No Brasil, “ocupar e resistir” é uma expressão comumente relacionada às lutas por moradia e por terra. Porém, considero que os chamados “rolezinhos”, que ganharam destaque midiático no início deste ano, acrescentam novos significados a esta expressão. Estes atos, surgidos como uma reação à crescente segregação socioespacial das cidades brasileiras, caracterizam-se como ações de ocupação de espaços historicamente e ideologicamente negados ao povo e como ações de resistência ao racismo e ao elitismo profundamente arraigados em nossa sociedade.
Nunca imaginei que um dia a ida ao shopping seria vista como um ato de resistência política. Os chamados “rolezinhos;” noticiados pelos meios de comunicação desde dezembro de 2013, consistem em uma simples ida de jovens, em grupos, aos shopping centers. Algo comum, já que o grande contingente de frequentadores destes espaços são jovens. Porém, o que despertou a revolta de algumas pessoas em relação a estes “rolezinhos” foi o tipo de jovem que o está realizando: pobres e, em sua maioria, negros.
O ápice da revolta gerou ações de repressão contra a circulação de jovens, como uma liminar para impedir o "Rolezaum no Shoppim", evento marcado por meio do Facebook, para o último sábado, 11 de janeiro, no Shopping JK Iguatemi, um símbolo do luxo e da ostentação da elite paulistana; evento que foi criando como forma de protesto à segregação da juventude pobre e negra e resultou na instalação de portas blindadas, vigiadas por policiais e a presença de um oficial de justiça na entrada do local. E a agressividade elitista também se manifestou no outro extremo da cidade, no Shopping Metrô Itaquera, onde houve conflitos com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e pessoas sendo detidas pela Polícia Militar. Isto são consequências do incômodo que pobres e negros, até então “escondidos”, podem causar, quando resolvem retomar seu Direito à Cidade. Esta que, por sinal, não esconde sua configuração segregacionista, dividindo-se em Casa Grande, atualmente os bairros centrais e os “nobres”, e Senzala, representada pela periferia distante. Já é uma regra para a sociedade brasileira, não uma exceção, varrer o que não agrada para debaixo do tapete.
Atitude de limpeza que é ressaltada quando percebemos a invasão de shoppings em áreas até então desvalorizadas. É um jogo de contradições, um grande empreendimento que vende como propaganda lazer, entretenimento e consumo; que se instala num ambiente carente de espaços públicos e enfraquece por conta da sua estrutura o comércio local, criando uma situação de dependência desses moradores para com ele. Mas que ao mesmo tempo, nega os moradores da região, e valoriza a terra ao seu redor, criando um processo de expulsão daqueles que não conseguem lidar com o aumento dos IPTUs. Em outras palavras, estão agregando valor à periferia para mudar a cara da periferia.
O que não imaginavam é que surgiriam os chamados “rolezinhos”, que geraram a necessidade imediata de “limpeza” da forma como já se é acostumado a fazer. Denúncias contra estabelecimentos por mau atendimento, negados a negros e/ou pobres, não é fato recente, mas antigo e corriqueiro em nossa história. Contudo, o mais revoltante é quando se justifica a proibição dos “rolezinhos” com o argumento de que se está tentando prevenir arrastões, restringindo, dessa forma, o direito destes jovens, tendo como fundamento um crime que os mesmos nem cometeram, culpabilizando-os antecipadamente. Tal atitude frequente e execrável é bem traduzida na expressão “tem cara de bandido”, que nem é preciso esclarecer o quanto é racista e elitista.
Devemos resistir, pois somos empregadas nesse momento sentadas no sofá da mulher branca de classe média alta, e ela está nos dizendo que não deveríamos estar lá, porque aquele não é o nosso lugar, deveríamos estar no quartinho da empregada, segundo sua lógica. Mas não queremos e não vamos obedecer, vamos resistir cobrando: espaços públicos; fiscalização pra esses grandes empreendimentos que se espalham tão facilmente, como é o caso dos shoppings; uma cidade que não seja socialmente e espacialmente segregadora e soluções que não sejam mais nocivas e despreparadas para lidar com tais situações, como a criação de um “Rolezodromo”, sugerida pelo governador. Por fim, reafirmando nosso lugar, que é nos shoppings, nas cidades, nas ruas ou em qualquer local que seja da nossa vontade, pois somos livres.
sobre a autora
Stephanie Ribeiro é estudante de Arquitetura e Urbanismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas.