“Venho por este meio agendar a entrevista/conversa com o Arquitecto Siza Vieira, propondo o dia 27 de Janeiro (domingo) pelas 12 horas”, lia-se no e-mail que recebi.
Nesse domingo o Porto recebeu-nos com chuva. Chegamos cedo à rua onde se localizam os escritórios dos dois Pritzker portugueses. Enquanto nos abrigávamos no vão de entrada da garagem, vimo-lo chegar dentro de um táxi, com alguns maços de Camel equilibrados sobre uma pasta que carregava junto ao peito.
“Sabem, até há uns dias atrás não chovia. Isto nem parecia o Porto” disse, enquanto abria o portão. Subimos pelo elevador e entramos num escritório silencioso, vazio de gente, apenas iluminado pela luz filtrada daquele dia cinzento. “Querem um café?” perguntou, enquanto ligava as luzes.
Na conversa que tivemos – interrompida por telefonemas de trabalho onde falou em três idiomas diferentes – revelou-se seu caráter humanista, qualidade que também se manifesta na sua arquitetura, comprovando o que o filósofo Alain de Botton partilhara comigo uns meses mais tarde: “A humanidade está presente nos edifícios. Para se ser um bom arquiteto é preciso ser-se uma pessoa amável. Isso é muito raro” (1). Assim é Álvaro Siza Vieira. Imagino que qualquer pessoa que o conheça se aperceba disso rapidamente.
Depois da entrevista (2), falamos sobre coisas triviais como o facto de ser Benfiquista (sendo o Porto a sua casa), da recuperação do seu braço fraturado, ou dos melhores restaurantes ali à volta. Mas também da dificuldade que é ver uma obra parada, dos projetos que ainda não foram pagos, da tristeza que é despedir 16 dos seus 25 colaboradores, da compaixão que nutre por esta jovem geração de arquitetos desempregados.
No passado “havia pouco trabalho, mas ter um escritório não custava nada. O material era uma mesa, um T, um esquadro e papel. Depois havia sempre um tio ou um amigo de família que precisava de uma casinha. Era mal pago, mas as despesas eram nada”.
Atualmente as coisas são muito diferentes. Presencia-se uma grande exportação de arquitetos portugueses de qualidade excecional. Um jovem Siza, ainda que muito talentoso, não permaneceria em Portugal no presente contexto. Isso é certo. No entanto, o respeito que se tem pelo seu trabalho é também fruto da sua amabilidade e do seu humanismo.
Em tempos de crise, é difícil dar esperança a uma geração de jovens desempregados como esta. Especialmente se essa esperança for dada através da crença de que qualidades como a persistência e a simpatia nos salvarão. Ainda assim é importante acreditar que este incerto presente nos moldará de forma positiva, num futuro melhor.
Alguém disse que “na vida ninguém tem exatamente aquilo que gostaria de ter. Mas se nos esforçarmos e se formos amáveis, coisas incríveis irão acontecer” (3). Pois bem, um dos grandes Mestres da Arquitetura não terá o que em certo momento desejou ter. No entanto, o legado que tem construído – e que sempre nos surpreende – não poderá estar desassociado do caráter do arquiteto. Por esta razão Álvaro Siza Vieira é uma inspiração para todos nós.
Mais tarde, no regresso a Lisboa, lembrar-me-ia das palavras de Peter Zumthor sobre primeiras impressões: “Vemos uma pessoa e temos uma primeira impressão. E eu aprendi: não confies nisto, tens de dar uma oportunidade a esta pessoa. Agora estou um pouco mais velho e tenho de dizer que voltei à primeira impressão. Em relação à arquitetura é um pouco assim”.
Um ano se passou desde da conversa com Siza. Hoje, só posso concordar com Zumthor.
notas
NA
Artigo publicado originalmente no blog Hugo’s Peep Box: <http://hugopeepbox.wordpress.com>
1
A integra da entrevista com Alain de Botton pode ser em:
<http://hugopeepbox.wordpress.com/interviews/alain-de-botton-2/>
2
Video para entrevista de Hugo Oliveira com Álvaro Siza: <http://www.youtube.com/watch?v=bXBD9qwguxo>
3
Citação de Conan O'Brian, no Last NBC Tonight Show: <http://www.youtube.com/watch?v=jr_X4w8FdGk>
sobre o autor
Hugo Oliveira é arquiteto e investigador para o C-Lab (Universidade de Columbia). Escreve regularmente no seu blog Hugo’s Peep Box.