A Biblioteca Brasiliana (1) é uma obra exemplar desde muitos pontos de vista. Nasce de uma iniciativa esclarecida e generosa do casal Guita e José Mindlin, tornando de acesso público sua preciosa coleção de livros. E o projeto do edifício, a cargo dos arquitetos Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin Loeb, fez jus ao rigor e à poesia que guiaram a formação da coleção, cuidando também com esmero da execução da obra, que se estendeu por longos dez anos. O projeto prima pela elegância de proporções, generosidade espacial e apuro nos detalhamentos, não apenas dos espaços e elementos estruturais, mas também do mobiliário.

Implantado em uma encosta na Cidade Universitária, o prédio-sede da Biblioteca Brasiliana e do Instituto de Estudos Brasileiros acerta, através de rampas, os dois níveis de acesso situados em cotas distintas, criando uma circulação principal em nível intermediário. O edifício é fluido e contínuo, destacando os elementos programáticos através de geometrias nítidas, como cilindros e prismas. A austeridade da combinação entre concreto, aço e vidro convém à imagem da instituição, que ao mesmo tempo se abre generosamente para o público, convidando-o a entrar e percorrer os seus espaços amplos e transparentes.

É possível enxergar nessa obra tanto um desenvolvimento inteligente das lições presentes na arquitetura da chamada “Escola Paulista” – tais como o uso do concreto aparente, rampas, pés-direitos variados, grande integração espacial dada por uma cobertura única –, quanto uma leitura acurada de exemplos lapidares da arquitetura internacional, com destaque para as obras de Louis Kahn e Gordon Bunshaft. Pode-se dizer que Eduardo e Rodrigo aprenderam com a biblioteca de livros raros e manuscritos Beinecke (1963), em New Haven, que o despojamento e a austeridade espacial não impedem que os livros sejam tratados com um halo de sacralidade.

Se a amplidão dispersiva e algo rural do campus dificulta o estabelecimento de uma sociabilidade mais intensa na Cidade Universitária, a Biblioteca Brasiliana cria uma centralidade verdadeiramente urbana e agregadora, favorecendo a permanência no lugar. Além disso, o surgimento desse edifício exemplar na USP hoje contrasta tanto com o estado de penúria do seu principal exemplar arquitetônico – o prédio da FAU –, quanto com a mediocridade dos edifícios construídos mais recentemente, tais como o anexo da própria FAU e a Faculdade de Geociências. Por essas razões, a inauguração da sede da Biblioteca Brasiliana na USP, projetada por Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin Loeb, nos dá razões para acreditar numa retomada da arquitetura como valor social no Brasil nos tempos atuais.

nota

sobre o autor

Guilherme Wisnik é arquiteto, crítico e curador. Autor de Lucio Costa (Cosac Naify, 2001) e Estado crítico (Publifolha, 2009), é professor da FAUUSP e curador da 10a Bienal de Arquitetura de São Paulo (2013)