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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Luís Antônio Jorge faz uma análise da vivacidade dos edifícios e galerias do centro de São Paulo.

how to quote

JORGE, Luís Antônio. São Paulo: transformação e permanências para uma cultura cosmopolita. Drops, São Paulo, ano 14, n. 075.03, Vitruvius, dez. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.075/4992>.



"O Brasil precisa, para se realizar, de lirismo - que é a capacidade de se esquecer - e de virtude - que é a capacidade de se superar. A sua arquitetura moderna é uma lição magnífica dessas duas atitudes redentoras"
Anísio Teixeira
(educador brasileiro, 1900 -1971)

Claude Lévi-Strauss, no seu livro de registros fotográficos sobre São Paulo (produzidos entre 1935 e 1937), alertou para a inutilidade de lamentarmos sobre aquilo que hoje não mais seria possível reencontrar, evocandoaquele aperto no coração que sentimos quando, ao relembrar ou rever certos lugares, somos penetrados pela evidência de que não há nada no mundo de permanente nem de estável em que possamos nos apoiar. (1)

Talvez o grande antropólogo tenha expressado esta inelutável idéia geral, provocado pela excessiva mutabilidade e transformação de São Paulo, a metrópole que, outrora, foi chamada de “a cidade que mais cresce no mundo”.Cidade que ele só pôde reencontrar nas imagens guardadas na memória e nas suas fotografias. De fato, as estatísticas são impressionantes: em 1872, São Paulo tinha 31.385 habitantes e, em 1890, após a abolição da escravatura e quando começa a colher os frutos da economia cafeeira, São Paulo passa a 64.934 habitantes. Em 1900, no nascente período republicano, salta para 239.820 habitantes e, vinte anos depois, nos primeiros lampejos de uma modernidade cultural, para 579.033 habitantes. Em 1940, tinha 1.326.261 habitantes e, dez anos depois, 2.198.096habitantes. Hoje, a cidade tem 11.244.369 habitantes, sendo a sede de uma região metropolitana com cerca de 20 milhões de habitantes.

Três séculos se passaram entre a fundação de São Paulo e a cidade que hoje reconhecemos como manifestação urbana, originada com este afluxo populacional, fruto de uma conjuntura social, econômica e política, relacionada à produção exportadora de café e aos fins da escravidão e da monarquia, aos primórdios da industrialização brasileira e a uma imigração sem precedentes, dando espaço para o aparecimento de uma complexa sociedade.

Estes acontecimentos sucedidos entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX foram expressos por uma singular e notável forma de expansão urbana: pode-se dizer que a transformação é a marca registrada de São Paulo, pois enquanto crescia horizontalmente, ia se reconstruindo sobre o mesmo tecido urbano. Emum dos estudos consagrados sobre a cidade, Benedito Lima de Toledo apresenta a sucessão de técnicas utilizadas nas suas construções: a cidade de taipa (de barro) original foi substituída pela cidade de alvenaria cerâmica e posteriormente, pela cidade de concreto (2). Tudo isso em apenas um século.

Se associarmos estes espantosos números do crescimento demográfico às maneiras como os grupos humanos ali se estabeleceram, relacionando-se num intenso intercâmbio de costumes ao mesmo tempo em que construíam seus sistemas de valores e suas formas de ocupar a cidade, poderemos nos aproximar de um sentido da cidade que escapa aos seus visitantes.

No alvoroço deste crescimento populacional, São Paulo recebeu gente de muitas partes do Brasil e do mundo e um hábito social passou a difundir-se: os grupos humanos buscavam se reconhecer, num processo contínuo de acusar semelhanças e dessemelhanças entre si, associando modos de ser e comportamentos às origens geográficas e culturais de cada indivíduo ou grupo. Tais temas são freqüentes nas crônicas da época, nas narrativasliterárias, configurando rótulos, estigmas, preconceitos, mas também, signos privilegiados de natureza identitária. Em uma cidade historicamente construída por correntes migratórias internas e externas, por uma urbanização e crescimento demográfico explosivos, por um amálgama de costumes conviventes nos mesmos espaços, indagar a presença persistente das representações de identidades “estrangeiras” é uma forma de entendimento de uma relação singular entre espaço urbano e cultura. São Paulo pode ser vista como um mosaico de lembranças de outros lugares que cada imigrante ou cada grupo social trouxe como valor de cidade ou de urbanidade. Memórias de outros lugares e memórias do que já fora destruído nutrem os valores desta cidade que é concreta, mas é, também, representação de outras cidades e culturas. Alguns grupos sociais procuraram, na sempre-nova cidade, seus lugares de auto-reconhecimento, mas, dada a dinâmica urbana, a própria idéia de identificação com o espaço urbano e de permanência – sobretudo para as classes populares, muito vulneráveis ao processo de espoliação urbana – não pôde perdurar.Assim, em São Paulo se construiu um cosmopolitismo de raiz popular, onde compartilhar vivências era escapar da dor do exílio na cidade grande. O conhecimento da experiência do outro, do estrangeiro, era também uma forma de se reconhecer nas mesmas condições, invariavelmente, adversas.

Quando a cidade passa a crescer verticalmente, a partir da década de 1920,o processo de demolição e reconstrução se intensifica. O primeiro “arranha-céu” da cidade, o edifício Sampaio Moreira (1913-1924) foi projetado em concreto armado, por Cristiano Stockler das Neves, com 13 andares, 50 metros de altura. O Edifício Martinelli, construído entre 1925 e 1929, com 25 pavimentos e 46.123 m2é o símbolo desta nova era. Ambos permanecem até os dias atuais – contrariando a regra da transformação constante. Aldo Rossi define “permanências” como um passado que ainda experimentamos.Acrescentaríamos: um passado que ainda oferece lições de urbanidade que permanecem vicejando. A densidade histórica de um edifício não se reduz à sua idade, ao contrário, mede-se pela sua capacidade de atualizar-se, construindo uma relação qualitativa com o tempo, ou seja, em vez de ser consumido, contemporaniza-se. Algumas experiências isoladas de edifícios modernos na região central de São Paulo, na sua grande maioria, realizadas na década de 1950, demonstram este sentido ampliado de permanência, pois acabaram, numa visão de conjunto, constituindo um sub-sistema urbano, localizado no chamado Centro Novo: uma área de expansão à oeste do núcleo inicial da cidade, definido pela região que se situa entre o Vale do Anhangabaú, a Avenida São João, a Avenida Ipiranga (e adjacências da Praça da República), Avenida Consolação, Rua Xavier de Toledo e Praça Ramos. Nesta região estão as principais permanências construídas no período virtuoso da economia cafeeira, nos fins do século XIX até os principais arranha-céus modernistas de meados do século XX.Entres estes, destacam-seos edifícios-cidade, edifícios que promovem relações que são próprias ao uso urbano, apoiadas nas múltiplas funções dos seus programas (comércio, serviços e habitação) e nas propostas de implantação que estabeleciam novos traçados para os percursos dos pedestres que se sobrepunham ao traçado viário existente. No perímetro citado é possível destacar pelo menos 20 edifícios que foram construídos com galerias de passagem abrigando serviços e comércio nas suas bases, verdadeiras ruas internas ao edifício privado que se interligam ao passeio público e entre si, oferecendo a alternativa dos passeios cobertos, numa trama rica de relações entre a arquitetura e a cidade. São eles: Edifício Eiffel, Edifício Copan, Edifício Itália, Edifício Conde Silvio Penteado, Edifício Louvre, Conjunto Zarvos e Ambassador, Galeria Metrópole, Edifícios Esther e Arthur Nogueira, Galeria Califórnia, Galeria Louzã, Galeria das Artes, Galeria 7 de Abril, Galeria Ipê, Galeria Nova Barão, Galerias Itá e R. Monteiro, Galeria Guatapará, Grandes Galerias, Conjunto Presidente, Galeria Olido e Galeria Apolo. (3)

Os edifícios Copan (1951), de Oscar Niemeyer, e a Galeria Metrópole (1959), de Salvador Candia e Giancarlo Gasperini, são dois exemplos notáveis que, após sofrerem com o abandono e a degradação física, estão sendo recuperados, demonstrando suas respectivas capacidades de atualização e suaslições de urbanidade para uma cidade que se quer sempre-nova.

O Copan é um dos marcos da paisagem paulistana. Seu volume único e curvilíneo, definido por lâminas horizontais com a função de brise-soleil, possui 30 pisos, 1.600 apartamentos com cerca de 5.000 moradores, implantação diferenciada, com uma permeabilidade generosa: suas galerias em declive suave promovem o ajuste de níveis entre as ruas circundantes. A Galeria Metrópole é definida por umatorre com 23 andares destinada a escritórios sobre um embasamento de 5 pisos, desenhado como uma quadra urbana vertical: um jardim interno descoberto (como uma praça), circundado por lojas comerciais e suas vitrinas e uma grande sala de cinema (hoje, inativa). A Galeria Metrópole com frentes para a Av. São Luiz e a Praça D. José Gaspar (onde fica a Biblioteca Mário de Andrade) possui um outro acesso para a Rua Basílio da Gamaque estabelece um ligação diretacom a Praça da República. Ambos, portanto, funcionam como um centro de confluência e irradiação de percursos para pedestres.

Do Copan pode-se chegar à Galeria Metrópole passando sob o Edifício Conde Silvio Penteado e atravessando a Av. São Luiz. Trata-se de um pequeno percurso, porém representativo do que aqui se quer destacar: a absorção de princípios da arquitetura e do urbanismo modernos, em São Paulo, realizou-se em contexto urbano consolidado, o que exigiu uma interdependência entre arquitetura e urbanismo pensada a partir das permanências estabelecidas. Descrever a genealogia destes edifícios, apontando as soluções precedentes e que serviram de referência, não é suficiente para conhecer os seus valores urbanos. Tais valores são percebidos quando o estudo da arquitetura não se resume ao caso isolado, mas reconhece a dimensão sistêmica e urbana que um conjunto de edifícios foi capaz de realizar. É surpreendente que estas ações não tenham sido coordenadas, mas desenvolvidas isoladamente em torno de uma visão de cidade. O Centro Novo não foi apenas uma extensão do velho, mas um novo modelo de cidade que expressa um convite ao convívio próprio das ruas como espaço da vida social ativa e o momento do processo de metropolização de São Paulo mais atento ao seu peculiar sentido cosmopolita. Soluções que permanecem atuais ao se contraporem ao modelo de exclusão e segregação vigentes.

notas

1
LÉVI-STRAUSS, C. - Saudades de São Paulo, S. Paulo, Instituto Moreira Salles / Cia. das Letras, 1996, p.7.

2
LIMA DE TOLEDO, B. – São Paulo – três cidades em um século. 3ª. ed. rev. e ampl. - S. Paulo, Cosac &Naify / Duas Cidades, 2004.

3
COSTA, Sabrina S. Fontenele – Relações entre o traçado urbano e os edifícios modernos no Centro de São Paulo – Arquitetura e Cidade (1938/1960) – Tese de Doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2010.

sobre o autor

Luís Antônio Jorge é arquiteto e urbanista. Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

 

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