tem a ver com as cadeira encontradas em conventos e foi uma homenagem de Lina ao frade homônimo que, apresentado por Edmar de Almeida, convidou-a para projetar a Igreja de Uberlândia, hoje uma joia de arquitetura, tombada como patrimônio histórico do Estado de Minas Gerais.

Infelizmente, as tantas cadeiras utilizadas em Salvador não foram produzidas pela Baraúna, por uma mera questão de prazo de execução.

Na sequência da experiência que tivemos com a apresentação dos móveis em Salvador e em São Paulo, decidimos (os três) que definitivamente poderíamos produzir essas duas cadeiras na Marcenaria Baraúna.

Nessa época, a marcenaria já experimentava diversos protótipos e prestava serviços para Lina e seus projetos, como foi no caso do Centro Social de Cananéia, em que, além das cadeiras Girafa e Frei Egídio, Lina nos pediu também para reproduzir alguns dos móveis do Sesc Pompeia.

Não é demais lembrar que o marceneiro que havia nos acompanhado no projeto do Sesc Pompeia, Adelino, passou a ser nosso chefe de oficina na Baraúna.

Incentivados por Lina e pelo professor Pietro Maria Bardi, passamos então a publicar as cadeiras em diversas revistas e jornais. Abrimos nosso show room em 1989 com a presença de Bardi e fomos brindados com um belo artigo seu na revista IstoÉ, elogiando nosso trabalho.

Em 1990 iniciamos o projeto para a nova sede da Prefeitura de São Paulo – Lina, André Vainer, Suzuki e eu. Desenhamos e fabricamos na Marcenaria Baraúna, que neste momento já funcionava como um braço experimental do escritório, todo o mobiliário especial, com destaque para a mesa gigante do Salão Azul. Os projetos de mobiliário estavam de volta ao métier de Lina, contrariando sua repetida ladainha de abandono do campo do industrial design. E vale dizer que estes projetos de arquitetura é que alavancaram e justificaram sua volta a este campo.

As duas cadeirinhas foram desenhadas e materializados a partir das necessidades práticas destes projetos; foram respostas às dificuldades e desafios que enfrentamos ao longo de quinze anos de intenso trabalho colaborativo.

sobre o autor

Marcelo Ferraz é arquiteto formado pela FAU-USP em 1978, é sócio do escritório Brasil Arquitetura, onde tem realizado vários projetos com premiações no Brasil e exterior. É também sócio fundador da Marcenaria Baraúna, onde desenvolve projetos de mobiliário, desde 1986.

Cadeira Girafa
Foto Pedro Vannucchi

Cadeira Frei Egidio
Foto Pedro Vannucchi

Cadeira Frei Egidio
Foto Pedro Vannucchi

Cadeira Frei Egidio
Foto Pedro Vannucchi

Cadeira Frei Egidio. Caderno de 1987 [acervo Marcelo Ferraz]

Cadeira Frei Egidio. Caderno de 1987 [acervo Marcelo Ferraz]

Cadeira Frei Egidio. Caderno de 1987 [acervo Marcelo Ferraz]

 

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