O Cine Líder ficava (e uma parte importante dele ainda fica) na rua Conselheiro Nébias 197, no bairro de Santa Ifigênia, centro de São Paulo.
Quando foi inaugurado, em 1961, ele era um “moderno e acolhedor cinema em pleno coração da cidade”, e sua proposta era especializar-se em reprises de filmes de sucesso. O Manto Sagrado, Terra dos Faraós, Rebelião na Índia e Tarde Demais para Esquecer, todos da década de 1950, estavam no programa de estréia. As seções começavam às 10 da manhã e os preços eram populares, com descontos para estudantes e militares. “O Cine Líder agradece desde já a sua preferência, prometendo fazê-lo reviver deliciosos momentos do passado”, dizia o anúncio na Folha de S. Paulo.
Pelo jeito, a proposta não deu muito certo. Menos de um ano depois da inauguração, as delícias prometidas eram de outra natureza. “Os mistérios do sexo desvendados num filme realista”, dizia um anúncio de 1962, e também avisava que o cinema era “só para homens” e “reservado para um público adulto”.
Nos anos 1970 o cinema mudou de nome. Virou Cine-Teatro Can Can e incrementou a atividade: passou a intercalar as projeções de filmes com shows no palco. Esta foi a fase mais duradoura. De Pernas Abertas, O Negócio Está De Pé, O Vale das Taradas e Bacanal na Ilha da Fantasia foram algumas das inúmeras produções cinematográficas exibidas. Numa foto de 1981, um letreiro luminoso instalado na fachada descreve o local como “paraíso do teatro erótico e do cinema realista”.
O último anúncio em jornais saiu em 1990 (estava em cartaz Fêmeas que Topam Tudo) e o prédio foi demolido logo depois. Mas ficou em pé a parede lateral da plateia, de onde uma paisagem mexicana, um cameraman, um diretor de cinema, o Carlitos de Chaplin e um índio de faroeste assistiam impassíveis a todas as mudanças. Eles foram ficando ali, juntos e firmes. E apesar das adversidades, nunca deixaram de cumprir a promessa da inauguração: nos fazem reviver até hoje “deliciosos momentos do passado”.
Na minha opinião, este é o estacionamento mais bonito de São Paulo.
sobre o autor
Martin Jayo é professor da EACH-USP e editor do blog “Quando a Cidade era Mais Gentil”.