Fechado há quase três anos, em razão dos riscos que as instalações ofereciam ao público, o Teatro Nacional hoje, é apenas um presságio do que poderia vir a se tornar Brasília se deixasse de ser o Distrito Federal, como um dia ocorreu a cidade do Rio de Janeiro, após cerca de dois séculos como capital do país. O cenário de abandono, quase apocalíptico, na época, não coube bem à cidade maravilhosa, mas se harmoniza felizmente, com a cidade brasiliense, fruto maduro da utopia moderna.
Externamente, o teatro – um tronco de pirâmide de feição pré-colombiana – denuncia silencioso a inatividade interna. A pátina faz envelhecer sem deteriorar; os tapumes que selam as portas, deixam velada a resignação da obra. O único acesso – ocasionalmente, o principal – foi recentemente reaberto para servir como atalho exclusivo dos servidores da Secretaria de Cultura do DF, alocados no subsolo adjacente ao teatro; caso contrário, caminhariam metros mais sob o sol escaldante até a rodoviária central.
No acesso principal, a porta – uma folha de vidro simples, já sem maçaneta –, quando aberta, libera o ar úmido do foyer. O jardim de Roberto Burle Marx, sem a manutenção periódica, consolidou um ecossistema próprio. Sob o teto inclinado de cristal a transpiração das plantas reage à incidência direta do sol, e a umidade acelera o crescimento da vegetação, ao efeito de uma estufa; também convidativo para os répteis, anfíbios e aracnídeos que ao cruzarem uma das vidraças estilhaçadas, encontram abrigo à esterilidade do cerrado.
A escultura O Contorcionista, de Alfredo Ceschiatti, recebeu uma intricada teia de aranha no aro do bambolê, e O Pássaro, de Marianne Peretti, em bronze reluzente, replica o sol no meio ambiente incomum. As peças são testemunhas oculares das recepções formais nas noites de apresentação da orquestra sinfônica da casa, quando circulavam tacinhas de espumante ao som de bossa nova.
No jardim babilônico, espécies desconhecidas surgem em meio às implantadas originalmente; um cenário de passado pré-histórico concomitante ao presente alucinado, ao gosto de Steven Spielberg; ou de uma nova origem que desponta de um presente desobediente – o Jardim do Éden, já sem os frutos proibidos.
A perseverança do arquiteto brasileiro em integrar intuitivamente arquitetura e paisagem desponta finalmente, e antes do que se imaginava, como fórmula incubadora da vida. Sobrenatural – diziam alguns sobre os modernos brasileiros – sem argumentos que validassem o palpite. Não sabiam que de fato, aqueles desenhavam para o futuro e muniam sua obra de sobrevida – projetavam para o fim, e o recomeço.
sobre o autor
Felipe SS Rodrigues é arquiteto (FAU Mackenzie, 2014) e mestrando (FAU Mackenzie, 2016) com estudos complementares na New Jersey Institute of Technology (2012), e no Pratt Institute em Nova Iorque (2013). Colaborou com o arquiteto Isay Weinfeld (2011), e com Rem Koolhaas no OMA de Roterdão (2013).