Muito tempo depois dos anos 1955-60, do período de formação, já na década de 1970, quando todos os arquitetos haviam sucumbido à hegemonia artística de Brasília, os projetos de Eduardo de Almeida parecem indiferentes à espetaculosidade, parecem apenas movidos pela solução meticulosa e irreprimível, também generosa, do artefato de arquitetura. A explicação dos atributos nesses projetos pode encontrar nexo num intenso interesse profissional e numa educação universal, encantada e convencida pela comparação de toda arte e arquitetura. Livre do preconceito e do infausto dogmatismo pôde Almeida estudar e manter-se atento, aflito e enredado com os infindáveis e intricados problemas da construção da forma.
Mas não lhe interessa qualquer boa construção, ou a instantânea reputação da arte de construir que faz do engenheiro um artista e do artífice um artesão. Como acontece ao autêntico moderno, Almeida está dominado e só persegue o oportuno e o conciso da construção – formal e material − e, por isso, tanto se queixa do esforço e da imponderabilidade implícitos em desvelar legalidade no objeto através do sentido de sua interpretação programática e de decisões constitutivas.
Dessa convicção emerge sua reiterada máxima: “o bom detalhe é aquele que não se vê”. Uma espécie de senha ou provérbio com que identificar-se e juntar-se à seita que domina difíceis códigos da profissão e da correção moderna. Boutade que revela ambivalência, ao mesmo tempo orgulhosa e melancólica, pois tanto pode referir-se ao obrigatório cumprimento da abstração com que dissolver a tarefa e o desempenho técnico na forma pura, como também pode queixar-se da cegueira em incapazes de reconhecer a superioridade da congruência moderna na ação de formar e construir. Da improbabilidade de discernir, num desenho, a condensação e o mérito profissional: a inteligência.
Almeida tem muitos admiradores certos de estar diante de obra e arquiteto notáveis, no entanto, os atributos de seu trabalho não se enquadram no chamamento artístico feito no Brasil, onde perfeição e refinamento são, quando menos, afetações. Urgências e interesses trazem diversas questões e expõem uma cisão entre a arquitetura conclusiva e prescritível e a arquitetura emocionante e inventiva. Um transtorno que há muito afeta a todos.
nota
NA — Texto originalmente escrito para a divulgação do evento “Palestra com Eduardo de Almeida”, 10 mar. 2010, às 15h, no Auditório Jorge Caron, Campus 1, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo – USP.
sobre o autor
Luis Espallargas Gimenez é arquiteto (1977) e doutor pela FAU USP (2004). É professor do IAU USP São Carlos, desde 2007. Desde 1993 é titular do escritório Luis Espallargas Arquitetura, com menções e premiações em concursos nacionais de arquitetura e Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Editou, com Abílio Guerra, a revista Óculum n. 10-11, 1997, dedicada ao projeto Céramique de Jo Coenen, em Maastricht, Holanda. É autor de diversos artigos e capítulos dos livros Eduardo de Almeida (Romano Guerra, 2002), Paulo Mendes da Rocha (UPC, 2003), Eduardo de Almeida (UPC, 2005) e Habitação e cidade (Escola da Cidade, 2009).