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drops ISSN 2175-6716

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O artigo trata do impacto urbano do jogo Pokémon Go e de como a tecnologia pode intermediar a relação entre a cidade e seus habitantes, imaginando como seu dinamismo e construção horizontal se contrapõe aos modos tradicionais de planejamento urbano.

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QUINTANILHA, Rogério Penna. A cidade e os pokémons. Drops, São Paulo, ano 17, n. 108.09, Vitruvius, set. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.108/6210>.


Os costumeiros frequentadores de espaços públicos foram surpreendidos por um novo tipo de personagem urbano: os caçadores de pokémons. Normalmente jovens, embora crianças e alguns trintões ou quarentões também participem, caminhando em grupos armados de smartfones. De repente, a notícia do aparecimento de um pokémon raro a algumas quadras promove uma correria um tanto descuidada de alguns caçadores que atravessam por entre os carros de cabeça baixa. É preciso ser rápido para capturá-lo.

A interferência entre tecnologia e cidade, especialmente com o advento e popularização dos smartfones, tem sido assustadoramente desprezada pelo debate urbanístico acadêmico. Primeiro foram os aplicativos capazes de simplesmente distribuir informação como localização de ruas e endereços e rotas para automóveis, transporte público ou bicicleta, e mais tarde acompanhar o deslocamento do próprio ônibus por um mapa virtual. Com o tempo, o celular também passou a ser utilizado como meio de pagamento para o aluguel de bicicletas e zona azul, por exemplo. Depois, com a possibilidade de que os usuários retroalimentassem esta informação informando sobre a situação do trânsito, acidentes, mal funcionamento do metrô, semáforos desligados, ou avaliando pontos de interesse comerciais, praças, museus etc. A interação entre usuários descortinou uma infinidade de novas aplicações e contatos baseados na localização, tornando possível encontrar de vagas de estacionamento a um vizinho que tenha um cortador de grama para emprestar. Finalmente, a possibilidade interação alcançou não apenas outros usuários mas o próprio espaço: a realidade aumentada, uma tecnologia cuja história não cabe contar aqui, da qual Pokémon Go não é o primeiro exemplo, mas talvez o urbanisticamente mais visível e, até agora, paradigmático.

As interações entre o jogo e a cidade se dá em vários níveis. Em primeiro lugar, instalado o aplicativo, o jogador se vê em um mapa das redondezas onde pode verificar se existem pokémons, os mesmos monstrinhos lutadores que fizeram sucesso em um desenho animado nos anos 1990, nas proximidades. Se houver, o caçador precisa ir fisicamente até o local para tentar capturar o bichinho. Embora tenham preferência por espaços públicos, Pokémons podem aparecer em qualquer lugar, dentro de casa inclusive. Algumas vezes os jogadores conseguem ovos de pokémons que são chocados a medida que o jogador caminha grandes distâncias, alguns quilômetros em linha reta, pela cidade – não vale andar ao redor da mesa da sala e nem de carro. Entretanto, há locais na cidade que são especiais: os pokestops, onde os jogadores coletam itens especiais e os ginásios, onde os pokémons duelam entre si pelo controle do território. Pokestops e ginásios localizam-se em espaços públicos como praças e parques. É nesses espaços que a presença dos caçadores de pokémon é mais notada.

Entre críticas e exaltações, Pokémon Go tem uma realização notável: retirou milhares de pessoas do sedentarismo e ninguém sabe quantos jovens de dentro do próprio quarto, e os levou a caminhar e descobrir a cidade em que vivem, um desafio que vem ocupando a cabeça dos projetistas de espaços públicos pelo mundo com mais ou menos sucesso e, em alguns casos, com retumbante fracasso. O primeiro problema é, porque o jogo conseguiu o que não conseguimos?

A primeira lição vem, evidentemente, da participação. Não há dúvidas de que os urbanistas têm se preocupado com isso a um bom tempo, seja no respeito aos caminhos de desejo, seja na convocação para participação na elaboração de planos diretores. Os mecanismos desta participação, entretanto, soam ainda artificiais e engessados em relação às possibilidades tecnológicas que se apresentam. É verdade também que existem tentativas de se distribuir conteúdo via internet – informações sobre o zoneamento e plano diretor, por exemplo –, mas a retroalimentação dessas informações é precária ou impossível, salvo em aplicativos de trânsito. Alguns aplicativos de comunicação entre o cidadão e o poder público já foram criados mas, pelo menos no Brasil, sem sucesso. Através deles era possível comunicar e sinalizar semáforos quebrados, terrenos abandonados ou outros serviços de manutenção urbana, mas a falta de resposta por parte dos responsáveis desestimulava as contribuições. Dessa forma, fica claro que utilizar a internet e os celulares como simples versão contemporânea do telefone de reclamações do século 20 está muito aquém das possibilidades. É preciso que a cidade seja interativa, fato que deveria ser historicamente evidente. O quanto do interesse sobre a cidade se perde, ou quanto interessante ela deixa de ser, a medida que é dada, imposta e fixada por forças absolutamente estranhas ao cidadão comum como arranjos políticos ou o mercado imobiliário, por exemplo? Pois, se um jogo para celular permite uma emulação da produção desse espaço pelo cidadão, ainda que confinado ao ambiente virtual, antes de que se aponte para a superficialidade e efemeridade desta relação pode-se entender o fenômeno como um protesto: construiremos a cidade virtual não porque não nos interessamos pela cidade real, mas porque ela não mais nos pertence.

Em segundo lugar, Pokémon Go torna a cidade dinâmica e curiosa, duas características hoje tão raras. Por dinamismo, não entendemos aqui o vai e vem de automóveis e pessoas que, de passagem, apenas configuram não-lugares, ou o dinamismo das vitrines, sempre novas e sempre as mesmas, mas o dinamismo imprevisível do aparecimento de pokémons em lugares diferentes a cada momento, que faz com que os jogadores mantenham-se em permanente estado de monitoramento do espaço ao redor. A cidade perde, a cada dia, sua espontaneidade, perdida entre processos burocráticos, autorizações policiais e agendamentos que, sob o verniz da segurança apenas trabalham para a homogeneização da cidade, como sabe quem quer que tenha tentado conseguir autorização para uma exibição de cinema em uma praça, por exemplo. A cidade segura é aquela em que não acontece nada, o que na prática é a privatização, e exploração comercial, de tudo o que nela puder causar curiosidade.

A participação e, de fato, a própria construção dessa dinâmica pelos jogadores é facilitada por uma escala muito mais próxima daquilo que conseguimos apreender. Sabemos que uma das dificuldades da participação popular na elaboração de planos diretores é a escala dos projetos: é difícil para a maioria das pessoas pensar a cidade como um todo, para além de sua própria rua ou vizinhança. Muito embora o mapa de quarteirões exibido na tela dos smartphones seja virtual, o raio de poucas quadras permite sua conexão, pelos jogadores, com a realidade. Quanto menor a escala, mais abstrata a cidade se torna. A cidade de Pokémon Go é dinâmica, imprevisível, curiosa e pequena, repleta de muitos eventos pontuais em vez dos grandes eventos massificadores e homogêneos da cidade capitalista.

Finalmente, Pokémon Go, e os aplicativos que certamente continuarão a se desenvolver, apontam na direção de uma cidade construída horizontalmente, sem intermediação. De fato, uma cidade que precisa se reinventar dinâmica e flexível, diante da potência e imobilidade das superadas organizações verticais.

sobre o autor

Rogério Penna Quintanilha é arquiteto e urbanista, doutor em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP, professor do curso de arquitetura da Unoeste de Presidente Prudente.

 

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