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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Laura Belik escreve sobre a mobilidade urbana observando as variações históricas na ênfase entre o transporte individual e coletivo, assim reposicionando a situação contemporânea.

how to quote

BELIK, Laura. Artacho, carros e metrô. Reflexão sobre mobilidade e moradia em São Paulo. Drops, São Paulo, ano 14, n. 075.06, Vitruvius, dez. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.075/4999>.


Vista da Rua Augusta pelo Conjunto Nacional
Foto Laura Belik


Viver em São Paulo sempre esteve ligado à mobilidade. A expansão do centro e áreaslindeiras à ferrovia para além dos espigões da Avenida Paulista no Século XX só foi concretizada quando se garantiu o fácil acesso a esses locais antes isolados.

A década de 1930 foi marcada pela presença do carro, principalmente devido ao novo Plano de Avenidas de Prestes Maia, seguido nas décadas seguintes pelos incentivos em escala nacional do então presidente Juscelino Kubitschek (1956-61), que concretiza o sonho americano dentro da política da boa vizinhança com a visionária e polêmica construção de Brasília: a cidade para os carros.

O centro de São Paulo sofria constantes mudanças em suas vias e em sua ocupação. A crescente verticalização e modernização com fortes influências norte-americanas tomam o espaço dos boulevares afrancesados e palacetes multifamiliares.

Bairros como Higienópolis, continuam com um caráter predominantemente habitacional, mantendo suas “amplas avenidas arborizadas”(1), mas adensando seu skyline. Sua proximidade com a área central, fácil comunicação e acesso eram alguns dos grandes atrativos para o desenvolvimento daquela região em específico.

Arquitetos visionários, como Artacho Jurado nos anos 40, já previam a verticalização do bairro de Higienópolis. Substituindo os grandes casarões de estilo neocolonial e eclético, os grandes lotes davam lugar à construção de edifícios residenciais de luxo para onde as famílias mais abastadas da cidade poderiam se mudar e aproveitar das regalias deum condomínio com elevadores, piscinas e áreas comuns dignas de uma residênciaunifamiliar. Sendo assim uma alternativa de moradia de alto padrão às áreas dos Jardins ou da região da Paulista naquela época. (2)

Artacho apoiava e acreditava no crescimento e valorização do carro. O investimento em mobilidade na época se baseava majoritariamente na circulação rodoviária. A construtora Monções (3), dentre suas inúmeras estratégias “marqueteiras”, fez enorme sucesso de vendas ao oferecer apartamentos no Bairro do Brooklin (na época bastante afastado do centro de São Paulo) já com carro na garagem. Admitindo assimque o melhor modo de locomoção – e também ambição -era o automóvel.

O transporte público contava com uma bem estruturada malha na região central da cidade, resumindo-se basicamente a bondes elétricos e trens. Algumas linhas de ônibus chegavam em regiões de subúrbios onde as linhas ferroviárias e trilhos não mais alcançavam, sendo essas empresas privadas dominantesdesse nicho de mercado dos transportes já completamente incorporado à especulação imobiliária (4). Os carros aos poucos garantiam seu espaço nas ruas, apesar de não serem acessíveis para qualquer um. Carro também era status. Carro também é status.

A área das avenidas Angélica e Higienópolis era – e ainda é – considerada um eixo de locomoção e de mais fácil acesso por onde o transporte publico transitava com maior freqüência dentro do bairro:“Com a multiplicação das fortunas, aumentou o numero de palacetes, cuja implantação tipo ‘Villa’ ficava, de preferência, nos trajetos percorridos pelos bondes. Ocupava-se certas avenidas, que se transformavam em áreas exclusivas desse tipo de residência, graças à legislação municipal. A Avenida Higienópolis foi a primeira a ser ocupada. Em face da deterioração dos bairros próximos às ferrovias [...]” (5). Os mais importantes eixos do bairro não apenas foram os primeiros a serem ocupados com habitação justamente pela facilidade de mobilidade, como também foram o local onde se iniciou sua verticalização. A própria avenida Higienópolis (esquina com Rua Alagoas) recebeu em 1933 o primeiro edifício em altura do bairro: o “Condomínio Alagoas”.

A cultura do carro levou a elite a uma anti-cultura do transporte público como meio de locomoção majoritário. A estruturação do bairro de Higienópolis foi contemporânea à outras regiões também centrais como a Mooca e o Brás. A diferença se dá no acesso à infra-estrutura: Higienópolis foi privilegiado por uma rede de água, esgoto, gás e de transporte por bondes, enquanto os bairros operários, apesar de ganharem em primeira mão o rápido acesso via trem e metrô, não contavam com a mesma infra-estrutura do bairro mais nobre.

Se o bonde elétrico, na sua época, significou não apenas a facilidade de locomoção, mas principalmente a chegada da modernização por onde ele passava; o metrô e o trem, por sua vez, “nada mais” garantiam além de, logicamente, a mobilidade.

A chegada do metrô significa a chegada do transporte em massa e, conseqüentemente, maior fluxo de pessoas nas regiões de fácil acesso. Bairros mais nobres, predominantemente residenciais, tinham menor necessidade de uma linha de trem ou metrô do que regiões com aspecto industrial, comercial ou, de alguma forma, relacionadosa serviços, com mais demanda para esse tipo de locomoção.

Mas com o crescimento da cidade e das periferias, esses tradicionais bairros nobres residenciais foram sendo considerados como parte da região central e, como conseqüência disso, maior tráfego de pessoas nessa região, que cada vez mais o transporte rodoviário não dava conta.

“Prestes Maia lembrava que ‘a grande questão de nossos dias é justamente a competição entre o ônibus e o veículo sobre trilhos (tramways e trens).Considerava  prematura a sugestão da Light de se construir linhas de transporte subterrâneas que só se justificariam, a seu ver, quando a atual população tivesse duplicado’. O projeto da Light, para ele, sancionava que a ‘centralização existente está certa como transporte, mas não como urbanismo’, ao passo que a idéia dominante no Plano de Avenidas (1930) era ‘evitar a concentração excessiva do Triângulo, dilatar a rede central de distribuição e em particular estendê-la sobre o centro novo e auxiliar a tendência descentralizadora”. (6)

O Plano de Avenidas previa a locomoção predominantemente sobre duas rodas. Mas uma vez que a população não apenas dobrou, mas cresceu de maneira vertiginosa, a proposta feita pela Light não parecia mais tão absurda. Repito, carro é status.E esse status se multiplicou exponencialmente pela cidade, a ponto do transporte publico terrestre ficar cada vez mais ineficiente.A concentração massiva de carros se dá justamente na região central, grande bifurcação para todos os destinos (chamada de “triângulo”por Prestes Maia); e é justamente ali que o transporte subterrâneo deveria ser mais eficiente, dando espaço para aqueles que vem mais de longe conseguir transitar livremente. Já aqueles mais próximos, evitem usar seus veículos que já não mais simbolizam o luxo e sim o stress, poluição e mobilidade ineficiente em muitos casos.

Aí entra a necessidade com a qual Artacho Jurado não contava: o transporte público substituindo os veículos particulares. Um visionário atual não “compraria” seus clientes com tapete vermelho, Miss América e carro na garagem (7). Estar “por dentro” agora é morar do lado do metro, ter bicicletário, coleta seletiva de lixo e “pegada ecológica”. É se locomover com duas pernas e não com quatro rodas.

notas

1
ROLNIK, Raquel. “Sábado tem churrasco contra uma Higienópolis excludente”, in <http://raquelrolnik.wordpress.com/2011/05/12/sabado-tem-churrasco-contra-uma-higienopolis-excludente/>. Acessadoem 20/05/2011

2
LEME, Maria Eugenia França. Re- Conhecendo : Artacho Jurado.FAU-USP, Sao Paulo, 1994

3
Construtora do arquiteto Artacho Jurado

4
VVAA. “A Lógica da desordem em São Paulo”.Crescimento da Pobreza. São Paulo: Loyola, 1975. p. 21-61.

5
HOMEM, Maria Cecília Naclério. “O Palacete paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. 1867- 1918”. São Paulo: Martins Fontes, 1996 – “Cap. VI – São Paulo em 1900. A ‘metrópole do café’, a multiplicação das fortunas e dos palacetes. P. 189)

6
SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. “O papel da iniciativa privada na formação da periferia paulistana”. Espaço e Debates, nº 37, ano XIV, 1994. Pg.23

7
Referência à estratégia utilizada por Artacho Jurado para atrair compradores de seus empreendimentos nas décadas de 1940/ 1950.

sobre a autora

Laura Belik é arquiteta e urbanista formada na Escola da Cidade (2013). Em 2011, estagiou no portal Vitruvius. Pesquisadora da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, é também idealizadora do Projeto Centro e Sola de caminhadas pelo Centro da cidade. Atualmente, trabalha no Museu da Imagem e do Som (MIS).

Avenida 23 de Maio
Foto Laura Belik

 

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